Como tem que ser
Silêncio que dominava a casa satisfazia muito Neiva, embora gostasse de ouvir seu marido assistindo o futebol as vezes. Porém, alguns momentos de paz eram satisfatórios para ela e nos dias atuais, era essencial. Uma boa leitura no jantar era ainda melhor.
Tudo isso quebrou quando a porta se abriu. Lydia entrou olhando os arredores, procurando por sua mãe. Percebeu sua presença na cozinha, ela entrou no cômodo devagar e ficou em pé atrás da cadeira. Neiva continuava a ler.
- Yuki me disse no que você estava pensando.
- Era de se esperar - manteu os olhos nas páginas.
- Você sabe o que eu vou falar. Mesmo assim, eu vou. Matar não é solução.
Neiva parou de comer e olhou para filha.
- Estou ouvindo.
- Aquele homem fez algo errado, disso eu sei. Mas é assim que acontece, todo mundo erra. E enforcar ele pode piorar as coisas. O que as pessoas daqui vão pensar?
- Bem - limpou a boca com o pano -, se eu soubesse que o mundo estaria acabando teria feito uma cela para os assassinos e ladrões.
- Mãe - falou séria.
- Pensei em fazer o mesmo com o Rafa. Mas o que o irmão dele iria pensar quando voltar.
- Sabe que não deve.
- Enquanto seu pai não estiver aqui, eu tenho que manter o lugar em ordem.
- Ordem? Acha que pode continuar em ordem depois que você enforcar um desconhecido?
- Eles vão entender.
- Mesmo se você falasse, eles acreditariam?
- Sally é uma prova. Yuki é uma prova. Brian e Zack são as vítimas. Sim, eles vão acreditar.
- Nossa... O mundo acaba e todos são sentenciados a morte?
- Sempre foi assim.
- Eles tiveram chances. Por que não agora?
- Por que é tão difícil de você entender que ele atacou um inocente? Ele ia matá-lo.
- Você me ensinou. O pai me ensinou. Me ensinaram o que é certo e errado. E se fizéssemos algo de errado teríamos uma chance. Eles ainda tem isso. Nós temos essa chance. Você e o papai deram uma chance para essas pessoas virem pra cá, por mais perigoso que seja. O mundo não morreu, porque ainda estamos aqui. Só cabe a nós mantê-lo vivo pelo tempo necessário. Se começarmos a matar, o que restará de nós?
Neiva suspira.
- Eu sei o que te ensinei. Mas às vezes temos que quebrar as regras para proteger quem amamos. Eu faço isso. Seu pai faz isso.
- O pai? Ainda acha que ele volta? Ele saiu há dias. O Han foi para lá e voltou no mesmo dia, e com mais pessoas - começou a chorar. Neiva se levantou e foi até ela.
- Querida, eu já estive no seu lugar. Já estive preocupada toda vez que seu pai era convocado, mas eu mudei. Esses trinta anos juntos não foram à toa. Ele sempre voltava e eu sempre estive lá para recebê-lo. Ele me mostrou que era alguém que eu sempre podia contar, que ele nunca iria me deixar. Mas eu sabia que a qualquer dia, eu não o veria mais passar por aquela porta. Mesmo assim, ele me mostrou que eu era forte. E que em meio tudo que enfrentei isso seria só mais um. Só sou a pessoa que tenta manter a cabeça no lugar, principalmente nas horas ruins.
- Mãe... - ela a abraçou.
- Tá bom, filha. - olhou para a parede. - Sei o que fazer.
***
Os mortos batiam contra a porta. Jack observa tudo através da já ela.
- Eles acordaram - disse Sandra. Ele assentiu - Eu não diria que é um dos melhores quadros que já vi, mas realmente da medo. - contempla as silheutas mórbidas batucando no vidro. - Você vem?
- Sim - a seguiu.
As vozes ficavam mais nítidas quando se aproximaram da porta onde armazenavam as vestes.
- Eu tô falando, a gente só estava fazendo o nosso - disse um deles.
- Isso é motivo para tentar matar um de nós? - perguntou Marian
- A gente não sabe que tipos de idiotas estão por aí, sacou?
- Como se chama? - Jack entrou.
- Como é moleque?
- Seu nome. Eu perguntei o seu nome.
- Daniel.
Ele tinha pouco cabelo e os que ainda restavam eram o tanto grisalhos, os olhos são castanhos e a pele mais branca que desodorante. Usa uma jaqueta de motoqueiro, o preto predominava o resto da vestimenta sob ela.
O homem ao seu lado tinha cabelo curto, olhos azuis e com uma cicatriz no ombro direito. Parecia ranzinza. Vestindo uma regata e uma calça muito grande para ele, provavelmente roubada.
