|15|♛|Desertores do Sul|
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♛|Desertores do Sul|♛
Para o meu Ômega de Prata,
Sinto sua falta. Sinto tanto que, perdão pelo aparente exagero, dilacera-me.
Perdi as contas de quantas vezes toquei suas cartas e reli as palavras escritas nelas. Tentei mantê-las guardadas numa caixa para que o seu aroma não sumisse, mas, para a minha completa frustração, ele já evaporou no ar igual a água que fervilha e se eleva aos céus nos meses de verão.
Já se passou tanto tempo desde a última vez em que nos vimos...
Eu não queria ocupar o espaço de uma carta com informações que provavelmente irão angustiá-lo, mas prometi sinceridade e dedicação a você, pois sei que lhe devo. A consorte Jeon Haerin foi correta ao avisar sobre as consequências que o vínculo carrega, e, neste momento, eu posso estar sentindo na pele algumas delas.
Mas não tome sua mente com esse fato, pois estou assegurando o controle de minha situação. Preocupe-se apenas consigo e com ele. Ou ela. Tanto faz, amarei de qualquer maneira... Manterei o meu corpo forte para que você possa sentir que estou sendo honesto em minhas palavras, então, por favor, deixe-me senti-lo assim também.
E não tenha pensamentos tão absurdos, Park Jimin! Você irreconhecível para mim? Nunca li tanta bobagem, meu bem. Estou certo de que eu o reconheceria em qualquer lugar, e de todas as formas possíveis.
Porém, que bom que trouxe esse assunto à tona, pois agora passarei minhas noites imaginando-o redondo como um balão de ar quente. Deve ser uma visão extremamente adorável.
Agora tenho uma razão para sorrir antes de me deitar nesta maldita tenda militar, isto é, nas raras noites em que posso descansar.
E sobre esse tema, você já está ciente do cerco em Gwang, então serei breve em minhas divagações.
Eu já contava com a rápida retomada das áreas ao redor da cidadela pelas minhas tropas. Nossos números superaram os eliahnos em milhares e, além do mais, tínhamos a vantagem do terreno. Fomos céleres e concisos. Seria uma batalha de poucos dias se eles não tivessem ousado tomar as fortalezas principais de Gwang, como mariscos se escondendo em conchas roubadas.
No entanto, tenho a estranha impressão de que eles já esperavam por isso, porém não no sentido estratégico de uma batalha. Imagino que isto esteja soando confuso, mas explicar algo que aflora em nossos instintos é sempre difícil, não concorda comigo?
Enfim.
Encerrarei esta carta por aqui, esperando que ela seja a última antes do nosso reencontro. Pensar nisso me oferece energia para vestir aquela malha de aço desconfortável e ir à luta com tudo o que tenho.
Por favor, permaneça saudável, senão enlouquecerei aqui.
Com amor,
Jeon Jungkook, seu e unicamente seu.
🌕🌖♛🌘🌑
Cidadela de Gwang. Sul de Adaman
Gwang, assim como a capital do reino, era rodeada por um imenso muro circular recheado de torres de vigia que escondiam soldados prontos para lidarem com uma invasão. Anexado a ele, jaziam três fortalezas imensas que, em outros tempos, tanto eram responsáveis pela principal proteção da cidadela, quanto pelo recebimento de mercadorias e depósito de alimentos.
Essas fortalezas eram os locais mais seguros de toda Gwang, e, desde os tempos do rei Jeon Siwoo, o clã Lee se responsabilizava pela sua administração. A lealdade deles para com a coroa sempre se mostrou incontestável, no entanto, enquanto analisava o mapa da cidadela sobre a mesa rústica junto aos comandantes e líderes militares, Jeon Jungkook soube que algo não fazia sentido.
— O patriarca Lee Chunhee retornou para sua fortaleza aqui, em Gwang, pouco tempo após a noite luar de Sua Majestade. Sendo assim, se levarmos em conta a data do início da invasão de Eliah, não há chances de ele ter sido capturado enquanto vinha para o Sul. — Kim Namjoon traçava um caminho pelo mapa com a ponta do dedo enluvado pela malha de aço da armadura. — Os membros principais dos Lee já estavam dentro das muralhas quando tudo começou. E ainda assim não recebemos nenhuma notícia, nenhum pedido de ajuda, mesmo agora com suas fortalezas tomadas. Eles estão estranhamente silenciosos.
— A sugestão nas palavras do General Kim é deveras perigosa. — Wang Jena andou ao redor do mapa com uma carranca em seu rosto alongado. — Estamos acusando de deserção o líder de um clã imenso. Além disso, não vos esqueçais que o meu filho, Wang Jiaer, veio para Gwang com a intenção de se unir matrimonialmente com o primogênito Lee. Nossas famílias agora estão intimamente ligadas..., mas Jiaer não fugiria de suas responsabilidades para com a coroa. Algo deve estar acontecendo dentro daquelas fortalezas, ou ele definitivamente teria nos relatado tudo.
— A confiança de uma mãe para com o seu filho é absoluta... — disse um dos estrategistas presentes, com leve tom de sarcasmo.
Wang Jena se enfureceu e bateu o punho no mapa, afundando alguns milímetros da superfície de madeira.
— Ousa contestar a lealdade de meu herdeiro?
— Matriarca Wang... O seu filho pode ter sido influenciado pelo ômega Lee Yan e pelo sogro.
— Wang Jiaer jamais, jamais, daria as costas ao seu dever. Consigo vê-lo capturando o filho do patriarca Lee para fugir de alguma artimanha, ao invés de oferecer as mãos a um traidor.
— Ainda não definimos que Lee Chunhee é um desertor. Ele e sua família podem estar sendo mantidos como reféns há meses... Ou podem ter sido assassinados, assim como aqueles camponeses que encontramos quando chegamos aqui — sugeriu outro líder militar, fazendo todos os demais se remexerem em desconforto.
Assim que o exército de Adaman varreu as tropas inimigas que estavam espalhadas ao redor da cidadela, e os forçou a se esconder nas fortalezas anexadas à muralha, o Conselho de Guerra pôde ter o vislumbre do estrago que Eliah havia causado naquelas terras.
Milhares de cidadãos mortos, corpos de plebeus e de nobres espalhados pelos quatro cantos de Gwang, alguns já putrefatos, outros ainda conservados pela neve que caía do céu frio.
Dentre todas as faces repletas de ódio e lástima que observavam o resultado da chacina, aquela que mais se destacava era a do rei de Adaman.
Olhar para fileiras de súditos inocentes que foram mortos sem terem a menor chance de serem defendidos... Onde Jeon Jungkook estava quando toda aquela tragédia aconteceu? Ele mesmo se perguntava isso, e se culpava amargamente.
Jungkook se culpava também por não ser capaz o bastante para desvendar o grande mistério que enfrentavam.
Sentado diante de uma das extremidades da mesa, com um braço dobrado sobre o apoio da cadeira enquanto sua mão deslizava pela testa contraída e tensa, o soberano de Adaman tentava organizar mentalmente todas as informações que já acumulara.
— Não concordo com a ideia de o clã Lee ter dado as costas para mim, mas também não descartarei essa possibilidade, nem mesmo se isso envolver a lealdade de meu primo, Wang Jiaer. — Jungkook lançou um olhar afiado para a Matriarca Wang, que, para o próprio bem, se manteve quieta. — Questionar se há ou não reféns dentro das fortalezas, somada à falta de comunicação que temos com o interior de Gwang, é o que está nos mantendo nesse caminho sem fim. O cerco vem durando muitas luas, em breve os nossos suprimentos se tornarão escassos e a moral do exército entrará em declínio. Já esperei demais pela rendição do inimigo.
Jeon ergueu-se da cadeira e encarou o mapa do alto, sua capa vermelha farfalhando logo atrás, num sibilo imponente.
— Eu pretendia mobilizar um grupo de guerreiros numa missão secreta dentro de uma das fortalezas somente após descobrir como esses malditos conseguiram ultrapassar nossas fronteiras e chegaram em Gwang sem fazer alarde, mas os ômegas que enviei para verificar o extremo Sul de Adaman nunca retornaram. — Suas mãos coladas às costas agora se fechavam em punhos cerrados.
Ele encarou o General Kim de soslaio, tentando não denunciar o pesar que sentia através do olhar.
Lu Keran, junto a outros três ômegas, havia se voluntariado para analisar a situação da fronteira e retornar com explicações, ou até mesmo com ajuda militar. Mas já se passara um mês desde então e nem mesmo um corvo mensageiro sobrevoou o Sul.
Hipóteses foram levantadas sobre o sumiço do pequeno grupo, dentre elas aquela em que todos haviam sido capturados e mortos.
A falta de comunicação era como enfrentar o inferno, e Kim Namjoon, por mais que se portasse perfeitamente diante de todo o Conselho de Guerra, carregava dentro de si uma preocupação corrosiva.
E o rei sabia disso, sabia como o amigo e fiel general estava se segurando para não explodir.
Porém, eles não poderiam ficar de mãos atadas, mesmo diante de tal situação.
Então, com um suspiro, Jungkook prosseguiu em sua fala:
— Não há mais tempo. Quero enviar alguns soldados agora, esta noite.
— Majestade... — Kim Namjoon murmurou num ímpeto, mas não porque achava que o rei estava sendo imprudente de alguma forma, e sim porque era acostumado a sempre tentar trazê-lo de volta à razão quando os instintos dele o incitavam a fazer o oposto.
— Quero que os melhores guerreiros sejam selecionados. Deem preferências aos betas, que não são captados pelo cheiro. Eles terão que entrar furtivamente por baixo da muralha.
— Meu senhor, os túneis subterrâneos foram selados pelo inimigo. — Wang Jena o lembrou.
— Sim, os túneis que permitiam a entrada de vários soldados. Os de escoamento, contudo, permanecem abertos. Eles são estreitos e vigiados, mas pelo menos cinco guerreiros nossos podem atravessá-los no silêncio da madrugada. — Jungkook apontou para os desenhos no mapa que formavam os caminhos do subsolo de uma das fortalezas. A luva com garras metálicas roçou a mesa criando pequenas faíscas.
— Já tenho em mente os betas que cumprirão essa missão — disse o General Kim. Em seguida, ele olhou para os fundos da tenda do Conselho, buscando uma figura feminina e loira. — Min Miho irá liderar. Ela é excelente com adagas e arcos, além de ser uma espiã excepcional, muito silenciosa e rápida.
A jovem se apresentou com uma reverência, aceitando a convocação.
— Ótimo. — Jungkook voltou a juntar uma mão atrás do corpo. — Temos informações sobre as movimentações dos guardas eliahnos que protegem as fortalezas. Nosso grupo irá para os túneis durante a troca de vigias, quando a Lua estiver alta no céu. Quero que minhas legiões fiquem à postos para uma possível derrubada do cerco. Se Min Miho constatar que não há reféns, ela deverá sinalizar para nós. Nessa hora, eu irei aproveitar o elemento surpresa para derrubá-los de uma vez.
Os olhares dos estrategistas ao redor do mapa acenderam, aqueles que carregavam lobos dentro de si emanaram feromônios agressivos, prontificando-se para a batalha iminente.
Com um aceno do rei, a reunião cessou, e todos retornaram aos seus respectivos postos.
Do lado de fora da tenda do Conselho, Jungkook caminhava próximo a Kim Namjoon, os dois num silêncio incômodo.
O rei foi o primeiro a quebrar aquela quietude, ao colocar uma mão sobre o ombro do súdito mais fiel que tinha.
— Envie soldados alfas rastreadores atrás de Lu Keran e dos demais ômegas desaparecidos — sussurrou a ordem.
— Senhor... — Namjoon engoliu em seco e abaixou levemente a cabeça. A presença de cada soldado era necessária naquele momento, então enviar alguns dentre os mais habilidosos atrás de pessoas sumidas carregava um grande custo e risco.
Consciente desse fato, o semblante frio do General se quebrou em mil pedaços, revelando a tristeza por trás.
— Obrigado, Majestade.
— Não vamos pensar no pior. Mantenha sua mente esperançosa e equilibrada. Eu preciso que esteja comigo nesta luta.
O General concordou, balançando a cabeça.
— Teria sido ótimo se os deuses tivessem me vinculado a Lu Keran, assim eu o sentiria... — murmurou, e logo depois desviou o olhar constrangido.
Jeon exalou um suspiro profundo e disse:
— Aí seríamos dois alfas prestes a perder a cabeça.
— Senhor?
— Preciso me retirar... Descansar um pouco antes da batalha. — Despediu-se com um movimento de mão, e andou até a sua tenda pessoal sem parar durante o percurso.
Assim que atravessou as cortinas do portal, Jungkook buscou o encosto de uma poltrona para se apoiar, e o fez com os braços tremendo levemente.
Devagar, ele circulou o assento e arrastou o corpo até a cama no centro dos aposentos improvisados. Não hesitou antes de afundar entre os travesseiros.
Agora deitado de costas, encarando o teto de lona preta, ele respirou profundamente com uma mão sobre o peito pesado e tentou sentir o outro lado do fio que o ligava ao ômega.
Park Jimin, eu gostaria de ver o seu rosto, pensou.
Estava exausto. Acreditava que ainda poderia enfrentar um tigre, mas ele se sentia como uma rocha dura que se quebra assim que é acertada no ponto crítico de sua estrutura.
Muita força, zero resistência e mentalmente instável. Esse era o estado atual do rei de Adaman.
Olhou para a superfície da mesinha ao lado de sua cama e fitou as cartas de Park Jimin que ali estavam dispostas. Eram uma visão que lhe oferecia conforto, e o cheiro delas, mesmo que fraquíssimo, acalentava-o de alguma forma.
Com outro suspiro longo, Jungkook fechou os olhos e se entregou a um breve cochilo.
Esperava não ter sonhos, porque os seus momentos de descanso ultimamente vinham sendo sempre assim, vazios e rápidos. Entretanto, assim que suas pupilas absorveram a escuridão, ele jurou ter escutado uma voz. Um grito distante e abafado por uma neblina fantasmagórica.
Raposa. Raposa. Raposa.
O grito reverberou em ecos carregados de assombro, como se fossem espíritos amedrontados fazendo exclamações ao léu.
Jungkook recordou-se do dia em que Park Jimin havia lhe contado sobre as vozes que murmuravam em seus ouvidos. Os espíritos da natureza e suas peripécias.
Poderia ser algo como aquilo?
Se sim, por que eles estariam falando sobre raposas?
O jovem rei não pensou muito sobre isso, pois sua mente exausta estava ali apenas para recuperar as energias. Além disso, o sonho não perdurou, porque, minutos mais tarde, o alfa soube que precisava se reerguer e ir em direção ao seu dever.
Quando saiu da tenda, os betas que iriam invadir a fortaleza principal já estavam prontos e recebiam as últimas instruções de Kim Namjoon. Min Miho absorvia tudo com o seu olhar amarelo, tão semelhante ao do primo Min Yoongi.
E de novo Jungkook sentia falta de casa.
— Estamos prontos? — questionou ao seu general.
— Sim, Majestade — o outro alfa respondeu.
🌕🌖♛🌘🌑
Miho era astuta como uma felina. Com uma adaga em mãos e a respiração presa, a única coisa que poderia provar a sua presença dentro do túnel de escoamento da maior fortaleza de Gwang era a sua sombra.
Os betas que a seguiam tentavam ser tão silenciosos quanto a líder.
No final do túnel, Miho analisou o interior da fortaleza em busca de soldados inimigos, mas se deparou com uma escuridão profunda, a qual era maculada por somente algumas pequenas tochas acesas que estavam espalhadas pelas paredes do subsolo fétido, deixando as sombras reinarem por ali.
Ela sabia que estaria em desvantagem se entrasse em combate com um alfa ou ômega escondido dentro da escuridão, porque os lupinos tinham capacidades sensitivas que eram muito mais aguçadas do que as de uma beta comum. Sendo assim, Miho só deu um passo para fora do túnel quando teve absoluta certeza de que o caminho estava livre.
Seu objetivo ali não era enfrentar os eliahnos invasores. Pelo menos não a princípio. Por isso sua passagem por aquela fortaleza deveria ser célere e imperceptível.
Durante a travessia pelo subsolo, o pequeno grupo não se deparou com nenhum guarda. Miho achou estranho, mas ela tentou levar em conta o fato de que estavam ali durante a troca de vigias. Talvez a sorte estivesse a seu favor.
Eles alcançaram a primeira escadaria minutos depois. Armados até os dentes, subiram os degraus tomando cuidado para não produzir nenhum som de pisadas, mantendo os ouvidos alertas para captarem qualquer movimentação andar acima.
No entanto, não houve nada.
No topo da escadaria, Miho sentiu outra onda de receio e confusão atravessando suas veias. Estava estranhamente quieto e deserto. Nenhum soldado à vista, nenhum barulho que pudesse denunciar a presença de humanos naquele lugar.
Ainda atônita, e sabendo que deveria prosseguir com o plano, a soldado se lembrou das informações sobre a estrutura da torre que havia recebido de seu general, e tentou se localizar.
Ainda estamos no subsolo, concluiu mentalmente após analisar o cheiro do lugar e a corrente de ar que passava por ali. Mais adiante há prisões, logo acima de nós provavelmente existe uma cozinha ou um depósito, continuou pensando no mapa que havia visto na tenda do Conselho de Guerra do rei.
— Vamos nos dividir a partir daqui — sussurrou tão baixo que sua voz poderia ser confundida com o gemido de um rato saído dos esgotos.
Cada beta foi para um lado diferente, em busca de reféns e de informações sobre a organização de Eliah dentro da fortaleza.
Miho escolheu ir para os andares superiores, que eram mais expostos e arriscados. Ela era a melhor escolha para realizar essa parte do trabalho.
Após subir outros lances de escadas, a soldado finalmente avistou a primeira fileira de soldados eliahnos, todos usando o uniforme inimigo dos pés à cabeça, com os elmos escondendo suas faces. Miho imaginou que aquele detalhe das roupas limitava seus campos de visão, e constatou essa teoria quando passou por detrás de um deles para correr até um corredor distante.
Continuou atravessando corredores vazios e escuros até chegar numa ponte que ligava um lado da fortaleza a outra. A beta sabia que seria loucura atravessar aquilo, pois poderia haver soldados com arcos e flechas guardando a passagem suspensa, escondidos pelas sombras dos telhados da torre, então decidiu buscar outro caminho.
Até que avistou, pela beirada da mureta de proteção, uma dezena de pessoas caminhando no andar abaixo dela.
Os olhos de Miho se arregalaram quando ela se deu conta de que, entre os inimigos de armadura, estava Lee Chunhee, o patriarca do clã Lee.
Ele não estava acorrentado e andava livremente com os demais. Ainda que seu rosto carregasse um semblante estranhamente inexpressivo, e que seus passos estivessem milimetricamente coordenados com os passos dos indivíduos ao seu redor, nada indicava que Lee Chunhee era refém de Eliah.
Então o clã Lee realmente nos traiu?, pensou a soldado, engolindo em seco.
Preciso avisar ao rei.
Deu as costas e correu, indo atrás de outro lance de escadas. Seu intuito era chegar a um ponto alto da fortaleza para acender um dos sinalizadores que carregava em seu cinto. Com os fogos explodindo no céu, o exército de Adaman entraria sem hesitar, e os companheiros de Miho procurariam por ela para se reunirem.
Contudo, na metade do caminho ela se deparou com um obstáculo perturbador. Um amontoado de corpos em estado de decomposição.
Deviam estar ali há dias, jogados como se fossem nada, como se um dia não tivessem sido pessoas.
Mas o mais estranho era que os corpos estavam vestidos com as roupas do exército de Eliah. Não havia nenhum soldado adamantino entre os mortos, nenhum carregando o emblema da coroa.
Não seria esquisito se o inimigo simplesmente desse as costas aos mortos de Adaman, mas Eliah parecia ter descartado seus próprios defuntos como lixo. Além disso, se tivesse havido um confronto ali dentro para que resultasse naquela quantidade de mortos, ao menos um soldado de Adaman deveria estar jogado entre os corpos putrefatos.
Tudo ficou ainda mais absurdo quando Miho encarou a face sem elmo de um morto.
— Tio Hyun? — disse, sem fôlego, reconhecendo as feições do rosto sem vida.
Não, aquele homem não era um soldado de Eliah e jamais poderia ter sido. Miho sabia que Min Hyun era leal à coroa como um fanático era leal aos deuses.
Seu tio havia se deslocado das terras do clã Min para ajudar com a proteção da cidadela de Gwang anos atrás. Ele deveria estar ali para salvaguardar as fortalezas e a muralha. Ele deveria ter lutado em nome do rei, pois o contrário simplesmente não fazia sentido.
Por que o tio de Miho estaria usando a armadura do reino inimigo? Por que seu corpo fazia parte daquele sinistro amontoado fúnebre de eliahnos?
Mas e se não fossem soldados de Eliah?
Ela se lembrou da cena que acabara de ver, onde Lee Chunhee caminhava ao lado dos guerreiros inimigos. A forma como aquele grupo se deslocava era estranha. Nada parecia se encaixar. Uma peça muito importante estava faltando, pois sua intuição gritava.
E gritou mais uma vez um segundo antes de ouvir o tilintar de metal em suas costas. Miho se virou com uma adaga em mãos e impediu que uma espada lhe cortasse ao meio.
Ela desviou mais uma vez, agora de outra espada, esta vinda de uma direção diferente. Após dar dois saltos para trás, saindo da zona crítica, Miho percebeu que havia ganhado dois oponentes. Dois guerreiros de Eliah erguiam suas lâminas afiadas para ela, e se posicionavam para atacá-la mais uma vez.
Num movimento sincronizado, eles giraram as espadas e tentaram acertá-la pelos dois lados, impedindo-a de fazer um desvio normal. Miho, no entanto, era ágil e estava acostumada a lidar com mais de um oponente. Sendo assim, ela saltou no ar acima deles e aproveitou o impulso para chutá-los. Os dois cambalearam para trás.
A beta não parou.
De volta ao chão, ela usou as pernas para girar e acertar os tornozelos dos inimigos, desequilibrando-os. O soldado mais esguio caiu com tudo no chão e soltou a espada por alguns segundos, tempo suficiente para que Miho a roubasse dele e se dirigisse ao próximo golpe.
Porém, o outro soldado entrou no meio da briga, como se estivesse tentando defender o aliado, e começou a golpear Miho num ritmo acelerado.
A garota logo percebeu que aquele indivíduo era um alfa, devido a força descomunal que ele depositava em cada investida com a lâmina.
Sendo assim, numa luta corporal, ela não teria chances. Precisaria utilizar a inteligência para vencê-lo.
Deu um salto para trás desviando de outro golpe, e usou uma acrobacia para distrair os sentidos do inimigo. Nestes entrementes, Miho lançou suas adagas na direção dele, esperando que uma delas conseguisse atravessar o buracos do elmo.
A primeira acertou o topo do elmo, criando um pequeno furo no metal. A segunda voou direto no olho direito do soldado, perfurando não só o globo ocular como também o crânio e o cérebro.
Sangue espirrou para todos os lados antes de ele cair morto no chão.
Miho suspirou fundo, engolindo em seco enquanto tentava ignorar o fato de que tinha acabado de assassinar alguém, e se preparou para lutar contra o outro soldado.
Não esperava que ele de repente paralisasse diante do corpo do aliado morto e começasse a gritar um grito cheio de dor. Seu corpo passou a se contorcer com suas mãos arranhando a garganta, como se ele estivesse lutando contra si mesmo.
Em determinado momento, o soldado arrancou fora o elmo de sua cabeça e se jogou sobre o alfa derrotado.
— Jiaer! Jiaer, meu amor! — Ele chorava, e seu choro alto estava tomado pela tristeza.
— Jiaer...? Wang Jiaer? — Miho arregalou os olhos com assombro e compreensão. Aquele com quem havia lutado não era ninguém menos do que o primogênito da Matriarca Wang.
E aquele chorando em seu leito de morte com certeza era Lee Yan, o filho do Patriarca Lee. Min Miho o reconheceu assim que viu sua face.
— Por que deram as costas ao seu rei? Como ousam vestir a armadura do inimigo que lastimou inúmeros cidadãos de Adaman!? — Ela apontou a espada para Yan, que ainda tremia e chorava ruidosamente.
— Não fi-fizemos — disse Yan, sua voz tremendo. — Não demos as co-costas! E-eu não controlo isso. Jiaer também não, e-ele era inocente!
Miho franziu o cenho e sua face adquiriu um semblante de incredulidade.
Pretendia falar sobre o quão ridículo a fala dele soava, no entanto, logo em seguida, ela viu um vulto atravessar o final daquele corredor escuro. Parecia ser um pequeno animal e havia uma névoa alaranjada ao seu redor.
Ficou tão intrigada com aquele ser místico que não viu quando Lee Yan se ergueu do chão e, com a espada de Wang Jiaer, cortou fora o braço esquerdo da soldado. Os olhos do rapaz agora estavam secos e ébrios, seduzidos por uma névoa de magia dourada.
Agonizando de dor, Miho percebeu que precisava sair dali. Ela precisava se salvar e avisar a todos sobre o que havia acontecido, por isso correu o mais rápido que foi capaz. No entanto, o braço amputado jorrava muito sangue e a enfraquecia cada vez mais. A soldado sabia que, naquele estado, não iria conseguir retornar sozinha aos túneis de escoamento assim como ditava o plano, caso um dos betas daquela missão precisasse informar algo urgente ao rei.
Ela precisava de seus aliados, e só havia uma única forma de reuni-los naquelas circunstâncias.
Assim que chegou a uma varanda com vista para o céu limpo, a soldado acendeu um sinalizador com o fogo das tochas nas paredes e esperou pela explosão. Enquanto amarrava um pedaço rasgado de sua camisa ao redor do membro cortado para conter a hemorragia, a noite se enchia de luzes piscantes e barulhentas.
Um segundo depois, Miho ouviu os uivos e gritos do exército do rei.
O cerco estava prestes a cair, e Lee Yan se aproximava para lutar num segundo round.
🌕🌖♛🌘🌑
Uma hora.
Em uma hora, todos os túneis de escoamento foram tomados por soldados de Adaman. A batalha se iniciou bem ali, no subsolo da muralha, debaixo do chão das fortalezas.
Aqueles poucos que conseguiram ultrapassar a passagem estreita e a barreira de inimigos, subiram até as torres de vigia e iniciaram um combate contra os eliahnos que mantinham a primeira defesa do cerco.
Sangue manchou as muretas de segurança do alto, e se mesclou aos armamentos destruídos. Balestras e catapultas, todos vieram a baixo um a um, à medida que mais soldados de Adaman escalavam até o topo das torres e da muralha.
Sem esse grande obstáculo, os portões que separavam a parte interna de Gwang da externa ficaram desprotegidos.
Quando eles cederam, os alfas foram os primeiros a entrar para a tomada das fortalezas. Guerreiros betas e ômegas vieram logo atrás, aqueles cuidando da retaguarda e estes se posicionando no alto para erradicar os arqueiros de Eliah e disparar flechas em inimigos no solo.
O sinalizador explodindo entre as nuvens logo acima de todos deveria ser a conclusão de que ali dentro não havia reféns, apenas oponentes e possíveis traidores da coroa. Portanto, o caminho estava livre para ser obliterado, sem hesitações.
Jeon Jungkook liderou as tropas para dentro da fortaleza principal enquanto o General Kim e a Matriarca Wang guiavam suas legiões até as outras duas torres fortificadas. Não demorou muito para que o som da carnificina reverberasse pelas paredes da cidadela.
Em sua forma lupina, o soberano de Adaman quebrou uma frente inimiga que estava organizada no interior da torre principal, abrindo passagem para seus soldados fortemente armados. Ele saltou para desviar das flechas que tentaram acertá-lo logo em seguida, e aproveitou para esmagar os oponentes que surgiram em seu caminho durante o desvio.
Jungkook libertou a fera que existia dentro de si e permitiu que ela e seus instintos coordenassem todas as suas ações, pois sabia que, se o seu eu racional tomasse as decisões, a sua mente iria se inclinar em direção à misericórdia e piedade. E não havia mais tempo para isso.
Com uivos ferozes, ele guiou seus homens pelas passagens da fortaleza. Os soldados betas de Adaman mal conseguiam ter um vislumbre de sua força diante do inimigo, pois a fera negra que ele era corria e atacava tão rápido quanto um piscar de olhos, feito um espectro cheio de garras e caninos afiados que estava ali para ceifar a alma de todos os seus alvos.
Influenciados por sua imponência, os guerreiros de Jeon Jungkook agiram implacáveis. Tomaram a base da torre em questão e poucas horas, e varreram o subsolo e os andares altos enquanto o Sol se erguia entre as montanhas do Leste. A situação das outras fortalezas era quase igual àquela em que o rei estava, o General Kim com sua liderança mais focada na estratégia calculada, e Wang Jena com sua influência fervilhante fundamentada no desejo de retaliação.
Quando a aurora reinou sobre Gwang, as bandeiras da coroa de Adaman já se viam reerguidas por todos os cantos, concretizando a vitória.
As tropas, cansadas e manchadas pelo sangue derramado, vibraram apenas porque sabiam que tinham cumprido o seu dever e que agora poderiam ir para casa.
Jeon Jungkook, contudo, encarou o campo de batalha com um olhar tenso, ainda sem sair de sua forma lupina.
Fácil.
Uma luta estranhamente fácil, principalmente depois de tudo o que havia presenciado. E ainda não havia respostas para explicar algumas de suas maiores questões.
Até que ele foi surpreendido por um grupo de betas que se aproximavam dele, cambaleantes. Jungkook os reconheceu rapidamente.
— Majestade — disseram em uníssono, com uma reverência trêmula. Eles fizeram parte do grupo que sinalizou para a entrada das tropas. Todos carregavam machucados em seus corpos e cortes que ainda sangravam.
A mais ferida dali era uma jovem beta loira que só estava em pé porque contava com a ajuda de um companheiro que emprestava seu próprio ombro como apoio.
— Min Miho? — Jeon olhou para ela, esperando uma explicação para o seu semblante tão alarmado.
— Senhor, eu pretendia encontrá-lo assim que entrou com suas tropas, mas fui atacada pelo filho do Patriarca Lee.
— Lee Yan realmente se virou contra uma guerreira de Adaman? — A decepção na voz do rei era palpável.
— Lee Yan, Wang Jiaer, Lee Chunhee... Todos eles estavam aqui quando chegamos, e todos já foram mortos durante a luta. Mas, Majestade, há um grande problema! — Miho tropeçou ao tentar se aproximar do rei. Ela parecia quase desesperada. — Além deles, eu também encontrei soldados leais de vossa corte entre as pilhas de corpos de Eliah, usando a armadura do inimigo. Meu tio, inclusive, estava entre os mortos. Min Hyun, recorda-se desse nome?
— Sim. — Jungkook jamais iria se esquecer do irmão mais velho de sua madrasta Min Hyuna. Um homem cheio de honra que sempre fora leal aos seus princípios, que sempre arcava com suas promessas. Havia sido o professor de luta do rei quando este ainda era um príncipe desengonçado e sem nenhum futuro grandioso; e lhe mostrou que, mesmo sendo um alfa incompleto, Jungkook ainda poderia ganhar uma luta contra qualquer um.
Alguém como o velho Hyun jamais o trairia.
— O que pretende sugerir, soldado Min? — perguntou o rei, inquieto. Ele retornou à forma humana logo em seguida, deixando imutável apenas o vermelho brilhante que pulsava em seus olhos
— Creio que eles não estão agindo por livre e espontânea vontade, Majestade. Quando me deparei com Wang Jiaer e Lee Yan, uma criatura mística apareceu! Creio que ela os influenciou o tempo inteiro. — Assim que falou isso, Miho percebeu os olhares incrédulos que as pessoas lançaram ao seu redor. Enfurecida, ela disparou: — Eu juro em nome de todos os deuses e de meu próprio nome que sei o que vi! Era uma raposa estranha e brilhante, fiquei tão surpresa que não reparei quando a lâmina de Lee Yan atravessou o meu braço!
O semblante do rei ficou sombrio.
— Uma raposa?
Ele se recordou do breve sonho que havia tido durante um cochilo na noite antes da batalha. As vozes gritando a palavra Raposa, como se carregassem consigo um aviso alarmado, ainda latejavam nas profundezas de sua mente.
Que diabos estava acontecendo, afinal?
— Discutirei sobre isso com os membros do Conselho de Guerra — disse ele, e então pôs uma mão firme sobre o ombro da soldado Min. — Sou grato pelo seu sacrifício. Procure rapidamente um dos curandeiros, não quero perder uma de minhas melhores lutadoras.
Num gesto de respeito e gratidão, Miho o reverenciou e saiu com os demais em busca dos curandeiros do exército.
Jungkook observou o grupo se afastar e depois analisou o perímetro, os sons ao seu redor e as bandeiras com o brasão da coroa que também tinham sido reerguidas nas outras fortalezas.
Wang Jena e Kim Namjoon virão me procurar em breve, ele concluiu. Ainda havia algumas coisas para serem resolvidas, debatidas e analisadas. A luta fora ganha, mas o problema não se resumia a Gwang.
Pensar nisso levou o jovem alfa a dar um suspiro longo e exausto.
Cansado, com os músculos pulsando debaixo da armadura prateada e o peito pesado por razões físicas e não-físicas, ele se sentou sobre um barril largado por ali, enfiou a espada no chão, entre suas pernas, e a utilizou como apoio para os braços e o tronco.
Precisava de apenas alguns minutos de quietude para recuperar as energias, ou pelo menos uma pequena parcela delas. Com a cabeça abaixada, ele viu a neve no chão sendo refletida pela sua armadura e pensou em prata. Por conseguinte, pensou naquele ômega que o aguardava em Adwan.
Pelos deuses, quando o verei de novo?, lamentou-se em pensamentos, pois ainda havia tanto a ser feito ali no Sul!
Xingou com dentes cerrados até ver o reflexo da neve ser substituído por uma figura alta que ele conhecia bem.
— Kim Namjoon, antes que você tente me aconselhar a parar de lutar nestas condições, saiba que eu... — Jungkook interrompeu a própria fala quando seu sexto sentido lupino o fez saltar para longe com a velocidade de um raio.
Quando voltou os olhos na direção do general, viu que ele tinha acabado de usar a própria espada para tentar decapitá-lo.
— Kim... Namjoon? O que está fazendo? — Jungkook franziu o cenho, confuso. Seu lobo interior afiava as garras diante daquela estranha sensação de ameaça.
Namjoon então girou a espada que empunhava e se virou na direção do rei, sem demonstrar nenhuma emoção aparente. Seu olhar natural era um castanho fervilhante, mas, naquele instante, parecia frio como o branco glacial que os envolvia.
— É um truque? Um jogo? Diga, homem, pare de agir como um insano... — A voz de Jungkook carregava um aviso.
A resposta, contudo, foi um silêncio perturbador por parte do General Kim. Ele nem mesmo parecia estar escutando o rapaz.
Suas ações seguintes, inclusive, foram ainda mais estranhas.
Namjoon se atirou contra o rei para tentar acertá-lo com a espada, sua técnica implacável quase resultou num corte perigoso em Jeon. O jovem alfa desviou no último segundo e correu para reaver a própria espada, que ainda se encontrava enfiada no chão ao lado do barril.
Conseguiu empunhá-la um pouco antes de se virar para impedir que o General o acertasse com outra investida.
— Kim Namjoon, enlouqueceu!? — exclamou com a mandíbula trincada, suas mãos equilibrando a espada para evitar que a do outro alfa o cortasse ao meio.
Ainda sem respostas. Ainda aquela fria expressão na face de Kim.
Foi então que o jovem rei percebeu o caos que havia eclodido nos arredores. Soldados da mesma frente aliada começaram a erguer as espadas e as adagas uns contra os outros. Amigos assassinando amigos, parceiros e amantes se matando sem nenhum remorso.
Todos pareciam imersos numa insana dança da morte.
E, de soslaio, Jeon Jungkook teve o vislumbre de uma pequena raposa dourada.
🌕🌖♛🌘🌑
Capital Adwan, do Reino de Adaman
Duas semanas depois
Já era a quinta vez que Park Jimin fazia e desfazia os nós das fibras comuns que havia pegado para praticar tecelagem. Ele nunca pensou que produzir um colar matrimonial fosse tão difícil. Não bastava simplesmente trançar alguns fios, era necessário também criar imagens, desenhos delicados e, ao mesmo tempo, tão resistentes que pudessem durar uma vida inteira.
Jimin era péssimo com esse tipo de coisa. Ele preferia mil vezes criar um explosivo que reluzisse no céu as palavras "Eu sou louquinho pelo rei de Adaman" a tecer um acessório sagrado, ainda mais naquele momento quando suas mãos pareciam rebeldes. Elas não queriam obedecê-lo, assim como outras partes de seu corpo.
Uma consequência do cansaço.
Estava pior, alguns níveis pior, como se o rapaz estivesse passando dias sem dormir. Mas dormir era só o que ele fazia, aconchegando-se no ninho enquanto abraçava Soobin, seu pequeno refúgio que cheirava a bolo de morango.
E assim como essa sensação melancólica crescia, o monte em sua barriga ganhava volume. Jimin estava começando a conseguir equilibrar pratos e copos em cima do ventre, e nem precisava mais de um apoiador quando ia ler um dos livros da biblioteca real — um dos poucos entretenimentos que ele ainda tinha por ali que não eram capazes de exaurir sua energia até a morte.
Às vezes também se pegava conversando com a própria barriga, debatendo sobre como os romances de Adaman estavam recheados de clichês saturados, ou como o inverno parecia nunca ter fim com tanta neve caindo do lado de fora do palácio. Em determinados momentos, Jimin sentia que era ouvido, pois algo lá dentro se agitava.
Nesses instantes, o garoto inconscientemente sorria.
Uma coisa, contudo, havia mudado desde o dia em que os clãs de Adaman vieram presenteá-lo pela gravidez. Suas atenções agora estavam presas a tudo que envolvesse raposas.
Ele leu todas as lendas, mitos e contos que encontrou sobre esses animais e escutou histórias das bocas dos servos do castelo, sempre atrás de alguma pista que pudesse explicar a inquietude dos espíritos em seus ouvidos enquanto gritavam a palavra Raposa.
No entanto, sua busca não foi bem sucedida, pois nada de errado encontrou entre rios de palavras, de figuras e de folclore popular. As raposas eram consideradas seres sagrados séculos atrás, mas, atualmente, na Adaman contemporânea, não passavam de animaizinhos que os fazendeiros donos de galinhas preferiam evitar. Jimin não se deparou com nenhuma profecia ou premonição ameaçadora que as envolvia. Devido a isso, ele não sabia se deveria agradecer ou ficar ainda mais receoso.
— Tente desfazer o nó de cima antes de puxar o de baixo, sor Park — sugeriu o príncipe Min Yoongi, que estava sentado numa poltrona ao lado da de Jimin, os dois diante de uma varanda fechada com portas de vidro os separando da chuva de neve congelante que caía lá fora.
Por conta da calmaria fria que se via em meio a capital do reino, era possível encontrar a jovem Alteza se entretendo com a tecelagem ao lado do cunhado.
Desde a partida do rei, todas as situações de ordem pública tinham sido resolvidas por Min Yoongi, e a segurança também havia passado por sua rígida análise.
Agora, com a quietude, ele fazia questão de dar apoio moral ao futuro esposo do irmão e também pai de seu sobrinho, e aproveitava a ocasião para secretamente produzir um colar matrimonial para Jung Hoseok com os poucos conhecimentos de tecelagem que havia adquirido da avó naquelas últimas semanas.
— Acho que eu nunca vou conseguir fazer um colar legal — murmurou Jimin, amargamente, com os olhos nas mãos ocupadas pelas fibras.
— Não desista assim. Lembre-se do que minha avó lhe disse sobre praticar... — disse Yoongi com um sorriso enquanto terminava a primeira parte do colar dele. Suas mãos longas e finas pareciam tão habilidosas com aquilo...
— Se continuar assim, o alquimista Jung vai gostar do seu. — O ômega analisou os nós dados pelo alfa com uma leve inveja, e então apoiou a cabeça sobre um punho fechado, lançando um risinho malicioso. — Está pensando em pedir a mão dele?
Os lábios de Yoongi abriram e fecharam, depois sorriram e então se comprimiram.
— É um desejo que tenho há muitos anos... — disse, por fim.
— Hm... — Jimin processou as palavras do outro jovem. — Acho que sei porque você só decidiu fazer isso agora.
A cura.
O príncipe sorriu e assentiu.
— Obrigado por ter me oferecido um futuro.
Jimin balançou a cabeça. Ele não queria que o agradecem e nem mesmo que se sentissem em dívida com ele.
— Você realmente está bem, certo? Depois de tanto tempo, espero que não tenha tido nenhum efeito colateral. — O garoto se sentia como um cientista que havia testado um remédio num cobaia.
— Não há nada de errado. Muito pelo contrário, sinto-me mais forte a cada novo dia. — A sinceridade na voz de Yoongi era palpável, e, mesmo se não fosse, seria possível ter a certeza de suas palavras através de uma olhada em seu corpo.
Naqueles poucos meses, o príncipe havia ganhado peso e músculos que agora moldavam o sobretudo real por causa de suas atividades de esgrima, hipismo e luta livre com soldados do castelo. Ele também crescera alguns centímetros e ficara mais belo do que já era.
Na estufa do palácio, Jung Hoseok vivia comentando com orgulho sobre a melhora da saúde do amado enquanto misturava as substâncias energéticas que Jimin andava bebendo para se manter menos insuportavelmente melancólico. O Alquimista Real às vezes se concentrava em descrever o sorriso do príncipe Min, que antes era tão forçado e sem cor, e que agora jorrava uma vivacidade resplandecente.
Essa alegria toda entre eles acabava sendo uma das poucas coisas que ainda arrancava sorrisos dos lábios de Park, além dos momentos em que passava com o menininho Soobin e das conversas cheias de fofocas da nobreza que tinha com Choi Yoojung.
Nas demais horas, Jimin simplesmente se trancava de tudo e ia ler para se distrair, ou desabava num sono profundo e atormentado. Se tentasse ficar acordado sem manter a mente ocupada, aquela dor retornava e todos os medos que ela carregava consigo também davam as caras.
Jeon Jungkook está demorando demais. Demais, ele pensava.
E o pior de tudo, dentre todas as coisas, é que, desde o grito dos espíritos sobre uma "raposa", o livro da irmã caçula de Jimin vinha sendo preenchido com parágrafos difusos demais para que fosse possível notar a ocorrência de algum evento estranho.
Antes, ele detalhava até mesmo os menores acontecimentos ao redor de Jungkook. Agora, o livro apenas citava de forma distante o que ocorria com o cerco em Gwang, sem descrever ações do rei e nem mesmo as consequências delas.
Tudo parecia muito confuso, e ficou ainda mais quando, dias atrás, Jimin assistiu ao momento em que o livro deixou de narrar a luta no Sul e passou a detalhar o dia a dia no castelo, em Adwan.
O que aquilo poderia significar? Será que algo importante para a história iria acontecer na capital do reino? Ou talvez Jungkook estivesse retornando e por isso as atenções estavam concentradas naquela área?
Muitas dúvidas martelavam na mente do garoto. Ele se sentia prestes a explodir.
E, enquanto pensava nisso, Jimin escutou passos atravessando o piso de mármore reluzente da saleta diante da varanda.
— O que estão fazendo? — O manto avermelhado do alquimista Jung farfalhou pelo ar, tornando sua entrada quase triunfal.
— Observando a nevasca entediante e mortalmente fria — respondeu o príncipe Min, enquanto escondia seu pequeno projeto de colar matrimonial dentro do sobretudo.
Aparentemente, ele queria manter aquilo em segredo por enquanto.
Jimin compreendeu e fingiu ser o único com fibras de árvores nas mãos.
— Eu estou lutando com esta coisa complicada. — O garoto soltou um suspiro, mais longo do que o comum.
Ele notou que, em breve, precisaria se retirar para o ninho, onde se embolaria debaixo das cobertas e tomaria um descanso conturbado.
— Entendo. — Jung Hoseok riu e andou ao redor das duas poltronas, antes de oferecer um frasco com um líquido suspeito a Park Jimin. — Seu tônico energético, Vossa Magnificência.
Eles ainda usavam o honorífico formal, como todos os demais de Adaman, mas agora numa frequência menor e num tom mais amigável que deixava Jimin confortável.
— Valeu. — Assim que agradeceu, o ômega ingeriu todo o conteúdo carregando uma careta no rosto.
O gosto do tônico não era um dos melhores. Parecia uma mistura estranha de café, mel, hortelã e outras coisas que Jimin não conseguia identificar.
— Muito bem... Agora Vossa Alteza está disposta a me dizer o que fazia até agora há pouco? — Hoseok ergueu uma sobrancelha para o alfa sentado na poltrona, e seus olhos encararam a curvatura não natural do sobretudo claro, esta provocada pelo objeto que fora escondido rapidamente.
— Eu já o disse, meu caro. Sor Park e eu apreciávamos a neve infinita — respondeu o príncipe, sem pestanejar.
— E por acaso a neve atravessou a janela de vidro e se acumulou debaixo das suas roupas, amor? — disse enquanto apontava para aquela elevação disforme com o queixo. — Se for assim, entrarei numa guerra contra o inverno e assassinarei cada floco de neve por terem encostado no meu parceiro.
O ar ficou subitamente quente, como se o clima frio de fato tivesse sido intimidado pela ameaça brincalhona de Jung Hoseok.
Pelo visto, às vezes o alquimista conseguia ser um ótimo paquerador. Nessas horas, a pose de Min Yoongi titubeava vergonhosamente.
— O-ora, olha o que você diz na frente de outras pessoas... — O príncipe abaixou o rosto, tentando esconder de Park Jimin o constrangimento que enrubesceu suas bochechas e orelhas.
No assento ao seu lado, o Ômega de Prata segurava uma risadinha, não achando nenhum pouco incômodo ver os dois amigos em pleno romance.
Ele também queria estar fazendo aquilo com Jeon Jungkook e doía por isso ser impossível no momento? Muito. Mais do que qualquer coisa. Mas tudo bem...
Uma exclamação rompeu da garganta de Yoongi quando Hoseok subitamente pôs a mão debaixo do sobretudo dele e puxou de lá o colar não terminado. Os dois entraram numa pequena luta pela posse do acessório, mas o príncipe logo viu que não adiantaria mais continuar escondendo aquele segredo.
— Um colar? — O alquimista analisou o que tinha em mãos, enquanto as mantinha bem no alto para impedir que Yoongi tentasse recuperar o objeto outra vez. — É um colar matrimonial? — O semblante dele começou a se encher de cor, cores vivas, e de sorrisos em seus olhos e nos cantos de seus lábios finos.
Yoongi se afundou na poltrona e, num gesto sem jeito, pôs a mão sobre a nuca.
— Você não deveria saber disso... Ainda não... — murmurou.
— Nós estávamos praticando com fibras comuns. — Jimin tomou a palavra. — Ele queria fazer um colar oficial antes de te mostrar.
Hoseok olhou de um para o outro com suas pupilas imersas numa profusão de felicidade contida, culpa e constrangimento. Depois, ele encarou o príncipe e buscou sua mão.
Com a intensidade do gesto e do perfume que o casal erguia ao redor de si, Jimin decidiu que seria melhor deixar o ambiente para eles. De qualquer maneira, seu corpo estava cansado e implorava por algumas horas de sono.
Era uma fadiga falsa, claro, do tipo que manipula os sentidos e torna qualquer um inerte, mas o que o garoto poderia fazer? Já havia tomado o energético de Jung Hoseok, mas o seu efeito vinha ficando cada vez mais fraco. Só lhe restava a cama e os travesseiros.
— 'Tô saindo. Vou tirar um cochilo. — Ele se ergueu da poltrona devagarinho, pois a barriga pesava e o resto do corpo se via letárgico.
— Sor Park... — Estava estampado na face de Hoseok e de Yoongi que os dois não queriam que Jimin saísse de lá como se estivesse sendo expulso por eles.
Mas estava tudo bem, o garoto sabia disso.
— Quando estiverem decidindo o sabor do bolo de casamento de vocês, pensem em mim e adicionem chocolate. Bye — falou, acenando com uma mão. A outra mantinha-se sobre a barriga.
Caminhou até chegar às escadarias, depois de passar por um corredor e algumas salas — sendo seguido por servos o tempo inteiro que o ajudariam com tudo aquilo que precisasse —, e olhou com tristeza para os degraus que se aglomeravam logo adiante.
Será que ficaria tudo bem se eu decidisse dormir aqui no chão, no meio do corredor?, pensou Jimin, suspirando.
Nessa hora, uma pequena figura apareceu correndo com o vento, fazendo um uso extraordinário de suas pernas miúdas até se chocar diretamente na lateral do corpo do ômega.
— Binbin? — Jimin olhou para baixo e viu Soobin abraçar sua perna direita, encolhendo-se.
— Ji-Jina! Fugir dela. Esconde-esconde. — O menininho apontou para a esquina que levava a um dos salões do castelo. A filha do General Kim devia estar por ali.
— Vocês estão brincando de esconde-esconde?
Soobin confirmou com um aceno.
—Ah... — Jimin sorriu e se agachou para ficar na altura do garotinho. — Sabe, no meu quarto tem um armário bem grande. Você pode se esconder lá dentro.
Os olhos negros de Soobin brilharam com a sugestão.
Em dois tempos, ele saiu pulando pelos degraus com uma energia que somente uma criança cheia de vida poderia ter.
Quando o menino sumiu no andar de cima, Jimin voltou a ficar em pé, pôs as mãos nos quadris e decidiu que não iria enfrentar aquela escadaria monstruosa.
Vou para o ninho, pensou, e se virou para caminhar na direção oposta.
🌕🌖♛🌘🌑
Min Yoongi seguia o alquimista Jung em silêncio, enquanto este vagava pelas alas do castelo até finalmente estar num dos maiores jardins, onde sua estufa se localizava.
Por conta da baixa temperatura, o caminho que levava à imensa estrutura de vidro e ferro estava coberto por uma camada branca de neve, obliterando toda a flora que em outras épocas do ano embelezaria aquele espaço.
As únicas plantas sobreviventes ali eram aquelas guardadas na estufa de Jung Hoseok. Plantas exóticas com fins muitas vezes medicinais. Sua beleza não se comparava à das roseiras e tulipas que cobriam a grama no entorno do palácio nos meses anteriores; no entanto, em meio ao branco frígido do inverno, suas cores conseguiam se destacar tanto a ponto de serem consideradas mais bonitas do que qualquer flor da primavera.
Yoongi se concentrou nessa reflexão quando adentrou a estufa quieta, tentando abrandar a aceleração de seus batimentos cardíacos com pensamentos que não envolvessem Hoseok e o colar matrimonial.
Depois de anos desejando avançar um passo em seu relacionamento com o alquimista, a hora da verdade parecia incerta e, por conseguinte, assustadora.
E se Jung Hoseok não desejasse o mesmo que ele? Essa era a pergunta que mais pesava dentro da mente do príncipe.
Os dois pararam de andar quando alcançaram os fundos da estufa, onde ficava o quartinho que o alquimista usava quando pretendia passar longos dias estudando alguma coisa.
A cama remexida e cheia de livros e pergaminhos não parecia confortável, mas Yoongi sabia muito bem que era a melhor de todas as camas do reino, pois havia passado os momentos mais incríveis e intensos de sua vida em cima dela junto a Jung Hoseok, amando-o até o último fio de cabelo.
Pensar nisso fez o corpo do príncipe se aquecer. Agora que seus músculos e que sua corrente sanguínea reagiam com mais vitalidade, ele passou a ter que lidar com determinados "controles". Sentia-se como um alfa no início da juventude outra vez.
— Sinto-me culpado por ter estragado a sua surpresa... Você parecia estar dando tudo de si naquele colar — murmurou Hoseok. Ele se apoiou numa cômoda ao lado da cama, virando-se na direção de Yoongi. Seu olhar alaranjado, que parecia tão dourado naquele momento, encarava o príncipe com uma faísca chamuscando no fundo de suas pupilas.
— Eu estava apenas... praticando. Não era a minha pretensão entregar a você algo mal feito, por isso preferi esconder. — Min transferiu o peso do corpo de um pé para o outro. Ele se sentia incomodado com aquela conversa. — E então? Isso é tudo o que tem a dizer?
— Dizer?
— Sobre o colar... — Pigarreou. — É um acessório de casamento. Você não está minimamente surpreso por eu ter tentado criar algo assim?
— Oh... — O alquimista balançou a cabeça, num sinal de compreensão, e então se virou para buscar algo dentro da cômoda.
"Oh"? Que tipo de reação é essa?, Yoongi sentiu o peito murchar.
No entanto, antes que tivesse coragem de questionar o outro alfa, ele viu Hoseok abrindo um compartimento no fundo da última gaveta da cômoda. De lá, tirou um caótico bolo de fibras enroladas em si mesmas.
— O que é isso? — perguntou o príncipe após se aproximar e pegar aquele monte com as mãos. — São... colares? Colares matrimoniais? Hoseok, você...
— Eu sou um terrível tecelã, desculpe-me — sussurrou, com um sorriso desconcertado no rosto. — Estou tentando fazer um adequado há anos, mas sempre vira um desastre...
O príncipe balançou a cabeça de um lado para o outro, sem tirar os olhos dos fios retorcidos cheios de lantejoulas aleatórias. Quase conseguia visualizar Jung Hoseok enchendo o colar com aqueles pingos brilhantes, como se, com eles, estivesse tentando ocultar as amarras grosseiras que havia dado nas fibras.
O mais engraçado de tudo é que ninguém, ninguém mesmo, ousaria decorar um colar matrimonial com isso. Ser tão aleatório e extravagante era realmente uma marca do Alquimista Real.
— Eu teria aceitado qualquer coisa feita por você, até uma pulseira de palha — sussurrou o príncipe, cabisbaixo.
— Uma pulseira de palha? — Hoseok exibiu um meio sorriso, mas o seu olhar agora era tristonho. — É diferente, Yoongi. Eu não estava tentando fazer um acessório qualquer... Isto — ele segurou o bolo de fios —, isto seria o meu pedido de casamento.
Yoongi comprimiu os lábios e cruzou os olhos com o amante.
— Há quantos anos vem planejando isso? — Ele não conseguiu conter a urgência na voz.
Jung Hoseok hesitou um segundo antes de responder.
— Desde a nossa primeira vez. — O alfa acariciou a lateral do rosto do outro. A ponta de seu dedo tremeu levemente. — Naquela noite, eu percebi que minha mente nunca mais estaria completamente ocupada com poções, tônicos e alquimia, porque também haveria você dentro dela.
O príncipe Min fechou os olhos durante um segundo apenas para relembrar o dia que havia marcado o passado dos dois.
Uma festa. Uma conversa no corredor ao lado do salão de festas. Um beijo sob o luar. Uma declaração de amor entre lençóis quentes. Definitivamente uma noite inesquecível, mas Yoongi não imaginou que poderia ter sido ainda mais extraordinária.
O príncipe cerrou um punho.
— Por quê? Por que nunca trouxe à tona esse seu... desejo? O que estava esperando para me dizer que pretendia pedir a minha mão?
O rosto do alquimista empalideceu.
— Yoongi. — Sua respiração ficou presa na garganta. — Existiram razões. Ainda existem, na verdade. O fato de que não posso oficialmente pedir a mão do príncipe de Adaman é o primeiro deles...
— Dane-se a tradição, eu teria aceitado.
— Não. Não teria... Essa é a outra razão que motivou o meu silêncio. Você teria recusado um casamento comigo, sem sombra de dúvidas.
— Ouça o que está dizendo, eu amo você... — Yoongi deu um passo incerto para trás.
— Teria recusado não por não me amar, mas por sempre preferir se afastar de todas as possibilidades que envolvem um "para sempre". Casamento, filhos...
As palavras do alquimista Jung atingiram o príncipe em cheio, porque cada sílaba delas era fundamentada numa verdade excruciante.
Durante anos Min Yoongi havia erguido uma muralha em seu interior, não para se proteger de ameaças externas, mas sim de si mesmo, de sua própria mente insegura e cheia de traumas. Lidar com questões passageiras era o melhor a se fazer, e, no início, até mesmo o seu romance com Jung Hoseok havia sido calculado para durar somente alguns poucos verões.
No fim das contas, seu próprio coração o traiu, e ele pensou que estaria perdido para sempre, pois iria condenar um homem cheio de vida a um amor que não duraria a vida toda.
— Você sempre evitava falar sobre casamentos e crianças, e eu tinha noção de que, dentro dessa sua mente maravilhosa, a qual tanto amo, existia medo. Medo por mim, como se o meu envolvimento com a sua pessoa fosse se tornar o meu fim. — Hoseok sorriu um sorriso fraco, mas verdadeiro e cheio de paixão, enquanto colocava as mãos sobre o rosto claro e macio do príncipe.
Yoongi segurou um nó na garganta e continuou ouvindo o outro.
— Mas eu também fui bastante covarde e, com medo de que você fosse se afastar de mim depois que eu realizasse o pedido, decidi me manter quieto. Então, Sua Alteza real tem todo o direito de me encarar com tanta raiva.
O príncipe abaixou o olhar e colocou as próprias mãos sobre as do alquimista. Depois de um instante de silêncio, ele suspirou e falou num sussurro:
— Case-se comigo. — Arrastou as mãos pelos pulsos alheios, passando pelos antebraços, pelos ombros e até subir pelo pescoço e parar sobre a face de Jung Hoseok. Agora, trocando olhares com ele, Yoongi reivindicou: — Eu, o príncipe de Adaman e herdeiro do clã Min, tendo como testemunha todos os deuses que zelam por nosso mundo, exijo a mão e o coração do Grande Alquimista Real, que também é representante do clã Jung, para todo o sempre.
— Yoongi — Hoseok arfou, seus lábios tremeram.
O príncipe segurou as costas do pescoço do alquimista e, num gesto carinhoso, porém urgente, o puxou para si, para beijá-lo intensamente. Numa troca romântica de línguas e arquejos, ele acariciou os cabelos da nuca do outro, puxando as trancinhas feitas ali num penteado que sempre deixava Hoseok esteticamente ainda mais jovem e fora dos padrões da nobreza.
Min Yoongi amava esse detalhe nele, essas minudências aleatórias que o diferenciava de todos aqueles nobres ridículos com suas joias, roupas de seda e arrogância intransponível. Amou-o no primeiro instante em que trocaram olhares, quando Jung Hoseok ainda não passava de um rapaz que acabara de finalizar seus estudos na escola de alquimia dos Jung. Amou-o quando viu um sorriso sincero em seu rosto, e não um olhar de pena, como todos os demais sempre ofereciam ao príncipe.
Amou-o e ainda o amava imensamente.
— Diga que se casará comigo — murmurou contra os lábios do alquimista. Os olhos do príncipe, amarelos como ouro, reluziam sedentos e ansiosos.
— Sim. Sim. — A mente de Hoseok via-se atordoada, resultado este de sua aceleração cardíaca e de todos os sentimentos felizes que percorriam as veias de seu corpo.
Ambos estavam em êxtase, felizes e completamente apaixonados.
Yoongi ergueu Hoseok em seus braços e o deitou na cama enquanto jogava para fora dela todos os livros e pergaminhos que ocupavam o espaço. O alquimista ficou surpreso com aquela ação repentina, porque a ideia de ser segurado pelo outro alfa com tanta facilidade ainda soava como um sonho.
E como nesse mesmo sonho, o príncipe Min puxou fora o manto vermelho e desabotoou as roupas escuras de Jung para então despi-lo completamente. Em seguida, após absorver toda a nudez dele com olhos famintos, Yoongi voltou a beijá-lo ardentemente, tocando-o em todos os seus músculos, desenhando caminhos que seguiam até os membros inferiores. A cada segundo que se passava, mais o príncipe sentia o endurecimento tomar forma em suas calças brancas. Ver que o outro também já ganhava tamanho era mais um estímulo poderoso.
