|20|♛|Destino Traçado|
💜OLÁAAAAAA MEUS LOBINHOS💜
Senti falta de vocês... Avisei na última att que desta vez eu iria demorar do que o normal por conta do meu objetivo: Trazer vários capítulos! E cá estamos nós. Hoje é ATT QUÁDRUPLA!! Eu queria ter trazido ela semanas atrás, quando EUVUO alcançou os 500k leitores, ou no dia do meu aniversário (que foi na data 28/08), mas infelizmente não consegui concluir a tempo. Bem, as postagens de hoje ainda são os meus presentes para vocês🥰🥰
Agora vamos para alguns avisos importantes (POR FAVOR, LEIAM TUDO):
• Esses 4 capítulos são longos e cheios de acontecimentos. Não estamos na fase mais feliz da história, então aviso que vocês poderão encontrar gatilhos como Sangue, Gore e Assassinato. Aviso também que há cenas de sexo explícito logo adiante.
• Bebam água e SE VACINEM assim que puderem, vamos nos ajudar. Aproveitem para ler os capítulos na fila da vacinação sksksksksk
• Escrever essa att quádrupla me custou muito esforço e várias horas dos meus dias, então, por favorzinho, COMENTE o máximo que puder e VOTE⭐ em todos os capítulos. Eu fico muito agradecida💜
• Sei que já faz um tempo desde a última att, então vou resumir o que aconteceu no final do último capítulo para que vocês possam se situar: Os Jikook se despediram da Consorte Jeon Haerin porque ela e a Comandante Sirah estavam indo embora para as terras do clã Jeon. Este capítulo vai iniciar um tempo após esse evento.
Enfim, BOA LEITURA!!
♛|Destino Traçado|♛
Reino de Adaman, Fortalezas de Pedra do clã Jeon
Bem ao Sul do reino, guardando a região leste vizinha à fronteira, colada às cordilheiras de montanhas que dificultavam o acesso ao oceano e que, por conseguinte, montavam uma faixa quase impenetrável a invasores vindos do mar, localizava-se a província de Rangkee, mais conhecida como área das Fortalezas de Pedra. O lar mais recente do clã dos lobos noturnos.
Décadas antes, Rangkee tratava-se de um simples anexo do grande arsenal de terras e posses que o clã Jeon guardava consigo e imperava sobre. Com as guerras de conquista dos reis e rainhas de Adaman, a população de sangue puro viu-se em declínio, e o auge dessa queda veio com os conflitos políticos durante e após o reinado da Grande Rainha, quando, numa decisão misteriosa que levantou muitas suspeitas, a consorte Jeon Haerin ordenou que seus irmãos e irmãs de sangue se isolassem nas Fortalezas de Pedra e vivessem suas vidas ali para sempre, evitando que se envolvessem novamente nos assuntos políticos da corte.
O antigo patriarca Jeon teria enforcado a própria filha por isso, se ainda estivesse vivo na época.
Os que restaram vivos da antiga geração de lobos noturnos ainda a culpavam pela decisão sem sentido, mas nada poderiam fazer contra Haerin, então guardaram seus descontentamentos e tentaram seguir em frente.
Tendo ciência de todos esses fatos, retornar ao lar no qual nasceu e cresceu foi uma experiência secretamente temível para a Consorte. Debaixo de seu véu de frieza e imponente elegância, a ômega tremia, não pelo frio do inverno rigoroso, mas por conta de alguns olhares que foram lançados em sua direção quando ela atravessou os portões da fortaleza principal e adentrou o perímetro da província.
Todos a receberam com respeito, é claro, mas a honestidade veio somente dos mais jovens, dos ignorantes a tudo.
Ela tentava se convencer de que se sustentaria com eles. Ao menos com eles. E também com a alfa que não saiu de seu lado um segundo sequer durante a viagem até ali. Haerin sabia que aquela mão que a ajudou a descer da carruagem e saltar para o chão coberto de neve não a largaria nunca mais, exceto se fosse ordenada a isso pela própria consorte.
ㅡ Obrigada, Sirah ㅡ murmurou, sem afastar os dedos entrelaçados aos da outra mulher, mas desviando o olhar para encarar a multidão homogênea que a rodeava. Fileiras e fileiras de pessoas com olhos e cabelos negros, e pele pálida como a neve debaixo de seus saltos. A ausência de diversidade causou certo estranhamento a ela, que estava acostumada com a mistura colorida que residia no palácio da capital, mas também trouxe um sentimento nostálgico de sua infância, de uma época onde Wang Nara, Jeon Jungkook, Min Hyuna e Min Yoongi ainda não existiam em sua vida.
Ela atravessou a recepção inicial com os anciãos e depois a refeição que reuniu todos os membros do clã, usando seu lado automático e polido que reprimia o cansaço da viagem e as angústias que amargavam seu paladar.
Evitou falar muito, evitou expressar várias coisas que pairavam em sua mente, e grande parte de sua vitória nessa luta deu-se por causa de Jeon Sirah, que não tirava os olhos dela em momento algum.
Agradeceu pela existência daquela alfa, e por ela ter tido a bondade de ainda estar ali, ao seu lado, esperando-a pacientemente mesmo após vinte e tantos anos de recusas e frustrações.
Outro peso a se acrescentar em sua carga de culpa.
Quando tudo acabou e Haerin finalmente pôde se retirar para um descanso em seus novos aposentos pessoais ㅡ pois os que usava em sua adolescência não eram apropriados para uma rainha consorte ㅡ, ela sentiu a presença da alfa no final do corredor, ao lado da porta que levava ao quarto. Os feromônios cítricos eram uma tentação que a ômega não ousaria desfrutar completamente. Não a princípio.
ㅡ Sirah... ㅡ murmurou, caminhando devagar na direção da comandante.
Sirah estava encostada numa coluna de pedra, com os braços fortes cruzados sobre os seios robustos. A camisa a deixava mais musculosa, e as peles e o couro lançavam-na um charme quase sensual que se somava sob o olhar naturalmente afiado dela. O cabelo negro estava cortado e mal chegava à mandibula marcante. Ele brilhava como ônix.
Era uma das alfas mais bonitas que Haerin já tinha visto, quase tão bela e intimidante quanto Wang Nara.
"Wang Nara..., esqueça aquela mulher!", disse a si mesmo mentalmente, engolindo a frustração. Odiava ainda pensar na Grande Rainha. Odiava ainda ter dentro de si resquícios de um sentimento tão avassalador que nada de bom lhe trouxera no passado.
Ficou tão atordoada com isso que quase se assustou com o toque da mão gentil da comandante em seu queixo, roçando suavemente a pele daquela região.
ㅡ Pare de pensar. ㅡ O olhar da alfa agora a contemplava com ternura, e também com... saudade. Saudade de estar ali com ela, dentro daquelas paredes de pedra, sem as desgraças de uma vida de compromissos com a coroa.
Há quanto tempo não respirava tão livremente?
ㅡ Como ainda consegue olhar para mim dessa forma? ㅡ Haerin mordeu o lábio trêmulo. ㅡ Não está cansada?
ㅡ Cansada de esperar por você? ㅡ Um meio sorriso se fez presente. ㅡ Eu sempre soube que ficaríamos juntas. Wang Nara sabia, por isso me odiava tanto. Ela era uma tola que jamais poderia tê-la.
ㅡ Eu fui a tola, Sirah...
ㅡ Fomos todas tolas. Eu deveria ter lhe tirado daquele castelo já na primeira traição da maldita rainha. No dia em que ela se vinculou àquela ômega esquisita que usava flores na cabeça.
Haerin quase sorriu ao se lembrar de Min Hyuna e suas coroas de flores. Um passatempo da falecida concubina.
ㅡ Meu pai a mataria se você tivesse feito isso. A alcatéia a caçaria, mesmo sendo você a comandante deles.
ㅡ Escaparíamos atravessando o continente. Eu sei como me virar em grandes travessias, e também sei como lidar com os lupinos que comando. Teria sido um sucesso, e você nunca mais, nunca mais, iria sentir a amargura de uma traição. ㅡ Sirah aproximou o rosto e sustentou o olhar da consorte. ㅡ Não comigo.
Haerin deu um passo para trás, encarando o chão.
ㅡ Eu cometi uma traição ainda maior a ela, Sirah. Uma que lhe custou a vida ㅡ murmurou.
O corpo da alfa enrijeceu. Ela ergueu o olhar para analisar o corredor vazio, aguçando seus sentidos de caçadora em busca de algum espertinho que estivesse escutando a conversa das duas.
Não encontrou ninguém, mas não iria arriscar ter o resto daquela conversa naquele lugar aberto.
ㅡ Vamos entrar. ㅡ Pôs o braço nas costas da ômega e a levou para dentro do quarto, fechando a porta atrás de si.
Agora protegidas por paredes impenetráveis e escondidas dos olhos de todos, elas se separaram respeitosamente. Não sabiam quais limites poderiam ser atravessados depois de tanto tempo longe uma da outra.
Após um pigarreio, a comandante voltou a falar:
ㅡ Foi por isso que ficou tanto tempo naquele castelo, mesmo após a morte de Wang Nara? É por que sente culpa?
Haerin envolveu-se com os próprios braços, cravando as unhas nos ombros trêmulos.
ㅡ Você fala como se não fizesse sentido eu me responsabilizar.
ㅡ A culpa não foi sua. O seu pai... Jeon Joonwook fez planos sozinho com o conselho dele. Pelos deuses, como poderíamos saber que eles tinham uma besta guardada esse tempo todo!? ㅡ Sirah segurou o rosto da ômega e o ergueu para que as duas trocassem olhares. ㅡ Soubemos tarde demais, Haerin. Sendo assim, sou tão cúmplice quanto você.
A consorte chacoalhou a cabeça vigorosamente, seus olhos marejaram.
ㅡ Eu soube naquela noite, Sirah. Eu descobri um pouco antes de Hyuna ser atacada. ㅡ O choque atravessou a face da mulher alfa. Haerin então desabou. ㅡ Minhas insistências em querer ir embora de Adwan devem ter levado o meu pai a tomar medidas mais extremas para impedir que eu estragasse toda a influência do nosso clã na corte. Eu o escutei falando de seus planos com o meu tio, dizendo que havia trazido aquele monstro para o perímetro do castelo depois de subornar os soldados com muito ouro. Eu sabia o que iria acontecer com a Hyuna se nada fosse feito. E nessa hora... nessa hora eu hesitei, Sirah. Eu fui tão idiota, egoísta e burra! Pensei, por um segundo, que, com Hyuna morta, poderia tentar recomeçar o meu relacionamento com Nara. Mesmo depois de tantos anos eu ainda desejava aquela mulher,... que maldita desgraça!
Ela recuou do toque da comandante e caiu no chão. Lágrimas borravam sua visão.
ㅡ Minha hesitação durou só uns minutos, mas foi suficiente para que os deuses me tirassem tudo. Eu ainda tentei correr, tentei chamar soldados leais à coroa e alcançar Hyuna, mas já era tarde. Muito, muito tarde. ㅡ Os punhos de Haerin se fecharam tanto que suas unhas feriram a carne das mãos. ㅡ Naquela noite compreendi o porquê de nunca ter me vinculado à Nara. Eu não era digna. O que havia dentro de mim não era amor, porque, se fosse, meus pensamentos não teriam hesitado em salvar a ômega dela, que também era a vida dela.
Haerin soluçou alto, suas lágrimas criando uma poça na saia do vestido rubro.
Ela escutou as botas de Sirah se aproximando novamente, e viu a comandante dobrando um joelho para ficar na mesma altura. Em seguida, sentiu mais uma vez o toque cálido da mão em seu rosto, enxugando algumas lágrimas.
