IX -Dave
As noites do começo do outono em Érestha eram as favoritas de Dave. Não eram muito quentes, e nem frias o suficiente para causar-lhe arrepios. A blusa de mangas compridas não precisava ter um tecido grosso, e seu calçado não precisava ser uma bota. O único lado ruim era que Thaila começava a usar casacos e se irritava com eles. Dave terminava carregando-os por todos os lados quando estavam juntos.
-Dave, horas –ela pediu, agitada. Estava andando de um lado para o outro e coçando a marca do pacto em seu braço. Dave não precisava de uma conexão especial como aquela para ver como ela estava nervosa, e tentar disfarçar não adiantaria de nada.
-Ainda são onze e vinte e três, Thaila –ele respondeu. –Fazem vinte segundos desde que me perguntou pela última vez. Quando vai me dizer o que estamos fazendo aqui?
-Você vai saber, Dave –e murmurou algo inaudível.
Ele suspeitava que tratava-se de Tâmara e Alícia. O menino duvidava que a rainha de Érestha realmente não sabia onde estavam sua irmã mais próxima e a guerreira polarista. Ela andava agindo muito misteriosamente ha mais de um mês. Estava agitada, preocupada, e olhava para Dave com um olhar de pena. Além de tudo, não explicava nada para seu representante. Todas as suas tarefas envolviam Argia e a província de cristal. Ela o estava excluindo de alguma armação.
Ele vinha passando muito tempo no mesmo castelo que seu irmão, mas quase nunca o via. Reservava alguns minutos para Maria, outros para Nicolle e muitos para Riley, Alícia e Nina Umbria, quando estavam ali. Mas seu irmão estava perdido em cristal e livros. Dave sentia falta das conversas que tinham na casinha azul da escola em Tâmara. Ele sentia-se mais leve após falar sobre o trabalho, as provas, a mãe ou Bianca Vallarrica. Era muito extressante viver sem extravazar seus estresses em alguma coisa. Especialemnte quando Thaila fazia algo em segredo e ele tinha que mantê-lo. Ao menos vinha pedindo desculpas desde o começo daquele dia. O jeito como ela olhava em seus olhos o assustava, como se tivesse cometido um crime imperdoável que ele estava prestes a descobrir. A postura de rainha dela nunca era a mesma nesses seus passeios ocultos. Sua coroa não repousava em seus cabelos roxos, e isso irritava o representante. Ela era uma rainha, não uma cidadã qualquer.
-Dave...
-Onze e vinte e quatro, Thaila –ele respondeu antes dela terminar a sentença.
A rainha parou, de olhos arregalados, e deu três passos para trás. Segurou a mão de Dave e continuou a encarar o muro cheio de musgo. A província da rainha era muito bem limpa e bem organizda. Dave nunca via as vielas escuras, frias e sujas. Não parecia as terras que ele conhecia. O menino assustou-se com a atitude da rainha e segurou o cabo de Mata-Touro em seu bolso.
-Quando vai me dizer...
-Solte a espada –ela pediu, ao mesmo tempo em que Dave descobriu que aquele muro era uma passagem.
Ele sempre conseguia sentir ou ver as passagens para dentro e fora do reino, mas aquilo fora um simples muro para Dave até três pessoas assustadoras passarem por ele. Um dos homem tinha a pele oleosa e o outro uma barba roxa. A mulher que acompanhava o grupo era alta, velha e cega. Dave viu-se desobedecendo sua rainha numa fração de segundos. Riley lia muito sobre côndefas, principalemnte sobre A Quadra de Tabata e os Mercenários Mortos. Ele já havia visto fotos suficientes deles para reconhece-los. Sabia também que os homens eram excepcionais em artes marciais, espadas e qualquer outro tipo de luta; e que aquela mulher faria-o ficar cego ou surdo ou mudo em segundos. Ele esticou a espada contra ela, e os outros dois nem se mexeram. Uma dor aguda em sua mão que empunhava Mata-Touro o fez derruba-la. O braço de Thaila não era forte, mas empurrou-o para o chão do mesmo jeito. Ele viu a adaga prateada que ela empunhava escorrendo sangue, que logo descobriu ser dele próprio.
