LI -Dave
Ele não via necessidade em atender as chamadas de Thaila já que estava indo para seu Castelo. Riley, contudo, dizia que ele podia pelo menos avisar que estava quase chegando. De acordo com ele, a rainha estivera muito preocupada, chamando Francis no comunicador de Dave para saber como ele estava. Mas o menino estava relaxado, como se tudo já estivesse resolvido pelo simples fato de ele entender o enígma da rainha. Ele sentia-se livre. Sua mãe poderia voltar para casa, Tabata voltaria a estar morta e Thaila governaria o reino com o qual sua mãe sempre sonhara, e trabalhara tanto para alcançar. Como se ele não precisasse colocar toda a interpretação em ação, ou como se achasse que fosse fácil. O fim da guerra tinha apenas começado, e Dave não era vencedor nenhum ainda. Mas ele sorria, tranquilo.
Ele caminhava com seu grupo sob a luz da lua com bastante paciência, chegando a irritar os outros, principalmente Bia. Ao menos um plano ele tinha, e tudo fazia tanto sentido na sua cabeça que era simplesmente perfeito. É claro que tinham condições: ele não podia organizar um encontro com Imani se os elfos não tivessem terminado sua poção, ele não sabia bem como chegar até Kesley e Kemely, e alguém tinha que cuidar de sua rainha. Mas isso tudo pareciam detalhes. Ele era Dave Fellows, filho do soldado, e tinha concluido o enígma confiado a ele. Não tinha como ele se concentrar em outras coisas. Flashes de sua trajetória inundavam seus pensamentos, e ele quase não aguentava o sentimento de alívio que o consumia. Ele vinha buscando por aquilo desde o rapto de Alícia, e sua mente simplesmente bloqueava qualquer coisa que o tirasse dauele estado de espírito, incluindo a dor em seu ombro.
O Mago Roxo, caminhando ao seu lado com seu manto roxo escuro e desenhos de luas e estrelas, lembrava-o do dia em que conhecera Thaila, o Castelo de Vidro e suas novas responsabilidades em Érestha. O fazia rir a ideia de que, um dia, ele não acreditara nas histórias de Lorena sobre seu pai, e não entendia nada sobre a história de Érestha. As missões e tarefas que Thaila como princesa delegava a ele eram piadas: arrumar sua festa, falar com os criados do Castelo, entregar cartas por aí... Nada em seus primeiros dias pareciam verdadeiros desafios aos olhos mais experientes do Fellows. Dneva, por exemplo, na fronteira entre as províncias do céu e da terra, não passava de um mínimo contratempo que o Dave de quatorze anos considerara o fim do mundo. Frentus, o dragão regenerativo, era apenas um grande incômodo. Nada se comparava à verdadeira guerra e à própria Tabata e a Pedro Satomak, à morte do rei e à perda de Bia. Ele abraçou a cintura da menina quando viu o brilho da lua refletindo na magnífica estrutura de vidro de sua rainha. Ela estava reclamando de alguma coisa, e todos ao redor concordavam, mas Dave não os ouvia. Incomparavel era também o sentimento que ele carregava. Quando mais perto dos portões de ferro ele chegava, mais sua mente lutava para fazê-lo raciocinar e perceber que aquela paz viera cedo demais. Ele queria aproveitar os últimos passos que tinha e pensar em seu pai e em todos os seus sacrifícios. Dave finalmente sentia-se bem. A cura pra paranóia é, decididamente, a capacidade de manter a calma e enxergar em si potencial para resolver problemas.
Surpreendentemente, sua paz interior não foi destruída quando ele viu a rainha de Érestha com o rosto ensanguentado e uma adaga de prata na mão. O choque lembrou o menino de que sua responsabilidade era cuidar de Thaila, tendo ou não uma marca de luz em seu braço, sabendo ou não o que a rainha quisera que ele encontrasse com suas charadas. Mas ele ainda sentia-se tranquilo. A única frase que reverberava em seu cérebro começava a fazer sentido de verdade, e ele não queria ignorar a felicidade. "Se não for leal à rainha, o outro lado consegirá o que quer". A fúria no olhar de Thaila podia ser perdoada, já que ela provavelmente não sabia ainda sobre a descoberta de Dave. Ele continuou andando com calma, enquanto os outros pararam, temendo pela mulher com rosto de menina. A rainha agarrou o rosto do filho do soldado com as mãos pegajosas.