- E o seu? - perguntou ao que estava do lado de Daniel.
- Por que isso importa?
- A gente tem que saber.
- Olha, eu acho melhor a gente deixar esses imbecis aqui e ir embora - disse Tony com uma lata de refrigerante na cabeça.
- É. Escutem o crioulo - concordou Daniel.
- Como é? - Tony se levantou, expondo sua estatura exagareda.
- Calma, Tony - disse Marian. - Fique sentando, você precisa descansar.
- É melhor escutar sua mulher, grandão.
- Cala a boca.
- Escutem - começou Jack - Tem um monte de zumbis lá fora e se não trabalharmos juntos, vamos todos morrer aqui. Ou vocês nos ajudam ou jogamos os dois para os mortos e aproveitamos a chance. - todos olharam pra ele.
- Faria isso mesmo? - perguntou o sem nome.
- Zumbis? - depois Daniel.
Sandra colocou o machado na mesa.
- Vocês escutaram ele? - disse ela, ríspida.
- Eu boto mais fé nela do que em você - o desconhecido apontou para Sandra.
- Você vai ser o primeiro - Jack o pegou pela gola.
- Erich. Erich. Me chamo Erich. Satisfeito?
- Se fazer alguma coisa com meu irmão você vai se ver comigo - Daniel alertou.
Jack o jogou no chão. Erich caiu sentado.
- Erich - Jack repetiu - Aquela balestra é sua? - apontou para a arma encostada na escrivaninha.
- É minha aqui, chefe - disse Daniel - Composta e tudo - olhou para Sandra - Se quiser posso mostrar minhas habilidades para você, minha cara.
- Jack - Han veio dos fundos - A gente encontrou uma saída - Léo veio atrás.
- Onde?
- Esgoto. Parece que o prédio usava um sistema maior, sei lá.
- Deu sorte, gringo. Posso ajudar se quiser - Daniel deu breve sorriso.
Um som forte veio da porta principal. Todos correram até lá. Os mortos estavam socando o vidro com pedras. Um veio correndo, atropelando todos os outros. Deu de cara com o vidro que nem ao menos se rachou.
- Queria ter tido um deste lá em casa - disse Jack.
- Temos que sair daqui - Han proferiu.
- Vamos logo, Jack - Sandra o puxou.
- Podemos pegar um dos veículos da rua.
- Não sabemos se funciona.
- Temos que tentar - a olhou.
- Certo - bateu em seu ombro.
(...)
O som da colisão da colher com e a panela atraiu alguns mortos. Han foi se distanciando cada vez que se aproximavam.
Ao passar a frente do beco, Marian, que o fitava pelo bueiro, avisou a todos. Esperaram alguns instantes e abriram a porta principal.
Sem usar armas de fogo eles foram eliminando os que sobraram. Sandra enfiou o estilete bem no cérebro de um zumbi de terno. Marian bateu repetidas vezes a cabeça de um mendigo contra a porta que se rachara mais ainda. Jack os afastava da porta empurrando com o pé ou o braço, as vezes, usando o machado. Léo e Tony ficaram de olhos nos irmãos.
- Limpo! - Marian sinalizou para eles saírem.
Jack os conduziu até o Jeep que vira do outro lado da rua. Quebrou a janela e abriu a porta.
Os mortos iam se aproximando.
- Vocês são loucos - Daniel viu Han distante atraindo os mortos.
- Anda logo - Marian o puxou.
Daniel viu sua besta na bolsa que já estara no carro, antes de entrar ele bateu a porta no rosto de Marian deixando a inconsciente.
- Vaza, maninho - jogou a bolsa para Erich.
Léo tentou impedir, mas Erich deu uma joelhada em seu saco.
Daniel correu para a direção oposta.
- Não deixe que levam nossas coisas - Jack saiu do veículo e foi atrás de Erich - Vá atrás do outro!
Sandra viu os mortos chegando, saiu do passageiro e colocou o corpo de Marian dentro do carro. Tony, que ainda estara com dor, a ajudou a colocar.
- Léo, leve-os daqui. Eu já volto.
- Eu não posso.... -
Sandra partiu atrás de Daniel.
- Garoto, entra aqui, agora - Tony fechou a porta de trás.
Dando a volta no quarteirão, Jack já estava perdendo o fôlego e Erich também, que além de amarrado carregava uma bolsa pesada. Jack conseguiu alcança-lo, se jogando em suas costas e caindo de cara no chão. A bolsa caiu para frente.
- Fica quieto, merdinha.
Erich esperneia sob ele. Ambos param e olham na mesma direção. No fim do beco, dúzias de errantes vem arrastando os pés.
- Quer sair dessa vivo? - Jack questiona ainda fixo.