-Eu falei para soltar a espada, não falei? –ela estava furiosa e Dave não conseguia entender o porquê. Olhou para sua mão, arranhada com um corte inesperadamente dolorido. Thaila não parecia arrependida de suas ações. Os três Mercenários Mortos riram da situação e ele não ousou proferir mais nenhuma palavra. –Onde está Ethan?
-Onde está a menina? –o mais velho rebateu.
-Não era esse o acordo –ela grunhiu. –Ele partiu ha quase um mês. Não deveria demorar tanto assim!
Dave ficou irado com aquelas palavras, mas ainda estava recuperando-se do choque. Ir atrás de quatro assassinos na companhia de Ethan Nova era a definição de traição para ele. Ela era sua protegida, e ele não podia impedi-la de meter-se em perigo se não contasse seus planos para ele. Seu pai protegera ela sem nem mesmo ter jurado algua coisa. Ele prezara por sua princesa Thaila, e era o trabalho de Dave prezar pela rainha. Levar o legado de seu pai para frente inclupia a segurança dela, e isso significava muito para Dave.
-É sobre isso que viemos falar –a mulher branca disse. –Agradecemos as generosas moedas de ouro, e a previsão sobre nossa querida Agnes. Mas não havia garantia nenhuma de que cumpriria com o que falou. O seu único medo era que nós servíssemos à sua irmã, mas fomos traídos por suas próprias cobras. Queremos a menina, e você quer a nós.
-Não serviremos mais à Tabata e não seremos mais uma ameaça – o homem de pele oliosa continuou. -Um homem forte e habilidoso como Ethan será de grande ajuda até que sua parte seja cumprida, rainha, como ele próprio já provou. Foi uma semana de negociações, um dia de profecia e quase outras duas de servidão. É uma troca, rainha. Um escravo por uma garotinha. E a sua artesã cega é nossa convidada de honra.
-Boa noite, rainha –a mulher cega sorriu. –Quando estiver pronta, sabe onde nos encontrar.
Os três voltaram por onde haviam vindo, e Dave levantou-se, ainda tremendo. Haviam momentos onde Dave achava que ia explodir com Thaila. Ele gritaria, bateria os pés no chão e acabaria arrependido. Mas isso nunca acontecia, pois ela sempre o abraçava e beijava sua testa antes. Daquela vez, porém, nem o calor de sua rainha o acalmou.
-Dave, você tem que me desculpar –ela pediu, com lágrimas nos olhos.
-Por colocar-se em um perigo idiota ou por me esfaquear com essa adaga maldita? –ele gritou. –Já parou para pensar no que acontece se você morrer? Sabe de quem é o trono se não for seu? A não ser, é claro, que você tenha algum filho escondido por aí...
Ela afastou-se para acertar sua mão no rosto dele. Thaila não era forte, e seu tapa não machucou. Não fisicamente. Ele arrependeu-se imediatamente de suas palavras.
-Você está certo, e essa ainda nem é a pior parte. Mas não fale comigo nesse tom –ela levou sua mão ao seu rosto, desta vez para acariciar sua bochecha. -Me desculpe, Dave.
-Não entendo como você confia sua segurança à mim e esconde esse tipo de coisa –ele não quis se desculpar e nem aceitar desculpas. –Do que eles estavam falando?
-Lembra-se de quando Isabelle veio à mim em meus sonhos? –o menino não precisou responder com palavras. A simples menção daquele nome fazia seu rosto contorcer-se em uma carranca e seu cérebro ser inundado por memórias ruins. –Ela me contou coisas muito úteis, e muito verdadeiras. Coisas que estão no livro de minha mãe, específicos... Isso envolve os Mercenários Mortos e caminhos do futuro. Se eles fossem de Tabata, tudo seria diferente. Então ela fez uma previsão -a morte de um deles- e propôs uma solução.
