XXII -Riley
ATENÇÃO! Esse capítulo contém um dos acontecimentos MAIS IMPORTANTES DE TODA A SÉRIE! VOCÊ ESTÁ PREPARADO? Ok então, boa leitura.
O relógio tiquetaqueava alto demais. A cabeça do menino estalava de cansaço e dores, e seus olhos lacrimejavam pelo calor do fogo e as letras que dançavam. O mundo estava torto em sua visão. Tudo caía para a direita; e também tudo era em dobro. Duas lareiras, quatro janelas e dois relógios que tiquetaqueavam como um só, altos demais. Uma tontura muito forte atingiu-o, e ele teve tempo suficiente para abrir a janela e deixar que o vento frio espantasse essa tontura. Então, sentiu o estômago reclamar e correu para o banheiro do primeiro andar. Felizmente, não havia mais nada para ser expelido de seu corpo, então o menino apenas contorceu-se com a cara enfiada na privada e espereou que aquilo acabasse. Quando acalmou-se, lavou o rosto, enxaguou a boca e voltou a se sentar no puff vermelho, suando. Tudo o que sobrara da vela era um toco, fino, curto e que morreria muito em breve. Riley apoiou o livro em seu colo e virou a página.
Ao seu lado repousava uma folha com linhas azuis preenchida com palavras em uma língua esquisita e sua tradução para o português. Riley tinha aprendido os correspondentes para 'gêmeas', 'princesa', 'filho' e 'menino'. Os verbos estavam todos no futuro do presente e ele compreendia poucos deles, limitando sua leitura. 'Fará', 'será' e 'irá' apareciam muitas vezes. Gasb, Tfsa e Hsa, respectivamente. A maior dúvida sempre seria a pronúncia de tais palavras, mas Riley precisava de seu significado primeiro. "Será filho do..." era uma das frases na qual ele estava investindo. Ficava no segundo parágrafo do livro, na terceira linha deste. Riley não conseguia completar os pensamentos adivinhando-os e julgava ser perigoso adivinhar palavras. A janela aberta deixou o vento frio de dezembro entrar e apagou a vela antes do pavio ser exaurido por completo. Riley foi consumido pela escuridão e pelo frio, então, fechou o livro. Dobrou-o, apertou-o e deixou-o do tamanho de uma caixa de fósforo.
A lista de traduções ficou esquecida conforme ele subia as escadas de volta para o dormitório. O quarto dos meninos do vermelho estava uma bagunça. Malas feitas e por fazer estavam jogadas pelo chão e espalhadas pelas camas, dificultando o silêncio que Riley queria fazer. Ele dormia na cama próxima à janela, na beliche de cima. A tontura e os obstáculos não permitiram que ele andasse com cautela. Tropeçou em algumas calças, pisou em uma mala e acordou um dos meninos do segundo ano que dormia na cama ao seu lado.
-Já é de manhã? –a criança perguntou.
-Não, me desculpe –Riley disse, acomodando a cabeça no travesseiro macio. –Eu estava lá em baixo...
-Lendo aquele livro enorme –o menino completou. –Todos vimos. Sobre que é, afinal?
-Eu não faço a menor ideia –reclamou. –Mas é importante e eu preciso ler.
-Para a rainha? –Riley apenas confirmou a dúvida dele com um aceno de cabeça. Ele nem pensou que estava escuro demais para que o menino o visse. –Boa sorte, eu acho.
-É, vou precisar.
Ele não sonhou naquela noite. Sentiu como se tivesse fechado os olhos por apenas alguns segudos antes deles abrirem-se sem seu consentimento devido ao sol do meio-dia. Não havia mais ninguém no quato àquela hora. Todos já deviam estar almoçando, acompanhados de suas malas cheias. A escola fechava às duas e meia para o recesso de inverno, e Riely ainda nem tinha tirado suas coisas da sua parte do armário. Ele também não planejava comer na casa da irmã. Por algum motivo, sua mãe achara uma ótima ideia organizar um jantar na casa alugada de Ramona, sua filha mais velha do mal. Riley não via a meia-irmã ha quase seis meses, e estava muito contente com isso. Ramona nunca gostara dele, e muito menos de Alícia. Existiam altas chances da garota envenenar seu prato de macarronada ou seu copo de suco de graviola.
A primeira tentativa de levantar-se resultou em uma tontura que fez sua cabeça doer. Ele respirou com mais cuidado para realizar o ato aos poucos. Primeiro, sentou-se. Depois, colocou os pés para fora da cama e teve a péssima ideia de pular. O mundo rodou por alguns instantes, e não ficou completamente estável quando ele deu seu primeiro passo. Riley não era bom em arrumar malas, mas ele se superou daquela vez. Jogou qualquer coisa ali dentro, sem nem ter certeza de que eram suas peças de roupa, e fechou o zíper deixando algumas coisas para fora, arrastando no chão conforme ele puxava-a pelo caminho. Alícia era o único rosto que ele queria ver naquele momento, então ignorou todos que o encaravam pela escola até encontrar a gêmea sentada com um prato pronto posto de frente à uma cadeira vazia.
