17 Steve Parker
Eu mal podia acreditar.
Eu e Steve andávamos lado a lado, à beira do rio Pinheiros, um dos muitos rios existentes em São Paulo.
A moto jazia por ali, encostada em um dos coqueiros. Eu ocasionalmente chutava um pouco da areia, sem nem me importar em estar sujando meus coturnos.
- Eu nem agradeci você por ter me salvado daquele homem, aquele dia - falei.
Ele deu de ombros.
Steve era alto. Não tão alto a ponto de eu me sentir muito baixinha. Mas ele tinha uma boa altura. Um porte físico que faria garotas fúteis demais babarem ( ok, talvez eu fosse fútil demais pois estava quase babando ) e um andar elegante, felino, quase... sensual.
- Se você não tivesse chegado a tempo, nem sei o que ele teria feito comigo - continuei - então muito obrigada mesmo.
Como ele permanecia calado, resolvi mudar o rumo da conversa.
- Então, a gente já se viu duas vezes mas, para mim, você ainda é praticamente um estranho. Me fala um pouco sobre você - pedi.
Ele me olhou.
- O que quer saber?
- Hum... seu nome é Steve mesmo?
- É, sim.
- Sobrenome?
- Parker. Steve Parker.
Parei.
- Parker?? Você é... americano?
- Sim.
- Uau! - exclamei.
Continuamos a andar.
- Mas... você fala português fluentemente - eu disse, intrigada.
Steve deu de ombros.
- Moro aqui há algum tempo.
- Você é de onde?
- Nova York.
- Uau - repeti, sem me conter.
Um americano. Eu estava andando na prainha de um rio, à noite, com um americano. Um americano gatíssimo!
- Por que você mora aqui? Cadê sua família? - disparei as perguntas, muito curiosa.
Ele hesitou um pouco antes de responder:
- Meus pais morreram, de família só tenho meu avô.
Meu coração se apertou imediatamente.
- Sinto muito...
Fiquei quieta um instante, me sentindo muito mal por ser tão curiosa e tê-lo feito falar aquilo.
Não havia ninguém por ali àquela hora, além de nós. Apenas cerca de uns vinte metros dali, podíamos ver uma fraca movimentação de pessoas e alguns ruídos de vozes.
Estava razoavelmente escuro.
Quando chegamos perto de umas pedras, Steve se sentou, encostando-se na maior delas. Eu também me sentei vagarosamente, perto de uma menor.
Ficamos alguns momentos quietos, apenas ouvindo o borbulhar da água.
Porém, não consegui me conter.
- Quem morreu primeiro, seu pai ou sua mãe? - falei, me sentindo idiota.
- Não sei, acho que os dois ao mesmo tempo - Steve disse, olhando para o rio.
- Ahn?
- Acidente. Batida de trem - explicou.
Senti um frio na espinha.
- Nossa - balbuciei, pasma.
- Como... como? - comecei, mas não tive coragem de continuar a pergunta.
- Os dois estavam comemorando o vigésimo aniversário de casamento deles, com uma viagem de trem até Winchester, uma cidadezinha independente no estado da Virgínia, onde minha mãe nasceu. Na volta... o trem desgovernou, houve uma batida.
Engoli em seco.
- Poxa... - falei, consternada.
- Já faz muitos anos. - Ele deu de ombros.
- E o seu avô?
- Mora em Nova York. Nunca veio pra cá.
Fiquei muito quieta, observando Steve.
- Qual o nome do seu avô?
- Charles Parker.
- Charles Parker... - repeti.
Ainda estava encantada com o fato dele ser americano.
De repente, foi a vez dele me olhar, curiosamente.
- Você é meio doida, né?
- Por quê?
- Deixou seu namorado plantado na porta do shopping, depois daquele beijo.
Corei, envergonhada.
- Eu precisava urgentemente te devolver a jaqueta e... ele não é meu namorado - expliquei.
- Pior. Depois dessa, dificilmente ele te pedirá em namoro. Você praticamente saiu correndo dele.
Eu ri.
- Não saí correndo dele. Já expliquei porque corri.
Steve me olhou de novo.
- Por que quis tanto devolver a jaqueta? Eu não faço questão dela.
- Minha mãe exigiu que eu devolvesse. Ahn... posso te fazer uma pergunta?
Ele balançou a cabeça, afirmativamente.
Criei coragem e perguntei:
- Você vende maconha?
Steve pareceu realmente surpreso. Não respondeu de imediato. Aproveitei para explicar o porquê da minha pergunta.
Ele ouviu toda a história do dia do aniversário da minha avó, e da inconveniência do meu primo ao falar em voz alta sobre o cheiro da jaqueta, com um sorriso no canto da boca.
- Me dê aqui. - Ele pediu a jaqueta, que eu havia tirado, pois a caminhada pela beira do rio me fizera sentir calor.
Ele segurou a jaqueta e inspirou profundamente, cheirando-a.
- Mas está cheirando a amaciante - constatou.
- Porque eu lavei, óbvio.
- Você lavou minha jaqueta? - Dessa vez ele realmente riu.
- Sim, algum problema?
- Não, não...
Jogou a jaqueta no ombro e passou a língua pelos lábios, umedecendo-os.
- Bom... sim -disse.
- Hum?
- Eu vendo maconha.
Fiquei calada, diante da confissão.
Algo dentro de mim começou a se perguntar porquê um cara como Steve venderia maconha.
Mas quem era Steve Parker, afinal? O que eu sabia sobre ele?
Que era americano? Que seus pais tinham morrido num acidente horrível?
Isso o tornava conhecido para mim? Não, não totalmente. Então não havia porque ficar pensando naquilo.
- E usar? Você usa? - Eu quis saber.
- Não, não mais. Usei há muito tempo - respondeu, pegando uma pedrinha maior no meio da areia e jogando-a no rio.
Ficamos olhando as pequenas ondas circulares que se formaram na água, até se desmancharem, aos poucos. Eu ainda não sabia se acreditava ou não naquilo.
- Sabe, Amber... - ele disse e eu estremeci ao ouvir meu nome sendo pronunciado por ele, pela primeira vez. - Há muito sobre mim, que não daria pra você saber em apenas uma noite.
- Então comece - pedi. - Apenas comece.
Steve me olhou.
- Está na hora de levar você para casa - falou, se levantando de repente.
Me deu as costas e começou a caminhar, muito devagar, em direção à moto que estava estacionada a poucos metros dali.
Eu também me levantei, limpando a areia da calça.
Quando o alcancei, ele já havia vestido a jaqueta e me entregou o capacete. Não disse mais nada, tampouco eu.
Mais uma vez, Steve me deixou na porta de casa.
Eu desci da moto, olhando-o com uma ansiedade que eu não conseguia conter.
- A gente vai se ver de novo? - perguntei.
Ele me olhou por um momento.
- É melhor não - falou fechando o capacete.
Ele se foi, me deixando ali, com uma sensação meio amarga causada por aquele " é melhor não ".
▫▫▫
Beijos da Tay😘❤
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