III -Dave
Nicolle começou a passar mal depois de cinco minutos de vento na cara e alta velocidade. Ela respirava com dificuldade e apoiou sua cabeça no ombro de Dave para não chacoalhar tanto. Alícia tentava fazer o irmão desacelerar ou não passar todos os sinais vermelhos, mas ele não queria parar. Aumentava o som da voz de Brian Johnson cantando Highway to Hell cada vez que a irmã gritava com ele. Dave ainda não entendia a presença dos dois ali. Thaila deveria estar em sua casa, em seu reino. Nada poderia justificar essa decisão. Se fosse realmente urgente, ela iria até Dave, não até seus amigos.
-Tome a esquerda agora, Riley –Dave estava dando as direções para ele chegar até o Villa Lobos. Dave estava louco para testar passagens com aquele caro. –Como você aprendeu a dirigir?
-Ele claramente não aprendeu –Nicolle resmungou.
-Obrigada, gentil senhorita –ele fuzilou-a com o olhar, virando para trás e quase acertando a traseira de um ônibus. -Aprendi com a vida, meu caro amigo. Sor Riley Weis tem muitas habilidades ocultas.
-Seria uma delas causar ânsias de vômito em pessoas que andam com seus veículos? –Nicolle falou.
-Não me lembro de você sendo tão...
-Honesta? –ela completou.
-Que moça adorável –ele apertou as mãos no volante e acelerou para pegar o fim de um farol amarelo.
-De onde vem esse carro, aliás? –Dave perguntou.
Os gêmeos se entreolharam.
-Bom, nós... –Alícia começou.
-Achamos –Riley completou.
-Ah, que ótima ideia. Correr pelas ruas de São Paulo num carro roubado. Maravilhoso –Dave estava cansado de gritar para ser escutado, principalmente agora que a música mudara para Back in Black e o solo de guitarra abafava sua voz com todo o poder do Rock n' Roll. –O que exatamente Thaila está fazendo no Rio, e como ela sabia sobre a côndefa? E por que não me disse nada?
-Não sei –Riley gritou de volta. –ela penas nos disse para vir te encontrar nesse shopping e te levar para nossa casa. Ela sabia que você estava com Nicolle e quer ela por lá também.
-A rainha do mundo louco de vocês quer me ver? –Nicolle estava animada e confusa ao mesmo tempo. Surpreendentemente, a expressão resultante dessa mistura de sentimentos era a mesma que ela tinha quando estava prestes a vomitar. Ela tocou a pedra em seu pescoço. –É isso o que ela quer?
-Eu não sei –Dave falou. –Mas é bom que seja, e que tenha uma boa explicação.
-Fala como se fosse você o rei e ela sua representante –Alícia comentou do banco da frente, sem virar o rosto.
-Ela não tem que estar fora de Érestha, não agora. É perigoso para ela, para o reino...
-Acha mesmo que ela não sabe disso tudo Dave? –os olhos castanhos de Alícia encontraram os seus. Ela o encarava com determinação, fúria. –Ela é sua rainha, confie nela.
-E eu confio –Dave ajustou-se no banco e apontou uma entrada da avenida Jaguaré para Riley. –É exatamente por isso que estou preocupado. Riley, espere!
Ele freou de repente, jogando todos para frente e marcando o asfalto. Dave olhou para sua direita. Havia um McDonalds com Drive-Through ali, mas tinha algo a mais. Além do cheiro de molho, batata frita e crianças engorduradas, o local tinha um perfume de mar. O sal, o mormaço, a areia e o sol. Aquela placa amarela e vermelha indicando a entrada do drive-through era algo a mais. Não só metal, mas um mundo inteiro.
-Essa placa de drive-through é uma passagem! –ele gritou, feliz. –Acelere o carro, vamos por ela. Nicolle –ele segurou sua mão –preciso que concentre-se em Mariana. Pense nela, só isso.
-Dave -Alícia chamou enquanto o irmão fazia uma manobra proibida e recebia xingamentos e buzinadas. –Tem certeza de que o carro vai passar junto de nós? Que não vai bater?
-Não –ele admitiu. Agarrou-se ao cinto por precaução.
Riley acelerou. Alguns funcionários do restaurante Fast Food estavam olhando pela janela, pasmos. Os carros atrás dels também. Dave fechou os olhos e apertou ainda mais a mão da amiga. Quando uma onda de calou invadiu seu corpo ele voltou a abrir os olhos. Tinha funcionado. Estavam em uma praia quase deserta na província de Teresa. O carro tinha atravessado junto deles, e Nicolle estava bem. Riley levantou os braços para comemorar e trocou a música para música para You give love a bad name do Bon Jovi. As pessoas mais próximas do carro que se materializara ali sem avisos aproximaram-se, devagar. Dave conhecia uma das meninas. Tinham se encontrado no acampamento da PIC no segundo ano em Érestha. Seu nome era Teeghan Lollys, e ela usava maquiagem pesada e batom vermelho na praia. Dave havia passado uma noite inteira com ela e seus amigos naquele acampamento, jogando cartas e conversando perto da fogueira. Era uma menina muito séria e bastante divertida. Seu bronzeado ardia sob o sol escaldante do verão de Érestha. Estava descalça, com os pés afundando na areia fofa. A canga que vestia era na cor turquesa, combinando com o biquini sem alças que usava. O cabelo descia por ondas leves até a metade de suas costas, castanho escuros como seus olhos. Nas mãos, ela trazia um pergaminho velho e amarelado pelo tempo. As pessoas que vinham junto dela tinham canetinhas e bússolas velhas.
-Olá Teeghan –ele cumprimentou e apontou para as coisas que carregava. –O que é isso?
-Você é louco? –Ela perguntou, olhando para todos no carro. –Podia ter machucado alguém! O que está fazendo?
-Coisas para Thaila, e você? Como tem estado? –Ele não tinha muita afinidade com Teeghan, eles mal se falavam depois do acampamento. Mair Loopbry e Cibele Manson ele ainda via, sempre na companhia de Lilian. Mas Teeghan não tinha amigos em comum com ele a não ser Bia. Por mais que sua Bianca sempre reclamasse do visual "vampira-gótica-submaria", nas suas palavras, de Teeghan, ela gostava de ir à praia na sua companhia quando tinha tempo. Ainda assim, ela era uma boa compania.
-Dave, você tem sérios problemas –ela disse, aproximando-se para abraça-lo. –Estou bem, e não vou perguntar como você se sente, não se preocupe. Isso aqui é um mapa, se quer mesmo saber. Besteiras sobre Krev Krols.
-O pirata da Fênix Dourada! –Riley animou-se. –O capitão mais rico dos mares. Por acaso isso é um daqueles mapas que especulam a localização de onde ele irá atracar da próxima vez que vier para terra?
Dave lembrava-se vagamente de ter conversado com duas velhas em roupas de gondoleiras sobre Krev Krols e outros piratas das águas de Teresa. Ele era amaldiçoado com a vida eterna e vinha à terra apenas uma vez a cada cinco anos.
-Sim, é. A próxima data para ele vir à terra é ano que vem. Mas é bobagem, esse mapa não é de verdade. Olha, vocês não podem simplesmente entrar em províncias com um carro em alta velocidade. Podiam ter matado...
-Obrigada Teeghan –Riley a interrompeu. –Sor Riley Weis sabe o que faz. Se nos da licença, temos uma missão especial da rainha para resolver. Allons-y!
Ele acelerou e deixou Teeghan completamente confusa. Dave acenou para ela e deu de ombros. Continuou a guiar Riley e este continuou a passar pelas passagens como um louco até eles chegarem, finalmente, em Copacabana. Ele continuou dirigindo morro acima até parar na porta de sua casa. Ele fechou o teto do carro e trancou. Os vizinhos olhavam para ele com muita curiosidade, e ele apenas sorria. Após subir as escadas para a casa dos gêmeos, Nicolle disse que definitivamente ia vomitar. Alícia correu com ela para o banheiro mais próximo e Dave ficou na cozinha, encarando a rainha Thaila tomando chá e comendo um muffin de morango e Nutella como se tudo estivesse bem. Ela vestia calças capri largas na cor marrom e uma blusa branca de manga cumprida com um laço de fio fino no decote. E a coroa repousava em sua cabeleira roxa. Essa era, sem sombra de dúvidas, a cena mais estranha que Dave jamais presenciara.
-Está com uma coroa de ouro maciço em uma favela do Rio de Janeiro? –ele falou, aproximando-se da rainha. –O que deu em você, Thaila?
-Como você está, Dave? –ela indicou a cadeira ao seu lado. –Junte-se à mim e à Ruby para o chá. Os muffins são deliciosos.
-Não quero chá. E eu estou confuso, para sua informação. Volte para Érestha, ficou louca? Qualquer coisa que tem para falar comigo podia ter sido resolvida por lá.
-Acho que você não me ouviu –ela depositou sua xícara na sobre a mesa com a perfeição de uma rainha. -Não foi um pedido, Dave. Sente-se -ele obedeceu. –Eu pedi que Riley e Alícia fossem atrás de você em São Paulo por que eu sabia que havia alguma coisa de errado quando fui até lá mais cedo. Queria que você se divertisse, Dave, queria mesmo. Por isso não interferi. E também, eu não tinha certeza de nada.
-Era Casseda –ele falou. Ruby, que sentava-sa a sua frente, engasgou. –Tabata deve tê-la mandado...
-Pela pedra de Argia, sim –Voltou a tomar seu chá. – Para resumir, ela acha que está com você, e eu quero ter certeza de que esteja em segurança até eu me resolver com meus irmãos sobre ela. Talvez eu precise disso em breve.
-Espere, "talvez"? O legado da vida é seu domínio por direito, e deve ter parte dele de um jeito ou de outro –Ruby chacoalhava a cabeça para concordar com Dave. –É a rainha.
-Sim, sou a rainha, mas meus irmãos são meu conselho –Dave encarava o rosto de adolescente da rainha com muita confusão, e ela parecia divertir-se com isso. –Vim conversando com eles em reuniões pessoalmente sobre o assunto. Nem todos acham que eu deveria tomar a pedra e o legado para mim. Seria como forçar Argia a se curvar, e isso é erado, é tirar os direitos dela.
-Que direitos? Ela está morta a quase dezessete anos. E era uma bastarda.
-Qual o problema com pessoas bastardas? –Riley perguntou, claramente ofendido. Ruby encolheuse e não quis fazer comentários. Thaila levantou uma sobrancelha para concordar com ele. E depois ela soriu.
Thaila sabia do que Dave estava falando, ele não queria ofender ninguém. Sua atitude estava começando a irrita-lo de verdade. Ele vinha lendo e decorando algumas leis há algum tempo. Ele não sabia de tudo e nem planejava saber tão cedo. Mas ele se lembrava claramente de uma lei assinada pela rainha Ágata, mãe de Éres, que excluia alguns direitos de crianças bastardas da corte. Um deles era o direito de escolha entre curvar-se ou não para o rei ou rainha regente. Também não podiam assumir o trono, ter uma província com uma área maior do que uma certa quantidade de quilômetros quadrados e não precisavam comparecer a todas as reuniões se o rei ou rainha assim desejasse.
-As leis de minha avó serão quase todas revogadas em breve –Thaila mordeu seu muffin e ficou com o lábio superior sujo de chocolate. –Meu pai trataria Argia como uma princesa, e todos os meus irmãos fariam o mesmo. Além do mais, forçar alguém morto a se curvar seria desonra a um falescido. Não acho que você gostaria de, depois de morto, ser declarado seguidor de... Como é mesmo o nome daquele homem de quem eu estava lendo, Ruby?
-Hitler, senhora.
-Certo –Dave interrompeu-a com a testa franzida. Demorou um pouco para encontrar as palavras certas. Thaila era tão aleatória às vezes, que ele se confundia. –Estamos em guerra. E você não é Hitler, é uma rainha que quer o bem para seu povo.
-Sim, é verdade. Ninuguém disse que esse legado vai fazer alguma diferença agora, de uma forma ou de outra. Não é bem uma prioridade, mas eu não quero Tabata com a pedra.
-Isso ainda não justifica você vir até aqui. Podia ter me chamado, é para isso que eu estou aqui.
-Está certo, mas eu sempre quis conhecer as praias brasileiras -sorriu. Dave não podia acreditar que ela saíra da segurança de seu castelo para as terras fora de Érestha por praias. É certo que ela precisava de distrações e diversão, de vez em quando mas, pelo jeito, era péssima em escolher isso. -Seu pai falava muito sobre...
Ela levantou-se tão subtamente quanto no dia em que Tabata retornou para reclamar Isabelle. Dave pôs-se de pé também, pegando uma colher como arma e empurrando-a para trás. Parada na passagem entre a cozinha e a sala estavam apenas Nicolle e Alícia. A menina dos cachos cor de caramelo estava com os olhos arregalados e tremendo um pouco pelo mal estar. Dave suspirou, aliviado, e fez as apresentações.
-Nick, essa é a rainha Thaila, de Érestha –apontou para sua senhora. –Thaila, essa é Nicolle de Vie. Guardiã da pedra de Argia.
Thaila aproximou-se de Nicolle com a testa franzida e a menina não se mexeu. A rainha tocou a pedra e depois o rosto de Nick, ainda em silêncio.
-Não me lembrava dessa pedra sendo tão cheia de energia. Vê, Dave? -Sim, ele via. Era como se uma fumaça cor-de-rosa constante emanasse da pedra e apenas ele pudesse ver. Nicolle era sempre completamente envolvida por ela, como uma aura muito poderosa, e essa fumaça não queria viajar para longe dela em nenhum momento. Ela envolveu a mão de Thaila sob seu toque. –É a escolha perfeita para cuidar dela. Muito obrigada, Nicolle de Vie.
Nicolle começou a piscar violentamente, como se algo incomodasse sua visão. Seus olhos castanhos pareceram piscar e tornarem-se verdes por um segundo, e Dave chacoalhou a cabeça, assustado. A fumaça cor de rosa estava disperçando-se, afastando-se de Nicolle aos poucos. Então, ela foi completamente sugada de volta para a pedra e Nick desmaiou.
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