ㅡ Pare, por favor ㅡ murmurou com a voz trêmula. ㅡ Eu não a mereço, Sirah... Eu nunca mereci nenhuma das duas. Você principalmente. O único que não decepcionei até hoje foi meu filho, Jeon Jungkook, mas sei que ele me odiaria se descobrisse a verdade sobre mim, sobre o nosso sangue. Sobre o que permiti que fizessem com o irmão dele. Aquela fera está à solta, vagando viva por aí e tirando a vida de inocentes por causa de nossas decisões.
ㅡ Você ainda tentou impedir, Haerin.
ㅡ Tarde demais. Tarde demais...
ㅡ Mas se arrependeu e tentou. Você tentou, e se recusou a voltar para casa porque sentiu que tinha o dever de cuidar do príncipe órfão, mesmo não suportando tudo o que ele representava, não é mesmo? ㅡ A alfa exalou um suspiro longo, o peso de suas palavras tocando o coração da ômega. ㅡ Até quando pretende evitar a própria felicidade? Até quando, meu amor?
O ar faltou nos pulmões de Haerin. Ela arfou com o coração acelerado, com o peso dentro do peito fervilhando e ameaçando evaporar aos pouquinhos. O toque de Sirah e suas palavras eram como uma fogueira na noite mais fria e mais sombria, uma luz de compreensão e gentileza capaz de arrasar décadas de sofrimento.
ㅡ Durante todos esses anos, depois de eu dar as costas a você tantas vezes... Seu olhar sobre mim ainda é o mesmo. Eu não a mereço. Não a mereço.
Sirah a calou com um beijo demorado e quente.
ㅡ Silêncio, Milady. Pare de dizer absurdos ㅡ sussurrou com os lábios ainda colados aos dela, e, logo em seguida, voltou a beijá-la, puxando-a para si, envolvendo-a com seus braços fortes e erguendo-a no colo.
O gosto de Haerin era doce, assim como seu perfume, mesmo que suas lágrimas tivessem deixado um rastro salino pelo caminho. Sentia falta daquele toque, do aroma e do sabor. Só pôde experimentá-los um par de vezes, antes que Wang Nara viesse e arrancasse a ômega de seus braços, de um possível futuro que poderiam ter tido.
Na época, Haerin era tão irritantemente orgulhosa e certinha, submissa aos seus deveres como primogênita do patriarca do clã. Fora dificílimo cortejá-la, mas Sirah tinha ossos e uma vontade de ferro, e estava apaixonada. Sempre esteve.
Por isso, quando deitou a consorte na cama, a comandante ofereceu tudo de si em seus beijos e carinhos. Foi paciente, liberando feromônios aos poucos e abrindo devagar o espartilho do vestido alheio, mas seu lobo interno grunhia de ansiedade.
Beijou os lábios rubros de Haerin e depois desceu para mandíbula, pescoço e clavícula. Alcançou um dos seios cheios e intumescidos com os olhos brilhando de fome. A ômega tremeu debaixo daquele olhar.
Há quanto tempo ela não se sentia tão desejada?
Esse pensamento melancólico foi enterrado no momento em que Sirah sugou seu mamilo duro. Um gemido atravessou sua boca, e depois outro saiu mais alto quando a mão da alfa se aventurou por baixo das saias do vestido, encontrando uma umidade desesperada e sedenta.
O cheiro cítrico ficou mais forte, mais excitante.
ㅡ O que Milady deseja? Quer que eu a preencha? ㅡ Sirah abriu a fivela da calça enquanto exibia um meio sorriso.
Um rubor quente saltou nas bochechas da consorte.
ㅡ Hoje não. ㅡ Com a mão direita, ela se aventurou por dentro das calças da alfa, dedilhando lábios macios e molhados até encontrar um ponto de prazer que tirou um arquejo da garganta da outra mulher. ㅡ Hoje eu quero ser beijada. ㅡ sussurrou, lasciva, e deitou o rosto no ombro de Sirah. ㅡ Quero que seus lábios toquem os meus, que suas mãos se afundem em mim e brinquem comigo. Quero seus seios sobre mim, quero saboreá-los, Comandante.
Aquilo foi como a explosão de uma estrela antiga que há milênios esperava para eclodir. Queimando como brasa e mergulhadas em beijos de tirar o fôlego, Sirah e Haerin arrancaram suas roupas e entrelaçaram suas pernas nuas, esfregando-se enquanto tateavam cada centímetro de pele despida. Abraçaram-se, uniram os seios pesados e os ventres, e murmuraram declarações que há muito preenchiam o fundo de suas gargantas. Palavras que não puderam ser ditas em outros tempos, mas que agora extravasavam com elas durante o reencontro.
Sirah ficou por cima quando chegou o momento. Depois de lamber as coxas de Haerin incontáveis vezes, como se jamais tivesse saboreado algo tão perfeito, ela desceu a boca até os lábios de veludo e os sugou, usando a língua para arrancar gritos e gemidos da consorte. Vez ou outra se divertia com alguns dedos, tocando o interior molhado e fazendo a ômega revirar os olhos de prazer.
Parou de devorá-la apenas quando a fez chegar ao ápice. Ver Haerin tremendo e implorando foi um deleite para a comandante, que, de tão encantada, desceu o corpo para beijá-la na boca outra vez, amassando os seios dela em suas mãos.
Um momento depois, sentiu o quadril da consorte balançando-se, forçando o púbis contra o dela, juntando a umidez incessante das duas.
ㅡ Milady, como me manterei sã neste ritmo? ㅡ Sirah murmurou, entrelaçando-se em Haerin.
A consorte acariciou o pescoço dela.
ㅡ Teve muitos anos para se manter sã. Agora não é hora para isso, Sirah.
ㅡ De fato... ㅡ Outro feixe de luz faminta atravessou o olhar da alfa. Ela ergueu uma perna da ômega e beijou a dobra do joelho, fechando as pálpebras enquanto inspirava profundamente aquele perfume doce. ㅡ Estou sonhando com este momento há muito tempo.
Começou a cavalgar Haerin, dançando sobre ela, juntando os dois pontos de prazer num ritmo enlouquecedor. Cravou uma mão no seio esquerdo dela, puxando-o com a promessa de que voltaria a sugá-lo em breve, quando terminasse de montar a ômega e de torná-la completamente sua.
Enfim, sua.
Tremendo com as ondas prazerosas que se seguiram, uma mais forte que a outra num evento crescente e entorpecedor, a mulher alfa enlaçou as costas da ômega com um de seus braços, os músculos contraindo-se ao puxá-la para si e ao afundar a mão na base da cabeleira negra de Haerin. As duas passaram a rebolar com mais afinco, numa frenesia que poderia gerar fagulhas e dar início a um incêndio.
Sob gemidos e exclamações aos deuses, as duas gozaram em sincronia.
Caíram juntas entre os travesseiros com os corpos suados e a respiração pesada. Suas pernas ainda se encontravam entrelaçadas e de vez em quando roçavam uma na outra, incutindo uma nova onda de excitação.
ㅡ Milady, pensei que estivesse cansada da viagem... ㅡ sussurrou Sirah quando Haerin passou a beijá-la num dos seios.
A consorte sorriu e transferiu as carícias para o rosto da comandante.
ㅡ Estou, mas... ㅡ suspirou ㅡ é a primeira vez que me sinto tão feliz depois de muitos anos. É a primeira vez que tenho certeza de algo.
ㅡ E do quê tem certeza? ㅡ A mão de Sirah arrumou uma mecha de cabelo da ômega.
ㅡ Da maneira como você olha para mim. ㅡ Haerin comprimiu os lábios. ㅡ Não há o reflexo de outra nos seus olhos. Também não há mágoa ou arrependimento. Além disso, você sabe de tudo, conhece-me por inteira. Conhece até meus crimes, mas ainda segura minha mão. Durante muito tempo amei a pessoa errada. Não quero errar outra vez.
Vermelho puro tingiu as íris de Sirah, numa intensidade que denunciava os sentimentos fervilhantes dentro de seu peito. Ela abraçou a outra, afundando o rosto na dobra do pescoço alheio, encontrando o calor e o perfume anexados às mechas negríssimas do cabelo liso da consorte. Sobre a pele nua de Haerin, aqueles fios assemelhavam-se a um riacho de nanquim em meio à neve do inverno.
ㅡ Hm, dizer isso é egoísta, e me sinto culpada por pensar assim, mas tenho sorte de tê-la para mim. ㅡ Escutou a mulher sussurrar. ㅡ Mesmo depois de tantos anos, você não se casou com nenhuma outra ômega e nem teve filhotes.
Sirah sustentou um meio sorriso e voltou a encará-la.
ㅡ Como disse antes, eu sabia que você voltaria para mim... ㅡ A sua arrogância típica dava as caras novamente. Aquele traço era muito mais evidente em sua mocidade.
Mas, com a fala petulante, veio um pensamento que travou o semblante da comandante. Haerin percebeu e questionou:
ㅡ O que houve?
ㅡ Não me casei, mas... ㅡ Sirah desviou o olhar. ㅡ Eu devo assumir que busquei conforto em alguns colos. Sentia muito a sua falta, Haerin. ㅡ O constrangimento saltou de sua voz, e um tremor vibrou em seus olhos que tinham retornado à negritude natural. ㅡ Está com raiva de mim?
A ômega ficou pensativa, internalizando aquela informação. Não conseguiu evitar sentir peso numa área do coração.
ㅡ Não tenho o direito de ficar com raiva. Você sempre foi livre. ㅡ Ela acariciou o rosto da mulher alfa com ternura. Em seu olhar, um toque de tristeza e ciúme impulsivo se fez presente. ㅡ Enfim. Quantas ômegas do clã Jeon você levou para cama?
Sirah se atrapalhou, engolindo em seco e suando frio.
ㅡ Milady quer números?
ㅡ Sim. Por quê? ㅡ Haerin estreitou o olhar num semblante que era formidavelmente intimidante. Em contraste, seus lábios dobravam-se num sorriso divertido. ㅡ Foram tantas que perdeu a conta?
ㅡ Não. Nada disso. Foram apenas três.
ㅡ Três, hm? Quem? Quero saber para que nenhuma delas tenha a chance de me surpreender com essa informação.
ㅡ Não eram do clã Jeon, Haerin. Eram ômegas femininas que conheci durante as viagens da alcatéia. De lugares distantes, aos quais nunca mais retornei.
ㅡ Nunca mais?
ㅡ Nunca.
A ênfase no tom de Sirah trouxe a Haerin um sentimento culpado de alívio. A ômega gostou do que ouviu, mas quis provocar a outra um pouco mais:
ㅡ Se nunca mais pôs os pés nesses lugares, como sabe que não engravidou uma das ômegas? ㅡ Arrebitou o nariz e cerrou as pálpebras.
Um segundo depois, Sirah gargalhou alto.
ㅡ Ora, mas isso é impos... ㅡ A risada parou e a alfa ficou estática, com os olhos cravados num ponto distante, num pensamento que atingiu sua mente de supetão.
Seria realmente impossível ter deixado frutos numa das cidades ou num dos vilarejos pelos quais passou? Sirah recordou-se de certa vez quando se instalou mais de um mês numa área próxima à fronteira do reino, num vilarejo mediano com uma ômega que tinha muitas semelhanças com Jeon Haerin.
Lembrou-se do garotinho com sangue Jeon que havia sido resgatado pelo Ômega de Prata. Um Jeon perdido, um menino com sangue da linhagem antiga.
Ela, Jeon Sirah, era da linhagem antiga, de uma ramificação paralela à de Haerin. Poderia ser possível tal coincidência?
Antes que pudesse vocalizar seus pensamentos mais absurdos em busca de uma luz racional que Haerin com certeza poderia oferecer, elas escutaram gritos, uivos e sons metálicos de luta com espadas.
A comandante saltou da cama e correu para a janela, a consorte a seguiu logo atrás.
ㅡ Pelos deuses!
ㅡ É um ataque ㅡ vociferou a alfa, exibindo os caninos pontudos ao ver soldados estrangeiros amontoados dentro das fortalezas de pedra. Como tinham atravessado a primeira barreira de segurança do clã e chegado até ali, na área das residências? Ela não fazia ideia.
As duas mulheres vestiram-se novamente, Haerin agora escolhendo roupas de batalha ao invés de seus costumeiros vestidos. Ela iria lutar, caso fosse necessário.
ㅡ Vou reunir a alcatéia e tentar estabelecer uma linha de defesa. ㅡ Sirah desembainhou a espada após calçar suas botas de couro.
ㅡ Aqueles soldados... ㅡ Haerin pensou nas insígnias que adornavam as roupas dos invasores. Não lhe eram estranhas.
ㅡ Soldados de Eliah. ㅡ O olhar incandescente estava de volta. ㅡ Os desgraçados ousaram vir aqui.
ㅡ Por que viriam? Nossas forças são as mais difíceis de derrubar em toda a área da fronteira. Se enfim decidiram dar prosseguimento a esta guerra, por que escolheram a pior rota?
ㅡ Não sei, Milady, mas seu filho me avisou de uma coisa. ㅡ Sirah encarou o fundo dos olhos de Haerin. ㅡ Nosso inimigo deixou de ser previsível há muito tempo.
As duas trocaram palavras silenciosas de compreensão, antes de saírem porta afora e se entregarem à batalha.
Dessa vez elas não avistaram raposas, como pensavam que haveria. Sirah lembrava-se bem de seu primeiro contato com as criaturas mágicas, quando elas enfeitiçaram os arredores de Rangkee e causaram o primeiro caos. Depois, ajudou o rei a exterminá-las na cidadela Gwang, e foi nesse momento que descobriram a grande armadilha.
Seria aquela invasão outra armadilha? Com esse pensamento, a comandante analisou bem os rostos de cada invasor.
Não, não era uma investida como em Gwang. Aqueles soldados não pareciam ser de Adaman, não tinham as características dos povos adamantinos dos vilarejos vizinhos, jamais poderiam ser Jeons enfeitiçados e nem mesmo soldados que guardavam a fronteira, pois todos eles haviam recebido recentemente tônicos com sangue dos Lobos noturno.
Eram estrangeiros. Eram eliahnos. E pela forma como se moviam, estavam sendo controlados por magia. Sendo assim, não poderia haver tréguas ou rendições naquele dia. A luta se daria até o último lupino cair morto.
Tudo bem, o clã Jeon daria um jeito. Não era um clã imenso como já fora um dia, mas sua glória e força continuavam imaculadas.
No entanto, quando Haerin e Sirah chegaram ao pátio onde ocorria a maior parte da batalha, parcela dessa esperança foi quebrada, pois elas se depararam com um inferno.
Havia fogo laranja, muito fogo, e ele crescia de maneira anormal pelas paredes de pedra. Os soldados de Eliah, zumbificados e completamente alheios a qualquer medo, dor ou fragilidade, lutavam dentro do fogo, puxando lupinos noturnos para uma morte corrosiva. O número de invasores também estava sufocando o clã, a maneira como eles haviam cercado as fortalezas, invadindo as alas onde os mais frágeis residiam e matando todo e qualquer ser vivo que viam pela frente, era aterradora.
Pela forma como os eliahnos estavam concentrados, preenchendo o perímetro de dentro para fora, eles tinham entrado ali pelos túneis subterrâneos que serviam como saída de emergência. Eram absolutamente secretos, apenas pessoas específicas do clã tinham conhecimento deles, então como o inimigo os estava usando?
Haerin pensou no tio-avô, Jeon Bongha, que havia desaparecido há algum tempo. Teria sido realmente sequestrado e entregado informações secretas dos Lobos noturnos aos seus captores?
Não. Ele não daria uma joia tão valiosa, algo que poderia pôr em risco a vida de todos os que dividiam seu sangue, nem sob a pior das torturas. Bongha era quase tão nojento quanto o falecido pai da consorte, mas a segurança do clã jamais seria posta à prova pelo ancião.
E como se compartilhassem os pensamentos, Sirah gritou para Haerin sobre o barulho da luta:
ㅡ Corra com os indefesos para fora dos portões e siga reto até o General Kim Namjoon! Ele está a poucas milhas de distância!
A consorte a escutou, mas no lugar de seguir as orientações da alfa, ela paralisou com os olhos vidrados e disse:
ㅡ Não.
Inicialmente, Sirah pensou que fosse o orgulho da ômega se recusando a fugir e deixar as Fortalezas de Pedra para trás, mas bastou virar o rosto na direção do olhar dela que a compreensão a atingiu.
No centro do pátio, em meio ao caos desenfreado e crescente, saindo da fumaça do fogo que já queimava dezenas de corpos, um jovem de loiros cabelos estava parado, observando-as com a quietude de uma nuvem de tempestade prestes a desabar na terra.
O mundo inteiro parou diante de Haerin e o silêncio atingiu seus ouvidos. Toda a luta sangrenta que a envolvia foi obliterada por um véu nebuloso, restando apenas a imagem do rapaz, do príncipe que, até onde se sabia, estava morto.
Pela fala que proferiu em seguida, numa voz que não parecia completamente humana, ele havia escutado o grito de Sirah:
ㅡ Os portões estão cercados, a floresta ao redor de Rangkee e os túneis no subsolo estão tomados pelos meus soldados. Ninguém vai fugir.
"Meus soldados".
Terror se espalhou pelo corpo da Consorte Jeon.
O príncipe inspirou fundo, franzindo o nariz que agora aparentemente era tão poderoso quanto os músculos por baixo de suas roupas de batalha.
ㅡ Enquanto você fodia com sua amante, eu silenciei os vilarejos vizinhos e deixei o clã dos Lobos Noturnos incomunicável com o mundo. Vocês não terão ajuda de ninguém.
ㅡ Min Yoongi... ㅡ A boca de Haerin estava seca. Ela o analisou dos pés à cabeça. ㅡ Não. Não. Você não é o príncipe Min.
ㅡ Decerto que não. O príncipe Min morreu pelas mãos do monstro que a sua laia soltou em cima de nós.
O coração da ômega parou.
"Ele sabe", o pensamento lhe atravessou a mente.
ㅡ Sim, eu sei. ㅡ Era como se Yoongi fosse um telepata. ㅡ Jeon Bongha, aquele canalha, assumiu tudo. No fim das contas, não precisei perder tempo buscando confirmações para a história dele, pois o seu rosto já me dá todas as provas, Madrasta.
Ele caminhou até ela, como uma fera cercando sua presa. Os caninos saltavam de sua boca entreaberta. Seu olhar afiado a cortava como uma navalha polida, duas pupilas escuras mergulhadas numa loucura latente.
ㅡ Todos do castelo viram seu corpo morto. Jeon Jungkook chorou pela sua morte. Como você está vivo? ㅡ questionou Haerin.
A menção do nome do irmão quase fez Yoongi hesitar no caminhar, mas a parte feral e cheia de ira era quem tomava as rédeas de seu corpo no momento, então ele seguiu em frente com sua caçada, portando um semblante psicótico sedento por sangue.
ㅡ Deveria se preocupar com detalhes um pouco mais... urgentes. Por exemplo, em como sair viva daqui. ㅡ Ele exibiu um sorriso cruel. ㅡ Mas é claro que não permitirei isso, assim como sua gentalha não teve piedade na hora de desprezar e reduzir o meu sangue a nada.
O corpo da ômega tremeu diante dos feromônios agressivos do príncipe. O cheiro dele havia mudado, agora era um odor sufocante que oferecia nada além de agonia e medo puro.
ㅡ Aliou-se a Eliah para buscar vingança, menino? ㅡ Haerin tentava manter a voz firme diante dele, mas, quanto mais perto Min Yoongi ficava dela, mais difícil isso se tornava.
ㅡ Vingança, reparação... e um poder que jamais tive. Um que sempre foi meu por direito, mas que foi negado a mim pela sombra Jeon.
ㅡ Então trairá Jeon Jungkook. Trairá seu irmão!?
O olhar dele reluziu. Suas garras afiadas saltaram dos dedos das unhas.
ㅡ EU FUI TRAÍDO DESDE O PRIMEIRO INSTANTE! Fui julgado como um fraco inválido e tive que assistir, inerte, a expulsão de meu clã para longe das terras da capital real durante anos e o assassinato de minha mãe POR CONTA DE SEU ORGULHO IRREFREÁVEL, DE SEU CIÚME INCORRIGÍVEL E DO PODER DA PORRA DOS JEON. ㅡ Cuspiu cada palavra como se elas estivessem presas em sua garganta há muito, muito tempo. ㅡ Durante séculos houve uma hierarquia incontestável nestas terras. Vocês, Lobos Noturnos, cometeram inúmeros crimes e jamais sofreram as consequências.
O príncipe parou bem diante dela e a olhou de cima com um desprezo que fez Haerin se sentir tão frágil quanto um inseto.
ㅡ O destino me ofereceu uma segunda chance de vida. Eu a usufruirei para reorganizar as coisas daqui por diante, Jeon Haerin. E, no final, sentarei no trono de prata com a coroa em minha cabeça.
Uma espada cortou o espaço entre os dois, quebrando os grilhões intimidadores que haviam se prendido às pernas da ômega por influência de Min Yoongi.
A portadora da espada era a comandante Sirah.
ㅡ Para trás, traidor, ou vou enviá-lo de volta ao túmulo mais rápido do que pretendo. ㅡ Ela mostrou os dentes afiados e o queimou com olhos incandescentes.
Mas o fogo dele ardeu com mais vigor quando, num só golpe de mão recheado de força descomunal, agarrou o braço estendido da comandante e simplesmente a jogou para longe, fazendo-a girar pelo chão repleto de neve e cinzas.
No meio dos giros, a alfa se metamorfoseou num lupino branco e atacou o príncipe com tudo. Sua velocidade sendo mais rápida que um piscar de olhos, suas garras e caninos carregando a promessa de uma luta difícil para o príncipe.
Poucos eram aqueles que conseguiriam lidar com as habilidades de Sirah no campo de batalha. Além de Wang Nara, Haerin nunca tinha ouvido falar de outro lupino que havia entrado em combate sério com ela e saído vivo. Seu posto de comandante às vezes era pequeno demais para o tipo de guerreira que conseguia ser.
Sirah saltou e se jogou contra Min Yoongi, fechando as patas letais ao redor dele, pronta para decapitá-lo. Ele foi mais rápido e desviou com um impulso e um giro. Em seguida, aproveitou a abertura para chutar a cabeça lupina. A comandante aguentou o golpe e mirou os caninos no pescoço dele, mas o príncipe segurou a boca dela com as mãos, lacrando-a, e afundou as unhas no focinho, arrancando-lhe um grunhido alto de dor.
ㅡ Sirah! ㅡ Haerin gritou, desesperada, com a garganta apertada e o coração batendo enlouquecido.
Min Yoongi voltou a sustentar o sorriso cruel, e então arremessou a comandante para longe como se estivesse descartando um lixo pesado.
A ômega, que não conseguia piscar por causa do medo que sentia pela vida de Sirah, reparou na catástrofe que havia evoluído dentro do perímetro de Rangkee. O incêndio tinha aumentado de tamanho, consumindo torres e corredores que as interligavam, e acumulando corpos em suas brasas. Os soldados de Eliah, incluindo os mais feridos, lutavam como bestas incansáveis. Era um exército inteiro contra uma população pequena e cercada.
Foi aí que Haerin se deu conta do objetivo de Min Yoongi naquele lugar. Ele não estava ali apenas para seguir uma rota de guerra previamente traçada, mas também para exterminar todo o clã Jeon.
Pela insanidade que coordenava os trejeitos e as falas do príncipe, ele não iria parar até concluir seus planos. Talvez não haveria misericórdia nem mesmo para as crianças.
Sendo assim, a consorte tinha que agir enquanto ainda havia tempo.
Ela correu até Sirah, que ainda estava caída no solo, recuperando-se do impacto violento, e murmurou uma ordem o mais rápido que conseguiu dizer:
ㅡ Use todas as suas forças para atravessar os portões de Rangkee e alcançar o General Kim e seus mensageiros. Não pare de correr até entregar minha mensagem ao rei: Min Yoongi está vivo, e retornou como um usurpador.
Os olhos de Sirah tremeram de medo. Medo por Haerin, pelo que a ômega deixou implícito em suas palavras: "Ficarei para trás com os outros."
ㅡ Eu disse que ninguém irá fugir ㅡ ralhou o príncipe, com os dentes cerrados. A ira tomava sua face.
ㅡ Corra, Sirah. ㅡ Haerin não conteve o desespero na voz. Vendo que o receio ainda controlava o corpo da alfa, a consorte acrescentou: ㅡ Perdão por te amar tão tarde. Mas por ser tarde, não pense que foi pouco ou insuficiente. Então, por favor, corra e não olhe para trás.
Lágrimas tomaram os olhos das duas. Uma despedida foi dita silenciosamente, antes de a comandante impulsionar as quatro patas e cortar o fogo e o caos sangrento para escapar do perímetro das Fortalezas de Pedra.
Min Yoongi xingou, enraivecido, e se moveu com o intuito de impedir a fuga. Dessa vez ele não brincaria com Sirah, apenas a mataria de uma vez.
Porém, ele não viu quando Jeon Haerin, em sua forma lupina, correu na direção dele e o atacou com seus caninos afiados. Ela não era tão grande e forte quanto a comandante, mas poderia fazer um belo estrago com os dentes e as garras.
O príncipe urrou quando teve a pele do braço quase dilacerada pela ômega, e afundou o punho poderoso no estômago dela, quebrando uma costela. Só assim Haerin o soltou e deu um passo para trás, mancando de dor.
ㅡ Engana-se se ainda acha que pode me pôr debaixo de seus saltos, sua vadia ㅡ disse Yoongi. As chamas ao redor dele ondulavam, como se alimentadas pelos seus feromônios anormais.
ㅡ Min Yoongi..., você se perdeu completamente. Veja o que está fazendo, veja a chacina que trouxe para cá, para um lugar cheio de pessoas inocentes. Eles não têm culpa dos crimes que lhe afetaram e que afetaram a sua mãe.
Ele inclinou a cabeça para o lado e a encarou como se ela fosse estúpida.
ㅡ Nós também não tínhamos culpa, Consorte Jeon... Os primeiros inocentes nesta história carregavam o sobrenome Min.
A loba chacoalhou a cabeça, numa negativa vigorosa.
ㅡ O irmão de meu filho não pensaria por moldes tão... tão cruéis e desequilibrados. Você voltou dos mortos como um demônio.
ㅡ Cale a maldita boca de uma vez.
Ainda na forma humana, ele atacou, e foi tão rápido e letal quanto um raio. Sem usar nada além de seus membros do corpo, que não mais se moviam de maneira natural, mas sim como uma fera selvagem coberta de fúria, Yoongi desferiu socos e arranhões em Haerin, que tentava desviar de suas mãos cheias de unhas afiadas e que revidava quando encontrava brechas.
A ômega sentia a desvantagem em suas entranhas. A dor de estar com uma costela quebrada somava-se às suas poucas habilidades de luta.
Comparada à Yoongi, ela era bem mais fraca, mas iria resistir até o último suspiro, se não por si mesma, mas pelos inocentes do clã Jeon, para atrasar o massacre que viria. E também por Sirah que, àquela altura, devia estar atravessando os portões dos muros de Rangkee.
E Jeon Sirah de fato havia alcançado os benditos portões. Seu trajeto até eles foi difícil, a luta não diminuía mesmo com ela se afastando da concentração do caos. O fogo laranja também tentava segui-la junto com soldados de Eliah, destruindo cada coisa pelo caminho apenas para capturá-la. Aparentemente, eliminar todo e qualquer fugitivo era vital para os planos do inimigo.
No entanto, a comandante conseguiu obedecer a última ordem de sua Milady. Ela nunca falhava em suas missões e sempre se vangloriava por isso. Porém, naquele momento, desejou ter falhado de alguma maneira, queria que, no meio do percurso, tivesse se deparado com um obstáculo formidável que a obrigaria a ficar e voltar para o lado de Haerin.
Ela quis tanto ter sido fraca, mas seu único instante de fraqueza aconteceu quando, num impulso teimoso, virou a cabeça lupina para trás e viu as ruínas das Fortalezas de Pedra sendo consumidas pelo fogo e pelo sangue, e estacas de madeira sendo erguidas com cabeças decapitadas enfiadas nas pontas.
Seu uivo cortou os céus quando reconheceu um dos rostos empalados.
"Não olhe para trás", estas palavras e a visão de Haerin morta seguiram a comandante pelo resto do percurso.
🌕🌖♛🌘🌑
Kim Namjoon chegou ao quarto que fora preparado para ele quando as tropas sob seu comando tomaram o controle da região central da fronteira entre Adaman e Eliah. Os aposentos eram confortáveis, com uma cama grande e grossos lençóis capazes de afastar o frio das noites mais geladas. Também havia uma mesa com poltrona que ele usava para estudar os mapas e as informações que recebia de seus subalternos, e uma lareira mediana que mantinha a temperatura do ambiente bastante adequada.
Diante dessa lareira, sentada na poltrona e lendo dezenas de cartas amontoadas em suas mãos pequenas, jazia uma figura enrolada em cobertores de pele. Os cabelos vermelhos desarrumados da pessoa saltavam para os lados, ocultando parte da visão de seu rosto bonito.
ㅡ Keran? ㅡ Namjoon sussurrou, colocando sobre a mesa uma bandeja cheia de comida que havia trazido.
ㅡ Ah... bom dia, General. ㅡ O sorriso do discípulo de Jung Hoseok iluminou um pouco mais o ambiente escuro. Ele mostrou o conjunto de papéis que segurava. ㅡ Entregaram essas cartas esta manhã, enquanto o senhor estava fora. Algumas são da capital. Uma do Ômega de Prata para mim, uma da Matriarca Choi para a Miho, e, para o senhor, uma do rei e uma da senhorita Jina.
ㅡ Hm... ㅡ Namjoon encostou o quadril na ponta da mesa e pegou as cartas oferecidas por Lu Keran. Assim que sentiu o cheiro do perfume da filha e viu a caligrafia dela nos papéis, seu coração bateu com mais vigor.
ㅡ Sinto falta da senhorita Jina. Imagino que o senhor esteja sentindo bem mais do que eu.
ㅡ ... Sim. ㅡ O general suspirou. Depois, acariciou o topo da cabeça vermelha de Keran com uma mão. ㅡ O mensageiro acordou você?
O ômega negou com a cabeça.
ㅡ Eu já estava acordando quando o senhor deixou a cama. ㅡ Suas bochechas enrubesceram e ele desviou o olhar para a lareira. O azul de suas íris foi sufocado pelo reflexo amarelado do fogo.
Kim Namjoon não gostou da distância estabelecida entre eles com aquele pequeno gesto, e desaprovou ainda mais o que o discípulo do alquimista real disse em seguida:
ㅡ Obrigado por... ㅡ Keran pigarreou. ㅡ Obrigado.
ㅡ Pelo quê está me agradecendo, Keran? ㅡ O General cruzou os braços, enfiando as manoplas de aço nas dobras de músculo e do couro da roupa. O olhar dele, amarelo como âmbar, ficou ainda mais estreito do que de costume.
O ômega se encolheu na poltrona.
ㅡ Por ter... Pela ajuda durante esses... dias.
O alfa resmungou.
ㅡ Eu não fiquei com você como num ato de favor, Keran. Fiz algo que lhe passasse essa impressão?
Keran afundou ainda mais debaixo do cobertor.
ㅡ Não, senhor. Eu apenas ㅡ comprimiu os lábios ㅡ temo ter ultrapassado algum limite.
Encarou o General de soslaio, seu olho azul fixou-se numa mancha avermelhada que agora adornava o pescoço dele.
Sentindo o olhar do garoto, Namjoon colocou a mão sobre aquela área, escondendo-a, e depois flexionou a mandíbula.
— Meus limites em relação a você... Não vê que estou começando a derrubá-los?
Escutar tais palavras saindo por entre os lábios carnudos de Kim Namjoon era quase surreal. Durante anos o General se portou como um alfa distante e difícil de se envolver, um homem ferido pela morte da parceira, mãe de Jina, que havia acontecido tempos atrás. Um indivíduo que não pretendia voltar a se apaixonar por outra pessoa em sua vida.
Por isso Keran ficou estático quando o escutou falar sobre limites. Limites delineavam as ações ao redor de Kim Namjoon desde o dia em que se conheceram, quando o garoto foi salvo por ele num vilarejo do reino.
Toques, conversas e olhares... Tudo entre eles carregava "limites", até mesmo quando fizeram amor pela primeira vez no estábulo do castelo, algum tempo atrás. Keran não sabia se podia considerá-lo algo mais do que um tipo de amante sazonal, um romance momentâneo que estaria ali para satisfazer alguns desejos e carências.
Lu Keran também tinha medo de perguntar e acabar estragando tudo o que havia alcançado em seu relacionamento confuso com Kim Namjoon. Porém, por causa da vergonha, ele não conseguiu evitar murmurar:
— Eu quase o marquei naquela noite, General. Sinto muito.
Namjoon sentiu a pele do pescoço ganhar calor.
Fechando as pálpebras, ele se recordou dos dias anteriores, da noite caótica onde aquela situação teve seu início.
O General bebia com seus soldados durante o seu horário de descanso num bar localizado numa das torres que marcavam a fronteira. Min Miho tomava o centro da conversa, chamando a atenção de todos com sua alegria bêbada, falando bem alto sobre como havia perdido um braço em batalha, e se vangloriando por ter sobrevivido a uma armadilha que o exército real nunca tinha visto antes.
— A loira não para de repetir que ainda lhe resta a mão mais habilidosa — comentou o dono do bar enquanto servia ao General mais um copo de bebida.
Kim Namjoon exibiu um meio sorriso e virou o conteúdo alcoólico em sua garganta. Noites como aquela, com seus homens relativamente bêbados e motivados, lhe permitiam um descanso à mente. E por mais que prezasse pela boa conduta dentro do perímetro militar, ele permitiu que os presentes exagerassem um pouco mais do que o normal, pois era a primeira vez depois da morte do príncipe Min que Miho mostrava alguma alegria verdadeira. O falecimento do primo foi recebido por ela com choque e descrença.
Sob a pose fria e impenetrável como uma rocha, Namjoon se importava com seus subalternos de várias maneiras. Além disso, a gritaria estava boa demais para ser interrompida.
No entanto, dois minutos depois um burburinho num canto do bar chamou a atenção dele. Ainda estava discreto demais para fazer os soldados bêbados entrarem em alerta, mas Kim Namjoon tinha ouvidos e instintos afiados, por isso se moveu um passo naquela direção.
E bastou esse único passo para que seu nariz sentisse o aroma característico, o perfume doce e hipnotizante de um ômega no cio.
A distância que os separavam era de vários metros e também havia o odor do bar, o suor do exército e o cheiro de bebida forte ocultando aquele aroma fervilhante. Mas, ainda assim, o General reparou nele.
E em breve todo o bar repararia. E seria um caos.
— Coloque os soldados betas em posição para segurar e prender os alfas, se eles saírem da linha — ordenou a um comandante beta sentado ao lado dele no balcão do bar.
Em seguida, rumou na direção do ômega para tirá-lo dali e, se fosse o caso, puni-lo por não ter tomado seus remédios e as devidas precauções, quebrando, assim, o código militar de Adaman.
Mesmo sendo alfa, Kim Namjoon tinha muito autocontrole, ele lidava com centenas de soldados ômegas diariamente desde antes de receber o título de General, então lidar com aquele não seria problema. Seu lobo interno não se moveria até segunda ordem. Mas, assim que chegou perto do canto do bar e captou um perfume que ele conhecia muito bem por baixo da densa camada sufocante de feromônios de cio, e quando viu um pequeno amontoado de alfas ao redor do garoto assustado de cabelos vermelhos e olhos da cor de safira, suas certezas de que poderia se manter são caíram por terra.
— Saiam da frente — a voz dele calou a gritaria alcoólica. Os lupinos que cercavam Lu Keran tremeram sob a ferocidade do General e deram dois passos para trás.
O pequeno ômega, bêbado pelas sensações que seu próprio corpo causava, encarou Namjoon com os olhos de um predador cheio de fome. Desejoso e erótico.
O alfa sentiu a boca secar e engoliu em seco.
— General... — murmurou Keran, dando um passo na direção dele. Namjoon, contudo, agiu antes de perder a razão, antes de o ômega decidir o destino dos dois naquela noite. Ele se aproximou rapidamente do garoto, agarrou-o pelo braço e o arrastou para longe dali, bem longe de dezenas de alfas sedentos.
Tentando limitar a própria respiração, ele jorrou:
— O que pensa que está fazendo? Enlouqueceu!? Entrou no cio e decidiu se jogar num bar cheio de alfas! — Seus passos os guiavam para a ala dos curandeiros, onde o quarto de Keran se localizava. Daria os devidos remédios ao garoto e depois o deixaria lá até que superasse aquela situação.
— Eu... estava atrás do senhor. — O ômega praticamente trotava pelo caminho. Com o corpo bambo, a visão nublada e o calor queimando suas veias, ele era um lobinho movido por instintos e sentimentos exagerados.
Kim Namjoon tentou ignorar o significado da fala de Keran, e agradeceu pela noite ocultar a vermelhidão que preencheu suas bochechas — coisa rara de acontecer. Continuou caminhando pela torre até o quarto do jovem curandeiro, chegando lá, avistou os colegas de trabalho dele e suspirou aliviado.
— Keran precisa de um tônico imediatamente — a ordem quase saiu como um pedido desesperado. Respirar estava difícil, segurar o braço macio e quente do ômega mais difícil ainda.
— Nós demos semente de lobo a ele, mas... — Os ômegas se entreolharam, nervosos, agitando os mantos rubros.
— Ele recusou e saiu correndo, General — disse outro.
O semblante de Namjoon ficou lívido. Ele encarou Lu Keran e buscou respostas com o olhar contraído. O discípulo do Alquimista real encolheu o corpo cambaleante.
— Não quero o tônico desta vez — sussurrou, encarando o chão.
Aquilo bastava para explicar tudo, o que gerou constrangimento e olhares arregalados entre os colegas curandeiros. Alguns desses olhares foram lançados na direção do general, que tentou ignorá-los e não parecer tão afetado quanto estava.
Sabendo que Lu Keran, em seu estado ébrio quase descontrolado, provavelmente não iria parar de dizer coisas indelicadas pelos próximos minutos, Namjoon pegou um vidro do tônico com um dos ômegas e dispensou os demais, os quais rapidamente deixaram a dupla a sós.
Quando o silêncio recaiu diante do quarto do jovem discípulo, o general se afastou dele e lutou para manter o controle.
— Você não está pensando direito.
— Nós já fizemos isso... No estábulo... Na capital. — Keran apoiou-se na parede e fechou os olhos, seu corpo cedendo ao calor que não parava de latejar. E cada vez que latejava, era como se uma onda hipnotizante fosse arremessada contra Kim Namjoon.
O alfa enfiou as unhas na própria carne da mão. Uma dor que o deixaria distraído, por enquanto.
— É diferente, Keran. Você está no cio, eu posso acabar perdendo o controle e — ele engoliu em seco — atando você. Se isso acontecer, as chances de uma gravidez... pelos deuses.
— Um irmão para a senhorita Jina... aprecio a ideia. O senhor não?
Aquilo deixou Namjoon em choque, e balançou uma parte do peito dele que dificilmente se abalava, a parte quase impenetrável em que o lobo residia.
— Isso... Não, ainda é muito cedo. Você é apenas um garoto.
— Tenho dezoito anos, Kim Namjoon.
— Um garoto.
Keran escorregou pela parede e se encolheu trêmulo no chão, abraçando o próprio tronco e apertando a região da virilha, como se aquela área estivesse queimando dolorosamente.
Ao ver a expressão de angústia no rosto do ômega, a preocupação sobrepôs os instintos sexuais do alfa e ele deu um passo na direção do outro, erguendo uma mão como se tentasse alcançá-lo, ajudá-lo.
Keran segurou aquela mão e balbuciou:
— Na-naquele dia, pensei que tivesse me aceitado ao seu lado, General. Pensei que tivesse entregado seus sentimentos pa-para mim. Pensei que — um soluço. — Eu nunca consigo entendê-lo, não é verdade?
Para Namjoon, aquilo foi como receber um soco forte e humilhante. Era como se ele estivesse agindo igual a um rapaz vadio que iludia e se aproveitava dos sentimentos alheios, que dizia falácias e depois simplesmente sumia. Onde estava o homem maduro de sempre? Aquele que tinha aceitado os próprios sentimentos e que desejava dar uma segunda chance a si mesmo? Quando foi que se tornou um estranho?
Sua cota de atitudes reprováveis já fora atingida, ele não queria magoar Lu Keran outra maldita vez e nem deixá-lo pensar daquele jeito... Mas o que faria? E se perdesse o controle? Namjoon na cama poderia ser desde um homem satisfatório a uma fera libidinosa incansável, tudo dependia do parceiro e de seus sentimentos durante a ocasião.
E, com um simples olhar e meia inspiração, ele sabia que, naquela noite, se levasse o curandeiro para o quarto, poderia se transformar numa besta.
Os olhos azuis o convidavam. Os feromônios queimavam-no como se ele fosse feito de óleo, e era bom demais. Restava apenas... liberar a energia acumulada.
— Keran, eu — mal conseguiu dizer duas palavras antes de ser abraçado pelo ômega, os braços finos e ansiosos envolvendo-o com toda força que tinham, como se tentassem prendê-lo daquele jeito para sempre.
Com o coração palpitando e os olhos amarelos brilhando como dois sóis, ele puxou Lu Keran para cima e o colocou contra a parede. Seus dentes exibiram caninos brilhantes, que se abriram para que a língua dele percorresse o pescoço do ômega. Um gemido ronronou pela boca do garoto, e foi a queda dos dois.
Quase arrombaram a porta no processo de abrir e fechá-la quando entraram no quarto. Caíram sobre a cama, tão estreita e pequena demais para o general de Adaman, e iniciaram uma briga contra as roupas. Kim Namjoon não esperou até que as mãos fracas e desnorteadas de Keran conseguissem tirar a bata que o vestia depois de ele ter jogado, como muito custo, o manto vermelho para longe. Simplesmente levantou a saia da peça e passou a lamber o corpo do garoto, primeiro a pele das coxas macias e depois o ponto que mais ardia, os lábios mais saborosos e úmidos.
O jovem discípulo gritou e gemeu alto de excitação, seu lobo uivava fragilizado e agradecido. Sentir a língua do general amaciando aquela área, introduzindo-se e sugando, depois repetindo os movimentos até tirar todo o fôlego do ômega era uma sensação indescritível.
Por estar absurdamente sensível, não demorou muito para que o primeiro pico de prazer dele fosse alcançado, roubando-lhe boa parcela de suas forças, fazendo seu peito subir e descer com a respiração ofegante.
Kim Namjoon sorriu ao ver aquilo. Os olhos afiados reluziram selvagens.
— Fique de bruços — murmurou no ouvido do outro. A voz grossa e profunda dele quase ofereceu mais um orgasmo ao ômega.
Obediente, Keran arrastou-se pela cama, virando-se e entregando ao general suas pernas abertas, as costas ainda vestidas e tudo o que lhe restava.
Namjoon o ajudou a dobrar os joelhos para que se posicionasse melhor, facilitando, assim, o encaixe. Ele tirou as manoplas de ferro, o coldre onde guardava pequenas lâminas e a camisa, revelando um peitoral malhado de anos de treinamento. Em seguida, enquanto masturbava a entrada úmida do ômega com dois dedos grossos — aumentando o rio viscoso que escorria ali —, ele chutou os calçados e abriu a parte frontal da calça.
"Controle-se. Controle-se", ordenou a si mesmo, chacoalhando a cabeça para dispersar a névoa sexual que cobria sua mente.
E então o preencheu.
Keran soltou outro grito, mais alto que os anteriores, e todo o corpo dele tremeu, envolvido pelas ondas de prazer e ardência. Os gemidos começaram acompanhar a frenesia dos movimentos do alfa, num ritmo crescente lento e molhado. Os sons do quarto se resumiam aos nomes que eles balbuciavam, aos grunhidos ébrios e às estocadas úmidas.
Em determinado momento, Namjoon diminuiu a velocidade e passou a preencher Keran devagarinho, apenas provando-o. Foi uma tortura para o ômega.
— Não... não pare, não...
— Não estou parando. — Ele se enfiou completamente para enfatizar isso. — Apenas quero que você tire suas roupas.
As mãos do garoto se arrastaram pela cama até se enfiar debaixo dele, onde estavam os botões da bata. Por causa da posição em que se encontrava, Keran sentiu dificuldade na tarefa. Ansioso e faminto, Namjoon ajudou-o a se erguer e desabotoou ele mesmo a fileira de botões.
Despiu o ômega com uma delicadeza meio insegura, pois não sabia direito como não ser bruto e tinha a sensação de que poderia quebrá-lo caso tocasse em algum ponto errado.
Na noite do estábulo, eles não tiraram todas as peças de roupa, apenas as necessárias para que o ato acontecesse. Ali, contudo, cada parte de seus corpos estavam sendo reveladas. E o general teve que se concentrar mais uma vez para não atar Lu Keran, pois não bastava ele ser lindo de rosto, também tinha que ser de corpo, com seios pequenos caindo pela pele suave, ombros estreitos e uma clavícula à mostra que refletia a luz noturna. Lindo.
Num pico de descontrole, Namjoon girou o ômega e o fez ficar de frente para ele. Quando se encaixaram mais uma vez, o ritmo intenso das estocadas retornou, deixando-os atônitos e sedados. A proximidade era tão grande, tão íntima e confortável que, em determinado instante, sorriram um para o outro, beijaram-se e seguraram mechas de seus cabelos com os dedos para penteá-las carinhosamente.
O general sentia que logo iria extravasar, então enfiou-se mais profundamente, com mais ardor. Keran não resistiu àquilo, então atingiu seu segundo ápice. Desceu o rosto para a dobra do pescoço do alfa e abocanhou a área. Gritou um gemido, depois murmurou um grunhido lupino e afundou os dentes.
Queria marcá-lo, queria tê-lo para si, era só nisso que sua mente entorpecida pensava.
Reparando no que estava acontecendo, Kim Namjoon se afastou bruscamente, impedindo que a marca fosse profunda o suficiente para que fizesse algum efeito.
Keran mal notou a reação dele antes de cair na cama e adormecer. Porém, enquanto dormia, e durante os dias que se seguiram — mesmo quando o general o levou discretamente para os aposentos pessoais dele, porque eram maiores e mais confortáveis —, o jovem curandeiro não conseguiu se esquecer da face assustada de Kim Namjoon.
Essa memória o atravessou sem piedade na manhã após o final de seu cio.
Ele nunca se sentiu tão culpado e envergonhado em toda sua vida.
"Pelos deuses, o general voltará a agir como um estranho comigo", pensou, com o coração murcho e pesado.
Mas ali estava Kim Namjoon, com uma bandeja cheia de comida para ele, um semblante suave no rosto e um olhar... Keran não ousou sonhar muito alto.
— A maneira como me afastei naquela hora, Keran... — murmurou o alfa, parecia tão envergonhado quanto o ômega. — Veja bem, eu fui pego de surpresa. Eu... Acredito que o ideal seria...
"Ele irá me dispensar mais uma vez, eu sabia", pensou o garoto, suspirando.
Porém, o que ouviu da boca do outro foi diferente:
— Eu gostaria de oficializar o que temos, antes de... antes de todas essas coisas.
Os olhos do jovem curandeiro quase saltaram das órbitas, ele não sabia se tinha escutado e entendido direito. Virou o rosto lentamente na direção de Kim Namjoon e, com a respiração hesitante, sussurrou:
— Oficializar? — repetiu apenas para ter certeza. O rosto do alfa carregava tensão e talvez um pouco de nervosismo. — O general está falando de... de matri—
Keran não pôde completar a pergunta, pois um soldado bateu à porta e solicitou a presença de Kim Namjoon o mais rápido possível. O tom de voz urgente do subalterno foi a única coisa que impediu o alfa de soltar um palavrão por causa da interrupção daquele momento.
— O que houve? — perguntou ao abrir a porta.
— Senhor, é a comandante do clã dos lobos noturnos. Ela trouxe notícias urgentes do leste da fronteira.
Namjoon franziu o cenho.
— Por que Jeon Sirah veio até aqui por conta própria ao invés de mandar um mensageiro?
— Não sei, General, mas... — O soldado suava frio. — A comandante está cheia de ferimentos sem a companhia da alcatéia Jeon. Veio com um beta das patrulhas do leste. Ela insiste em falar com o senhor imediatamente.
— Muito bem. — Namjoon encarou Keran de soslaio. — Pode vir comigo para cuidar dos ferimentos da comandante?
— Sim, claro. — O ômega já se enfiava atrás de um biombo para vestir-se com suas roupas de curandeiros.
— Obrigado. — O alfa se voltou para o soldado. — Irei encontrar Jeon Sirah em um minuto.
🌕🌖♛🌘🌑
A alta patente do exército já estava na grande sala de reuniões quando Kim Namjoon chegou com Lu Keran. Todos observavam Sirah sustentando semblantes contraídos, intrigados com a presença da alfa naquele dia e preocupados com o que sua aparição poderia significar.
O jovem curandeiro se moveu rapidamente até ela e, de uma bolsa que havia trazido, tirou alguns panos limpos e tônicos feitos a partir de ervas medicinais para colocar sobre os cortes que recheavam a pele do braço e do rosto da mulher alfa.
Sirah reconheceu o menino do dia em que os dois trabalharam juntos no cerco em Gwang, ajudando o rei e suas tropas a lidar com o feitiço das estranhas raposas, e lançou-lhe um olhar agradecido.
— Comandante — cumprimentou Kim Namjoon, rapidamente, sentando-se numa cadeira em frente à dela. Ele sentiu cheiro de fogo e sangue cobrindo a visitante.
— Rangkee caiu — disse Sirah, lacônica, com a face cheia de ira e dor.
Perplexidade reinou na sala, assombro cobriu os rostos dos militares presentes, incluindo o de Kim Namjoon. Lu Keran paralisou enquanto misturava um medicamento.
— O que está dizendo, Comandante? — Namjoon insistiu em mais explicações.
— As Fortalezas de Pedra foram tomadas de dentro para fora pelo exército maldito de Eliah. Eles reduziram tudo a cinzas e massacraram... massacraram o clã Jeon. — O choque atravessou a todos.
— Como no mundo isso é possível? — Namjoon ergueu-se da cadeira num impulso de raiva e se virou para os seus subalternos. — Você! — Apontou para um soldado que vestia armadura e um manto sobressalente, típico daqueles que faziam rondas por áreas abertas. Era o homem que havia ajudado Sirah a chegar à torre do General — Você faz parte da patrulha que averigua o leste da fronteira. Onde estão os outros e porque não ficamos sabendo sobre o ataque?
— Estão mortos. — Sirah foi quem respondeu, ela encarou o chão e contraiu a mandíbula. — Passei por torres de vigia e patrulhas no caminho para cá. Foram silenciados e incendiados, assim como algumas aldeias próximas a Rangkee. Eles tiraram todos os nossos meios de comunicação, até os pássaros foram empalados. Encontrei esse homem jogado entre os destroços. Ele não me disse o que aconteceu porque é mudo, então presumi que tivesse sido dado como morto pelo inimigo e escapado. Foi o único vivo com quem me deparei por todo o caminho até aqui.
A declaração fez a sala de reuniões entrar num silêncio nervoso.
Sirah continuou:
— A última ordem de Jeon Haerin para mim foi a de entregar uma mensagem ao rei o mais rápido possível. — "Última ordem", Namjoon tentou não se abalar tanto com o que aquilo significava e se concentrou na fala seguinte da comandante: — "Min Yoongi está vivo e voltou como usurpador". Nosso soberano precisa saber que ele lidera as tropas inimigas.
O general contraiu o cenho. Murmúrios soaram pela sala.
— Atente-se ao que está declarando, Comandante Sirah. Está citando o nome do irmão do rei que morreu. Por conta de minhas obrigações aqui, não estive presente no funeral, mas todo o reino sabe que a cerimônia aconteceu e que o corpo dele estava no túmulo. Além disso — seus olhos amarelos brilharam num aviso implícito —, está acusando o falecido príncipe de ter cometido crime de traição em mais alto nível. Sei que deve estar em choque com o que aconteceu em Rangkee, mas tome cuidado com suas palavras.
A tensão tornou denso o ar que pairava sobre eles. Sirah encheu o peito e disparou:
— General, ouça-me! Eu sei que cada palavra que digo parece absurda, mas ele estava lá e declarou guerra contra a coroa. Ele matou a mãe do rei e prometeu que avançaria até estar sentado no trono de Adaman! — A mulher se colocou em pé diante de Namjoon, os feromônios de alfa dos dois entraram em choque e seus corpos instintivamente se prepararam para um embate, mesmo que eles não tivessem intenção real de deixar isso acontecer. — Eu conheço o príncipe Min desde a infância, desde antes de Vossa Excelência ter se tornado um soldado no exército da Grande Rainha e passado a conviver com a corte. Eu sei como aquele garoto é e, por isso, poderia reconhecê-lo em qualquer lugar, então lhe digo com toda propriedade que o homem que apareceu em Rangkee naquele dia era Min Yoongi em carne, osso e alma. Ou talvez não em alma, porque nunca o vi tão fora de si.
Kim Namjoon piscou, analisando o desespero sincero no rosto e na voz de Sirah e refletindo como deveria lidar com aquelas alegações.
No final, convocou um subalterno com um movimento de mão e proferiu uma ordem:
— Envie o corvo mais rápido para a capital. Faça-o levar a mensagem da Comandante ao rei.
— Sim, senhor. — Depois disso, o soldado partiu porta afora.
O General então voltou a encarar Sirah.
— Há quantos dias foi o ataque?
— Levei cinco dias para chegar aqui... eu acho. — A exaustão tomava o fôlego dela pela primeira vez, como se finalmente estivesse se dando conta do próprio cansaço.
— Você tem alguma ideia do contingente total de soldados que adentraram o reino?
— Para ocupar Rangkee inteira, eu não apostaria numa quantidade inferior a dois mil lupinos. Mas, pela maneira como avançaram contra nós e pelas palavras do príncipe Min, pode haver mais em outros lugares... — Ela engoliu em seco.
— De qualquer forma, eles ainda estão dentro de nosso território. Temos a vantagem, mesmo com o elemento surpresa. Nesses cinco dias, Eliah não deve ter avançado muito para o Norte, podemos barrá-los antes de alcançarem a região central de Adaman, onde fica a capital.
Sirah concordou com um aceno, mas seu gesto foi inseguro porque algo dentro dela, algo primitivo e movido a instintos, sentia uma coisa estranha em tudo aquilo. Em seus anos liderando guerreiros e fazendo parte de tropas militares, nunca havia tido tanta dificuldade em visualizar qual seria o próximo passo do inimigo. O que ele faria em seguida... era tão confuso quanto explicar como Eliah conseguiu invadir as Fortalezas de Pedra através dos túneis secretos e como Min Yoongi estava vivo.
— Entrarei em contato com as cidadelas mais próximas para preparar as tropas até o sinal de Sua Majestade — completou o General, olhando para os outros militares. — Quero que busquem pela localização atual do exército inimigo. Mandem outra patrulha, com lupinos mais rápidos, para o leste. Precisarei fazer um mapeamento do perímetro para realizar um ataque.
— Sim, senhor.
Mas antes que pudessem se dirigir para a saída da sala de reuniões, sons de palmas silenciou o ambiente. O homem que tinha vindo do leste com Sirah, aparentemente tão refugiado quanto ela, aplaudia por motivo algum e sorria como se toda aquela situação o divertisse ao núcleo.
Ele andou devagar até o centro da sala e se sentou numa cadeira um pouco atrás de Sirah. Cruzou as pernas e os braços, e encarou cada pessoa presente ali.
— Todo dia eu me surpreendo mais com a capacidade que este lugar tem de criar indivíduos tão... intensos. — O sorriso dele cresceu. — General Kim Namjoon, Comandante Jeon Sirah, Discípulo Lu Keran e, hm — ele franziu o cenho para os militares que o encaravam com estranhamento —, bem, eu não sei como figurantes ganham nomes por aqui, se originalmente não houve necessidade para que carregassem um. De qualquer forma, não são importantes.
Com um gesto de mão, o homem lançou uma névoa laranja na direção deles, que os consumiu como fogo em questão de segundos. Os gritos arranharam os ouvidos de Keran e o horror da cena deixou Namjoon e Sirah estáticos.
— Agora sim, menos dor de cabeça desnecessária. Queria poder fazer isso constantemente, mas não dá pra diferenciar de longe quem é importante e quem não é — disse, simplesmente, como se tivesse eliminado pequenos insetinhos.
— Quem é você? — O olhar de Kim Namjoon para ele foi mortal.
O estranho deu de ombros e revelou a verdadeira face, substituindo as feições desgastadas de um homem beta comum pelas de um jovem e belo rapaz de cabelos castanhos, quase ruivos, e olhos completamente dourados. Em suas costas, nove caudas surgiram e serpentearam sob um brilho alaranjado incomum.
— Sou um simples membro da corte do rei. Do próximo rei, quero dizer, não do garoto que atualmente ocupa o trono deste lugar. Vim resolver umas questões que não posso apenas deixar pra lá. — O estranho encarou Jeon Sirah.
