L -Alícia
Ela acordou com carícias delicadas em sua mão, e sobressaltou-se. Seu movimento brusco fez com que os outros levantassem-se também, olhando para Dave, esperançosos. O menino já estava deitado naquele colchão de hotel a horas, delirando e queimando em febre. Bia teve vontade de chorar ao ve-lo ali, largado, quando ninguém quis leva-lo para um hospital de verdade.
-É um campo de guerra lá fora –dissera um soldado de Alícia.
Ao invés de derramar lágrimas, ela gritou. Urrou todas as palavras que queria expressar na direção de qualquer um que não quisesse ajudar o menino tremendo no chão, mas nada parecia ajudar.
Era injusto. Pedro havia acertado seu chicote e sua espada no rosto de Bia algumas dezenas de vezes, e sua pele estava limpa. Uma chicotada na têmpora e um belo furo de espada logo abaixo da clavícula haviam deixado Dave inconsciente, e nada daquilo era justo. Era ela a mercenária com as flechas e o contrato. Dave deveria ler enigmas e não tentar protege-la. Com ou sem marca em seu braço, ela queria estar sempre ao lado dele, pronta para colocar fogo em tudo o que ameaçasse machuca-lo. Mas era difícil quando seu protegido era um cabeça-dura sem noção como Dave Fellows. Seu desejo de fazer Satomak pagar crescia toda vez que Dave abria os olhos e voltava a fecha-los.
Ele estava tão determinado em ler e interpretar o enigma da rainha que Bia sentia-se culpada por ter mencionado o nome de Pedro quando o vira pela janela. Ele e o irmão estavam realmente concentrados, em silêncio, tentando dar sentido àquelas palavras enquanto ela apenas andava pela sala e tentava ajudar Dafne com números e coroas. Se ela não o tivesse interrompido, talvez ele tivesse conseguindo, bem ali, na sua frente, naquele exato momento. Havia uma linha de raciocínio formando-se na mente de Dave Fllows e ele estava chegando a uma conclusão.
Ele havia decidido focar-se em frase por frase, mas não conseguia deixar de lado o conjunto de palavras que lhe davam a ideia de que as "chaves" mencionadas por Thaís abriam um caixão.
-Talvez abram o lugar onde ele está –Bia sugerira, recebendo acenos de concordância de Rick. –Pode ser uma sala, uma casa...
-Hmm, talvez –ele murmurou.
-Por que um caixão seria projetado com chaves? –Rick perguntou.
Uma luz acendeu-se para Dave com aquele comentário.
-Precisam de mais alguma coisa, meninos? –perguntou Hynne após providencia-los com lápis, canetas e borrachas.
-Sim –Dave disse, levantando-se da cadeira. O coração de Bia involuntariamente acelerou-se de emoção, e ela mal sabia o que ele estava pensando. –O enigma da rainha. Vocês já projetaram algum caixão feito de prata?
–Sim, uma vez –ela falou, curiosa. –Um pedido de uma menina pequena que nunca nos disse o seu nome.
-E como era esse caixão? –ele deu um passo a frente, as mãos de Bia suavam a esse ponto. Por mais que ela tivesse perdido grande parte das descobertas das previsões e enigmas de Thaís, e soubesse apenas qual papel ela deveria exercer, saber que Dave estava finalmente caminhando para uma solução que dera dores de cabeça para tantas pessoas. Ela mal podia esperar para conhecer Érestha em tempos de paz.
-Pequeno –respondeu Dafne. –A menina devia ter medo de alguma coisa. Era fechado a chave. Três chaves.
Bia e Rick se encararam, olhos arregalados e bocas abertas. Hynne começou a procurar algum desenho na parede enquanto Dafne ponderava sobe o assunto.
-E onde ele está? –Dave perguntou, aproximando-se da velha de supetão. Ela nem percebeu, e ficou parada, salvando-se de um susto. –Para onde Thaís levou o caixão, Dafne?
Ela deu de ombros.
-Eu não sei. E não foi a rainha quem o pediu. Foi uma menina que nunca nos disse seu nome.
-O caixão tem um mecanismo muito complicado em sua tranca –explicou Hynne, voltando a aproximar-se dos três. –As chaves tem uma ordem certa, já não me lembro direito. Aliás, não temos as chaves, mas podemos confeccionar cópias com os desenhos que guardamos.
Ela deixou uma caixa cair de uma das prateleiras, e papel expalhou-se por todos os lados. Ela chutou algumas folhas até encontrar um caderno amarelado pelo tempo. Abriu-o e mostrou para Dave os esboços de três chaves diferentes. Eram muito detalhados, em cores e com medidas milimétricas anotadas em cada página. Uma era prateada, a outra dourada e a terceira cheia de ferrugem. Bia tinha a impressão de que conhecia o molho de chaves a quem elas pertenciam, mas não conseguia dizer da onde.
-Não se preocupem com chaves –ele riu, aliviado –Sei onde elas estão. Basta saber quem era a menina ou onde ele poderia estar.
Não teve tempo nem mesmo de Rick fazer perguntas. Bia não pode ignorar a visão de Satomak andando pelas ruas daquela cidadezinha e a atenção dos meninos foi desviada completamente. Próximos da resolução do enigma ou não, Pedro Satomak tomava sempre o posto mais importante na cabeça dos dois. Por mais que Dave soubesse que era trabalho de Bia e dos Mercenários lidar com o homem, a raiva acumulada e o sentimento de vingança eram maiores. Dave jamais ficaria parado, em segurança dentro de um hotel, enquanto Satomak estivesse a poucos metros dele lutando contra sua Bianca.
Por conta do quanto ele se mexera equanto esteve inconsciente, seus ferimentos não pareciam querer melhorar. Ele tentava esticar os braços, mexias os dedos e chacoalhava as pernas, tudo com as sobrancelhas franzidas como ele fazia quando estava determinado. O Mago Roxo e um bom homem que trabalhava como médico e fora pego pela confusão não conseguiam trabalhar no ferimento com precisão. Até que ele dormiu de uma vez. As máquinas douradas e marrons de Hy.Da.Bel que liam seus batimentos cardíacos e providenciavam oxigênio ficaram mais calmas, e os procedimentos foram levados adiante com o cuidado necessário.
-Deixe que ele descanse –dissera o Mago Roxo. –Vamos tratar melhor do menino Weis.
Bia deitara ao lado de Dave, sem ter mais o que fazer, e perguntou-se quando ele abriria seus olhos azul brilhantes para sorrir para ela mais uma vez.
Ela passou a primera hora com o rosto escondido entre o travesseiro e o pescoço dele, encarando dali o ferimento no outro braço com raiva e o sentimento de injustiça. Os minutos foram passando-se e ela queria respostas. Não entendia porque ainda estavam ali na pequena fábrica escondida das três senhoras, nem o porquê de terem esquecido o menino no chão. Riley estava focado em ajudar Hynne enquanto Rick e Lorena estavam em pé, encarando Bia com posse total sob o corpo desmaiado do Fellows. Ela deu licença para os dois na terceira hora, que fora quando juntou-se a Dafne para ajuda-la com as duas coroas que crafitava. Lembrar-se das medidas nas folhas na parede distraíram-na por mais duas horas, até todos ficarem com sono e ela voltar a deitar-se com Dave.
-Vamos embora daqui –ela suplicou, ao invés de gritar.
-Espere Dave acordar e os outros recuperarem-se melhor –o Mago Roxo insistiu. –É um campo de batalha lá fora e eles querem a nós. Esperemos que todos estejam melhores e então cada um vai para onde quer ir.
-É não abra a porta –Dafne falou, sorridente. Apontou para sua cegueira antes de continuar –Eles não podem nos vez se ficarmos com a porta fechada.
Bia não contestou a magia das côndefas, e pegou no sono. Um sono tão leve que o mais simples toque do menino ao seu lado a fez acordar. Lorena e Rick adiantaram-se para os dois e Francis remexeu-se em sua cadeira. Dave abriu os olhos, respirou fundo e grunhiu de dor. Ninguém falou nada, esperando que tudo se repetisse e ele voltasse a dormir por mais algumas horas. Mas ele ficou acordado. Soltou a mão de Bia e virou a cabeça vagarosamente para os lados, seus olhos enchendo-se de lágrimas por causa dos movimentos bruscos. O monitor de seu coração acelerou-se conforme ele forçava seus músculos e Francis levantou-se, pedindo para ele ter calma.
-O que é, o que é –ele falou, sua voz saindo dele com muita dificuldade –Uma enganação brilhante num cemitério?
Todos ficaram quietos, encarando-se com muita confusão. Riley estava especialmente interessado e correu até o papel onde Dave e Rick haviam feito anotações sobre o enigma. O Mago Roxo estava analisando os movimentos do menino e prestes a concluir que ele ainda estava alucinando quando Dafne animou-se, levantando-se de sua escrivaninha com duas coroas prontas em mãos.
-Eu não sei –ela disse, sorrindo. –O que é?
Dave virou o rosto de volta para Bia, com um sorriso.
-Terlúria –ele falou.
A menina franziu o cenho. Ela lembrava-se bem de ter ido com Kesley e Kemely, duas velhas gondoleiras, resgatar Dave de uma ilha antes de ter morrido. Lembrava-se de ter encontrado Terlúria, a filha exilada de Teresa, junto dele tomando um chá. Mas as palavras dele não fizeram sentido para ela, e nem para mais ninguém ali. Riley, se é que possível, estava mais curioso do que Rick.
-Por que pensa isso? –ele falou, analisando o papel. -"O bebê bastardo é o primeiro a ser morto, e seu corpo é confiado à bruxa". É uma passagem no início do Livro da Rainha, por que é Terlúria a bruxa? Por que é ela uma enganação brilhante num cemitério?
-A ilha dela é cheia de covas e lápides –ele explicou, tentando sentar-se para encarar o amigo mas desistindo rapidamente por causa da dor. –É o Cemitério do Rei. Há uma única lápide grande, que brilhava prateada sob a luz do sol; um pedido personalizado, em suas próprias palavras. E Terlúria é a bruxa dos mares. Ela e seu Castelo de Ilusões transformam-se para assumir formas familiares e esconderem-se do resto dos mares. A única pessoa que jamais chegou a visita-la por vontade própria foi Thaís, e confiou a ela o caixão de prata fria.
-Argia foi jogada no mar e arrastada até o Cemitério do Rei, como acontece com todos os corpos perdidos –Riley pensou alto, encarando o chão e encaixando todas as peças. – É só irmos para lá! Temos O Pizza de Pepperoni e Terlúria saberá como ajudar! Dave, você sabe o que isso quer dizer, não sabe?
-Que preciso de Nicolle para pegar chaves para mim –ele sorriu para seu irmão, apoiando-se em Bia para sentar-se direito. –E que é hora de cada um fazer o que deve. Vamos até o castelo de minha rainha, todos nós. Não temos muito tempo.
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