-Quando eu chamo –ela falou –você me atende.
-Eu consegui, Thaila –ele ignorou o sangue e o medo dos seus companhieros. A rainha também esqueceu-se de tudo quando oulhou nos olhos azuis brilhantes de seu primeiro legado e sentiu esperança como quando o vira pela primeira vez.
-Entrem –ela ordenou, dando um passo para trás. –Agora.
Eles obedeceram sem pestanejar. Dave estava, na verdade, mais curioso do que preocupado pelo sangue e a adaga. Também um pouco orgulhoso. O que quer que tinha aconteceido, ela era perfeitamente capaz de defender-se. E essa era uma habilidade de muita importância. Quando eles passaram pela porta de entrada do Castelo de Vidro, o menino obrigou-se a parar e buscar pelo olhar de sua rainha. Ela não estava nada feliz. Os sofás vermelhos um dia escolhidos carinhosamente pelo rei Éres estavam destruídos, espuma espalhada pelo chão ensanguentado e almofadas cobrindo poças escarlates próximas às mesas. O belo lustre que a rainha Thaís escolhera para adornar a pintura no teto estava no chão, quebrado em milhões de cacos pontudos e deixando a sala em completa escuridão. O lugar cheirava à sangue, suor e fatiga, e os sons da respiração alterada das pessoas ali presentes sinalizava que era tudo bastante recente. Alguns recolhiam a sujeira, outros limpavam o chão, e Gary DiPrata ajudava Ethan Nova a analisar o corpo de alguém largado no chão. Os dois homens viraram o rosto ao mesmo tempo para encarar os recém chegados. Repentinamente, o ombro de Dave começou a doer.
-O que houve, Fellows? –Gary perguntou, passando por cima da menina de tranças no chão como se fosse um tapete velho. –Como está Tâmara?
-Com Alícia e os mais novos –Riley respondeu. –Vocês estão bem?
-Ela tentou escapar –Thaila grunhiu, apontando a menina no chão. Dave lembrou-se dela como a prisioneira que eles tinham feito no primeiro ataque de Tabata –Essas crianças de minha irmã sabem como causar estragos. O que foi que você disse lá fora, Dave?
-Eu sei o que fazer, Thaila –ele falou, acariciando cuidadosamente seu ferimento. –Sei onde está Argia.
O salão caiu em um silêncio repleto de curiosidade. Gary e Ethan arregalaram os olhos, e os companheiros de Dave anuíram, querendo mais detalhes do que já conheciam. Queriam saber o plano do filho do soldado, sua execução e o fim da guerra entre irmãos. Dave ficou em silêncio enquanto Thaila olhava para seus olhos com uma admiração que ele nunca havia visto. A rainha pulou para frente e beijou a testa de seu representante com tamanha força que o fez desequilibrar-se.
-Você é a melhor coisa que já me aconteceu, Dave –ela disse, com lágrimas em seus olhos violetas. –Eu só quero que isso tudo acabe bem, como queriam meus pais.
-E vai –ele sorriu.
-Então o que é? –Gary deu mais um passo a frente, ansioso. –Como encontramos Argia?
Dave ainda ficou alguns segundos em silêncio, sorrindo para Thaila, para Bia e para seu irmão. Mal podia esperar para conhecer a nova era de Érestha, Argia em seu corpo e a verdade sobre tudo o que seu pai esperava dele.
-Eu a encontro –ele respondeu, finalmente, procurando Mata-Touro em seu bolso para ter certeza de que aquele pedaço de si não faltava. –Preciso que Nicolle pegue as chaves com o Secretário, Rick. Ela vai saber o que isso significa. E os elfos tem que acelerar os processos deles, estarei pronto quando eles estiverem.
O irmão anuiu, e não esperou mais nem um segundo para correr pela porta e ir falar com a amiga. Argia ficaria muito contente, aliviada, e arrependida de ter sugerido que Dave talvez não a encontrasse. Maria ficaria orgulhosa, e iria para casa. Isso deixava Dave ainda mais calmo. Thaila decidiu sair daquele lugar todo sujo e levou todos até a sala de jantar, pedindo que alguém os trouxesse água e frutas. Riley, com seu ombro enfaixado e uma expressão de dor no rosto, foi guiando Dafne pelo caminho, que havia esquecido sua bengala quando decidira carregar as duas coroas forjadas em seu lugar. Dave sentou-se à direita de sua rainha, e Ethan tomou a liberdade de ocupar a cadeira à sua frente. O homem, assim como o general, pareciam ainda confusos, e perguntaram ao mesmo tempo "e agora?" assim que todos haviam acomodado-se.
