XXXVI -Dave
"Escola" havia se tornado uma realidade distante para Dave. Ele havia voltado para a casinha azul, para as aulas, para a clareira de Alícia, mas aquilo tudo estava longe de seus pensamentos. Ele só foi perceber que as aulas de Luta e Autodefesa haviam aumentado de frequência na terceira semana depois que voltara às aulas. Mais uma vez ele sentia-se sozinho. O irmão e Argia estavam ocupados demais com a nova província e a casinha azul era mais uma vez só dele. Alícia e Riley evitavam-o até mesmo dentro das salas de aula. Ao menos Lilian tentava acolher-lo. Por mais que passasse a maior parte do tempo com o namorado e sua gêmea, sempre que encontrava tempo ela estudava, conversava ou perguntava coisas simples para Dave. Ao menos ela tentava. Alguns dias, ele queria simplesmente dormir o dia todo para evitar as pessoas. Outros, ele queria dedicar-se ao máximo para distraír-se, mas era difícil entender como astronomia e climatologia seriam úteis contra Tabata, Pedro e Frentus. Como se não bastasse, todas as manhãs ele lutava contra a vontade de prender os pulsos de Alícia e joga-la de volta nas celas de Thaila.
A rainha havia pedido vários pequenos favores para Dave desde a descoberta do Castelo de Vidro. Ela preferia tratar dos assuntos maiores e mais importantes sozinha, contando com os irmãos e seus representantes. Dave negara tudo, repassando as ordens para o menino Gabriel e dando a desculpa de que a escola estava bastante puxada naquele semestre. Ele não conseguia entender coma Thaila havia poupado Alícia de quaisquer punições e não explicado seus motivos a ninguém. Dave também não gostava de ver a amiga presa em pedras frias e ferro enferrujado, mas alguém tinha que fazer alguma coisa para colocar o mínimo de juízo em sua cabeça. Ouvir conselhos de Isabelle era aceitável. Salva-la e leva-la para casa era traição.
-Veja –ela dissera no tercero dia em que esteve presa, quando Dave e Riley foram permitidos no subterrâneo do Castelo de Vidro. Tinha esticado o braço para fora das barras de ferro, pedindo que Dave olhasse para seu passado e analisasse seus motivos para proteger a representante do mal. –Não quer saber, não é mesmo? Só vê aquilo que te interessa, aquilo que te beneficia.
-Cale a boca –ele gritara e chutara as barras da cela. Riley o repreendera e empurrara-o para trás.
–Sejam menos impacientes –pedira o carioca. –E não a mande calar a boca. Você está bem?
-Estou ótima, obigada. Ganho três refeições ao dia, um cobertor duro e o jornal –ela afastara-se das barras e pegara um monte de páginas brancas e pretas e mostrara para os meninos. –Ficaram sabendo sobre isso ai?
Riley estendera o jornal a sua frente, aproximando-se um pouco de Dave e da lamparina a óleo que iluminava o local sombrio. A manchete principal da Gazeta do Centro era a única notícia que vinha sempre impressa em tinta dourada. "Conquista do Castelo de Cristal: os fins justificam os meios?" Riley e Dave entreolharam-se e franziram a sobrancelha. Riley não se interessara pela introdução e virara as páginas até a matéria completa. O menino provavelmente estava lendo palavra por palavra, mas Dave estava mais interessado no geral. A reportagem era sobre a destruição do Vale do Verão. Ao que aparentava, Tabata havia queimado, matado e torturado os veranenses por informações. Após alguns darem algumas informações e até mesmo fornecerem mapas, ela deixara seus legados e seguidores destruirem a vila, divertirem-se com o sofrimento. Haviam transformado a praça central em uma fogueira gigante e as casas mais próximas em pilhas de cinzas e lágrimas.
-"O número de habitantes do vale diminuiu em trinta por cento!" –Riley leu, indignado e com horror nos olhos. –"A nossa nova princesa agora tem a posse do castelo e do reino da vida, mas isso custou a vida e a residência de centenas de inocentes. As estratégias de nossa rainha contém falhas ou simplesmente não levam em conta a segurança de súditos de um pequeno vale esquecido?"
-Malditos –Dave grunhiu, arrancando uma risadinha de Alícia. A maneira como ela tratava sua prisão como se não significasse nada estava deixando o representante da rainha verdadeiramente irritado. Ainda naquela página, havia uma foto retratando cinzas com Ethan Nova em primeiro plano, oferecendo uma garrafa d'água para uma criança suja de terra. Ele havia dado um depoimento em defesa à rainha, mas ele não havia sido transcrito para o jornal. –"Chefe da polícia local que participou da expedição garante que a rainha Thaila não tinha conhecimento da expedição para a montanha e nem poderia saber o tempo que levariam para encontrar o castelo. Ele discorda, mas muitos pensam ter sido um ato irresponsável da governanta.
'Claramente era arriscado' comentou um local. 'Tabata já estava próxima e todos sabiam disso. Mandar uma equipe para cá, levar nosso chefe da polícia e não se preocupar com a segurança do Vale é, no mínimo, irresponsável.'