Foi Lu Keran quem teve o raciocínio mais rápido.
— Você é o responsável pelas raposas que enfeitiçaram o exército do rei! Veio atrás da Comandante para eliminá-la porque ela carrega o sangue Jeon, que não sucumbe aos seus poderes malditos.
Ao lado dele, o General e a Comandante enrijeceram os corpos e franziram os narizes. A qualquer momento avançariam sobre o homem raposa.
— Muito bem, Lu Keran, você acertou bastante. Mas também estou aqui pelo General, ele vai ser um pouco importante para os meus planos. — Assim que ele terminou de dizer, o jovem ômega segurou firme a mão de Namjoon. Sua face cobriu-se de medo, não por si, mas pelo alfa. A raposa revirou os olhos diante da cena tocante. — Não vou matá-los. Infelizmente, para o meu azar, este mundo os considera importante demais para que eu possa fazer isso. Mas capturá-los... Bem, é o meu objetivo neste dia.
A sala foi então mergulhada num denso véu de magia laranja, que pairou no ar até grudar nas superfícies do recinto. Um segundo depois o homem raposa contraiu as mãos, e, concomitante a este movimento, tudo que era maleável, como cadeiras e colunas de ferro, começou a balançar e se contorcer. Os metais miraram nos três lupinos, buscando seus membros do corpo para envolvê-los como grilhões. Sirah, Keran e Namjoon foram mais rápidos e desviaram do primeiro ataque, depois do segundo e do terceiro. Sabiam que aquilo continuaria eternamente se não eliminassem o causador, então a Comandante e o General avançaram contra o homem raposa em seus corpos lupinos.
A luta obrigou o feiticeiro a se concentrar nos dois lobos enormes com garras e presas afiadas como navalhas que o atacavam diretamente. Ele usou sua magia para tentar criar uma barreira contra a força dos lupinos, mas encontrou dificuldade nessa tarefa. Namjoon e Sirah eram monstruosamente brutais.
Viu rapidamente que teria que mudar sua tática, então envolveu seus braços com a névoa alaranjada e brilhante, enfiou suas mãos com garras expostas nas jugulares dos lobos, quando teve a oportunidade, e apertou a veia sob a musculatura dura de ambos. Tudo isso aconteceu numa fração de segundo, com uma velocidade sobre humana que fugiu do reflexo aguçado dos lupinos.
O aperto continuou, roubando grunhidos de agonia e dor de Sirah e Namjoon. O homem raposa não os mataria, mas pretendia deixá-los machucados o suficiente para que não pudessem lutar e escapar do sequestro.
A vitória estava tão próxima em sua mente que ele chegou a se esquecer, por um segundo, de que havia um terceiro lupino naquele recinto.
Lu Keran surgiu vermelho como sangue em sua forma de lobo, e, com suas garras, rasgou desde a clavícula até o abdômen do feiticeiro, que urrou e afrouxou o aperto nas jugulares.
Kim Namjoon, que estava com uma condição física melhor do que a comandante, conseguiu se soltar do enforcamento. Com essa oportunidade, ele saltou outra vez sobre o feiticeiro e focou em cravar os dentes na cabeça dele, para decapitá-lo.
Recebeu em troca fúria na forma de magia. O homem jogou Sirah contra o General e os dois voaram pela sala devido ao impacto sobrenatural. Em seguida, Keran entrou em sua mira. O ômega foi arremessado contra a parede por um tufão impiedoso de feitiço. A força absurda do golpe deixou Keran inconsciente e o fez voltar à frágil forma humana.
— KERAN! — Kim Namjoon viu tudo ficar vermelho por causa da ira que se alastrou pelo seu corpo. — Sirah, leve-o daqui — ordenou à alfa.
— Não pense que vim sozinho, General Kim. Lá fora não é muito mais seguro do que aqui dentro. — O feiticeiro usou as próprias caudas para limpar o sangue que escorria na frente do seu corpo. A magia o ajudava a se curar rapidamente, era possível ver os rasgos se fechando.
Mesmo com a declaração dele, Namjoon insistiu na ordem:
— Una-se ao primeiro pelotão de soldados que encontrar e saia daqui com Lu Keran.
— A Jeon não vai sair daqui. — Os olhos dourados brilharam numa ameaça. — Posso até liberar o garotinho, mas a mulher fica.
O General mostrou os dentes pontiagudos e rosnou na direção da porta, uma indicação para que Sirah se apressasse. Em seguida, ele saltou novamente sobre o feiticeiro e lutou para terminar o estrago que Keran havia começado. Suas patas conseguiram arranhar os braços dele, arrancando sangue e deixando a pele em carne viva. O homem de nove caudas ficou cego pela dor e pela frustração, então concentrou seus esforços para neutralizar o alfa.
Nesse meio tempo, Sirah voltou à forma humana, pôs Keran no colo e fugiu com ele inconsciente nos braços. Lá fora ela encontrou uma movimentação caótica. Havia soldados iguais aos que apareceram em Rangkee, e eles lutavam contra as tropas de Namjoon. Ela não perdeu tempo travando uma luta com os que surgiam em seu caminho, apenas desviou de todos e correu. Correu, correu e correu. Não se tratava mais de honra ou glória, mas de sobrevivência. Não era uma guerra normal contra um inimigo normal. Eles não poderiam lidar com criaturas como aquele feiticeiro usando métodos comuns.
Enquanto montava um cavalo do exército que havia encontrado no meio do caminho, e o fazia galopar a toda velocidade para o Norte, Jeon Sirah pensou em como os dias de tempestades sobre os quais a profecia da Árvore Sagrada tinha avisado há centenas de anos realmente estavam acontecendo. Sendo assim, só poderia haver uma única esperança. Ou melhor, duas. E elas estavam na capital do reino.
🌕🌖♛🌘🌑
Meio deitado numa namoradeira diante de uma varanda no térreo do castelo, envolto por boas e grossas camadas de cobertores que o deixava ainda maior e mais redondo do que já estava, Park Jimin lia as cartas que haviam chegado das cidadelas do extremo Norte, escritas por líderes de clãs que governavam as regiões mais afastadas.
Eram cartas de apoio que carregavam as promessas de lealdade à coroa e o número de guerreiros que cada região poderia oferecer para a batalha futura. Mas entre tantos textos e valores, o garoto reparou em exigências feitas de forma implícita, pedidos por melhores posições na Mesa de Prata, promoções na hierarquia da corte e et cetera.
— O que há? Leu algo que o desagradou? — Jungkook estava parado próximo a uma coluna, encostado na superfície angulosa e cheia de entalhes. Com o corpo virado na direção do jardim embranquecido pela neve, poderia-se interpretar que ele observava os arbustos congelados e os grupos da nobreza que circulavam por ali, ou talvez o horizonte distante e cinzento.
No entanto, aparentemente seu olhar não ia para muito longe de Park Jimin.
— Os seus súditos... Não gosto muito de alguns deles — disse o ômega, e suspirou. — Nem todos são leais de verdade, só estão atrás de bens e poder.
Jungkook exibiu um meio sorriso.
— Acredite, eles deixariam seus interesses bem mais óbvios nas cartas se o Ômega de Prata não estivesse aqui — murmurou, e lançou uma piscadela para o garoto. — Mas governar sempre foi assim. O rei antes da Grande Rainha ameaçou os líderes sulistas para que se unissem numa corte só, e Wang Nara, em suas guerras imperialistas, terminou de unificar Adaman depois de subjugar o litoral. Meu papel hoje é manter a estabilidade que eles lutaram para conseguir. Não é novidade para mim encontrar exigências, mesmo neste tipo de situação onde todos podem ser afetados se algo der errado.
— São egoístas que não pensam no bem maior, então.
— São pessoas ambiciosas. — O rei deu de ombros e cruzou os braços. O vento frio balançou a capa rubra que cobria suas costas fortes e os cabelos negros recém-cortados pelo barbeiro real. — Não se enraiveça com isso, Jimin, está tudo bem. Lidarei com eles como sempre fiz.
— Hmpf! — Resmungando, o ômega jogou os braços no encosto da namoradeira, lançando para longe as cartas que havia lido. Algumas coisas vinham irritando-o com uma facilidade um pouco maior. Talvez a culpa estivesse na mesma coisa que agora o tornava uma bola de bilhar.
Entediado, começou a balançar os pés no ar. O silêncio daquele lugar nunca tinha sido tão irritante. Pela primeira vez sentiu falta da barulheira do outro mundo, das melodias das propagandas, das pessoas falando em conjunto, dos carros com buzinas altas. Ah... Ele sentia falta de música, e não do piar dos pássaros que de vez em quando vinham atormentá-lo, pousando nos chifres e insistindo em formar ninhos ali. Sentia falta de música de verdade, de um som frenético no volume máximo. Se não conseguia mover direito o corpo, ao menos sua mente chacoalharia pra valer sob o efeito de um bom heavy metal.
Então, em busca de qualquer distração possível, ele passou a se concentrar em seus pés que balançavam. Pareciam dois cotocos distantes, separados dele por uma montanha alta — sua barriga. Tentou alcançá-los, pois, de repente, sentiu vontade de coçar a área entre o dedão e a lateral do pé direito.
Falhou na primeira tentativa. Falhou na segunda também e quase girou o corpo em direção ao chão. Na terceira ele já estava absurdamente cansado.
— Jungkook... me ajuda, por favor — balbuciou baixinho, ainda com as mãos esticadas para frente.
Por causa da quietude estranha que se desenrolou em seguida, ele olhou para cima, para o alfa. Jungkook ainda estava encostado à coluna, mas sua atenção perdia-se em algum lugar. Havia uma leve tensão contraindo o ponto entre suas sobrancelhas.
— Jungkook? — Jimin chamou de novo, preocupado com o jeito distraído do outro rapaz.
O rei piscou e o encarou rapidamente, como se tivesse sido içado para fora de um pensamento.
— Ah, desculpe-me, eu... — Ele andou até Jimin e se sentou ao seu lado na namoradeira. — O que houve, meu amor?
— Não consigo coçar o meu pé — explicou o ômega, suas bochechas enrubesceram. — Não consigo alcançar nada. Sinto que vou explodir. Se você me empurrar numa ladeira, eu vou sair rolando. Estou falando muito sério.
Jungkook desatou a rir alto, o cenho levemente contraído sumindo completamente de seu rosto.
— Então permita-me. — Ele se inclinou, pegou os dois pés de Jimin e começou a dedilhá-los.
— E-espera aí! Não! Haha! Não! — As cócegas atingiram o garoto, que passou a ter espasmos e a soltar risos nervosos. Ele se debateu sob as mãos do rei. — Jeon Jungkook, eu vou acabar com você! Haha! Tempo! Tempo! Para, por favor! — Segurou o rosto do alfa com as duas mãos até que as cócegas finalmente fossem interrompidas.
Jimin ofegou, sorrindo, e Jungkook piscou para ele, para os lábios dele. Beijou-lhe o beiço inferior, chupando-o vagarosamente. O ômega foi completamente pego de surpresa.
— Uau. — Suspirou. — Eu realmente quero saber onde você aprendeu a fazer esse tipo de coisa.
— Você... Minha imaginação extrapola alguns limites quando olho para você. Para a sua boca — murmurou, e Jimin quase conseguiu ver um brilho vermelho tingir as íris negras dele. Um segundo depois, contudo, o que ficou rubro foi o rosto de Jungkook, envergonhado por ter dito tais palavras.
Jimin riu dele e de seu jeito meigo e recatado que sempre entrava em conflito com o lado mais afoito. Se não fosse pela cicatriz rosada cortando a região esquerda do rosto, o rei, naquele curto instante, poderia se passar por um pequeno rapaz inocente. Um garotinho de olhos grandes e sorriso gentil.
Mas, mesmo encantado, Jimin não se deixou esquecer das sobrancelhas que antes estavam franzidas, denunciando uma preocupação que enlaçava a mente do outro rapaz.
— O que você estava olhando antes? — perguntou, cruzando olhares com ele.
Jungkook abaixou o rosto e fechou a boca, depois voltou a observar o horizonte além da varanda.
— A Matriarca Min. — Os olhos dele pararam num ponto loiro e curvado no meio do jardim congelado. A idosa do clã Min, avó de Min Yoongi, estava sentada num banco entre dois arbustos brancos de neve. Havia companhia ao redor dela, servos e familiares do mesmo clã, mas sua atenção perdia-se em algum lugar.
A tristeza em seu rosto era palpável.
Afinal, tinha visto a filha e o neto morrerem um atrás do outro sem nunca ter recebido justiça em troca. Sua cegueira provavelmente a poupou de testemunhar as imagens horríveis, mas os sentimentos... O luto nunca pararia de vestí-la.
— Eu sinto que preciso fazer algo por ela. Por eles. — "Pelo clã Min", era o que ele tentava dizer. — Não algo material. Não há nenhum bem que possa... compensar, entende?
— Entendo sim. — Jimin encostou a lateral do rosto no ombro dele. — Mas espero que seja por compaixão, e não por algum sentimento de culpa sem sentido.
— Seria ruim se fosse a segunda opção?
— Sim. Já discutimos isso, senhor Jungkook... — O garoto o empurrou.
O alfa exibiu um pequeno sorriso.
— Não é por culpa, e não é apenas por compaixão. É que existe uma rixa entre eles e nós do clã Jeon. Meu irmão e eu éramos um tipo de esperança para que isso acabasse no futuro. A avó dele... no passado, eu desejei que ela também me aceitasse como um neto. Com exceção de Jeon Joonwook, todos os meus avós morreram antes de minha primeira noite luar, e, sinceramente, não consigo pensar naquele homem como um parente de verdade.
— Ele te tratava mal? — Jimin sentiu algo ferver dentro de si com a simples ideia.
— Na verdade, não. Ele me tratava como se eu fosse um tipo de prêmio. — Jungkook voltou a olhar para o garoto. — Eu sei que é contraditório tudo o que estou lhe dizendo.
— Não, não é. Eu saquei tudo.
— "Saquei"? — O sorriso voltou ao rosto do rei. Ele sempre se divertia com o vocabulário inusitado do ômega.
— É. Saquei bem sacado.
— Saquei bem sacado, hm... — Jungkook cruzou os braços e deitou a cabeça no ombro de Jimin. Após um longo minuto em silêncio, ele suspirou e disse: — Você está entediado.
— Ah, deu pra notar?
— Eu consigo sentir.
— Sério? — O ômega encostou a cabeça na do outro. — É... Eu queria ouvir música. Minhas músicas.
— Aquelas que você tinha no início, quando nos conhecemos?
— Isso aí.
Mais um instante de silêncio se passou.
— Lembro-me de uma. Daquela que você considerou como sua preferida... Lembro-me do ritmo.
— 'Tá falando de Send Me An Angel? — Os olhos vermelhos de Jimin brilharam.
Jungkook acenou, confirmando. Em seguida, ele limpou a garganta e começou a cantarolar num ritmo parecido com a canção. Não havia letra de música, apenas notas combinadas e transformadas pela sua voz suave e bonita. Park Jimin ficou deslumbrado, ele sentiu o peito se rechear e o coração pulsar com alegria, gratidão e paixão, e absorveu cada som entoado pelo outro até que tudo voltasse à quietude de antes.
Nessa hora, porém, Choi Yoojung surgiu na varanda sendo acompanhada por um grupo de nobres. Todos carregavam feições tensas.
— Vossa Magnificência. Vossa Majestade. — cumprimentaram o casal com reverências céleres.
— Aconteceu alguma coisa? — Jimin reparou na urgência contida no olhar azul da Matriarca Choi.
— Um corvo chegou da fronteira, um dos mais rápidos, e trouxe uma mensagem do General Kim Namjoon. A corte os aguarda no salão do trono — disse ela, unindo as mãos na frente do espartilho cheio de safiras e laços.
Jimin e Jungkook trocaram um olhar, antes de seguirem o grupo no ritmo do ômega.
Chegando ao salão, o domador de pássaros real entregou a carta a Jungkook, um pequeno rolo de papel que cabia dentro de um reservatório minúsculo preso às patas dos animais. O corvo pousado no ombro dele flutuou até Jimin assim que o viu, como se o garoto fosse um ímã.
Antes mesmo de o rei tirar o selo do rolo e ler as primeiras palavras de Kim Namjoon, Jimin sentiu uma inquietude no pássaro negro, como se houvesse um véu de fumaça ao redor dele. A sombra de algo que vivenciara, talvez.
O som do papel sendo aberto ao seu lado foi o prelúdio do desenrolar de um silêncio profundo e pesado. De soslaio, o ômega viu a face do alfa empalidecer e seus olhos se afundarem numa escuridão perturbadora. A mão dele tremeu e sua garganta hesitou ao engolir em seco. Havia uma profusão de horror, tristeza, incredulidade e raiva queimando nos feromônios de Sua Majestade. O ar estava tão denso ao redor dele que Jimin o chamou o mais suavemente que conseguiu, não por medo, mas para evitar que algo explodisse ali.
— Meu amor?
— As Fortalezas de Pedra caíram sob as mãos de Eliah. O clã Jeon foi... massacrado.
Um coro de perplexidade varreu o salão. Os olhares dos membros da corte encararam o rei com assombro e indagação. Jimin sentiu a boca ficar seca.
Um clã inteiro dizimado... A mãe de Jungkook também estava incluída? O peito do ômega se apertou.
— Jeon Sirah conseguiu escapar. Foi ela quem relatou o acontecimento ao General. Todos os outros lobos noturnos... — O rei paralisou-se como uma estátua. Pela maneira como ele transmitia a mensagem, Jimin teve a impressão de que a reação dele não condizia totalmente. Sua tristeza era aparente, e a ira pulsava por trás do olhar sombrio, mas havia uma hesitação, uma dúvida sobre a face dele.
Descobriu a causa disso quando o viu se virar na direção do canto do salão e encarar Jung Hoseok, que também estava ali como membro da corte. O alquimista notou o olhar que lhe era dirigido e ficou tenso.
— De acordo com Kim Namjoon, Sirah insiste que quem lidera as tropas de Eliah é o príncipe Min Yoongi. "Ele retornou como um usurpador", são as palavras escritas neste pergaminho.
Murmúrios de revolta e incredulidade ressoaram de imediato. Risadas cheias de escárnio e zombarias às palavras da Comandante encheram o salão.
— Ela nos toma como tolos!
— O que está acontecendo aqui? Querem que nos voltemos contra o clã Min?
— Que sacrilégio à imagem do falecido príncipe!
No meio da reação caótica, o alquimista se manteve quieto e calado. Tremendo. Ele sustentou o olhar do rei e lançou para ele um sinal silencioso, uma sugestão que o apavorava. Em seguida, saiu em disparada para fora do recinto.
— Espere-me aqui — disse Jungkook a Jimin, apertando rapidamente o ombro dele antes de seguir Hoseok pelo perímetro do castelo. Algumas pessoas também os acompanharam, curiosas.
Do lado de fora, Hoseok se metamorfoseou em lobo para acelerar sua corrida. Cortou o pátio principal e rodeou o castelo até alcançar a área mais afastada, e também mais evitada: O cemitério real. Praticamente arrombou os portões quando chegou lá e quase foi barrado pela vigilância se a guarda do castelo não tivesse visto Jeon Jungkook vindo logo atrás dele.
O alquimista só parou quando ficou diante do túmulo de Min Yoongi. A face do príncipe esculpida na lápide o encarava como se julgasse os seus pensamentos.
Ele voltou à forma humana.
— No segundo dia da cerimônia de enterro dele, eu reparei num detalhe... — murmurou quando Jungkook o alcançou. — Na noite antes daquele dia, uma nevasca havia caído. Tudo estava coberto de neve pela manhã, exceto a cova do Yoongi. E-eu ouvi os coveiros comentando sobre não terem limpado o gelo e que aquilo era estranho. Alguém poderia ter vindo no meio da noite e... mexido? — Sua garganta queimou com um nó.
O rei escutou a sugestão do alquimista com o rosto pálido como a morte.
Ele se virou para os guardas ali perto e proferiu uma ordem:
— Ajudem-me a tirar a lápide.
Exclamações foram ouvidas alguns metros atrás deles, dos nobres que os seguiram até ali. Jung Hoseok teve uma reação quase igual. Ele sentia o gosto da bile em sua boca.
— Majestade — balbuciou com a voz tremendo.
— Sua análise de antes teve sentido. Além disso, uma alegação desse tipo enviada pelo General Kim e feita pela Comandante de meu clã deve ser minuciosamente verificada, alquimista Jung. É algo sério demais... Se um homem apareceu carregando a face e o nome de meu irmão, então precisarei de provas e de todos os testemunhos possíveis para evitar qualquer questionamento futuro e qualquer conflito político... — Jungkook parou de falar abruptamente quando os guardas se posicionaram ao redor da lápide e começaram a arrastar a escultura de mármore para o lado. O peso do que iria fazer começou a atormentar sua alma. — Vamos logo com isso.
Ele colocou as mãos na lápide e ofereceu sua força para o trabalho. Hoseok assistiu a tudo como um enfermo anestesiado.
Depois de o mármore superficial ser completamente tirado, restando apenas a cova cheia de terra úmida, Jungkook se transformou num lupino e passou a cavar. Os soldados o acompanharam, depois foi Hoseok. Que aquela loucura acabasse o mais rápido possível. Que a mensagem trazida pelo corvo se provasse infundada. Que...
Mas e se fosse real? E se Min Yoongi, de alguma forma, realmente estivesse vivo e vagando por aí?
Min Yoongi vivo, porém, como um traidor.
Não. Poderia ser um engano. A Comandante Sirah deve ter interpretado errado a situação. Talvez o príncipe estivesse lá, no meio do massacre, por algum motivo diferente. Tinha que ser isso.
"Por favor", pedia Hoseok, jogando a terra da cova para trás, aumentando o buraco um pouco mais a cada segundo.
Até que eles bateram na tampa do caixão.
O rei e o alquimista deram um passo para trás, oferecendo espaço aos guardas que já puxavam o arquete de madeira para cima. Jungkook notou, pela forma como eles moveram o objeto, que aquilo estava mais leve do que deveria ser.
Com o coração pulsando enlouquecido dentro de seu peito, ele rompeu a tranca da tampa com um chute e a abriu de supetão.
— Pelos deuses. — Escutou Jung Hoseok murmurar e cair de joelhos no chão.
Teria feito o mesmo, ele não sabia como ainda se portava em pé, pois o caixão estava vazio.
~♛🌕🌖♛🌘🌑♛~
#LoboDePrata
Não se esqueça de ⭐VOTAR⭐ antes de ir para o próximo cap!
Então temos um suposto fim do clã Jeon, e a mãe do Jungkook foi com Deus. Agora o conflito entre as famílias alcançou um patamar impossível de ser ignorado. O caos foi instalado...
Vocês entenderam tudinho sobre o lance entre o clã Min e o clã Jeon? A história da Consorte Haerin e os problemas dela que envolvem o Yoongi? Compreenderam os sentimentos de todo mundo? Espero que sim, aaaaaa
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