-Agora Argia terá condições de liderar seus legados voluntários e defender seu território, como todos os seus irmãos –Francis falou, sorridente. –Acima de tudo, é certo que sua essência não se perderá e seu legado não será dado à Tabata. O controle da vida e da morte nas mãos de alguém como ela seria muito desastroso.
-Sim, mas isso não vai para-la –Gary disse, recusando o copo d'água que uma criada o oferecia.
-Nada vai parar minha irmã –Thaila disse, encarando a madeira à sua frente. –E mesmo que ela se vá, seus recrutas nunca se cansarão. Eu vou lidar com ela. Mas eu queria poder conversar antes de tudo.
-Encontre-se à dez metros dela e observe-a aproveitando a situação para matar-te e ganhar a coroa que tanto quer –Ethan falou, olhando para a rainha e esperando que ela olhasse de volta. Thaila estava envonta em muitos pensamentos para prestar atenção nele. –Mas tem razão. Tabata deve ser exterminada, junto de seus seguidores.
-A não ser que eles tenham outro líder para seguir –Dafne opinou, exibindo suas coroas. Mexia a cabeça para os lados como se tentasse ver a reação de todos, apesar da cegueira.
-Satomak –Bia grunhiu. Ela apertou a mão de Dave, com raiva, e o fez contorcer o rosto. –Se Tabata se for, ele enlouquecerá. O que está sugerindo, Dafne?
-Oh, claro, essa é a resposta óbvia. O rei da nova geração, caso tudo dê errado para nós e Tabata tenha êxito –A velha levantou-se, vagarosamente. –Mas ele também deve ser morto de uma vez. Esse trabalho é seu, me parece, lagartixa. É a princesa da nova era negra quem deve usar a coroa de ágata e parar o ataque da morte.
Todos caíram em silêncio. Riley não parecia surpreso quando começou a folhear o Livro da Rainha, e Dave estava anuindo. Pela primeira vez desde finalmente vencer o pega-pega em seus sonhos, ele foi inundado por uma sensação que não era paz. Estava cheio de arrependimento. Ele lembrava-se bem de Alícia contando-lhe os sonhos que tinha com Isabelle antes de Pedro leva-la para Chelmno. Todos eles terminavam com a menina sentada no trono de pedra; vestido preto e coroa de ágatas pretas e brancas na cabeça, exatamente como aquela que Dafne segurava na mão esquerda. Ele demorara de mais para entender o papel de Isabelle em toda aquela guerra, e sentia-se muito mal por ter abandonado a defesa de seu nome quando vira Bia sendo morta. Devia ter simplesmente acreditado nela, como fizera Alícia, depois Riley e até sua própria rainha. Afinal, ela estava fazendo exatamente o mesmo que Dave: sendo leal à rainha. Ela via caminhos em suas visões e guiava suas peças assim como fazia Riley com sua leitura. A diferença é que Isabelle nunca quisera fazer parte daquilo tudo, mas o fazia pela paz e pela rainha. Dave sentia-se hipócrita, e um péssimo amigo. Devia desculpas à ela.
-Temos que nos livrar de Pedro, a Quadra e Tabata. Teremos um caminho livre para Isabelle e ela saberá o que fazer –Dave disse, sem querer dar mais explicações a ninguém, por mais que pensasse que Gary merecia saber sobre sua filha. –Posso falar com ela e tentar convencer Tabata a parar ou sentar-se e conversar, mas todos sabemos que será um esforço inútil.
-Os Mercenários tem que ocupar-se da quadra –Riley falou, checando o livro e suas anotações. –Isabelle quem disse. E quem sabe o que Pedro vai estar fazendo se as quatro é quem estão atrás de Thaila...
-Eu cuido de Pedro –Bia falou, com determinação em seus olhos de fogo. Dave não contestou, embora quisesse muito para-la. Apenas acariciou sua mão e olhou-a nos olhos. Ela já sabia tudo o que ele queria dizer. –Os outros mercenários podem até vir até aqui proteger Thaila, mas quem garante que não vão ser exterminados ou enganados? Deve existir um plano 'b'.
-Não vamos ser enganados! –Dafen deu alguns pulinhos, exibindo agora a coroa idêntica à de Thaila que forjara. –Nós é quem vamos engana-los! Só preciso da menina de seus sonhos, Dave, e essa coroa ficará pronta. Quando Tabata a vestir, a Quadra a confundirá com a nossa rainha e elima-la-á. Sashabella drenará seu sangue negro; Casseda aproveitará sua carne podre; Ember triturará seus ossos; e por fim, Annastrich comerá sua alma, e Tabata deixará de existir. Os Mercenários são o plano 'b'. Eles destruirão as quatro côndefas quando estas estiverem convitas de terem matado Thaila. Terão a vingança que almeijam.
-Sem Quadra, sem Pedro, sem Tabata... –Riley sorriu, lendo as palavras embaralhadas do Livro da Vida como se já as tivesse decorado.
–Resta-nos Isabelle, e ela é leal à rainha –Dave concluiu o pensamento, também muito sorridente. –É brilhante, Dafne. Bia, você precisa comunicar os outros três –ele falou, levantando-se. Todos imitaram-no, prontos para finalmente seguirem as ordens do filho do soldado. -Gary, alerte os exércitos do reino para os verdadeiros confrontos e Riley, continue a gestir-nos e procure por Iamni. Lorena, por favor, leve minha mãe para o Brasil e fique lá com Mariana e minha tia Madalena.
-Não, Dave –a prima ajeitou o seu rabo de cavalo. –Minha filha está a salvo com minha mãe. Eu fico e luto com Alícia, pela minha princesa. Rômulo vai precisar de ajuda nas fronteiras, e eu vou estar lá.
O menino nem tentou contestar. Pensou apenas que, nas fronteiras, o maior perigo seria o pânico, e não a Morte. Ele anuiu. Tirou de seu bolso a espada de seu pai e analisou a metade do rubi com um sorriso. Dave entendia, principalemtne agora, que Reginald nunca deixou de amar Thaila, mesmo que depois tenha amado Maria por tantos anos e de tantas formas diferentes. Reginald poderia ter vivido uma vida muito diferente se tivesse escolhido ficar com Thaila; ele seria um rei. Mas a escolha mais importante do homem não fora essa, mas sim a de fazer o que ele acreditava ser o melhor para todo o futuro do reino que tanto amava; ele escolhera ser leal à rainha, e Dave estava orgulhoso de poder dizer que escolhia o mesmo, independente de quem estivesse ao lado de Thaila, e independente do quanto ele amava e se preocupava com sua família. Ele abriu a espada, revelando a lâmina escondida e brilhante que Dafne e suas irmãs projetaram. Os óculos escuros da mulher refletiram a luz que a espada emanava, quase como um brilho de orgulho nos olhos cegos da mulher. Dave deu um passo para o lado e entregou o objeto para Ethan Nova.
-Proteja Thaila a todo custo –ele falou. O homem estava confuso e não aceitou a espada no primeiro momento. –Vamos, Ethan Nova! Redima-se.
-Como assim, Fellows? –ele pegou a espada, analisando o rosto do menino com curiosidade. –Com Satomak ferido, em pouco tempo essa cidade transformar-se-á em um campo de batalha, com legados da morte, dragões e gritos para toda a parte. Para onde você vai?
-Encontrar Argia, oras. Não devo demorar. –ele adiantou-se pela porta do salão de jantar.
Mesmo não tendo mais a marca de protetor, Dave conseguia sentir a energia de Thaila, e ela estava preocupada. Sentiria-se mais segura com Dave e Gary e Ethan ali com ela, ele sabia bem.
-Não vê que ela precisa de você? –Ethan disse, parando o menino e virando-o para encara-lo. Acidentalmetne segurou no ombro ferido e fez Dave contorcer-se de dor. –Mande alguém em seu lugar; eu vou se quiser, só me diga o que fazer. E esse papo todo de ser "leal à rainha"?
Dave riu, chacoalhando a cabeça à ideia de que Ethan não havia entendido e massageando o ombro.
-É exatamente o que eu estou fazendo, Ethan, não vê? –ele falou, voltando a virar-se para caminhar até a porta. –Estou sendo leal à rainha: Leila Thaís Bermonth, como exigiu meu pai. Sirvo a ela como ele fez e como faz Isabelle. Cuide de sua princesa, Ethan. Eu vou atrás das duas velhas gondoleiras.
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