Capítulo 7
UM ENXAME de vespas irrompeu pela sala de aula adentro, zumbindo furiosamente de encontro ao demónio de Hester. Implacáveis, cobriram vértebra por vértebra o seu corpo, atingindo-o e diminuindo a sua força. A bruxa soltou um grito, contorcendo-se.
Parada sem qualquer expressão no rosto, Sophie de Gavaldon observava as suas salvadoras, numa mistura de alívio com horror. Quando Hester caiu ao chão em agonia, estremeceu, sem saber o que fazer.
Natasha Sinclair cerrou os punhos. Uma fúria gélida dominava-a, o zumbido das vespas de Sophie cada vez mais perto. Hester permanecia no chão, agonizando, enquanto Lesso gritava para que Sophie afastasse os animais do demónio da bruxa. A loira permanecia estática, os olhos esbugalhados, pálida.
- Sophie! - gritou Lesso, em pânico.
- Parem! - Sophie deu um passo em frente, despertando do seu choque - Parem!
As vespas imobilizaram-se. Lentamente, uniram-se, formando uma camada uniforme. O enxame movia-se em sintonia, erguendo-se do chão como mãos a moldarem barro.
Havia uma figura no interior da massa de vespas. Um homem.
- Meu Deus! - ouviu Lady Lesso exclamar, a voz suave e doce ao dizer - Rafal.
A bílis de Natasha subiu-lhe à boca.
Rafal.
- Estás a fazer um trabalho maravilhoso... - disse o imortal, lentamente - ... Sophie.
Ele sorriu.
Sophie de Gavaldon recuou um passo, atordoada e confusa.
Natasha rangeu os dentes, o calor dentro de si tornando-se insuportável, a enchente de poder adormecido nos cantos mais obscuros da sua alma ronronando como uma besta enjaulada.
Ela avisara-o e ele, ao que parecia, ignorara-a. Natasha não era um peão no jogo de xadrez que Rafal queria jogar com Sophie e Agatha. Ela não iria ser manipulada como ele pretendia fazer com a loira.
Ela era sua aliada, algo que não sabia se o imortal era capaz de ter. O Mal não partilha. O Mal não forma alianças.
Mas ele fizera-o e ela iria força-lo a cumprir com a sua palavra, ou arranjaria forma de o destruir.
Como ousava mostrar ao mundo que Sophie era a sua favorita? Que a protegeria? Que a escolhera a ela?
Era manipulação, um ato de sedução para conquistar o coração fútil e carente de Sophie. A Sinclair percebia isso.
Mas isso não a impedia de estar furiosa.
Então fez a única coisa que poderia fazer...
Com um rosnado baixo e mortífero, Natasha Sinclair libertou-se, deixando a besta escapar-se de si.
A sala de aula explodiu.
⚡️
A energia entre os seus dedos zumbia, o poder rugindo com fúria, os flashes de azul e prata refletindo-se nas íris da jovem.
Uma a uma, as vespas caíram ao chão, a figura de Rafal desfeita em dezenas de bichos carbonizados e reduzidos a cinzas.
Natasha ofegava, a descarga de adrenalina preenchendo-lhe as veias, os sentidos aguçados e aumentados pelo poder que fluía livremente de dentro de si. Numa lentidão aterradora, baixou os olhos, fitando com apatia as suas próprias mãos.
Relâmpagos trespassavam-lhe os dedos, faíscas que vinham dela e que nada mais lhe provocavam do que um mero formigueiro.
Deveriam queimá-la. Carbonizar-lhe a pele como fizeram com o corpo frágil das vespas. Não deveriam estar domadas.
Não deveriam ser dela.
Ergueu o olhar, fitando o ambiente silencioso e tendo em seu redor. Os Nuncas permaneciam estáticos de encontro à parede, numa provável tentativa de evitarem serem atingidos pela tempestade elétrica que ela provocara. Lady Lesso, por outro lado, fitava-a sem qualquer expressão no rosto. Era como se... Como se ela esperasse por aquilo. Como se o tivesse previsto e antecipado.
A memória da mulher a proferir o nome da sua mãe borbulhou na sua mente.
O olhar de Natasha vagueou pela sala, parando por breves instantes no corpo estirado de Hester. A Nunca jazia no chão, soluçando baixinho, o demónio unido de novo na sua pele. Ao seu lado, Dot e Anadil revezavam o olhar entre a amiga e a ruiva que invocara relâmpagos.
Depois, havia Sophie.
A expressão da loira era a única que realmente satisfazia o ego de Natasha. Era uma mistura de terror e ultraje, como se a ideia da Sinclair ter algum tipo de poder fosse insustentável. Inveja, podia ler nas íris esmeralda da "princesa"
Quando viu Sophie engolir em seco, Natasha esboçou um sorriso cínico.
- Classe dispensada. - ouviu Lady Lesso dizer, forçando-a a desviar o olhar de Sophie.
A mulher deu dois passos na sua direção, os olhos roxos fitando-a com intensidade ao dizer:
- Tu não.
Natasha abriu e fechou a boca, vendo-a virar-se para trás e arrastar Sophie por um braço para fora da sala de aula, com urgência. A Sinclair cruzou os braços, esperando ouvir a voz na sua cabeça, aquela que a atraía e repelia ao mesmo tempo, aquela que a fizera explodir e a incentivara a não reprimir o poder que borbulhava dentro de si.
Em vez disso, tudo o que a recebeu foi o silêncio. Os relâmpagos nas suas mãos desapareceram. Rafal desaparecera. Os seus colegas afastavam-se apressadamente, temerosos. Em breve, estaria sozinha novamente, tal como gostava.
Tal como pedira.
Uma mão no seu braço fê-la virar-se, com um comentário mordaz na ponta da língua. O rosto de boneca de Heartie refreou o impulso, as íris castanhas fitando-a com uma emoção que desconhecia.
A rapariga encarava-a com preocupação.
- Estás bem? - perguntou a filha da Rainha de Copas - Pela tua cara, nunca tinhas feito isto antes. - apressou-se a explicar, apontando para as palmas das mãos de Natasha onde minutos antes relâmpagos trovejavam.
Era a primeira vez que a via sem um sorriso no rosto ou um doce na boca. Os lábios encarnados estavam comprimidos numa linha fina, a mão pousada suavemente no seu ombro, a seriedade no seu rosto. Natasha pestanejou, remexendo-se desconfortavelmente. Não estava habituada aquela atenção, muito menos vindo de uma completa desconhecida. Pensou em responder com acidez, enxuta-la, força-la a manter-se longe de si.
Estava cansada, percebeu ao relaxar os ombros, abrindo e fechando os punhos. Cansada, sozinha e com a cabeça a borbulhar de pensamentos e questões. Engolindo em seco, limitou-se a assentir, observando a outra assentir brevemente em resposta. Com um pequeno sorriso, Heartie hesitou, perguntando baixinho:
- Posso esperar por ti lá fora?
Natasha Sinclair observou-a em silêncio, sentindo o seu coração frio bater suavemente contra o peito.
Devagar, assentiu.
⚡️
Ela esperou muito tempo pelo regresso da professora. As pálpebras começavam a pesar, os joelhos bambos de cansaço à medida que se sentava na cadeira mais próxima, prestes a sucumbir à exaustão. Qualquer que fosse o poder que utilizara, esgotara-a.
Depois, havia aquele sabor azedo na boca de quem se apercebera estar a jogar um jogo perigoso de sedução e traição.
- Eu avisei-te.
Ele aproximou-se dela como um gato assustado, passos suaves contra o mármore cinzento do chão. Estava perto o suficiente para ela sentir o calor irradiar do seu corpo em ondas, arrepiando-lhe a pele gelada e deixando o seu corpo tenso. Natasha estava furiosa, o tipo de fúria da calmaria antes da tempestade.
- Ela é o que preciso. - murmurou Rafal, os dedos desviando gentilmente os cabelos ruivos da jovem, demorando-se a acariciar-lhe a pele exposta do pescoço - Não o que eu quero.
- Achas que estou preocupada sobre quem tu te apaixonas? - questionou Natasha, virando-se para ele com uma calma fria - Eu não quero saber dos teus sentimentos, Rafal. A única coisa que me importa é ter o que quero no final e saber quem escolhes para sobreviver. - os olhos azuis faiscaram, raivosos - Ela... ou eu?
- Tu. - respondeu o imortal, prontamente - Sempre foste tu.
- Não acredito em ti. Não confio em ti.
- Não confias em ninguém.
- Foi assim que sobrevivi tanto tempo.
Rafal esboçou um sorriso ladino mas nada disse. Natasha cerrou os punhos, a memória do que acontecera momentos antes regressando fresca à sua mente.
- Tu sabias que eu tinha este poder.
Não era uma questão. Era uma afirmação.
- Suspeitava.
- É por causa do meu pai, não é? A minha mãe não tinha estes poderes. - Natasha abanou a cabeça, abrindo e fechando os punhos - Diz-me o nome dele.
- Não.
- Diz-me a verdade, Rafal.
- Se eu o fizer, perco o poder que tenho sobre ti. Não sou parvo, Natasha. - a voz baixa de Rafal era perigosa, metendo veneno no seu coração - Somos aliados porque temos uma troca para fazer: tu ajudas-me e eu dou-te o nome do teu teu pai. Tal como tu... eu não confio em ti. Tu e eu somos iguais, Natasha, e é por isso que vou manter-me sobre chantagem até ter o que quero. - passou-lhe os dedos pelos lábios, observando a sua expressão fria contrastar com o rubor nas suas bochechas - Lembra-te sempre: Sophie é um peão. Um meio para atingir um fim. Tu e eu...
Fez uma pausa, aproximando o rosto do dela.
- Tu e eu somos o Rei e Rainha deste jogo de xadrez.
Natasha estalou a língua, recostando-se na cadeira.
- Não voltes a testar a minha paciência. - avisou-o, fazendo-o sorrir.
- Com ciúmes, minha Rosa?
- Não. Mas não serei ridicularizada.
O imortal humedeceu os lábios. As íris de Natasha faiscaram, a tempestade escondida por detrás da sua máscara gélida.
- Gostaste?
A ruiva ergueu uma sobrancelha numa questão silenciosa.
- O teu talento. - explicou Rafal, sorrindo maliciosamente- Soube-te bem? Ter o poder pela primeira vez na vida?
Natasha não respondeu. Por instantes, o silêncio instalou-se entre eles, pesado e tenso.
Depois, ela sorriu. Um sorriso perverso, os lábios pintados de encarnado repuxados, as íris azuis faiscando de prazer.
- Eu adorei.
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