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Capítulo 14

CLARISSA DOVEY encarava-a com um olhar apologético. Parecia genuinamente entristecida, fitando-a com os seus olhos castanhos bondosos.

- Temo não poder fazer isso. - respondeu, deixando os ombros descair - Lamento, querida.

- Não é um pedido. - rosnou Natasha, sentindo o seu poder remexer-se dentro de si, ansioso para atacar.

- Podes ameaçar-me o que quiseres. - a Diretora do Bem abanou a cabeça, a voz firme - Não vou trair os desejos da tua mãe.

- A minha mãe está morta. - retorquiu Natasha num tom gélido - Ela não saberá.

- Não compreenderias. Fiz-lhe uma promessa há muitos anos atrás e não vou quebrá-la, nem mesmo sob ameaças. - Dovey abanou a cabeça, o semblante entristecido - A tua mãe era a minha melhor amiga...

- Onde estava? - a jovem deu um passo em frente, faíscas azuladas estalando nos seus dedos - Estes anos todos, onde estava?! Enquanto ela definhava e morria à minha frente...

- Eu não sabia! Fomos forçadas a separar-nos e... - lágrimas acumularam se nos olhos da mais velha, as mãos torcidas num gesto de nervoso - Como é que ela...

- Não me diga que nem sabia que a minha mãe era uma mulher doente? Que melhor amiga!

         A ironia nas suas palavras fizeram a mulher estremecer, desviando o olhar. Os lábios de Natasha entreabriram-se, o choque espalhando-se depressa pela sua expressão, incapaz de domar as emoções que borbulhavam dentro de si.

- Ela não estava doente quando andava aqui, pois não? Ela... Ela nunca esteve doente. Não quando era uma Sempre na Escola do Bem.

- Natasha, por favor...

- DIGA-ME A VERDADE!

Natasha Sinclair estava à beira de perder o controlo. Relâmpagos azulados estalaram entre as suas mãos, as faíscas soltando-se dos seus dedos e embatendo nas paredes à sua volta com violência. Sentiu os cabelos da nuca eriçarem-se com a eletricidade e rangeu os dentes, a visão toldada pela raiva.

Puro medo preenchia o olhar da Professora Dovey. As mãos tremiam à medida que tateavam a mesa atrás de si, procurando algo com que se defender. Se conseguisse usar a sua magia talvez pudesse enfrentar a Nunca enfurecida mas a magia respondia às emoções e Clarissa estava demasiado assoberbada para conseguir formular um feitiço.

Olhar para Natasha era como ver um fantasma...

Mas não o fantasma de Alina.

- Professora Dovey, está tudo... Natasha?

            Vermelho sangue preencheu a visão de Natasha. Os relâmpagos ao seu redor estalaram com veemência, o poder dentro de si ronronado em antecipação. Um flash de luz e o príncipe de Camelot estava à sua frente, a Excalibur em riste resplandecendo com o seu poder dourado enquanto escudava a Professora Dovey com uma expressão séria no rosto.

            Um sorriso cruel bailou nos lábios de Natasha, distorcendo-lhe as feições e tornando-a verdadeiramente Ma.

- Isto acabou de ficar mais interessante. - sibilou, numa voz fria e calculista - Avança e mato-te com todo o prazer, Tedros. Estarias a fazer-me um favor.

              O olhar de Tedros vacilou.

- Nat...

Mata-o.

Algo dentro de Natasha retorcia-se, ansioso por soltar-se. A Nunca sentiu um sabor metálico na boca, apercebendo-se que mordia o lábio inferior com força demais. O sangue inebriou-a, deixando-a a desejar o sangue dele.

- Tedros, sai daqui. - guinchou a Professora Dovey, assustada - Ela está fora de controlo. Ela...

- Ela é a minha Nemesis.

A forma como Tedros o dissera fez a Sinclair recuar. Os relâmpagos abrandaram, contorcendo-se em redor dos seus dedos com mais controlo, as íris azuis fixas nas cor do céu do príncipe. Havia pesar na sua expressão. Tristeza.

Ele sentia a mesma retorcida tristeza que ela.

Ainda assim, Natasha não podia vacilar. Ela queria respostas. Tinha de forçar Dovey a revelar a verdade sobre a sua mãe... fosse de que forma fosse.

- Diga-me a verdade ou mato-o, Professora. - ameaçou Natasha, fitando a mais velha - Irei matá-lo mais cedo ou mais tarde. Talvez despache já o assunto...

- Eu digo-te o que queres saber.

A voz atrás de si era fria e resoluta. Lentamente, Natasha virou-se, um sorriso fraco bailando nos seus lábios carmesim.

- Cansou de se armar em durona, Lady Lesso? - questionou, provocativa - Ou quer proteger a sua amiguinha?

- Clarissa não é minha amiga. - sibilou a Diretora do Mal, caminhando furtivamente com a sua bengala a bater ruidosamente no chão - Para o meu gabinete, criatura maléfica.

                Natasha assentiu, forçando os relâmpagos a desvanecerem-se. Pelo canto do olho, viu o príncipe estremecer, a espada ainda erguida, os nós dos dedos brancos da força com que a empunhava.

               Havia medo no seu olhar. Refletida nas pupilas dilatadas do príncipe, Natasha estremeceu, incomodada.

               Nunca parecera tanto uma vilã.

⚡️
- Lesso, não podes fazer isto.

- Clarissa, cala-te.

- Eu fiz uma promessa...

- Eu não fiz.

         As duas professoras discutiam fervorosamente enquanto Natasha as observava. Trancara a porta do gabinete de Lesso sem ousar olhar, não tivessem sido seguidas por Tedros ou por algum Nunca. Agora, sentava-se confortavelmente na cadeira onde a Diretora se deveria sentar, num ato provocativo.

- A minha mãe foi aluna aqui. - disse, interrompendo a troca de palavras das mulheres mais velhas - Era uma Sempre e foi sua colega, Professora Dovey. Até aí eu já cheguei.

- Ela não era apenas uma aluna. - corrigiu Lesso, apoiando-se na sua bengala com um ar arrogante - Era a melhor Sempre do seu ano. A mais generosa, a mais bondosa, a mais bonita.

Os lábios de Lesso cerraram-se numa linha fina, a raiva faiscando nas suas íris violeta.

- A minha Nemesis, portanto.

            Natasha engoliu em seco, escondendo a surpresa. Ora ali estava uma informação que ela ainda não obtivera.

- Fomos trazidas de Gavaldon na mesma noite. - Lesso desviou o olhar, escondendo as emoções - Fomos as melhores do nosso ano.

- Lesso, por favor... - pediu Dovey, encarando a professora do Mal com os olhos arregalados - Não faças isto...

- Eu sei o Que posso ou não posso dizer, Clarissa. - ripostou Lesso, virando-se para a outra com brusquidão - Estou ciente dos riscos que corro ao quebrar a promessa.

- Riscos? Falam como se a minha mãe fosse regressar dos mortos para vos assombrar porque quebraram uma maldita promessa.

O comentário sarcástico de Natasha esmoreceu ao ver as expressões sérias das duas professoras. Para sua surpresa, foi Dovey que lhe respondeu, a voz trémula e pouco firme:

- Como a Lesso disse, a tua mãe era uma princesa extraordinária. Não tinha um pingo de sangue real e ainda assim era Boa no coração. A tua colega, Agatha, recorda-me dela. Tal como o seu coração, o seu talento era Bom. Especial. - fez uma pausa, baixando o olhar - O dom da tua mãe era guardar segredos. Qualquer segredo que lhe fosse contado nunca poderia ser revelado por ninguém.

- Era impossível haver mexericos com a tua mãe. Aborrecido, na verdade. - comentou Lesso, estalando a língua.

Clarissa repreendeu-a com o olhar.

- Ao princípio, achamos que era um talento inofensivo. Uma vez contei à tua mãe que... bom... - a professora torceu as mãos, envergonhada - Tinha uma paixoneta por uma colega. - pigarreou, atrapalhada - Outra ouviu e foi a correr contar às amigas. Horas depois...

- Apareceu careca. - Lesso esboçou um sorriso maléfico, visivelmente satisfeita - Quem diria que o talento de um Sempre seria tão maldoso?

- Não era maldoso. - defendeu Dovey, apressadamente - O cabelo era o bem mais precioso da miúda. Poderia ter sido outra coisa mais... branda.

- Seja como for, segredos e promessas eram algo perigoso nas mãos de Alina. Por isso nunca te poderemos contar quem é o teu pai, Sinclair. - Lesso estalou a língua, desdenhosa - A tua mãe forçou-nos a guardar o segredo dela. Estamos vinculadas por magia e arriscamos a perder mais do que o cabelo.

- Porque ela faria uma coisa dessas? - questionou Natasha, com a voz rouca.

As duas mulheres trocaram olhares. Fosse qual fosse o segredo que guardavam, era suficientemente perigoso para deixar duas mulheres poderosas amendrontadas.

- Porque quanto maior a Luz... maior a Sombra. Uma Sempre poderosa como a Alina Sinclair atraiu o que há de mais Negro... e de mais perigoso. - respondeu Lesso.

- Tudo o que te podemos dizer é que a tua mãe apaixonou-se pela pessoa errada. No nosso terceiro ano, Rafal convidou um vilão poderoso para dar a disciplina que a professora Lesso da hoje, Talentos. - disse Dovey, estremecendo - Foi inevitável. Como uma mosca atraída para a luz, o vilão apaixonou-se pela tua mãe... e ela por ele. Alina sempre acreditou que todo o Mal tem Bem e vice-versa. E tinha razão, claro.

- Mas há vilões que não são capazes de mudar. - retorquiu Lesso, pressionando os lábios por instantes - Foi o caso. O amor deu lugar à obsessão... e a ti.

- A tua mãe teve de fugir para Gavaldon quando descobriu que estava grávida de ti, Natasha. - a professora do Bem aproximou-se da Nunca, observando-a com gentileza - Precisava de esconder-te do teu pai e fez-nos prometer nunca contar a ninguém a verdade. Se ele te encontrasse...

- O que acontece se ele me encontrar? - questionou Natasha, desesperada - Porque é que a minha mãe me escondeu? Vocês só estão a contar-me metade da história...

- E é tudo o que te podemos dizer. - interrompeu Lesso, resoluta.

- Lamento, Natasha. É impossível quebrarmos a promessa que fizemos à tua mãe e muito já a professora Lesso arriscou ao contar-te parte da verdade.

A Diretora do Mal assentiu, concordando. O coração de Natasha retorceu-se de fúria.

Continuava tão perdida como sempre.

- Obrigada por nada. - rosnou, virando as costas às duas mulheres.

Saiu porta fora, faíscas saltando dos seus dedos.

⚡️

Horas depois, vomitava, enfraquecida pelo passado da sua mãe, por saber que Tedros era o seu Nemesis, por se sentir perdida e dividida entre ser a vilã que nascera para ser e fugir de tudo e de todos.

Com mais gentileza do esperava, Rafal amparou-a. Beijou lhe os cabelos e sussurrou palavras de conforto e poder.

E ela sabia que eventualmente cederia aos seus encantos.

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