Ela contou que fora até Ethan pedir sua ajuda, e que Isabelle estava certa sobre aquele futuro. Agora ela devia a tal solução proposta por ela.
-E qual é a pior parte? –ele perguntou, apertando o corte de sua mão enquanto tentava recolher sua espada do chão sem deixar sangue pingar no asfalto.
-Eu sinto muito, Dave.
Ela não disse mais nada, e saiu da viela em silêncio. O suspense que ela criava era o que Dave mais detestava em seus segredos. A rainha andou até a passagem por onde os dois haviam chegado. Caminhou pelos portões de ferro do Castelo de Vidro ainda sem dizer nada. Dave seguia-a, obediente e com a testa franzida, perguntando-se se deveria dizer alguma coisa ou esperar que ela revelasse o que era tão terrível. Subiu para o segundo andar pela torre circular da direita e abriu a porta do quarto antigo de Elói. Dave não encontrou forças para entrar atrás dela. A cama do príncipe estava ocupada pelo corpo congelado de sua Bianca.
Ele não pode reparar em como o ambiente estava com um ar suspeito. As cadeiras com cordas e tiras de couro, a mesa com uma seringa e dois frascos com líquidos coloridos e os três enfermeiros de prontidão eram a última coisa com que Dave se preocuparia. Bia estava dormindo, mas não respirava. Sua pele bronzeada estava pálida por causa do gelo onde dormira por quase dois anos. E uma lágrima eterna, sua última lágrima, estava gravada em sua bochecha. Fora isso ela continuava perfeita. Ele não estava vendo o soro prestes a ser conectado em seu braço por uma agulha. Só via seus cabelos arrumados numa trança como ela costumava arruma-los. O cilindro de oxigênio ligado por um tubo fino ao seu nariz foi completamente ignorado. A paz que habitava seu rosto perfeitamente conservado dominava aquela cena.
Dave já havia pensado em cavar os jardins de neve de Elói para poder vê-la mais uma vez. Ele não conseguia superar o fato de que seu funeral fora a última vez. Tinha sonhos e fantasiava acordado, imaginando-se mais uma vez com Bianca Vallarrica em seus braços. Pagaria o preço que fosse. Mas ele logo abandonou essas ideias. Era absurdo demais, errado demais e não o ajudaria em nada. Seu próprio irmão o havia aconselhado nesse tópico, e basicamente o que ele tinha que fazer era aceitar. Bia era uma boa memória que vivia no passado. O menino não quis acreditar que o que via era real. Quase dois anos para poder finalmente dizer que a dor agora nada mais era do que saudades e alguém realizava seu desejo bizarro. Sentiu-se tão emocionalmente desestruturado como no dia em que vira a vida esvaindo-se do corpo dela.
Thaila começou a falar com ele, implorando perdão ou chorando, ele não conseguia ouvir. Aproximou-se da cama e percebeu que uma lágrima havia escapado de seus olhos. Lembrou-se de uma risada, e de uma voz e de um toque, mas não conseguia associa-los à visão congelada de sua chama. Tinha medo de que estivesse errado. Ele segurou a mão de sua Bianca e acariciou seus cabelos. Não podia ser a mesma Dandara Bianca Vallarrica. Aquela estava fria. Esperou que ela abrisse os olhos, ou que apertasse sua mão, mas ainda estava morta.
-Eu não sabia como te contar –Thaila fungou, sentando-se em uma das cadeiras e deixando que os enfermeiros a amarrassem ali. –Preferi deixar-te ver com seus próprios olhos, me desculpe.
O click da fechadura atrás de si indicava que alguém os havia trancado ali dentro. O menino soltou a mão de Bia para finalemte prestar atenção ao seu redor.
-Qual é a pior parte, Thaila? –ele insistiu.
