Prólogo
OS RELÂMPAGOS cortavam o céu com agressividade, fulminando a noite com rasgos de luz.
A menina dos cabelos ruivos acariciava suavemente o braço da mulher pálida. Deitada na cama, a mais velha estremeceu, febril. Quando abriu os olhos, as íris castanhas fitaram com pesar a filha, os lábios gretados e arroxeados sussurrando com dificuldade:
- Querida...
- Não. - a criança abanou a cabeça, esboçando um sorriso breve - Não faças esforços. Isto vai passar. Vais ficar bem.
O som dos trovões preencheu o ar, abafando o tossir da sua mãe. Prensando os lábios, Natasha Sinclair reprimiu o suspiro pesaroso que queria escapar de si, recusando-se a mostrar à sua mãe o quanto lhe custava vê-la assim.
Alina Sinclair era uma mulher doente. No Inverno, as constipações apanhavam-na com facilidade. No Verão, o calor deixava-a fraca e incapaz de fazer fosse o que fosse. Na Primavera, as alergias. No Outono, as rajadas de vento facilmente a deitavam ao chão, tão magra e frágil que era.
Desde cedo que soubera que morreria nova. Quase acontecera quando tivera Natasha, sobrevivendo apenas graças à sua força de vontade e amor pela filha, recusando-se a deixá-la sozinha no mundo cruel em que viviam.
Em Gavaldon, as Sinclair eram excomungadas. Esperar-se-ia que uma mulher tão doente recebesse ajuda e compaixão dos vilarejos mas acontecia precisamente o oposto. Temiam que a condição de Alina se pegasse e por isso recusavam-se a ajudá-la. Já da filha, tinham medo da menina de rosto sério, voz gélida e olhos azuis cortantes como uma lâmina.
"Têm medo do que não compreendem." Dizia Alina à filha, tentando acalmar a sua fúria para com os homens e mulheres daquela aldeia.
Havia apenas uma família que as ajudava, talvez por compaixão ou por passarem por semelhante situação. A bruxa de Gavaldon, Claire e a sua filha Agatha. No mundo ideal, as duas meninas teriam sido amigas, tendo a mesma idade e sofrendo do mesmo tipo de acusações e abusos por parte da vila.
Mas Natasha não queria amizades. Aprendera cedo que o mundo era um lugar melhor se o enfrentasse sozinha. Quando a mãe partisse, não haveria ninguém para a proteger... somente ela.
Em breve, ela estaria sozinha.
A menina acariciou a palma da mão da sua mãe, a única pessoa que amava. A única pessoa que a amava. Se não fosse por Alina, Natasha teria fugido de Gavaldon independentemente da sua idade. Ela não pertencia ali. Sentia isso no seu corpo, tão bem como sentia a eletricidade da tempestade sobre as suas cabeças. Aquele não era o seu mundo. Ela não pertencia a Gavaldon.
E no entanto, ficaria ali até a sua mãe desistir de batalhar com a Morte. Assim que o seu último suspiro escapasse pelos seus lábios, abandonaria aquela vila mesquinha e nunca mais olharia para trás.
Natasha Sinclair estava apenas à espera, pacientemente. Quando a única pessoa que lhe transmitia amor partisse, ela iria partir também, em busca do mundo que a recebesse de braços abertos.
O mundo que iria destruir por não a ter acolhido logo quando nascera.
⚡
Dezasseis anos de vida à espera.
Numa noite de Lua de Sangue, Alina Sinclair soltou o seu último suspiro.
E Natasha Sinclair soltou o seu primeiro suspiro, pronta para recomeçar.
O fim de um ciclo.
O início de outro.
E um vulto de sombras e olhos vermelhos a entrar-lhe pela janela adentro.
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