LVI -Alícia
Aquela merda de árvore era uma cerejeira. Uma belíssima copa cor de rosa, alegre e vibrante. Um contraste quase irônico com aquele pesadelo. Alícia não se assustava ao acordar ali há muito tempo, mas ela mal se mexeu quando viu o pesadelo de Isabelle tão cheio de cores. Ela ficou parada na névoa, menos densa do que o habitual, esperando alguém aparecer. Foi uma risada que a fez virar-se e dar dois passos para trás.
Isabelle estava sorrindo. Rindo de verdade, de felicidade, de um jeito que Alícia só havia visto quando ela ainda estava na Escola Preparatória da Província de Tâmara, abraçando seu pai ou conversando com Dave Fellows. A guerreira deu mais dois passos para trás, posicionando-se bem embaixo das pétalas cor-de-rosas que caíam lentamente da cerejeira. E congelou quando DiPrata aproximou-se para um abraço.
-Tenho pressa –ela falou por entre um sorriso e outro. –Mas estou muito contente. Agradeça seu irmão e Dave Fellows por mim. Agora que temos Argia, falta muito pouco.
Alícia afastou-se, empurrando ela delicadamente para trás. Franziu as sobrancelhas e esperou que Isabelle se explicasse. A menina contou sobre o feito de Dave e o retorno de Argia, que Alícia não havia acompanhado. A menina não pode deixar de sorrir junto da outra.
-Onde esteve todo esse tempo? –perguntou Isabelle.
-Com Tâmara –respondeu. –Vou liderar seu exército, mas você já deve saber disso. Aliás, seu irmão tem sangue nos olhos e você como mira.
Isabelle deu de ombros.
-Ele não está lutando com meu pai e Thaila? Eu não tenho nada a ver com eles. Serei toda sua, Alícia. E não vou pegar leve. Deixe as crianças mais novas na proteção das cidades. Eles não gostariam nada de ter que enfrentar meu batalhão.
-Isso soa tão idiota –Alícia adiantou-se até o banco que completava a cena daquele pesadelo tão vazio. Acomodou-se e esperou que Isabelle fizesse o mesmo. –Você não é a protetora dela?
-Sim. Mas ela acha mais engraçado me mandar contra o meu pai do que proteger-se. Tabata não sabe nada sobre a decisão de Gary e tem muita fé em seu plano. Vai mandar Pedro até Argia e seus outros psicopatas favoritos para seus outros irmãos. Está obcecada com suas côndefas e a cabeça roxa de Thaila –ela virou o rosto para fitar a cerejeira antes de continuar. –Tabata é uma idiota, mas soube esperar. Seu exército é assustadoramente forte. Espero que vocês tenham um bom plano.
-É claro que temos. Eu acho –deu de ombros. –Riley disse que eu deveria me preocupar com Tâmara e minha família que vai estar no meio deles. Confio em Dave e em suas ideias.
-Eu também –sorriu novamente. Era incrível como seus dentes brancos faziam seus olhos azuis reluzir. –Na pior das hipóteses, você morre, e o problema é meu depois de Tabata ganhar a guerra. Mas enquanto isso não acontece, vamos nos divertir um pouco.
-Temos conceitos de diversão muito diferentes, Isabelle, sabe disso.
A névoa foi ficando mais densa conforme o pesadelo desaparecia. Dessa vez, a menina não pediu silêncio. Apenas sorriu. Alícia sentiu seu corpo aos poucos, e estava tão relaxada que quase caiu no sono novamente. Estava sentada no colo de alguém que acariciava seus cabelos muito delicadamente. A pele dessa pessoa era muito macia, e cheirava à flores. Abriu os olhos e bocejou lentamente, e teria espriguiçado-se com muita calma se o mundo ao seu redor não tivesse chacoalhado violentamente, obrigando-a a agarrar-se às coxas de quem a acariciava para não cair no chão.
Olhou ao seu redor para tentar entender onde estava, e não lembrava de ter dormido na carroagem de Tâmara, então demorou para processar as informações. A princesa tocou nas mãos da menina que espremiam suas pernas e colocou-a ao seu lado no banco. Alícia também não se lembarva de ter vestido o macacão que ganhara da princesa e nem seu cinto de facas, mas sentia-se muito mais segura naquelas roupas.
-Estamos chegando –Tâmara falou. –Não vai dormir desse jeito quando tiver que lutar, não é?
-Claro que não –ela respondeu, coçando os olhos. Olhou para fora e nem precisou perguntar para onde estavam indo. Conhecia bem a cidade mais próxima do Castelo de Vidro, com as ruas em paralelepípedos e casas luxuosas. Imaginou que Thaila tinha algo importante para dizer, ou que Tâmara precisava conversar com Gary, então permaneceu calada, ainda tentando aproveitar da estranha paz do pesadelo de Isabelle.
O portão não foi fechado imediatamente após a carroagem passar, e Alícia nem estranhou aquilo. Um cadeado e dez espadas não impediriam Tabata de passar. Mas os guardas o deixaram escancarado e saíram da vigia, deixando apenas dois homens mais afastados, quase camuflados na erva e no escuro da noite. Isso a preocupou, mas ela continuou em silêncio. Não cumprimentou ninguém que lhe desejou boa noite no caminho até a sala de reuniões e nem as pessoas que estavam lá dentro. Tâmara era sempre a última a chegar para tudo o que era chamada, o que significa que Alícia ignorou muita gente.
Na maioria das vezes, a sala de reuniões do Castelo de Vidro emitia poder. Desta vez, a menina ficou assustada. Todos os príncipes pareciam muito cansados, e Elias tinha uma perna enfaixada. Marineva estava chorando no colo de seu marido, que tentava conforta-la e aquece-la em uma das tapeçarias que ela mesma havia criado. A cena retratada era assustadora. Mostrava Marineva e sua irmã do mal Dneva estrangulando uma a outra, e duas mulheres retratadas como espíritos emergiam de suas costas: uma era Thaila e a outra Tabata, também enforcando-se, com ainda mais fúria. Alícia não demorou-se muito nos detalhes; lhe deu arrepios. Elói andava de um lado para o outro, impaciente enquanto Teresa tentava convence-lo a parar e sentar. Tâmara cumprimentou sua irmã gêmea e acomodou-se em seu trono, e Alícia ficou parada no meio do corredor, confusa. A cadeira reservada ao rei de Érestha estava ocupada por uma senhora com óculos de sol que segurava duas coroas. Isso deveria ser um crime, não deveria? ela pensou.
-Podemos andar logo com isso? –Alícia reconheceu a voz de seu irmão vindo do fundo da sala. Todos os murmúreos antes presente cessaram e ela virou para encara-lo. Ele parecia desconfortável com todos os olhos nele. –Por favor, -completou, envergonhado.
-O corpo da princesa Argia foi devolvido –Dave falou, sentando-se no braço do trono de Thaila enquanto segurava seu ombro machucado. –Tudo o que nos resta é nos livar de Tabata e seu exército.
Ninguém respondeu o menino. Todos arregalaram os olhos para Thaila, sentada em seu trono e sussurrando para Dafne. Dave não pareceu muito contente com todos esperando a palavra da rainha ao invés de perguntar qualquer coisa diretamente para ele. Quando Elói tomou ar para dizer alguma coisa, Thaila anuiu para a senhora e as duas levantaram-se.
-Nós temos um plano –Thaila falou. –E tudo o que vocês tem que fazer é proteger a si mesmos. Nossos novos amigos mercenários vão eliminar a quadra mais perigosa de nossa irmã, que serão tamném os responsáveis pela morte da própria.
-Como, exatamente, pretende fazer isso? –Elias perguntou, mexendo-se um pouco inquieto para tentar ter uma visão melhor da irmã. Alícia não tinha percebido até então que ainda estava parada no meio do corredor. Adiantou-se até sua princesa e posicionou-se em pé bem de frente para Missie Olho-de-Prata.
-Vamos usar um truque no qual sou especialista –disse Dafne. Mas sua voz era diferente, e quando ela tirou os óculos, não era cega. Tinha órbitas cheias de um inteiro universo. Ela levantou as duas coroas para mostrar a todos, e transformou-se de Dafne em uma mulher. Sua pele era repleta de cores e ela vestia sua própria coroa feita de algas, pedra, areia e prata. –Ajudei Dafne a construir essa réplica da coroa da rainha. Isso vai fazer com que as côndefas confundam sua líder com seu alvo, e eliminem Tabata com suas próprias mãos.
Teresa foi a primeira a manifestar-se, mas não para comentar sobre as palavras de Terlúria, e sim para chorar e gritar o nome de sua filha enquanto corria de baços abertoa para abraça-la. Ninguém tentou impedi-la, embora alguns pareciam extremamente impacientes, querendo entender mais e sair logo dali para proteger seus súditos. Alícia era um deles. Estava animada para encontrar Isabelle em pessoa.
-Vai ficar tudo bem, mamãe –Terlúria sussurrou para Teresa. Alícia provavelmente foi a única que pode escutar em toda aquela sala. O sorriso nos lábios da filha esvaiu-se quando sua mãe começou a falar sobre visitas e um quarto no Castelo de Conchas. Terlúria balançou a cabeça. –Eu não quero nada disso –estendeu a coroa para a rainha e voltou a sentar-se. Esperou que Teresa afastasse-se para continuar. –Parem de fingir que se importam e foquem no que a minha avó lhes deixou. Há gente demais morrendo nos mares ultimamente, e minha ilha não comporta todos. Cumpramos uma promessa de cada vez.
