XXVII -Dave
Desta vez, o plano era bem diferente. O grupo viajou rapidamente até as margens de um rio na fronteira entre Edgar e a antiga província de Argia. Dave e Alícia não estavam muio felizes, enquanto Rick estava tão ansioso que chegava a ser ofensivo. Para cada um dos três, Thaila havia mandado três soldados de algum baixo escalão do exército do reino. Os guardas não conversavam com as crianças, muito menos com Rick e suas perguntas irritantes. Dave queria ao menos saber os nomes deles, mas nem isso estavam dispostos a compartilhar. Um deles recusava-se até de tirar o capacete. Sabendo que serviam à rainha, o menino já sentia-se bem. Ele havia proibído a rainha de ir com eles para tão perto da irmã, e os dois despediram-se no Castelo de Vidro com um abraço e algumas palavras de boa sorte. Edgar e Marineva estavam responsáveis por eles até passarem da fronteira. Até aquele ponto, Riley acompanhou-os também. Ele não estava feliz em deixar a irmã na província de Tabata mais uma vez, mas a menina sabia ser convincente. Além dos três guardas, Alfos acompanharia-a na nova jornada. Normalmente, ele era um animal agitado e escandaloso, mas Rick e Marineva conseguiam deixa-lo calmo.
Edgar insistia que todos tratassem Marineva por 'princesa'. Falava abertamente para todos que isso seria uma realidade assim que tivessem tempo para organizar um casamento. Rick levava essa ordem muito a sério, enquanto Dave e Alícia não faziam tanta questão de ouvi-lo. Riley, por outro lado, estufava o peito sempre que ouvia a felicidade dos dois juntos. A mulher falava que ele seria um convidado de honra na cerimônea, e Riley quase esquecia-se que a irmã estava indo para território inimigo mais uma vez. Nas leis antigas da rainha Ágata, os príncipes só poderiam se casar com o consentimento do rei e da rainha. Por consequência, Edgar só poderia se casar se Thaila se casasse antes. Contudo, essa era uma lei que a rainha havia decidido revogar. A felicidade dos apaixonados não podia ser maior. Enquanto isso, tudo o que Dave queria era um dia de descanço. A positividade de Riley e a calma de Missie fariam falta naquela missão. Alícia estava sempre extressada, e Rick era extressante.
Riley abraçou a irmã por tempo demais antes de deixa-la montar seu cavalo. Alfos, enciumado, derrubou-os no chão e cuspiu fogo para cima em protesto. Os Fellows riram da situação e apressaram a menina. Riley lembrou-os pela milésima vez que, a qualquer sinal de perigo, eles deveriam voltar.
-Conhecemos as regras, Riley –Dave falou, tentando manter sua montaria sossegada. –Vou manter sua irmazinha em segurança; é uma promessa.
O menino balançou a cabeça em agradecimento, deixando as feições duras de preocupação. Alícia revirou os olhos e resmungou alguma ofença aos dois.
-Vamos logo –falou o cavaleiro com o capacete, deixando a voz abafada sair com dificuldade da armadura.
-Tomem cuidado, crianças –advertiu Marineva.
-Tenham êxito –Edgar acenou para eles.
Riley não falou com os viajantes, mas sussurrou algo longo e bastante sério para Alfos. O dragão levantou voo e foi na frente da formação, gritando e deixando uma linha de fumaça por onde passava. Só voltou a aparecer dois dias depois. Os três adolescentes cavalgariam no meio, com dois guardas sempre ao lado deles. Havria um soldado alguns metros à frente e outro alguns metros atrás. Dois à esquerda, dois à direita, e o último estaria por todas as partes da formação, controlando tudo. Dave achava melhor seguirem pelo rio de barco do que cavalgar ao longo dele, até Edgar garantir que aquelas águas também eram infestadas de sereias carnívoras. Seguiam pela margem esquerda, visto que, no futuro, deveriam seguir pela ramificação desse mesmo lado. Os cavalos tinham muita energia para andar no primeiro dia, então o grupo chegou a avistar as primeiras montanhas da cadeia antes do sol se pôr. Dave não tinha certeza se gostava do silêncio ou preferia a agitação de um centro em um cenário tão assustador.
O rio tinha águas escuras e lamacentas. Galhos perdidos boiavam, habilidosos, pelo fluxo nervoso e lembravam Dave de Kesley e Kemely, as velhas donas do Pizza de Pepperoni. O menino sentia uma estranha saudade do Cemitério do Rei. Tudo lá era calmo e deliciosamente alucinante. Principalmente Terlúria, filha dos mares, a princesa de ilusões. Thaila prometera que ela poderia voltar para o reino assim que a guerra chegasse ao fim. Dave esperava que isso fosse uma coisa boa. A cauda de uma sereia espirrou água para fora do rio e ele afastou-se da margem por precaução.