-É ela, Dave –Thaila apontou para os dois frascos coloridos em cima da mesa. Um deles era vermelho e tinha alguma coisa boiando dentro dele. O outro ele conhecia muito bem. Era o frasco de lágrimas de sereia com um brilho azulado que ele próprio ganhara de S, uma sreia do rio. Aquilo tinha o poder de trazer pessoas devolta a vida. O menino chacoalhou a cabeça ao ligar os pontos. –Eu ja conversei com Elói e com Isabelle e até mesmo com Riley, esta manhã. Está no livro, Dave. A lagartixa no frasco vermelho é uma cortesia dos Litos Alvos; a mesma usada por minha irmã para criar suas côndefas.
-Por favor –ele não conseguiu pronunciar nada mais do que essas duas palavras.
Dave não teria coragem de ir atrás de Bia no mundo dos mortos de Tabata para traze-la de volta para uma armadilha. Ela tornar-se-ia propriedade dos Mercenários Mortos. Seria uma côndefa de Thaila, um demônio de fogo. Ele faria qualquer coisa para tê-la de volta, mas não a transformaria numa escrava demoníaca.
-As amarras são para que nem você, e nem a rainha, desesperem-se demais por causa da marca em seus braços –disse um dos médicos. Pela voz, Dave reconheceu-o como Francis, O Mago Roxo. Ele afastou o menino do corpo de Bia e sentou-o na cadeira que não era ocupada por Thaila. Começaram a apertar as tiras de couro e a dar nós em suas pernas. Dave não conseguia tirar os olhos de Bia, relembrando bons momentos, revivendo seu último dia e imaginando as coisas horríves que Thaila propunha. –O frasco azul é seu, e o vermelho com o rabo de lagartixa é de Dândara. A seringa é sua morte, Dave Fellows.
-Eu não vou fazer isso –ele disse, olhando diretamente nos olhos de Thaila. –Coloque-a de volta em sua casa e nunca mais faça algo tão horrível assim.
-Bia não vai ser obrigada a seguir os mercenários por todas as suas lutas –explicou a rainha. –Eles só querem um substituto para quando precisarem...
-Ela vai morrer de novo –Dave interrompeu, melancólico. –Vamos traze-la para cá e mata-la para nossa comodidade. Que se fodam Ethan Nova e os planos de Isabelle DiPrata.
-Se você não for, eu vou –Thaila também deixou que uma lágrima escorresse por seu rosto de adolescente. Seus olhos estavam violetas naquele momento. –Uma vez no campo do Limbo, será mais fácil que você a encontre dentre tantas almas. Tinham um pacto selado e um elo muito forte entre os dois. Eu demorarei mais, talvez nunca a encontre. Mas vou tentar, mesmo assim. Está no livro, Dave. "A alma de fogo esperará pelos olhos azuis e voltará a servir."
Eles ficaram em silêncio por uma hora inteira, até Dave chacoalhar a cabeça em concordância. Aquele corpo na cama de Elói não era Dândara Bianca Vallarrica. Ela estava perdida em algum lugar após a morte. Haviam muitas almas por lá. E com dois frascos de lágrima de sereia, Dave podia fazer o que bem entendesse. Talvez ele trocasse os frascos, ou talvez fuigisse com ela antes dos Mercenários a encontrarem. Mas ele decidiu que queria tê-la mais uma vez. Os enfermeiros amarraram os dois frascos ao redor de seu pescoço e deram-lhe instruções. Thaila o estava agradecendo, e seu coração já estava desesperado pelo seu protetor. A marca em seu braço direito desapareceria em breu, e Dave estaria limpo mais uma vez. Francis preparou a seringa e Dave fechou os olhos para que tudo ficasse preto a seu comando. Respirou fundo e dormiu.
*Aividades De Quarta-Feira Check List:
MasterChef assistido OK
Cactus Regado OK
Capítulo postado OK
Alguma coisa muito adulta que me faz querer assistir o Clube das Winx o dia inteiro pra voltar ao maravilhoso ano de 2005 OK
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro