O que restou
Firmou o olho direito, respirou fundo e colocou o dedo no gatilho. Disparou. A bala passou longe da lata de milho vazia. O tiro ecoou pelo enorme campo aberto. Grama verde escura e úmida, se visto de cima, era uma bela paisagem.
- Que droga - disse Harry enfurecido.
- Calma lá, campeão. - Jack se agachou - Mais um pouco de prática e você pega o jeito. - pegou a M9 das mãos dele.
- Também demorei - disse Vanessa, tentando agradá-lo.
- É mentira - cruzou os braços, Jack e Vanessa riram.
- Já vai escurecer - disse ela olhando o céu - Vamos voltar.
- Certo. - os três seguiram de volta a comunidade.
Harry ficou entre eles, andando pensativo, com o olhar fixado no chão a cada passo. Ergueu a cabeça para falar com Vanessa.
- Posso ir na próxima caçada?
- Isso não vai ser recorrente, Harry. Não posso te trazer do outro lado do muro a todo instante, é perigoso.
- Não vai ser a todo instante.
- Ela tá certa, Harry - disse ele - Nem sempre as coisas dão certo aqui fora. E ter você num momento desses vai ser horrível.
- Tá bom - ele deu um tranco para trás com um grunhido de um esquilo que escalava a árvore logo a frente. Uma flecha esmagou seu pescoço.
Daniel saiu da mata, risonho. Tirou a flecha do animal e o pegou, colocando seu pequeno corpo dentro da mochila.
- E o que acharam? - se escorou no tronco.
- Latas vazias - Vanessa respondeu. - Vamos andando. - caminharam de volta para casa.
Ao longe viram o portão de placas enferrujadas se abrindo. O ferro rangeu no asfalto conforme o portão se afastava um do outro. O portão se abriu apenas com um pequeno espaço entre eles. Vanessa passou com facilitada, Harry também. Daniel teve de tirar a mochila para poder passar, encolhendo a barriga. Jack passou sem problemas.
- Ainda falta uns ajustes - disse Newt com as mãos na cintura.
- Estou vendo - disse Vanessa.
- Você que fez isso? - perguntou Daniel. Newt confirmou. - Tá um horror - passou reto.
- E as plataformas? - Jack lembrou.
- Só uma tá pronta. O Brian trabalhou duro ontem. Ele tá em casa, disse que perdeu alguma coisa na cama e foi procurar.
- Entendi - sorriu.
Newt pegou as duas cordas penduradas em um tronco, pregado ao lado da plataforma, enrolou no pulso e puxou para baixo. O portão se fechou.
Saindo dali ele viu à metros de distância a casa queimada, destroços em pura cinza. Fitou a casa por instantes. Newt colocou a mão em seu ombro. Jack olhou e assentiu, dizendo estar tudo bem. Newt bateu em seu ombro e o deixou seguir.
***
Entrando aos fundos da comunidade, precisamente no cemitério feito por eles, Han viu Neiva imóvel a frente das covas. Ela olhou de canto ao perceber sua presença, logo voltou seu olhar para as covas.
- Sei que sente isso mais do que eu. - disse ela. - Você trouxe a maioria aqui. Pessoal do seu bairro. - olhou por cima do ombro - Sinto por ter sido assim. Eles não mereciam isso, nenhum deles.
- Não faz isso. - se aproximou.
- Fazer o quê?
- Se culpar por algo que você não fez.
- Não, Han - desviou a atenção para o horizonte -, eu fiz tudo isso. Eu o exilei. Eu ia... ia matá-lo. - gaguejou.
- Ela achou que era o certo... Foi por isso que mudou de ideia, não é? Foi ela... Mas acredite - tocou em seu ombro - Ela sabia que ele voltaria. Uma hora ou outra. E aconteceu. Mas ela fez, porque não queria te ver perdida neste mundo, como eles... - olhou para o chão - Ela queria o bem de todos... - voltou seu olhar para ela, a mesma o olhava com o queijo trêmulo. Ele a abraçou forte, ela retribuiu o braço e ali permaneceram.
***
- E o que mais você fazia? - perguntou Zack enquanto organizava a prateleira.
- Além de cuidar de idosos... - ergueu a cabeça, pensativa - Stripper.
- Tá brincando, né? - sorriu.
- Claro. Minha mãe era. Em uma festa ela bebeu demais, o que não era permitido, e acabou conhecendo meu pai. Foi um acidente de trabalho, por assim dizer. - sorriu.
- Como sabe disso?
- Ela me contou. Depois que ela soube que tava grávida, mudou seu estilo de vida completamente. O meu pai... - pegou uma caixa vazia e a separou das outras - Fez o mesmo.
- Achei que ele tinha furado.
- Não... - sorriu de canto - Ele encarou essa. Mas e você, Zack, o que fazia?
- Eu... - pousou sua mão na lata de ervilhas - Sendo sincero... Eu tirava coisas das pessoas - olhou por cima do ombro. Kim levantou a sombrancelha - Bandido. Feliz?
- Pera aí... Você e os outros dois? - apontou para fora.
- É - confirmou com a cabeça, não olhando diretamente para ela.
- Nossa - sorriu - Jack é o pior mentiroso que já conheci.
- Como é?
- Ele me disse... Disse pra todo mundo que perguntou, que ele era professor. Eu sabia que ele escondia algo.
- Professor? - seu sorriso cresceu. - Pelo menos ele se saiu melhor na desculpa, se fosse eu você nem iria duvidar.
- É? Qual? - colocou uma lata na prateleira.
- Paisagista. - ambos riram.
- Falando sério, não tinham o porquê mentir. - se virou para ele - A gente tá junto agora, todos nós.
- É... Eu tava pensando, posso passar na sua casa mais tarde?
- Pra me roubar? - zombou. Ele riu.
- Não. É diferente.
- Tá - sorriu - Tudo bem. - voltou a focar na prateleira.
- Isso - sussurou. Fez uma dança, comemorando. Ela se virou, na hora ele se curvou para pegar outra lata. Olhou para ela e sorriu forçado.
***
Carter caminhava pelas ruas olhando ao redor, a procura de algo. Ele fixou o olhar em Léo, que estava ajudando Sandra com a agricultura. Deu mais uma olhada em volta, sem sucesso, ele fungou e se dirigiu até eles.
- Aí, Léo! - apertou o passo.
- Diga - tirou minhocas do solo. - Que droga.
- O que cê acha de fazer um trabalho de verdade comigo, ein? - se agachou.
- Que tipo? - continuou vasculhando a terra.
- Duane me pediu pra fazer uma limpa no esgoto, parece que alguns bichos entraram lá, através da represa, sei lá.
- E por que não pediu a ele? - levantou. - Aqui, tem muito mais - entregou o balde a Sandra.
- Ele tá ocupado com alguma coisa. Se quiser ir, eu tô te esperando a frente da casa do Tony.
- Tá bom. - tirou as luvas.
- É isso aí, garoto - bateu em suas costas - Vamo lá. Eu chamo alguém pra te ajudar, querida - apontou para Sandra.
- Ah, claro. Sempre a mulher com o serviço sujo. - resmungou.
(...)
Carter arrastou a tampa do bueiro. Ambos estavam em uma rua isolada, com poucas casas. Os grunhidos ecoaram lá de baixo. Carter iluminou as escadas enferrujadas.
- Tá cheio daquelas pestes lá em baixo. - colocou a lanterna na boca. - Vambora - falou entre os dentes e desceu.
Léo foi em seguida, fechou o bueiro antes de descer.
***
- Carter me falou que precisava de ajuda - Jack se aproximou.
- O que entende de agricultura? - sorriu.
- O básico do básico - se agachou. - E você?
- Só sei o que o Arlin me ensinou. - falou cabisbaixa.
- Bem - olhou para o horizonte -, vamos terminar com isso.
- Tá bom.
***
Os passos de ambos ecoavam em meio a escuridão. Outrora o silêncio era quebrado por grunhidos ou pisões fortes na água. Carter tomou frente, iluminando a passagem. Léo ficou atento a qualquer coisa que viesse de trás. Ele acabou esbarrando em Carter enquanto protegia as costas.