— Não quero que sejas delicado desta vez. Quero que me dê tudo de si. Tudo. Não tenha medo de me quebrar, pois não irei — sussurrou enquanto chupava um dos mamilos de Hoseok. Seu hálito quente e lábios fizeram o alquimista estremecer.
De supetão, Jung começou a arrancar fora as vestes de Yoongi enquanto o tomava num beijo. Depois que ambos ficaram despidos, eles mudaram de posição na cama com um giro e voltaram a tocar os corpos um do outro, sem deixar passar nenhum centímetro de pele. Aos beijos, esfregando seus membros eretos que já pulsavam de desejo, acariciavam partes sensíveis que somente os dois conheciam bem.
Hoseok se afastou da boca do príncipe para depositar outros beijos ao longo de seu corpo, descendo pelo abdômen agora tão forte e definido, até alcançar a virilha e encontrar seu grande prêmio.
Colocou-o na boca e o sugou de cima a baixo. E de novo. E de novo. E de novo. Várias e várias vezes, em diferentes intensidades. Yoongi já se derramava enquanto gemia e se contorcia sobre a cama.
Hoseok não o largou até que ele finalmente viesse.
— Pelos deuses... — Yoongi revirou os olhos quando explodiu de prazer.
O alquimista não ofereceu muito tempo para que ele se recuperasse, porque, afinal, o príncipe havia lhe dito para ir com tudo. Então iria.
Em dois tempos, colocou-se entre as pernas dele e o penetrou num só empurrão. Depois de recuar levemente, apenas para oferecer um momento de costume ao amado, voltou a deslizar para dentro com a mesma força de antes, libertando seus instintos lupinos que ansiavam por mais.
Yoongi gostou daquela brutalidade e sorriu ébrio enquanto entrelaçava suas pernas às costas dele, para mantê-lo ainda mais perto e incentivá-lo a continuar.
As estocadas ganharam um ritmo frenético e quente. O príncipe exclamou de prazer e afundou as mãos nos lençóis, suas unhas crescendo ferinas deixando rasgos pelo tecido bege.
Em determinado momento, Hoseok quis ir tão fundo que abraçou o príncipe, colocando as mãos nas costas dele e puxando-o para que ficassem colados.
Grunhiu com dentes cerrados quando chegou ao ápice e deitou a cabeça na curva do pescoço do príncipe enquanto respirava fundo para recuperar o fôlego. Seus corpos tremiam, suados e quentes.
Mas ele ainda não havia dado tudo de si.
Sua mão direita buscou o pênis do príncipe para masturbá-lo, recebendo em troca exclamações confusas e surpresas. Em seguida, sentou-se sobre o membro duro para ser preenchido por ele numa estocada gananciosa.
Passou a cavalgar em cima da virilha de Yoongi, subindo e descendo enquanto suas costas se arqueavam para trás de tanto sentir prazer.
O príncipe não ficou quieto diante daquela visão impressionante. Sempre quis tomar Jung Hoseok daquela maneira e sempre quis vê-lo enlouquecido enquanto o fodia, então não hesitou antes de mover seus quadris para cima, depositando intensidade às estocadas. Agarrou o pênis do alfa para enlouquecê-lo mais um pouco, apertando o comprimento do membro cada vez que se impulsionava para outro encaixe profundo.
O alquimista arfou alto e gemeu xingamentos assim que se derreteu sob a mão firme de Yoongi. O sexo só acabou após outra rodada de penetrações, quando os dois gozaram mais uma vez.
Mantiveram-se naquela posição até que toda a agitação tivesse se esvaído, deixando apenas uma gostosa sensação no lugar.
Limparam-se na banheira do quarto e trocaram ainda mais carícias e sussurros românticos durante longos minutos.
Estavam dispostos a ignorar todas as responsabilidades daquele dia para que pudessem voltar à cama, mas foram impedidos quando ouviram o som metálico do sino do castelo cortando o céu de Adwan.
A badalada retornou logo em seguida, num estrondo desenfreado.
Algo estava acontecendo.
— Uma invasão? — sugeriu Jung Hoseok após pular para fora da banheira.
O príncipe Min imitou o ato e foi buscar suas roupas para se vestir. A tensão em seu rosto era palpável.
— Os soldados da muralha teriam anunciado caso estivéssemos sofrendo uma tentativa de invasão — disse, afivelando o cinto da calça. — A não ser que os invasores tenham ultrapassado os portões da capital de forma despercebida.
Assim que terminou de vestir o sobretudo, Yoongi se virou para Hoseok, colocou uma mão sobre seu rosto, e disse:
— Terei que organizar os soldados para lidar com o que quer que estiver acontecendo lá fora. Por favor, reúna os indefesos e esconda-se com eles nas passagens secretas do castelo.
— Meu amor... — A preocupação no olhar do alquimista poderia encher um rio.
— Faça isso, Hoseok. — E saiu a passos firmes.
🌕🌖♛🌘🌑
O ninho definitivamente era a melhor escolha dentre todas, e, por isso, Jimin ainda se perguntava porque continuava tendo que decidir entre ir para lá e descansar em seus aposentos oficiais num dos andares altos do castelo. Talvez o jovem ômega quisesse manter o ar especial da casinha que Jungkook havia construído e dado de presente para ele, usando-o apenas em determinados momentos, assim como fazemos com todos os presentes preciosos que ganhamos.
Mas Jimin sempre acabava voltando para o subsolo do palácio, passando pela Árvore Sagrada e seguindo o curso do rio subterrâneo.
O silêncio do ambiente não era tão excruciante quanto aquele de seu quarto alguns andares acima. Não. Ali havia a natureza, os animais pequenos e, o melhor de tudo, a magia que protegia tudo do inverno.
No ninho, ele sempre estaria rodeado pela primavera, pela brisa quente, e, é claro, pelo cheiro do alfa.
Jimin adormeceu instantes após ter afundado a cabeça entre os travesseiros de pluma, com as flores carmesim de seus chifres farfalhando enquanto ele se remexia para encontrar a melhor posição de descanso. A barriga estava começando a atrapalhar nessas horas, com o peso esmagando-o sutilmente. Foi necessário alguns ajustes com o braço e as pernas para que o conforto viesse.
Assim que sua respiração relaxou e seus olhos o fizeram mergulhar numa escuridão infinita, ele percebeu que não iria encontrar outro sonho nebuloso onde avistava as sombras de pessoas pelas quais sentia falta.
Não houve nenhuma sombra dessa vez, mas, sim, a imagem de uma duna alta no meio de um deserto. O calor não era escaldante, pois o Sol já sumia no horizonte amplo em meio a poeira e o vento estéril, pintando o céu com tonalidades arroxeadas e vermelhas, abrindo espaço para o negror da noite.
O rapaz subiu o topo da duna e fitou o cenário diante dele, a escarpa logo abaixo do declive de areia.
É solitário, e, ao mesmo tempo, não, pensou enquanto procurava por algo que nem mesmo ele sabia o que era.
Até que uma nódoa prateada se formou em sua frente, destoando de todas as cores quentes produzidas pelo entardecer. Ela tremeluzia e pairava como um espectro enquanto ganhava a forma de um lobo com grandes galhadas sobre a cabeça, estas cheias de folhas avermelhadas. Seu corpo inteiro era coberto por fios de prata riquíssimos, mais delicados e brilhantes do que aqueles que Jimin carregava em sua forma lupina.
Os olhos escarlates da criatura etérea encararam o ômega, e uma voz vibrou pelo deserto.
"Complete a profecia"
— Profecia? — Jimin contraiu o cenho antes de se dar conta. — A profecia do Ômega de Prata? "Ele virá para proteger, fortalecer, guiar e se unir ao Alfa nos dias de tempestade que abraçarão Adaman" — recitou uma parte do que estava escrito nas tábulas da Árvores Sagrada. — Eu protegi o Jungkook quando o general de Eliah tentou atacar a gente. Ele também ficou mais forte depois que encontramos aquele monstro que invadiu o castelo. Além disso tudo, nós estamos unidos. Vinculados. E 'tá rolando uma guerra em Adaman... Não é disso que a profecia fala? Ela não 'tá sendo completada neste exato momento?
"Os caminhos estão sendo modificados. Você precisa continuar agindo até o fim", a voz vinha como brisa e carregava a areia bege do chão.
— Caminhos?
"Os caminhos não serão mais os mesmos, a raposa está vindo. Proteja-se e complete a profecia, pois só assim este mundo poderá ajudá-lo."
— Raposa?? Que raposa? Espera um segundo! — Jimin estendeu a mão para a criatura mágica, mas ela sumiu tão rápido quanto veio.
A duna debaixo de seus pés começou a afundar, engolindo-o, e os ventos do deserto rodopiaram em seu entorno, como um tufão de areia sufocante. O céu acima dele ficou preto e vazio, e o engoliu numa enxurrada.
Depois que a escuridão cessou, Park Jimin acordou em seu ninho com suor frio escorrendo pela testa e com os sons dos sinos do castelo acesos numa badalada urgente.
Os espíritos sussurravam mais uma vez, a atmosfera estava densa e pesada.
Jimin engoliu em seco e arriscou um salto da cama.
Atônito e cambaleante, com a energia de alguém que havia passado um dia inteiro sem se alimentar, ele cortou caminho pelo subsolo, voltou para o castelo e encontrou um caos ascendente.
— O que está acontecendo!? — ele perguntou para um servo que carregava um semblante desesperado no rosto. O barulho dos sinos e de uma gritaria incendiavam os tímpanos do ômega.
— Vossa Magnificência, e-eu não sei! Os soldados que protegem os portões do castelo e alguns nobres de repente começaram a lutar entre si. O príncipe Min está tentando controlar a situação, mas todos parecem ter enlouquecido! — explicou o servente, seus olhos vermelhos de assombro.
O coração de Jimin se acelerou no peito, enviando ondas de nervosismo e medo para todo o corpo.
Sua mente passou a trabalhar como uma máquina.
— As crianças! Onde estão as crianças!? Kim Jina, Jeon Soobin e os outros filhos das pessoas que moram aqui?? — Se uma luta acontecia no palácio, então aqueles mais suscetíveis a sofrerem com isso eram as crianças.