O acampamento foi montado rapidamente quando ainda havia luz do sol para ilumina-los, e o jantar preparado com muita calma nas panelas de ferro leve. Apesar dos lobos uivantes e os ventos fortes, os três adolescentes dormiram a noite inteira. Os guardas quem fizeram turnos de vigias, deixando os outros tranquilos sob o teto de uma mesma barraca fria. De manhã, todos levantaram-se antes do nascer do sol e espalharam-se pelo campo morto para ter uma visão melhor demais montanhas. Dave tinha certeza de que não veriam nada. Não poderia ser assim tão fácil, parecia ser contra as regras. Contudo, o primeiro raio de sol iluminou um mundo novo na neve branca dos picos. Por alguns segundos de magia, esse raio refletiu-se em milhares de cristais transparentes e formou uma cidade de luz. Casas pequenas com janelas simples, estruturas para mirantes, carroças e cavalos carregando objetos valiosos e crianças brincando na neve ou correndo por vielas; tudo congelado em gelo, neve, cristal e luz. Quando tudo sumiu, Dave entristeceu-se. Ninguém se mexeu. Ninguém falou nada. Todos sorriram.
-Vamos encontrar o castelo de minha princesa! –Rick comemorou.
-Essas pessoas... elas estão... Congeladas? –Alícia perguntou, tentando encontrar de novo as crianças que brincavam nos cristais.
-Talvez sejam eles os legados da vida que sobreviveram à Tabata –sugeriu um dos cavaleiros. –Eles com certeza sabiam sobre o Castelo de Cristal, devem saber muito mais.
-O que deveríamos fazer, senhor? –um dos guardas perguntou.
Dave estava pronto para responder quando percebeu que a pergunta não era dirigida a ele. O homem tinha as rédeas do cavalo puxadas perto de Rick. O representante da rainha fechou o rosto para os dois, contrariado. Ele nunca era chamado de senhor, e seu irmão mais novo não deveria receber esse tratamento antes dele. Uma pessoa que falava sobre super-heróis e coisas brilhantes não é senhor nenhum. O menino encarava as montanhas, pensativo. Dave nunca tinha visto uma expressão de determinação no rosto de Rick, e a que ele apresentava era o mais perto que jamais cehgaria de ver.
-São muitas montanhas –concluiu. Dave revirou os olhos e Alícia sorriu, provocante. –Continuamos andando para o Vale do Verão. Vão nos ajudar a procurar.
O cavaleiro sinalizou para que todos continuassem. Alícia cavalgou para mais perto de Dave, ainda com o sorriso maldito nos lábios.
-Está passando tempo demais com Tâmara –ele comentou antes que ela dissesse qualquer coisa. –Ela está te dando aulas em como sorrir dessa maneira odiável?
-Não. Aprendi sozinha –falou. –Está furioso, não está? Mimado –ele não respondeu, e Alícia desatou em gargalhadas. –Por favor, continue com essa expressão. Me diverte.
O grupo só chegou ao seu objetivo na metade do quarto dia. Foram atacados por lobos, cabritos montanheses raivosos e um enxame de abelhas, mas todos chegaram bem. As primeiras casas que avistaram eram velhas, paredes sujas telhados desbotados e grama morta ao redor. A visão de cavaleiros em cavalos bem cuidados agitou os moradores da periferia do Vale. Alguns curvaram-se enquanto outros pegaram objetos para apontar contra eles. A comoção espalhou-se rapidamente. Como uma cidade no interior da província da morte, as notícias não chegavam até eles tão facilmente. Eles apontavam para Dave, fascinados que sua existência era real, encarando-o como se fosse uma divindade, uma salvação. Ele nunca sentira tanta pressão em toda sua vida. O olhar sorridente das crianças valia muito mais do que as ordens que o rei um dia lhe dera. A determinação dos que gritavam pelo grupo soava mais alta do que os desejos de Thaila. A esperança nos olhos, nas vozes e no andar de todos alimentava o grupo com energia positiva. Os guardas pediam direções para alguma área mais central, e as pessoas formavam uma passagem viva e agitada por ruas e vielas para guia-los. Aquela marcha foi um momento incrível para Dave. Eles não estavam caregando nada além de suas coisas, mas distribuiam boas vibrações e alegria para aquelas pobres almas dominadas por sombras.
Como o Vale da Primavera, o Vale do Verão fazia juz ao nome. Mesmo próximos de montanhas e neve, o lugar era bem quente e o sol estava à pino. O chão era areia vermelha quente e paralelepípedos da mesma cor. A praça central do lugar tinha uma enorme fonte redonda desativada. Hera seca preenchia-na, deixando tudo com um ar triste e morto que contrastava com a felicidade dos moradores. O lugar em si era envolto por árvores baixas com copas cheias de folhas verde escuras. Dave foi instruído a desmontar, e logo uma multidão envolvia-o com gritos de animação. "Eles vão nos salvar!", "Estamos livres!", "Salvem a rainha!", gritavam. Alguns perguntavam sobre Argia, outros queriam saber sobre Tabata. Ele não sabia como reagir além de agradecer e sorrir. A agitação atraiu a atenção dos guardas locais, que aproximaram-se do grupo à pé. Todos vestiam cota de malha de ferro e carregavam espadas de cavalaria. O sorriso de Dave desapareceu quando viu o rosto do homem que andava à frente. Aqueles olhos castanhos e a pele morena assombravam a mente de sua rainha há anos. Dave tinha certeza de que ela jamais imaginaria que, depois de quase trinta anos, as feições do homem fossem ainda tão familiares. Ele era uma versão mais velha do menino apaixonado na memória da rainha.