-Está horrível esta manhã, irmão –ela o cumprimentou.
-Obrigado –murmurrou. –Você continua linda como sempre. Por dentro e por fora.
-Feliz em ouvir isso –Alícia sorriu, sarcástica.
Riley acomodou-se na cadeira e começou a comer do prato que a irmã preparara. Ela tinha misturado alface, spaghetti com almôndegas e filé de frango grelhado. Ele não se importou em pensar se aquilo fazia algum sentido para seu paladar e apenas devorou a boa culinária em silêncio. Por mais que estivesse com fome, não comeu tudo. Seu estômago ainda não estava pronto para receber coisas tão pesadas. A irmã comentou que Lilian já tinha ido para casa com a mãe, e Riley se odiou por não ter se despedido da namorada. Ela permaneceu em silêncio depois disso, encarando o céu nublado sem muito entusiasmo. Havia algo em suas olheiras e o castanho cansado em seus olhos que Riley não conseguia identificar. Não era algo bom, isso era certeza.
-Isabelle? –a voz de Dave apresentou-se a mesa, e logo o menino sentava-se com eles, com as malas bem feitas e uma touca cobrindo suas orelhas e seu cabelo desarrumado. –Bom dia, Riley. Estava esperando você acordar para ir embora, mas quase desisti.
-Como assim "Isabelle"? –Riley perguntou, irritado, olhando para a irmã.
-Dave Fellows acha que sabe de tudo –ela disse, arrumando sua postura na cadeira. –Não a vejo desde que devolvi sua espada.
Ela abriu a palma da mão por debaixo da mesa e a touca de Dave foi atraída pela polarista. O cabelo preto do menino estava mais bagunçado do que o normal, e cheio de eletricidade estática, deixando alguns fios para cima por mais que ele passasse a mão para arruma-los.
-Se não é Isabelle, então por que parece que não dorme há semanas? –ele perguntou, tomando a touca de volta para si.
-Quanta gentileza –Alícia resmungou. –É Tâmara. Falei com ela ontem, com o comunicador de Lilian. Desculpe, Riley, mas ela precisa de mim hoje. Não vou jantar com nossa adorável família.
Ele não esboçou reação. De alguma maneira, Riley já esperava por isso. Quando ele achava que o primeiro dia das férias não podia ficar pior, ele ficava. Após alguns segundos de silêncio, ele suspirou, frustrado. Alícia não tentou defender seu nome ou dizer mais vezes que sentia muito. Acariciou a mão do irmão com um sorriso no rosto e riu dele, comentando no quão feliz estava por não ter que estar sob o mesmo teto que Ramona.
-Eu te amo, minha irmã.
-Te vejo em casa –ela sorriu.
Levantou-se e despediu-se dos dois com um beijo na bochecha. Riley obrigou-a a lhe dar um segundo beijo e a menina o fez entre uma risada deliciosa que conseguiu alegrar a manhã dele. Dave se levantou quando Riley colocou a última garfada de macarrão na boca. Ele mexeu em seu pulso e abriu a fivela do relógio que um dia fora do seu pai. Estendeu-o na direção do amigo e esperou que uma atitude fosse tomada. Riley franziu as sobrancelhas e pegou-o.
-Eu estou indo para minha casa –Dave explicou. –Não vou precisar disso. Você, por outro lado... Boa sorte. Só não perca, por favor.
-Obrigada –Riley disse, ainda com as sobrancelhas franzidas. Aquele objeto tinha a propriedade mágica de tornar a quem o usasse invisível. Riley não tinha certeza se aquilo o ajudaria com Romena, mas era melhor do que nada. O relógio de Reginald era também uma grande responsabilidade. Alícia já o havia perdido uma vez, e ter outro Weis cometendo o mesmo erro não seria muito bom para o nome de sua família. –Nos vemos depois do Natal.
-Até lá, Riley. E tente não gastar todos os seus neorônios no livro da rainha. Vai precisar deles se quiser ganhar de mim nos jogos de carta.
-Só preciso de metade do meu cérebro para isso –falou, enquando afivelava o relógio em seu pulso. -Você é péssimo.