Pensar em Soobin fez o sangue de Jimin fervilhar como não fazia há meses. Seus instintos lupinos reacenderam, com a ausência de Jeon Jungkook sendo momentaneamente colocada de lado em sua alma para dar espaço ao que era verdadeiramente crítico.
— Eu avistei o Alquimista Real levando a senhorita Kim e outras pessoas para a área dos fundos do castelo, se-senhor, mas o pequeno lorde Soobin não foi encontrado por ninguém. Estamos à procura dele, na verdade. — A voz do servo escancarava seu nervosismo. Ele parecia perdido, como se nunca tivesse visto tal situação em toda a sua vida.
Jimin também nunca havia presenciado esse tipo de caos, mas ele não iria tremer naquele momento.
— Vou procurar o garoto — disse com veemência, e se virou.
— Mas Sua Graça precisa se proteger! É perigoso! — Jimin ouviu as exclamações do servente enquanto se afastava correndo. Correndo! Ele não sabia como, mas estava correndo furiosamente pelos corredores do palácio, com uma energia sutilmente renovada.
Talvez seus instintos protetores estivesse gritando mais alto do que todos os seus problemas.
Ele, contudo, não iria abusar da sorte. A qualquer momento a tontura e a fraqueza poderiam retornar. O rapaz precisava pensar.
Onde o Soobin poderia estar? Ele não sai de perto da Jina, exceto quando está comigo...
Seus olhos piscavam varrendo todas as áreas do castelo pelas quais atravessava. A loucura também tinha alcançado aquele lado. Ele viu um nobre do clã Wang erguendo lâminas contra um do clã Jung.
Que diabos está acontecendo??, ralhou em pensamentos.
Mais adiante, durante a corrida, alguns soldados o reconheceram e se organizaram para escoltá-lo para onde quer que fosse. Jimin ficou grato por isso no início, porque não sabia como iria enfrentar alguém naquelas condições. Não havia armas em suas mãos e ele não tinha certeza se poderia invocar os seus poderes.
Estava fraco. Fodidamente fraco.
De repente, ele avistou um vulto laranja que chamou sua atenção. Assim que Jimin virou o rosto e percebeu que, no final do corredor pelo qual corria, havia uma raposa pequenina, o ômega sentiu o corpo acender um alerta de perigo.
O animal não parecia nocivo. Não, muito pelo contrário, era uma criatura linda, brilhante e claramente mágica. Era tão etérea quanto o Ômega de Prata que havia aparecido no último sonho de Jimin.
Mas ela parecia errada. A magia que emanava dela flutuava no ar como uma brisa venenosa que se condensava ao redor de suas vítimas.
Park Jimin soube que precisaria fugir antes mesmo de olhar para os soldados que o escoltavam. Aqueles nobres guerreiros do castelo, tão absolutamente leais à coroa, foram enfeitiçados no segundo em que a névoa dourada viajou ao redor de suas cabeças. Logo em seguida, eles já estavam erguendo suas espadas uns contras os outros, e também contra Jimin.
O garoto pulou para longe deles e correu, correu muito! Correu até perder o fôlego e sentir calos nos pés. Suas pernas doíam, o peso em sua barriga parecia uma tonelada e tudo girava.
Soobin. Preciso encontrar o Soobin, ele tentava manter o foco.
Onde procuraria pelo garoto? Numa situação como essa, Soobin, que era tão delicado e tímido, provavelmente devia estar morrendo de medo. Ele com certeza teria se escondido em algum lugar...
Escondido! Isso!
Esconde-esconde.
Jina e ele mais cedo brincavam de esconde-esconde! E o próprio Jimin havia sugerido um ótimo esconderijo: Seus aposentos pessoais.
O ômega então disparou em direção às escadas, ignorando a respiração ofegante e as pernas cansadas. Não podia parar agora, precisava subir aqueles degraus o mais rápido possível e ir até o menininho. Não o deixaria sozinho nem que sofresse de um desmaio logo depois de encontrá-lo.
Park Jimin era forte. Ele sentia e sabia que era, só estava enferrujado.
Alguns lances de escada depois, o rapaz atravessou os corredores para ir até a ala dos aposentos reais. O caminho estava vazio, provavelmente porque todos os guardas tinham sido convocados para enfrentar o que quer que fosse aquela ameaça rondando pelo castelo.
— Soobin!? Soobin!? — Jimin gritava cada vez que passava por uma porta, esperando ser respondido pela voz miúda do garotinho.
Quando finalmente chegou ao próprio quarto, ele adentrou o cômodo com um salto, quase arrancando fora a maçaneta.
— Binbin!? — chamou mais uma vez, rezando por uma resposta.
Ela veio num grunhido baixinho.
— Shiiiu. A Jiji vai achar o Binbin.
As pernas de Jimin quase cederam. Ele inspirou fundo, completamente aliviado, e correu até o armário onde a criança ainda se escondia.
Depois de tirá-la lá de dentro, o ômega a abraçou com os braços trêmulos.
— Meu Deus, garotinho! Eu quase morri de susto. A brincadeira acabou faz tempo. Jina não está atrás de você... — murmurou enquanto depositava beijos nas bochechas gordinhas do garoto.
— Não? — Soobin parecia confuso.
— Não, mas que bom que você se escondeu. Lá fora 'tá muito perigoso. Precisamos ir para um lugar seguro de verdade.
Park Jimin então hesitou.
Onde poderia ser verdadeiramente seguro? E se aquele caos não estiver acontecendo apenas no palácio, mas também em toda a capital? Ou talvez em toda Adaman?
E se Jeon Jungkook também estiver enfrentando uma ameaça como aquela? Tropas e tropas de soldados altamente armados se virando uns contras os outros...
Um frio congelante atravessou a espinha do ômega.
Por favor, esteja bem, ele implorou silenciosamente, a saudade o corroendo.
Foi então que um movimento no interior de sua barriga o acalmou.
Aquele serzinho que crescia ali aparentemente queria lhe revelar uma resposta por meio de ondas de calor. O rapaz só não sabia como interpretá-las.
No fim, ainda só restava uma opção para ele. Sua preocupação deveria se manter ali, focada no castelo, onde os perigos estavam a alguns corredores de distância.
— Não tem outro jeito. Tenho que tirar a gente daqui porque ficar num quarto sem outras portas de saída não é nada inteligente. — A mente dele voltava a trabalhar como o estrategista de RPG que era.
O rapaz então se lembrou das passagens secretas que revestiam aquela parte do castelo. Jungkook certa vez, alguns meses atrás, havia lhe mostrado algumas das entradas.
Use-as durante uma invasão, o alfa havia lhe dito num tom brincalhão. Mal sabiam eles que um dia algo do tipo realmente viria a acontecer.
— Vamos! — Jimin segurou a mão pequenina de Soobin. — Vamos pra um passeio legal por túneis secretos, Binbin.
Os olhos grandes da criança brilharam como estrelas, aqueles raios brancos sutis que emolduravam suas pupilas piscaram. Pelo visto, por mais aparentemente medroso e introvertido que fosse, Soobin gostava de ser arrastado para aventuras aleatórias.
Park o guiou até a porta, já erguendo a mão para girar a maçaneta.
Estava tudo indo bem, até ele sentir algo que fez todo o seu corpo paralisar.
Paralisar com o mais puro terror.
Aquele cheiro forte, aquela presença nauseante, aquela vibração na atmosfera... Sinais completamente inconfundíveis que Jimin um dia experimentou e que ele jamais poderia se esquecer.
Com a garganta seca e o peito tremendo, ele empurrou Soobin para trás de si e pôs um dedo sobre a boca num gesto que pedia silêncio. Em seguida, o rapaz girou a maçaneta devagar e abriu alguns poucos centímetros da porta, somente o suficiente para que um de seus olhos pudesse ver o que se passava no corredor.
Jimin estava aterrorizado, porque ele sabia o que iria encontrar, mas a sua visão precisava ter a maldita certeza.
Puta merda, pensou assim que colou o rosto na superfície do portal e teve um vislumbre.
A poucos metros da entrada de seu quarto, não muito longe dos aposentos vazios do rei de Adaman, entre dois pilares elegantes do corredor, uma abertura na parede se fazia presente. Uma passagem secreta que fora aberta por alguém.
Por algo.
E esse algo nada mais era do que uma fera lupina anormal, um monstro enorme cheio de caninos afiados e retorcidos, com braços e garras desproporcionais ao corpo curvado. Os olhos da criatura brilhavam com a cor de sangue coagulado, e eles buscavam alguma coisa.
Antes que a fera cheirasse o ar atrás da primeira presa, Jimin fechou a porta de seus aposentos e pôs a mão sobre a boca.
Tudo tremia. Tudo parecia ter virado de cabeça para baixo.
— Papa? — Soobin chamou ao perceber a tensão na face de Jimin.
O ômega rapidamente pôs a mão sobre a boca do menino, impedindo-o de falar mais.
Fazer barulhos era arriscado. Respirar era arriscado. Qualquer coisa poderia chamar a atenção daquilo.
É aquele monstro, o rapaz pensou, congelando. Está diferente, mas definitivamente é o maldito monstro.
Park se lembrou do dia em que foi atraído por aquilo e viu a morte dançar diante de seus olhos. Tocou a garganta recordando-se da sensação de ser estrangulado por aquelas garras fortes e assassinas.
Naquela vez, Jungkook estava lá com sua espada e com sua transformação de última hora.
O que Jimin tinha naquele momento? Invocar passarinhos com o canto e fazer algumas flores brotarem no chão? Nada disso poderia impedir aquela besta de cortá-lo ao meio e fazer o mesmo com o pequeno Soobin. Ele sequer sabia se ainda tinha forças para atrair um pequenino rouxinol! Havia gastado boa parte de sua energia correndo como um louco pelo castelo, atrás do garotinho.
O que faria então? Pedir ajuda para soldados enfeitiçados por raposas fantasmagóricas também estava fora de cogitação.
Não havia saída.
Jimin entrou em desespero.
~♛🌕🌖♛🌘🌑♛~
#LoboDePrata
Preparados para o último capítulo da att tripla?? Hehehe...
Antes de seguir para ele, deixe o seu ⭐VOTO⭐, eu agradeço muito!
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