"Apesar de todos ao danos, físicos ou morais, os veranenses garantem que conseguirão recuperar-se agora que a pincesa Argia prometeu cuidar e curar por toda a província da vida. A questão, porém, é se a acenssão de Argia realmente é mais importante do que todos os que sofreram nas mãos da morte."
-Isso é sério? –Riley perguntou, virando mais algumas páginas para analisar o resto das notícias do maior jornal de Érestha. Dave ficara contente de não ser o primeiro a fazer aquela pergunta.
-Não é uma guerra declarada, mas já ha várias batalhas sendo lutadas –Alícia falou, sentando-se em seu cobertor duro. –As pessoas ainda não estão prontas para pequenos sacrifícios e muita devastação e crueldade.
-Pequenos sacrifícios? –Dave perguntara, voltando a se aproximar da cela. –O que você considera um pequeno sacrifício? Bia?
-Bia foi uma fatalidade, não um sacri...
-Uma fatalidade? –Dave agarrara as barras da cela com ainda mais fúria. Alícia nem piscara seus olhos castanhos. –Quer dizer que foi um acidente, um infortúneo? Ela foi assassinada tentando te salvar!
-Quando vai parar de achar que eu estou feliz com a morte dela, Dave? –ela levantara-se, grudando o rosto nas barras e encarando os olhos azul brilhantes dele de muito perto. –Eu consigo aceitar ajuda e lamentar uma morte ao mesmo tempo, dividindo uma coisa da outra. Aceitar que a assassina de sua namorada oferece ajuda indispensável seria um pequeno sacrifício, Dave. Além disso, ela era sua amiga. Você a defendia de mim!
-Nem teríamos ido atrás do castelo se não fosse por ela –Riley comentara. –Não estamos pedindo para você gostar dela, apenas deixar que ela ajude. Isabelle tem seus próprios planos.
-Exatamente –ele falou, afastando-se. –Ela tirou Bianca de mim, quem garante que não vai vai repetir o ato assim que não precisar mais de vocês? Quando ela era Isabelle DiPrata, a filha do diretor, tudo o que ela queria era uma vida cheia de glória. Agora ela é Isabelle DiPrata, a representante do mal. Seus objetivos ainda são os mesmos.
Ele virara-se de costas e deixara os gêmeos sem uma boa resposta.
Dave não sentia-se em casa no Castelo de Vidro, nem na escola, nem em Érestha. Sempre que conseguia, usava seu relógio e passava algumas passagens para visitar sua mãe. Ele contava alguns detalhes felizes sobre seu dia, e amãe perguntava sempre o que o estava chateando. Eram muitas coisas, e Maria merecia ouvir apenas palavras felizes.
-Não sente que há algo de diferente aqui? –Lilian perguntou em uma tarde nublada quando sentara-se para comer sobremesa com ele.
Dave não prestava muita atenção nos detalhes do dia a dia, mas ela tinha razão. Algo na Escola Preparatória da Província de Tâmara não estava certo. Gary DiPrata andava por aí, observando e tomando nota do desempenho dos alunos nas aulas ao ar livre. Os professores pareciam muito preocupados com algo maior do que notas, provas e aulas, e exigiam muito mais das crianças. Os alunos do segundo ano que haviam voltado do acampamento anual faziam comentários sobre como tudo fora tão puxado e complicado. O mais estranho de tudo era o silêncio de Rúfius, o cão fera do diretor. Não latia de noite, de dia e nem de tarde. Era como se não estivesse lá.
-Sim, há algo de errado –ele concordou.
-Vai comer todo esse pudim, Lilian? –perguntou Lorena, juntando-se aos dois e roubando uma garfada da sobremesa da menina. Dave havia contado tudo para Lorena. Todos os detalhes de sua aventura até o castelo de cristal. Ela estava confusa com alguns detalhes, mas defendia sempre o primo. –É um dia feio este, não acham?
-Não me lembro do último dia bonto que vi –Dave respondeu, sentindo-se melancólico em excesso e rindo das próprias palavras. –Estávamos discutindo a estranheza desse semestre. O que há com todo esse empenho dos funcionários?
-O que há de errado com um pouco mais de dedicação? –ela respondeu, tomando o último gole do suco de Dave.
Dave e Lilian se encarram e levantaram as sobrancelhas, certos de que não conseguiriam respostas da professora de LAD no momento. Lorena mudou de assunto para sua filha Mariana, e conseguiu distraír os dois de quaisquer dúvidas que tivessem. O horário de almoço estava acabando quando o diretor pediu emprestada a cadeira de Lorena e subiu nela, gritando para que todos prestassem atenção nele. O homem vestia seus mais belos ternos, gravatas caras e sapatos polidos, mas não conseguia disfarçar o quão devastado estava. Seus olhos estavam cansados, com olheiras profundas circundando-os. Os cabelos estavam secos e quebradiços, refletindo os sentimentos do homem em relação à sua filha.
-Estou com uma lista de nomes dos alunos que participarão de aulas avançadas de Artes da Terra e Luta e Autodefesa –ela falou, olhando para o rosto de todos e epserando que os cochichos sessassem para poder continuar. –Isso não é uma sugestão, é uma realidade. Se tiverem seus nomes chamados, passem na secretaria até o final da semana para pegarem seus novos horários.
O homem começou a chamar os nomes pelo primeiro ano, primeiro para Artes da Terra e depois para LDA. O sinal que indicava o final do almoço e início da próxima aula foi ignorado conforme ele continuava a chamar alunos. Não eram muitos por turma, no máximo dez por aula. Ele não estava muito animado com essa ideia, mas ser reconhecido como bom o suficiente para essas aluas avançadas seria satisfatório. Ao chegar no quarto ano Dave voltou a prestar atenção.
-Alunos do quarto ano que participarão das aulas avançadas de Artes da Terra: Antonie Avouto; Beatrice Fernandes; Chris Bravo; Hercília Pegori; Lilian Alberton e Riley Weis.
Lilian procurou o rosto do namorado nas outras mesas e sorriu para ele, contente e orgulhosa. Riley sorriu de volta e olhou para o amigo. Os dois balançaram a cabeça um para o outro, parabenizando e agradecendo silenciosamente. Alícia estava bem ao lado dele, olhando para Dave com a mesma expressão neutra de sempre. Fora a primeira vez naquele dia que ele olhara nos olhos de Alícia, e era muito óbvio que ela havia conversado com Isabelle na noite anterior. Estava com olheiras, cansada e tentando disfarçar. Eles não trocaram palavras, sinais ou olhares significativos. Dave voltou a ouvir o diretor.
-Alunos do quarto ano que participarão das aulas avançadas de LDA: Gemma Poth; Herton Heartwook...
Dave parou de prestar atenção na lista e franziu a testa para Lorena, que estava parada em pé ao lado de seu chefe. A mulher estava sorridente, acenando para os alunos que tinham o nome chamado e fingindo uma enorme decepção para os que não estavam na lista. Dave cutucou-a com a ponta de sapato e ela sorriu para ele, pedindo silêncio. Virou-se então para Lilian, que parecia tão confusa quanto ele.
-Por que meu nome não está na lista? –ele sussurrou.
-Nem o seu e nem o de Alícia –ela franziu a testa, tentando encontrar uma explicação, -São os dois melhores alunos do quarto ano, se não da escola inteira. Talvez simplesmente não precisem de aulas mais pesadas.
-Isso não faz sentido.
-Querem ficar quietos, por favor? –Gary virou-se para os dois, interrompendo a leitura dos nomes do quinto e último ano.
-Por que precisamos de aulas avançadas? –ele perguntou, ignorando o discurso dele e o pedido de silêncio.
-Acha mesmo que essa é uma boa hora para perguntas, Fellows?
Ele revirou os olhos e voltou a sentar-se direito na cadeira. Gary DiPrata continuou os anúncios sem deixar ninguém fazer perguntas. Lorena só deu atenção para o primo quando o diretor desceu da cadeira, mandando todos voltarem ao horário normal. Lilian havia afastado-se para conversar com Riley e Lorena chamara Alícia com um aceno. Ela também parecia levemene ofendida por não estar na aula avançada. Os dois não se olharam e ficaram alguns passos afastados, esperando Lorena falar.
-Vocês não precisam das aulas avançadas –Lorena falou em voz baixa, certificando-se de que ninguém mais podia ouvi-los. –Os dois já trabalham para a família real. E você é um transvingente, Dave, ou seja, é um acolhido com legados diferentes.
-"Já trabalham"? –Dave franziu o cenho.
-O que quer dizer? –Alícia completou seu pensamento. –E daí que Dave é um transvingente?
-Essa é a Escola Preparatória da Província de Tâmara. Pra que acha que estamos preparando-vos se não para servir à princesa da terra? –Lorena arrumou as cadeiras na mesa e olhou em volta mais uma vez. –Nossos alunos devem estar prontos para servi-la como e quando precisar. Dave serve à Thaila, não podemos indica-lo à Tâmara. E você já é dela, Alícia, seria redundante.
-Indicar? –os dois falaram ao mesmo tempo, sendo repreendidos por Lorena com um 'shiu' nervoso.
-Estamos em guerra, meninos! Guardas e soldados nunca são demais –Lorena disse. Os dois finalmente se encararm, arregalando os olhos em puro horror. –Não preciso pedir que fiquem de boca fechada, não é mesmo?
-Alunos do primeiro ano? Lutando contra Tabata? –Dave segurou a prima, que tentava andar para sua aula. –Eles tem treze ou quatorze anos! Mal sabem segurar uma espada!
-Não sou eu quem faço as regras, primo, e talvez a princesa nem precise de nós –ela soltou-se dele, com uma expressão triste no rosto. –Agora vão, ou estarão atrasados. E fiquem quietos.
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