-Ora, ora, se não é Dave Fellows –ele falou, sorridente. Sua proximidade afastou as pessoas do grupo da rainha. –O que estão fazendo aqui?
-Você é Ethan Nova? –Dave perguntou, causando olhares curiosos de Alícia e do irmão.
-Eu fiz uma pergunta, não ouviu? –falou, dando alguns passos para mais perto de Dave.
O homem era poucos centímetros mais alto que o adolescente e tinha uma postura ameaçadora. O ferro em seu peito ajudava no quesito intimidação. Dave não gostava de pessoas tratando-o dessa maneira e não deixou que nenhum desses fatores o fizessem vacilar. Ele franziu as sobrancelhas. Alícia detestava aquele olhar tanto quanto ele detestava o sorriso dela. A menina dizia que ele julgava-se mais importante do que realmente era e era mimado demais. Dave discordava. Ele representava a rainha; as pessoas deviam trata-lo com respeito, no mínimo.
-O menino também fez uma pergunta. É surdo, homem? -disse o cavaleiro de capacete.
-E quem são vocês para me darem ordens na minha cidade? -Ethan adiantou-se para ele, segurando o cabo da espada.
O soldado tirou seu capacete pela primeira vez naquela viagem. Dave não pode deixar de suspirar em frustração. Os cabelos negros e os olhos azul-cinzentos de Gary DiPrata encararam Ethan. Dave tinha quase certeza de que lembrava-se de ouvir Tâmara dizendo para Gary ficar com ela até estar melhor. Contudo, ele gostou de ver o guarda do vale encolhendo-se e dando passos para trás à visão de um oficial superior.
-Faz muito tempo que não nos vemos, não é verdade? –Comentou Gary. –Não seja um idiota pelo menos desta vez. Estamos aqui por que precisamos de ajuda.
-Que tipo de ajuda? –grunhiu Ethan.
-Precisamos encontrar o Castelo de Cristal da princesa Argia –respondeu Rick. –Ordens da rainha.
Dave sorriu quando viu a expressão de Ethan, até perceber que ele não estava irritado, mas preocupado. As pessoas pararam de gritar para ouvir, e os outros guardas se encararam, levantando as sobrancelhas.
-Nós vimos uma cidade de cristal –contou DiPrtata. –Mesmo que não exista um castelo, mesmo que demoremos, precisamos tentar. São muitas montanhas e poucos viajantes. Portanto, preisamos de ajuda. Pode nos levar até o chefe da guarda?
-Está falando com ele, DiPrata –disse Ethan, rlaxando os ombros. O general do exército fechou a expressão, pouco impressionado e muito irritado. –Ajudar-te-emos.
-E nós também! –gritou alguém na multidão.
Aquele comentário iniciou uma onda de excitação na multidão. Uns gritavam que iriam para as montanhas, outros falavam que tinham suprimentos para emprestar, mapas antigos para dar e roupas de frio sobrando. Rick sorria de orelha à orelha, contente com a disposição dos moradores. Alícia também estava impressionada com a boa vontade das pessoas, e o sorriso em seu rosto não era cínico, mas feliz. Gary e Ethan trocaram um olhar, e todos começaram a colocar ordem no lugar. Os moradores organizaram-se em filas para ajudar de maneiras diferentes. A mobilização da cidade impressionou Dave, e aqueceu seu coração. Saber que alguém naquele território era à favor de sua rainha deixava sua respiração mais leve, ainda mais se eram assim tão entusiasmados. Aquilo devia ser grande para a pequena cidade Em poucos minutos, tudo estava mais calmo, camihando de acordo com a missão dos adolescentes.
-Ei, garoto –Ethan cutucou seu ombro. Ele o encarava com certa raiva, e isso divertia o menino. –Thaila... Por que mandou-os especificamente para cá? Há muitas cadeias de montanha no reino, e muitas montanhas menores na velha província de Argia.
-Rainha Thaila –ele o corrigiu. –Foi sugestão de meu irmão, não teve nada a ver com você.
-Então ela... Fala sobre mim? Como sabe quem sou, garoto?
-Não, nunca me disse nada sobre você. A não ser algo sobre uma carta que foi ignorada. Parabéns por ser um idiota, ela ficou realmente mal –Ethan tomou ar para defender-se, mas Dave interrompeu-o. –Não se preocupe, você voltará para o Castelo de Vidro conosco. Prometi que, se te encontrasse, levaria-o até ela com os pulsos amarrados.
Dave virou de costas para juntar-se ao irmão. Ele sentiu o ódio no olhar de Ethan e sentiu-se ainda melhor.
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