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Capítulo 4

               NATASHA queria vomitar. Tinha uma expressão tão enjoada no rosto que a rapariga ao seu lado, Heartie, inclusive tinha estendido o seu gorro de lã rosa caso ela precisasse de deitar para fora o pouco que comera naquele maldito dia. Um gesto gentil que a Sinclair prontamente recusara.

            O motivo do seu enjoo devera-se à chegada dos príncipes durante as boas-vindas. Antes disso, ficara a saber que a mulher com que se deparara ao chegar à Escola do Mal se chamava Lady Lesso e era ninguém menos do que a Diretora dos Nuncas. Clarissa Dovey, uma mulher bonita mas irritantemente alegre era a Diretora da Escola do Bem, as duas formando uma parelha invulgar ao discursarem para os seus novos alunos. Tudo corria bem até as portas se abrirem e os Sempres adentrarem, com os seus fatos ridículos, pestanas grandes e olhares de cachorro dirigidos às suas futuras princesas. Os rapazes preambularam por ali numa qualquer dança, terminando a mandar rosas às princesas Sempre, a visão fazendo o estômago de Natasha retorcer-se...

           Uma situação que piorara quando um último príncipe fez a sua entrada triunfal, pendurado numa corda como se fosse especial, desafiando os outros para um verdadeiro confronto de espadas. Olhos azuis, cabelos castanhos com luzes douradas, rosto belo e figura imponente. Pelo suspiro coletivo das Sempre, uma estrela caída na Terra.

- Tedros de Camelot. - explicou Heartie, sentada ao seu lado com um ar um pouco menos enjoado que ela - Filho do Rei Artur. Futuro rei do Bem. Uma lenda por aqui.

- Hediondo. - replicou Natasha, fazendo uma careta - Para que é que é este espalhafato? São só rapazes.

        Os Nuncas partilhavam o seu enjoo, à exceção de Sophie, cuja expressão deliciada fez Natasha revirar os olhos, murmurando um pequeno "ridícula" alto o suficiente para que a loira ouvisse.

          Um ciclope erguera-se da bancada dos Nuncas para enfrentar o príncipe após este derrotar os restantes. Os dois lados do salão vibravam com a luta, enquanto Natasha fitava o teto, questionando-se quando poderia ir para o seu dormitório descansar. Uma dor de cabeça começava a latejar entre as suas têmporas, deixando-a maldisposta.

        Afinal de contas, não tinham passado muitas horas desde que enterrara a mãe. Estava exausta e aquele espetáculo não estava a ajudar.

        A única outra pessoa que parecia tão entediada quanto ela era Agatha. Quando o olhar de ambas se cruzou, a morena revirou os olhos, fazendo um gesto de quem estava prestes a vomitar. Um sorriso contido desenhou-se nos lábios de Natasha, concordando com ela em silêncio.

            O som de lâmina a cortar carne chamou-a à atenção. Tedros saíra vencedor do confronto, para desgosto de todos. O ciclope, por sua vez, jazia no chão urrando de dor. Algures na luta, o seu braço fora cortado. A Sinclair reprimiu uma careta. Se o Bem era assim numa mera luta de alunos, que fazia o Mal?

            O moreno no centro do salão retirou a sua rosa do bolso, fazendo menção de a atirar com um sorriso vanglorioso. Ao fazê-lo, o seu olhar perdeu-se na bancada dos Nuncas, arregalando as íris azul-ciano ao deparar-se com o sorriso doce de Sophie, demasiado bela com os seus cabelos loiros e lábios rosados. Uma princesa entre monstros. Vendo-a observá-lo, desviou rapidamente o olhar, sentindo a respiração prender-se na garganta ao ver outra figura feminina destacar-se na multidão. Encarava as unhas com tédio, os cabelos ruivos como fogo no tecido negro do uniforme, os lábios pintados de encarnado atrativos, a pele de marfim...

                 Sentindo-se observada, Natasha Sinclair fitou-o, as íris azuis-elétricas trespassando-o com frieza.

                 Atarantado, o príncipe atirou a sua rosa na direção das princesas. A loira dos olhos claros, Beatrix, estendeu a mão, sabendo que era para si.

               Em vez de cair no seu colo, caiu no de Agatha, cuja expressão horrorizada fez Natasha soltar uma risada.

              Até a rosa irromper em chamas azuis.

⚡️

               A noite caía na Escola do Mal quando os Nuncas foram levados para os seus dormitórios, a gritaria e risadas maléficas substituídas pelo silêncio e escuridão. Sozinha no seu dormitório, Natasha fitava o céu estrelado pela sua janela, o rosto sem qualquer emoção, as mãos pousadas no colo enquanto permanecia sentada no parapeito.

            As torres de vidro da Escola do Bem refletia o luar intenso.

            Alguém bateu à sua porta. Entediada, a ruiva fechou os olhos, ignorando o som na esperança de que a sua aparente ausência fosse o suficiente para incentivar a pessoa a ir embora. Permaneceu em silêncio, imóvel, a respiração tranquila o suficiente para que não fosse ouvida. Quando pararam de bater à porta, soltou um suspiro, aliviada por não ir ser importunada.

           Depois, o trinco da porta estalou e a pessoa do outro lado entrou, deslizando pelo soalho e fechando a porta atrás de si com suavidade.

- Não lhe dei permissão para entrar. - disse Natasha, a voz gélida - Por favor, dê meia volta e retire-se.

- Sem dizer ao que venho? Não faria tal coisa.

         O Diretor da Escola do Bem e do Mal caminhou tranquilamente na sua direção, sentindo o peso do olhar duro de Natasha sobre si. A presença fria da rapariga fora o suficiente para manter os restantes Nuncas longe de si e sem desejarem partilhar dormitório com ela, à exceção de Heartie. A filha da Rainha de Copas insistira em ficar no mesmo dormitório que Natasha, estando apenas ausente por breves instantes para ir surrupiar comida à cozinha antes de dormir. Os restantes Nuncas sentiam-se intimidados pela Sinclair...

           O homem à sua frente, por outro lado, parecia... confortável.

- O que quer? - questionou Natasha, virando a cara e fitando a janela com indiferença - Seja breve.

O irmão do Bem pairou à sua beira, fitando-a com os olhos escuros. Num movimento lento, retirou os óculos de hastes douradas que usava, guardando-os cautelosamente no bolso do seu manto azul. Quando falou, a sua voz soou mais juvenil, as íris faiscando ao dizer:

- Como foi o primeiro dia, Miss Sinclair? A. Escola do Mal ajusta-se às suas expectativas?

- Não tinha expectativas. Sequer esperava que este lugar existisse. Para já, estou a achar tudo aborrecido, inclusive a palhaçada da rosa em chamas. - pestanejou, girando o rosto para encara-lo - Pergunto-me porque razão o Diretor da Escola sentiu vontade de vir bater à porta de apenas mais uma das suas muitas alunas. Costuma verificar o bem-estar de todos os estudantes que por aqui passaram?

           O mais velho sorriu, afundando as mãos nos bolsos com despreocupação. Um fumo carmesim envolveu-o lentamente à medida que as feições se distorciam, tornando-se mais jovens, a pele beijada pela imortalidade substituído a velhice, o manto azul adotando a coloração do sangue, o cabelo despontando onde antes não existia. Natasha cerrou os punhos no colo, esforçando-se para não demonstrar qualquer emoção ao ver a figura de Rhian desaparecer e dar lugar à do seu irmão gémeo.

           Rafal.

- O teu coração negro sentiu a minha presença? - questionou o imortal, fazendo uma vénia - Gostaste do meu teatro? Sempre fui bom a imitar o meu irmão.

- Não acredito que o teu irmão olhasse para mim como tu fizeste durante o discurso de boas-vindas.

             Natasha descruzou os braços, pondo-se de pé.

- O que queres de mim, Rafal? Eu já sei que sou especial. Ouvi os outros alunos a falar em como envias uns pássaros-esqueleto para os ir buscar aos seus reinos, incluindo a Gavaldon... mas a mim foste buscar pessoalmente. Tratas-me como se me venerasses mas não acredito que um homem poderoso como tu venere alguém além de ti mesmo.

- O teu rosto assombra-me os sonhos desde que me conheço, Natasha. - o irmão do Mal caminhou à sua volta, observando-a atentamente - Tu não fazes ideia...

Calou-se, baixando o rosto para esconder a expressão atormentada. Quando voltou a encará-la, o olhar malévolo foi recebido por ela com expectativa, o queixo erguido num gesto de desafio.

- Venho pedir o teu auxílio, Natasha. - respondeu Rafal, fitando-a com as pestanas caídas, exalando mistério e poder - Formaremos uma aliança. Juntos, lutaremos contra o Bem para que o Mal possa prevalecer. Mostraremos o mundo o lado pelo qual vale a pena lutar...

- Eu não luto por um lado. - cortou a Sinclair, friamente - Luto pelo meu.

                 Um sorriso arrogante formou-se no rosto belo de Rafal, os olhos faiscando de orgulho e desafio.

- Esperava que respondesses isso. Então, luta por ti. Alia-te a mim e dou-te o que tu mais desejas.

               Natasha cruzou os braços.

- Que é?

- O nome do teu pai.

           O coração da ruiva falhou uma batida, a garganta seca, os olhos elétricos fitando o imortal com apatia. Natasha era como fogo brando. Calmo, quieto... mas se se colocasse a mão por tempo demais, queimaria tão fortemente como a chama mais viva.

          O seu pai. O homem misterioso que deixara a mãe à sorte com uma bebé para cuidar. O desconhecido que não fora capaz de assumir as suas responsabilidades e cuidar delas. A que a deixou sozinha numa vila de dementes com uma mãe doente para apoiar. O culpado da sua solidão, do seu crescimento forçado, da miséria de Alina Sinclair.

Fitou o jovem à sua frente com atenção, questionando-se se estaria prestes a fazer um acordo com o Diabo. Nada sabia sobre Rafal. O feiticeiro imortal falava em enigmas, desaparecia como fumo e preambulava pela escola escondido com a face do irmão que matara. Tudo o que sabia é que ele ambicionava o mesmo que ela: poder. O tipo de poder que vergava o mundo a seus pés e o destruía. O tipo de poder que Natasha sonhara a vida toda alcançar para poder sentir-se mais do que a patética rapariga que era.

Sabia também que Rafal lhe daria a vingança que ansiava. Era o suficiente.

Estendeu a mão, observando o sorriso dele expandir-se, o calor da sua pele envolvendo-a quando a apertou.

Para sua surpresa, Rafal puxou-a para si, o rosto próximo demais do seu. Os olhos azuis de Natasha fitaram os seus com frieza, empurrando-o bruscamente para se afastar.

- Não sou um peão no teu jogo, Rafal. O que quer que tenhas em mente, que fique claro que salto fora ao primeiro sinal de perigo. Não vou colocar a minha vida em risco por ti.

- Nunca te colocaria em risco, minha Rosa. - o apelido inesperado fê-la erguer a sobrancelha, inquisidora - Bela como uma flor... e com espinhos tão afiados que poderias cortar-me a alma em pedaços.

- Que lisonja. - ironizou a Sinclair, cruzando os braços- Se estás a tentar seduzir-me, podes parar. Não precisas de o fazer para me convenceres a ajudar-te, já me comprometi a fazê-lo enquanto for benéfico para mim.

As pupilas de Rafal dilataram-se, a voz baixa ao dizer:

- Acredita em mim.... Não és tu que corres o risco de ser seduzida.

Um silêncio tenso pairou entre eles. Durou apenas alguns segundos, o suficiente para Natasha ver os segredos por detrás da intensidade, o coração retorcendo-se no peito ao aperceber-se quão confortável se sentia junto dele. Passara a vida rodeada de pessoas que desprezava, seres mesquinhos que diriam e fariam o que fosse preciso para deixá-la e à sua mãe cada vez mais sozinhas, odiando-as sem sequer conhecê-las. Pessoas sem ambição, estagnadas nas mesmas vidas miseráveis, preocupadas com trivialidades.

Com Rafal, a história era muito diferente.

- Proponho um acordo. - o imortal aproximou-se, segurando-lhe o queixo com uma gentileza inesperada - Se implorares por um beijo meu, juras-me lealdade... para sempre.

Os lábios vermelhos de Natasha esboçaram um sorriso malicioso, inclinando-se mais na sua direção, tão perto que podia sentir a respiração quente de Rafal contra o seu rosto.

- E se fores tu a implorar por um beijo meu? - sussurrou de volta, numa voz doce e provocativa.

Rafal sorriu. Suavemente, beijou-lhe a face, demorando-se a sentir o contacto dos seus lábios contra a pele macia da bochecha dela. Sentiu-a estremecer, os olhos azuis elétricos fitando-o com rancor, abominando a sensação de ser traída pelo seu próprio corpo. Quando ele se aproximou do seu ouvido, viu-se a fechar os olhos, deixando-se levar pelas palavras dele, melhores do que qualquer carícia:

- Se eu implorar por um beijo teu... serei apenas um peão no teu jogo, minha Rainha. A arma nas tuas mãos de caçadora. - afastou-se, as íris escuras fitando-a intensamente - Teu, Natasha. Somente teu.

                Quando Natasha abriu os olhos, ele já lá não estava.

Meu. Deus.

Eu estou chocada com a minha própria escrita 😂

A intensidade 🔥

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