Dave deu risada e saiu, levando sua mala com ele de volta para São Paulo. Riley ficou sentado até o diretor DiPrata dizer que a escola estava fechando. O menino suspirou, irritado, e levantou-se. Dave havia deixado uma folha de papel com instruçõs de como chegar ao centro da província de Elias, onde a meia-irmã mais velha morava com o namorado. Geralmene ele gostava de andar por Érestha e pelo mundo, atravessando passagens e encontrando-se em lugares novos. Conudo, a dor de cabeça e a comida pesada no estômago não contribuíam para um bom humor. Ele soube que estava no lugar certo quando sentiu o vento acariciando seu rosto. O ar parecia mais leve em seus pulmões; mais limpo, mais puro. A brisa soprava morna e com uma leveza diferente. Isso, e sua mãe estava ali para recebe-lo, vestindo um vestido com estampa de zebra e carregando uma marmita enorme que fumegava. A praça onde estava era maior do que a de Tâmara, com estátuas de pedra retratando animais e plantas entre uma loja e outra, restaurantes, fontes e pessoas sorridentes.
-Riley, está atrasado –ela o recebeu. –Sua irmã já conversou comigo, então vamos, vamos!
-Oi mãe –ele resmungou, mas a mulher não ouviu.
Ela entregou a marmita para o filho e seguiu por uma viela de pedra branca à sua esquerda. Riley revirou os olhos e seguiu-a. Ruby começou a falar e fazer perguntas sobre as aulas do filho sem esperar por respostas. Riley não precisou dizer nada e apenas ouviu seu entusiasmo para o jantar em família. Ele nunca esteve na casa da irmã, e não ficou impressionado quando pisou lá pela primeira vez. O lugar cheirava a flores velhas e era todo decorado em tons de violeta e azul claro. Era uma casa geminada pequena com dois quartos, um banheiro, cozinha e uma sala grande com uma mesa de jantar e televisão. Ramona e o namorado dividiam o aluguel da casa com uma garota que trabalhava de noite. Todos os Weis já estavam lá quando Riley e a mãe chegaram. Rômulo, o meias velho, trocava o canal da TV sem muito entusiasmo; Romena, a meia-irmã do meio com os cabelos pintados de vermelho e as tatuagens nos braços gordos preparava algum suco no liquidificador; e Ramona, a dona da casa, reclamava que os dois faziam barulho demais.
-Teremos frango, arroz, feijão, batatas e salada –Ruby falou, entrando na casa da filha e sinalizando para que Riley apoiasse a marmita na mesa. –Vou começar a fazer o frango. Riley descasque as batatas e as meninas me preparem a salada quando estiver mais perto da hora de comer.
Rômulo revirou os olhos e sorriu. Riley não pode deixar de fazer o mesmo. Por algumas belas horas, ele até esqueceu-se de que estava sem Alícia e não pertencia àquela família. Romena perguntava sobre novidades da escola, ele falava com Rômulo sobre Lorena e Mariana e até Ramona e a mãe pareciam radiantes em sua conversa sobre como assar aves. Foi depois de derrubar água no piso limpo da cozinha que ele decidiu usar o relógio de Reginald Fellows. O jantar já estava no forno quando isso aconteceu. Ramona enlouqueceu porque tinha acabado de limpar tudo, Romena gritou com ela para ser menos desesperada, Ruby gritou ainda mais alto para parar as duas, e Rômulo tentou acalmar as meninas, também com gritos. Riley afastou-se vagarosamente sem que nenhum deles percebesse e encostou na maçaneta da porta de vidro que levava ao pequeno jardim mal cuidado dali. Ele girou o relógio, apertou um dos botões na lateral e saiu. Mesmo se não estivesse invisível, ninguém o teria visto.
Suspirou, cansado, e começou a pensar. Ele repreendia-se por pensar demais e acabar questionando a si mesmo, mas muitas vezes era inevitável. Considerava-se dependente demais de Alícia, queria estar com Lilian e mal podia ver a hora de reencontrar Dave e fazer alguma coisa legal. Para impedir que ele pensasse tanto nisso, pegou o Livro da Rainha. Ele não sabia se o objeto ficaria invisível como ele, mas as pessoas dentro da casa ainda gritavam e ele não se importava. Ele abriu o livro sua cabeça doeu duas vezes mais. As letras não começaram a se embaralhar, nem a desaparecer da página conforme ele lia. E o mais importante, ele conseguia ler. A respiração do menino alterou-se e suas mãos suaram conforme ele absorvia as palavras numa língua conhecida. Arrepios percorreram sua espinha quando ele se levantou. Voltou a ficar visível e as palavras tornaram a serem letras aleatórias.
-Eu consegui –ele falou, abrindo a porta de vidro e observando os parentes calados e confusos. Passou por eles e não deixou ser parado pela mãe querendo explicações. Atrapalhou-se para carregar o livro e abrir a porta, e Romena o ajudou, perguntando se estava tudo bem. –Eu consigo ler –sorriu.
Ele apertou, dobrou e puxou o livro até deixa-lo do tamanho de uma caixa de fósforos. Guardou no seu bolso e correu de volta para a passagem de onde viera.
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