-Estou ansioso para conhecer essa Dafne –comentou Elias, pondo-se de pé e mancando até sua irmã mais nova. Pegou a réplica da coroa da rainha e analisou-a, virando-a de um lado para o outro, e então resolveu vesti-la. Imediatamente, o príncipe transformou-se em Thaila, exatamente como Terlúria fazia com suas habilidades. Seus irmãos suspiraram, surpresos. Ele encarou os proóprios braços, as pernas, examinou suas roupas, mas não parecia convencido. –O que vocês veêm?
-Um pesadelo –Tâmara respondeu. Ela olhou para Riley quando continuou –Ok, ótimo, e o que mais precisamos saber? Como ajudamos.
-Mantêm-se vivos –o menino disse, sorridente, segurando o enorme livro da Rainha. –Cada um cuida de sua província e tenta segurar o exército de Tabata até que ela e Pedro sejam mortos e as tropas sejam contidas. Depois, limpamos a bagunça.
-Sim, mas –começou Gary DiPrata, dando um passo à frente. Ele esteve perto da porta esse tempo todo, como se quisesse fugir. Tinha uma expressão enjoada no rosto. –e essa outra coroa? Para que serve?
Alícia não virou-se para ouvir a explicação. Ficou encarando o general, esperando para ver sua reação ao ouvir que a coroa de ágata branca e preta repousaria sob os cachos negros de sua filha muito em breve. Mas ninguém disse nada. Na verdade, todos viraram o rosto para Alícia. Confusa, ela olhou em volta, até perceber que Terlúria estendia a coroa para ela. A menina aceitou, sorridente.
-Você vai ver em breve, Diretor –ela respondeu.
-Agora, –Dave falou, levantando-se –vamos. Vamos ganhar essa guerra.
A sala de reuniões transformou-se em uma confusão de abraços e palavras de incentivo. As portas foram abertas, mas ninguém parecia interessado em sair dali. A primeira reação de Alícia foi andar até o irmão. Ele deve ter pensaod o mesmo, e os dois encontraram-se no meio da sala. Ele dobrou, apertou e fez o livro da rainha diminuir até caber em seu bolso. Então passou um braço pelos ombros da irmã, sorridente.
-Acha que temos tempo de ir até a escola pegar Dencion e Rúfius antes de Tabata tentar atacar o Castelo de Marfim? –ele perguntou.
-Como assim, nós?
-Acha que eu vou ficar fazendo o que esse tempo todo? Sentado, lendo? E deixar minha irmãzinha e minha namorada lutando sozinhas pela minha princesa? Não, obrigada.
-M-mas, e Thaila? E Dave? Vocês não tem que ficar por aqui para, não sei, enganar côndefas?
-Claro que não, isso seria ridículo. Só precisamos que a coroa esteja ali de isca para Tabata. A rainha vai para a ilha de Terlúria com Ethan Nova. E Dave vai ficar com Bia por aqui, esperando Satomak.
-Bom, então é bom avisar-los que Pedro está a caminho do Castelo de Cristal, e não do de Vidro –ela disse, dando de ombros. Bastou um olhar para Riley entender como ela sabia sobre aquilo.
Os dois despediram-se dos outros representantes e generais, desejando-lhes boa sorte. Avisaram Dave e Bia sobre Pedro estar indo atrás de Argia e o casal agradeceu, cheios de determinação. Missie juntou-se à conversa enquanto as gêmeas mais velhas conversavam entre si e tentavam esconder algumas lágrimas que choravam.
-Então... –falou Olho-de-Prata. Seu olho morto refletia a luz da lua e deixava seu sorriso muito sinistro. –Nos vemos em breve, certo?
-Claro, eu já estou morrendo de fome –Bia comentou. –Imagine daqui ha algumas horas. Podíamos ir naquele restaurante perto da sua casa, Skyes. Eles tem uma ótima pizza lá.
-Claro –ela riu. –Enontro vocês lá. E sobrevivam, por favor.
-É, Fellows –Alícia riu. –não mate a princesa da vida sem que antes eu a conheça.
-Boa sorte tentando manter um exército inteiro vivo com Riley ao seu lado –ele retrucou, rindo. –Vamos acabar logo com isso. Eu estou cansado de ficar repetindo essa mesma frase.
Os cinco acenaram e despediram-se como se realmente fossem encontrar-se para o almoço no dia seguinte. Alícia não queria pensar no amanhã. Queria concentrar-se em proteger sua protegida e encontrar Isabelle. Estranhamente, ela queria muito um outro abraço.
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