- Não é óbvio?
Jack fica de pé e levanta o sujeito. Pegou a bolsa e colocou-ano ombro. Cnduziu Erich segurando a gola de sua regata.
Entraram no beco a fim de despistar os mortos, dando a volta, assim poderia encontrar com o grupo novamente. Na saída do beco um golpe certeiro foi bem no queixo de Jack, ao cair acabou derrubando Erich. Daniel se ajoelhou e socou o rosto de Jack várias e várias vezes, atrás Erich tentava se desamarrar. Logo Daniel foi interrompido quando Han se jogou em cima dele, os dois começaram a brigar.
Jack viu Daniel dar uma chave de pescoço em Han, ele se arrastou até a bolsa e tirou a M9 de lá, mirando em direção neles. Ao perceber, Daniel começou a se balançar para o lado e para o outro, fazendo Han de refém.
Erich chutou a mão de Jack - a M9 cai - e lhe dá um cruzado de direita. Jack vai ao chão, atordoado.
Os grunhidos começaram a se aproximar; lá no fundo os mortos passavam.
- Desgraçados persistentes - resmungou Erich. Pegou a faca do cinto de Jack e cortou as cordas - Vamos embora, cara...
Han elevou sua cabeça para cima, acertando o queixo de Daniel.
Jack empurrou Erich contra a parede. A M9 caiu. Socou sua barriga.
Daniel tentou pegar a bolsa, mas Han lhe deu um puxão de braço. O puxado devolveu com um cruzado que derrubou o coreano instantemente. Apanhou a M9 caída e depositou a sola do tênis na garganta do asiático. Mirou a pistola.
– AI!
Seu grunhido cessou a briga entre Jack e Erich.
– Eu vou estourar os miolos dele, falou?
Erich empurrou Jack contra a parede. Pegou a bolsa de armas do chão e atrabdsou a alça em seu corpo, deixando no ombro direito.
Daniel tirou o pé sobre o coreano, levantou-o e o jogou na direção de Jack.
– Boa sorte, bichinhas. - Daniel sorriu.
Os irmãos prepararam para sair quando o Jeep surgiu logo a frente. Eles brecam.
A janela escura do carona desceu, revelando o cano da Ruger 22 e um Tony com o semblante de poucos amigos por trás.
Erich ergueu as mãos na hora, largando a bolsa de armas.
Daniel olhou para o irmão, decepcionado. Revirou os olhos e soltou a M9, fazendo o mesmo gesto.
***
Da janela do seu quarto, Lydia viu o carro deixar a Central. Ela esboçou um sorriso. Percebeu que sua mãe, que estara no portão, a olhava dali mesmo. Lydia gesticulou com a boca um "obrigada". Sua mãe assentiu.
(...)
Os faróis davam luz a estrada, já escura pelo cair da noite. No veículo estavam Price e Sally. Ele assumia o volante.
- Acha que é certo? - questionou Sally.
- O que acha de seguirmos caminho com o silêncio que já estava? Estava tão bom.
- É tedioso. Me fala, você era do exército?
- Não.
- Então, por que o traje?
- É meu estilo. Desculpa se eu não tenho um estilo de moda para o pós-apocalipse.
- Tá... Você era casado?
- Casado - riu - Eu aproveitava a vida, querida.
- Então, você é aqueles caras que acham que sua vida acaba se você se casar.
- Não. Eu sou um daqueles caras que tem certeza disso - olhou para ela. Ambos sorriram - Estamos dirigindo umas cinco horas, acha que tá bom?
- Está.
Price parou o carro. Sally abertou o botão para abrir o porta-malas.
Atrás do veículo, Price puxou a porta para cima e iluminou o rosto encapuzado de Jone. Ambos o pegaram. Seus pés arrastavam no chão, conforme se movia. Ele gemia e respirava ofegante.
- O que vão fazer comigo? - suspirou.
- Calado - disse Sally. Eles param e deixam ele ajoelhado no meio da rua.
Sally tirou o capuz de sua cabeça; ele fechou os olhos devido a luz do farol. Desviou o olhar para eles.
- Não vão me deixar aqui, né?
- Boa sorte - desejou Price.
Ambos vão até carro.
- Esperem, por favor! - caiu - Não me deixem aqui! Por favor!
Price parou, pegou uma faca do bolso e derrubou no chão.
- Seja rápido.
- Que merda. Vocês não são assim! Por favor!
- Não grite, vai atrair os mortos - disse Sally.
Eles entram no carro.
- Não! Não! Não! Vocês vão queimar no inferno - o carro foi se distanciando marcha ré - Seus desgraçados. Aquela velha vagabunda me paga! VOLTEM AQUI!
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro