XII -Alícia
Aquela passagem os deixou muito próximos da entrada para a Escola Preparatória da Província de Tâmara. Lorena correu na frente do grupo para ver se o diretor DiPrata estava por ali, por algum acaso. Eles pararam próximos ao arco de madeira que marcava a entrada da escola. Dave deitou Nicolle na grama e Rick sentou-se ao seu lado, ainda tonto. Alícia não estava confortável em carregar a espada responsável pelo ferimento em sua perna e a morte de Bia Vallarrica. Podia livrar-se dela na mata, mas algo a impedia. Ela sabia que Isabelle pediria por ela, e ela queria devolver.
-O que foi que aconteceu –Riley perguntou, passando as mãos por seus cabelos, confuso.
-Não sei –Dave respondeu, andando para mais perto da rainha. –Talvez você possa nos dizer. O que foi que aconteceu?
-Eu não tenho certeza... –ela falou, olhando Nicolle deitada no chão. –Eu... Dave, não use esse tom comigo.
-Thaila, por que é tão difícil para você ficar no Castelo de Vidro? Vou responder a seus chamados quando precisar, sempre. Mas seria melhor evita-los.
-É eu sei, me desculpe –ela falou, ainda sem tirar os olhos da menina desacordada. –É só que... Eu queria ver uma coisa e fui até sua amiga. Eu não estava em perigo; minha irmã nem sabia que eu estava lá. Te chamei por ela, Dave.
-Sabia que Tabata ia estar lá –Dave afirmou. –Podia ter me avisado. Não tem que proteger Nicolle, tem que manter-se a salvo –Thaila finalmente virou o rosto para ele, mas não falou nada. –Como sabia?
-Bom, digamos que... –Ela olhou bem no fundo dos olhos de Alícia antes de terminar a frase. –Um passarinho me contou num sonho. Um corvo.
Um arrepio percorreu a espinha de Alícia. Ficou aliviada quando Dave não fez mais perguntas. Nicolle tossiu e sentou-se, asustada, olhando em volta e respirando pesadamente. Rick segurou seus ombros e disse que estava tudo bem.
-O que aconteceu? –ela perguntou.
-Você... –Rick olhou para os outros, como se pedisse permição para continuar. Ninguém mexeu um músculo. –Falou em uma língua diferente. E... Eu... Estava dentro da cabeça de Pedro, acho que...
Ele não soube continuar a frase. Thaila aproximou-se e agaixou-se próxima de Nicolle.
-Sente-se bem? –perguntou.
-E-eu... Não entendo –Nicolle falou, confusa. -Não entendo o que você está falando.
Riley começou a revirar seus bolsos e tirou um pequeno saquinho com um resto de alcaçuz. Entregou a bala para Nicolle e Rick e explicou para a menina que aquilo traduziria tudo para o português. Ela ficou receosa, mas quando viu Rick ingerindo-o, imitou. Fez uma careta quando seus tímpanos protestaram e depois abriu os olhos, esperando que a rainha falasse mais alguma coisa. Thaila ajustou o vestido para trocar o pé de apoio e refez a pergunta. Nicolle negou com um aceno de cabeça.
-Por que não? O que sente? –Thaila continuou.
-Dor na cabeça... –Ela piscou, tonta, e abriu um pouco a boca. Alícia adiantou-se até ela e segurou seus cabelos quando a menina vomitou aos pés da rainha. Thaila não se mexeu. Rômulo, que ainda estava segurando Mariana, olhando para a escola e esperando Lorena voltar, pegou uma mamadeira cheia de água da bolsa para bebês que carregava atravessada em seu ombro. Rick tirouo bico e Nicolle tomou tudo, com as mãos tremendo.
-Desde quando se sente assim? –perguntou a rainha. Nicolle começou a chorar e disse que não sabia. Tentou desculpar-se por qualquer coisa, mas conseguiu apenas mais lágrimas. Alícia não entendia onde Thaila queria chegar, mas continuou apenas a segurar os cabelos dela e abanar sua nuca. –Pense bem. Dave te deu essa pedra há mais ou menos três anos e meio.
-Sim –ela falou. Olhou para Dave e ele garantiu que Thaila só queria ajudar. –Mas não era tão ruim assim antes de Rick começar a me falar sobre Érestha. Sobre a família real, as guerras, sobe seu pai... e... Há uma voz –ela falou, ainda chorando. Encolheu-se um pouco. –Ela fala sobre Érestha e... Thaís. Ela quer Thaís, mas, eu juro, não conheço nenhuma Thaís! Por favor, não ache que estou louca, eu juro!
Thaila levantou uma mão para cala-la com toda a classe de uma rainha. Ondas de arrepio percorriam as costas de Alícia conforme ela entendia o que estava acontecendo ali. A adrenalina do momento a fez parar de abanar a menina e provavelmente puxou alguns fios do cabelo cacheado dela. Thaila explicou calmamente que acreditava em Nicolle, e que Thaís era o nome de sua mãe.
-Posso falar com ela? –perguntou. Nicolle demorou para responder que não sabia como o fazer. Dave disse que ela ficaria bem e para ela confiar em Thaila. Todos tinham os olhos arregalados, e até Mariana estava quieta, observando o que acontecia. Nicolle assentiu, dizendo que ela poderia tentar. Thaila ajeitou-se e respirou fundo. –Argia?
Nicolle jogou a cabeça para trás imediatamente. Alícia pode ver perfeitamente seus olhos transformando-se. Começando do centro, a coloração verde foi expandindo-se por suas pupilas até consumirem completamente o castanho. Alícia soltou os cabelos dela e as armações dos óculos cairam na grama. A menina voltou a sentar-se, respirando com dificuldade. Pôs-se de pé, e todos aproximaram-se, até mesmo Lorena que voltara da diretoria sem a companhia de Gary.
-I-irmã –ela gagueijou, com os olhos marejados e as sobrancelhas tremendo em sua testa.
Jogou-se contra Thaila para um abraço que não foi devolvido. As ondas de arrepio pela adrenalina do momento continuaram a atacar os pelos de todo o corpo da carioca. Thaila perguntou como aquilo era possível num sussurro, e ninguém falou nada. Ficaram em silêncio. Um silêncio mais profundo do que Alícia jamais havia presenciado naquela escola. Na verdade, estava tão silêncioso que parecia errado. Estiveram tão ocupados que deixaram de notar um pequeno detalhe. A escola nunca estava em silêncio.
-Riley, ouviu isso? –ela perguntou.
-Não –ele respondeu, confuso. Todos olharam para ela com a mesma expressão.
-Exatamente –ela concluiu. –Quando foi que vocês ouviram essa escola em silêncio?
Lorena foi a primeira a arregalar os olhos e olhar em volta. Riley não estava entendendo e perguntava muito rapidamente do que todos estavam falando. Ele só entendeu quando um cachorro preto de pelo menos cinco metros de altura com o corpo esguio e quatro pernas musculosas apareceu pulando animadamente atrás deles. Rúfios era o cão fera do diretor, e nunca ficava quieto. Uivava e latia o dia todo e a noite inteira. Ouvia-se seu barulho pela escola inteira. Normalmente, as feras eram perigosas, mas Rúfius era um animal de estimação. Infelizmente, ele gostava de brincar. Ainda mais triste era saber que ele só obedecia a seu dono. Rúfius pulou no meio de todos eles e lambeu Riley com muita animação. Dave colocou-se entre ele e Thaila e Nicolle. Rick estava no chão, assustado de mais para fazer qualquer coisa.
-Cachorrinho! –Mariana gritou, animada e risonha.
Rúfius latiu para ela e correu em sua direção. Rômulo virou-se para colocar-se entre a fera e a filha, e Lorena gritou 'almondegas' para o cachorro. Ele parou imediatamente e sentou-se, com a língua de fora.
-Gary está por aqui –ela falou, como se gritar o nome de um processado de carne para parar uma fera fosse extremamente normal. –Suas coisas estão ai, mas eu não o encontrei.
-O que é essa coisa? –Rick perguntou.
Em resposta, Rúfius se pôs de pé e levantou as orelhas, atento. Ele latiu uma vez e então correu para mais perto do arco de entrada da escola, onde, como Lorena dissera, estava Gary DiPrata, com um apito para cães em mãos. Junto dele estava a princesa Tâmara, deslumbrante como sempre. Rúfius deitou-se aos pés dos dois e ela acariciou seu fucinho grotesco, elogiando uma fofura que Alícia não enxergava. Gary agradeceu Lorena por lembrar-se do códico para fazê-lo sentar-se e desculpou-se por te-lo deixado sair quando podia oferecer perigo para alguém.
-O que todos vocês fazem aqui? –Tâmra perguntou. –Estão uma semana adiantados, sabiam?
-Leve seu cão para sua casinha, diretor -Thaila segurou a cabeça de Nicolle –ou Argia- e abraçou-a. –Dave, podemos entrar na casinha azul? Precisamos conversar, irmã.
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Dave arrastou as cadeiras da mesa que ficava no canto para todos poderem acomodarem-se de frente à lareira. Thaila e Tâmara sentaram-se nos braços da mesma poltrona e deram as mãos. Nicolle sentou-se em uma cadeira, ao lado de Rick, e Dave ficou em pé, perto de Thaila. Alícia e Riley imitaram a princesa e a rainha e deram as mãos para dividirem a outra poltrona e deixarem o sofá com a pequena família do meio-irmão e o diretor. Os olhos de Nicolle eram os dela, e ela não parecia muito confortável. Thaila pediu que Nicolle a chamasse e ela fechou os olhos. Quando os abriu, voltaram a ser o forte verde folha de Argia. Ela se levantou e olhou para todos a sua volta.
-Como você sabe? –Thaila perguntou, não deixando tempo para ela falar nada. –Sobre mim, como sabe quem sou? Você tinha menos de um ano quando morreu.
-Mas que loucuras são essas, Thaila? –Tâmara perguntou, horrorizada. –Quem é essa menina?
-Sou Argia, senhora –ela falou. –Bom, mais ou menos.
Tâmara riu, nervosa, como se ela fosse louca. Quando ninguém riu junto dela, calou-se. Thaila confirmou com um aceno que aquilo estava mesmo acontecendo, e Tâmara arregalou os olhos.
-Responda-me, como você sabe? –Thaila insistiu.
-Rick contou muita coisa para Nicolle –ela disse. –E eu ouvi. Ouço tudo, como ela está ouvindo agora. Ele disse que houve uma guerra e que o irmão dele defendia o lado de uma princesa de cabelos roxos. Nicolle confia em Rick e Dave, então eu confio também. Ele falou sobre o que Tabata fez. Nicolle e eu não concordamos.
-Como você sabe disso tudo, menino? –Tâmara perguntou para Rick.
-Eu pergunto coisas para as pessoas –ele deu de ombros.
Tâmara deu-se por satisfeita e levantou-se. Tocou o rosto de Nicolle com um fascínio que Alícia vira uma única vez antes em suas feições maravilhosas, e fora quando ela soube que a carioca tinha o legado de polarista.
-Irmã, como isso é possível? –Thaila virou-se para Tâmara.
-Obra de mamãe, só pode ser. Ela sabia, Thaila. Sabia de tudo, isso faz parte do plano dela... É genial –ela falou a última parte com uma lágrima escorrendo pelo rosto.
-Onde ela está? –Argia perguntou, animada. –Mamãe, onde ela está? -Aquilo era triste. Alícia e Riley encararam-se, pensando a mesma coisa. Todos desviaram o olhar dela, com exeção de suas irmãs. Foi Thaila quem explicou que Thaís morrera na mesma noite que ela. Argia balançou a cabeça, dizendo que entendia. Rick pôs-se de pé e a menina jogou-se em seus braços para chorar. –Mas eu quero minha mãe. E papai? Onde está nosso pai?
-Meu pai –Thaila corrigiu. –Se você se lembra de alguém, é de Éres, e ele não era seu pai. Mamãe nunca disse quem a engravidou. E Éres também foi morto.
-Temos que falar com nossos irmãos, Thaila –Tâmara não deixou que Argia demonstrasse nenhuma reação, e ela apenas continuou a chorar. –Imediatamente. Weis, procurem Ana Vitória para mim. Vou falar com Elói e Elias. Encontro vocês no Castelo de Vidro.
-Chame Tamires também –Thaila ordenou.
-Não é hora para...
-É uma ordem, princesa –a rainha a interrompeu. Alícia estava tão acostumada com ela sendo boa, quieta e amigável, que achava que só aquilo já era sua atitude de rainha, mas estava enganada. Thaila sabia levantar a voz até o tom perfeito, ajeitar as costas na postura exata e olhar nos olhos de seus súditos e irmãos com a intensidade exata. Era com certeza uma rainha perfeita, no que se diz em postura. -Vai obedecer ou preciso lembrar-te de como se comportar...
-Ok, eu faço –Tâmara grunhiu. Curvou-se, dura e sem vontade para a irmã. –Vossa Majestade.
Thaila não se mexeu até ela e Gary saírem da casinha azul. Lorena avisou que voltaria para a casa de Rômulo com Mariana, e pediu que Dave fosse para lá depis de tudo se resolver. Riley e Alícia seguiram a princesa, prontos para encontrarem Lilian e Ana Vitória, mas Thaila parou a menina quando ela chegou na porta.
-Escute-a –a rainha falu em seu ouvido. –Ela sabe o que está fazendo.
Alícia concordou e voltou a andar atrás do irmão. Segurou o cabo da espada de Isabelle com força. Era um bom motivo para ter que falar com ela de novo, e queria muito que fosse em breve. Devia ter uma boa razão para estar assombrando os sonhos da rainha.
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