- Foi mal.
Carter continuou. Ele parou e apontou para a luz do sol na parede, revelando a sombra de três mortos que estavam contra a grade de ferro molhada. Seus braços passaram pelos buracos quadrados ao verem Carter e Léo a frente. Os grunhidos soaram mais ameaçadores.
Um tinha uma faca de cozinha nos olhos, vestes sujas e os dentes para frente. Outro era totalmente careca, a pele estava suja pela água e seus olhos eram brancos, iluminados pela lanterna se via a pupila com o tom mais claro do azul. O último, entre eles, era uma mulher com um vestido de casamento. O branco, agora era pintado com a sujeira da terra e o vermelho que manchara grande parte do vestido. Um colar de pérolas em seu pescoço pálido.
- Que merda. Eu conhecia esse cara. É Phillip. - Carter apontou para o morto caolho - Ia no bar dele todo santo dia.
- Vamo acabar com isso - puxou o facão.
- É. - grunhidos vieram de trás, antes que pudessem se virar um já havia avançado em Léo, quase abocanhando seu ombro. Léo segurou seu pescoço antes que pudera. - Aguenta! - a lanterna caiu, iluminando o fim do túnel.
Puxou a faca e avançou no morto. Ele agarrou o seu braço, pronto para fincar o objeto em sua cabeça. O zumbi se jogou em Carter, ao ser tocado, derrubando-o na água. Léo pegou a lanterna, escutou mais um grunhido a frente, quase um rugido de tanta fúria. Outro zumbi vinha disparado no fim do túnel, esparramando a água a cada pisão forte.
- Léo! - afastou a boca do morto de seu rosto. Os que estavam atrás da grade, estenderam os braços, tentando pegar a cabeça dele.
- Aguenta aí! - puxou a pistola. Lanterna na esquerda, arma na direita. Disparou, acertando o ombro do que vinha de longe. Cambaleou para trás e continuou a vir.
Carter colocou seu antebraço no peito do zumbi, usou toda a força e o jogou para o lado, se levantou, o zumbi foi bem mais rápido. Carter puxou sua arma, o morto agarrou seu pescoço e aproximou de sua boca, Carter colocou a arma a cima de seu ombro, parando a Glock 19 na boca dele. Colocou o pé na grade, se afastando dos demais. Disparou. O sangue jorrou na metade de seu rosto, ele caiu, pressionando o ouvido que zumbia.
Mais um disparo, dessa vez de Léo, a frente ele viu o corpo do morto-vivo cair para trás com a força da bala. O corpo bateu na água.
- Foi mordido? - viu Carter pressionando o ouvido.
- Não! - falou alto. - Não. - diminuiu o tom.
- Vem - estendeu a mão - Vamos descobrir onde está essa abertura. - Carter pegou em sua mão. Com força, Léo o levantou.
- Me empresta? - viu o facão em sua mão. Léo lhe entregou. Carter deu cabo dos três. O último teve o facão enterrado na testa, dificultando a tirada do objeto. Com um pouco de força Carter conseguiu retirá-lo. - Vamos.
Seguiram caminho de onde os dois mortos vieram. Antes mesmo de virarem o fim do corredor, escutaram a água correr. Viraram, vendo uma grade partida, com sangue em algumas pontas. Se aproximaram, vendo a luz do sol iluminar a água por cima. Ergueram a cabeça, era um poço.
- Merda - disse Carter.
- Tá quebrado. - viu uma parte aos pedaços. - É de lá que estão caindo.
- Vamos subir e tampar aquela porra. Cê tá legal? - o viu esfregando o pescoço.
- Tô, só bati com força na parede.
- A gente se cuida depois. Vamos.
***
Katrina passou pela casa de Ana, na escada da varanda estava Axel, fumando um charuto. Ela parou e olhou pensativa, se decidiu. Foi até ele. Axel jogou o charuto na grama ao vê-la se aproximando.
- Eu vi a Neiva no cemitério. Ela e o Han.
- Tá - sobrou todo a fumaça de dentro da boca.
- Mas e você?
- O que tem eu?
- Não precisa fazer isso.
- Eu tô super bem. - sorriu - Melhor do que nunca.
- Ambos sabemos que não. Sei que cada um tá lidando com isso de formas diferentes, mas você não precisa fingir que está tudo bem.
- É assim que eu lido com isso, querida. Melhor se acostu... - viu os moradores correram do outro quarteirão, gritando. - Que porra? - correu.
Ao atravessar a rua e virar o quarteirão, descobriu o que assustava os moradores. Havia um dúzia de mortos entrando por um buraco no muro. Axel puxou a pistola do coldre e disparou nos dois primeiros da fila. Outro tiro levou o zumbi em que ele mirava, ao chão. Atrás dele o cano da arma de Katrina saía fumaça. Mais disparos tomaram a frente, Duane e Sally vinham atirando com suas M4.
Os mortos foram ao chão rapidamente. Mais um vinha entrando, Axel levantou o braço, sinalizando para cessar fogo.
- Ele é meu! - correu até morto, um mendigo.
Agarrou ele e o levantou, em seguida o levou ao chão. O zumbi mordia o ar inutilmente, assim que Axel ficou em cima dele. Axel socou o rosto dele, uma direita, outra de esquerda. Assim ele fez sucessivamente, descontando toda sua raiva naquele rosto pálido e faminto.
- Axel! - Sally gritou. - Axel! - ele continuou. Seus punhos estavam ensopados
O soco seguinte foi interrompido por um tiro na testa do zumbi. Axel olhou furioso para o atirador, mudou sua feição ao ver Neiva com a arma em mãos.
Ela se aproximou e se ajoelhou ao seu lado. Pegou em sua mão, encostaram a cabeça uma na outra. Os olhos dele se encheram.
- Eu deveria ter ficado. - fungou. - Eu tinha que ter ficado.
- Ela me protegeu. Até o fim. Temos que ser fortes, lembra?
O pessoal ao redor ficou em silêncio. Carter parou, vendo tudo de longe. Permaneceu ali, imóvel.
***
- Mesmo depois de duas semanas, eles ainda sentem a dor da perda. - disse Kim com a cabeça encostada no peito de Zack.
- Vai durar por um bom tempo. Talvez, seja o mesmo com Jack.
- Ele gostava dela?
- Era o que parece. - respirou fundo. Kim olhou o relógio em seu pulso.
- Tenho que ir. - levantou e pegou a calça.
- Agora?
- São 5h15. Tenho que revisar o estoque.
- Ninguém vai roubar. - ela o olhou, crescendo um sorriso. - Entendi - sorriu.
- Eu não demoro. Pode ficar.
- Vou ficar te esperando. - levantou da cama.
- Ok. - encostaram seus lábios - Aproveita e enfeita meu quintal. - riram.
- Até. - a beijou de novo.
Kim saiu de casa e se dirigiu até a despensa. Não havia ninguém nas ruas, apenas a guarda da noite na plataforma, Sally.
Destrancou a porta e foi entrando. Colocou as chaves no claviculário, e passou em seco a mão onde deveria estar a da garagem. Ela deu uma olhada no prego, a chave não estava lá.
Andou pelo corredor e ouviu algo de leve bater na prateleira. Pegou um bule de chaves e colocou entre os dedos. Caminhou lentamente até o fim do corredor, a porta estava entre aberta. Ela abriu a porta com cuidado. A madeira rangeu. A sombra alta e corcunda a frente do portão da garagem, olhou para a porta de imediato.
- Quem é você? E o que quer?
- Devia estar armada - falou a voz grossa e familiar para ela.
O som da bala saindo do silenciador foi a última coisa que ouvira. Kim caiu sentada, batendo as costas na parede, que agora tinha seus respingos de sangue. O portão se fechou após pressionado o botão, conforme fechava os pés do invasor caminharam pela calçada. Fugindo em meio a escuridão.
***
Axel tá virado no Jiraya. Jack parece estar superando. Enquanto alguém age na surdina, roubando a merenda dos aliados.
Kim já comprou pão. (Zack tá mole mesmo).
Faltam apenas três capítulos para o fim do livro. Espero que estejam achando envolvente.
Até a próxima. Abração do melhor deste app.
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