07 Emoções À Flor Da Pele
Fiquei tão pasmada ao ouvir aquela confissão que não fui capaz de dizer palavra alguma, por um bom tempo.
Os olhos de Nina haviam se transformado em uma cachoeira de lágrimas e ela se sacudia toda, em seu choro desconsolado.
-É por isso, Amber... é por isso que eu sempre choro. Por que eu me lembro do bebê que eu abortei...- Ela disse, em meio às lágrimas.
Procurei me recompor, mesmo estando absolutamente chocada.
-Nina.- Respirei fundo e toquei seu braço.- Me conta... Como foi isso?
Ela passou a mão pelo rosto, deixando-o ainda mais avermelhado do que já estava e também respirou fundo.
-Eu conheci um cara. Foi num final de semana, numa dessas baladas que eu costumo ir... Você precisava ver, Amber. Foi incrível. Ele era incrível. Dançamos a noite toda, conversamos. A gente se divertiu bastante aquela noite.- Ela contava e um esboço de sorriso apareceu em seu rosto, conforme ela se lembrava.- Ele era tão... maduro e lindo. Ele fez eu me sentir muito mais feliz do que qualquer outro cara com quem eu já tenha saído.
Nina fez uma pausa, se encostando no banco, virando-se de frente para mim.
-Antes da festa acabar, ele me levou até o carro dele. O clima esquentou e... acabamos ficando ali mesmo, no carro.
Ela não corou nenhum pouco ao dizer isso e eu fiquei perturbada com os meus próprios pensamentos. Inclusive fiquei tentada a perguntar se aquela havia sido a sua primeira vez, mas, pelo modo como falava, era provável que não.
Por incrível que pareça, aquele era um assunto no qual nenhuma de nós havíamos tocado antes.
-Não pensei nas consequências, sabe?- Ela deu de ombros.- Só o que me importava naquele momento era ele. Estar com ele. E fiquei. E foi demais. Depois ele me levou embora e... nunca mais eu o vi.
-O quê? Como assim?? Vocês não trocaram número de telefone, nem nada??- Indaguei, sem acreditar.
-Não. Sabe quando você vive um momento na sua vida que alguma coisa, lá no fundo do seu coração te diz que provavelmente nunca mais vai acontecer de novo? Já sentiu isso??
Fiz que sim, lentamente.
-Então. Essa noite, com esse cara, foi um desses momentos. Aconteceu. Foi perfeito. Mas não volta mais.
Eu fiquei olhando-a, sem saber o que dizer.
Ela no entanto, prosseguiu:
-Quando minha menstruação atrasou, eu já sabia que havia algo errado. Ela nunca se atrasa. E também, eu sentia que estava, você sabe...
Ela travou, não conseguindo falar a palavra "grávida".
Seus olhos se encheram de lágrimas novamente.
-Quando eu me dei conta disso, eu fiquei com tanto medo, Amber. Eu... não sabia o que fazer. Fiquei apavorada. Comprei o teste de farmácia e quando aquilo deu positivo eu simplesmente... surtei. Dizia pra mim mesma que não seria capaz de cuidar de uma criança, por que... poxa, eu mal sei cuidar de mim mesma.- Ela soluçou.
Ouvir Nina falar era como reviver tudo aquilo de novo.
-Além do mais, sabia que era praticamente impossível ver aquele cara de novo e aí... Eu decidi que ia tirar. Pensei em tudo o que eu ia perder, toda a curtição que iria perder, se fosse mãe e não conseguia gostar dessa idéia. Todos os dias eu acordava com vontade de me livrar do...- Ela parou de falar, chorando.
-Como conseguiu fazer isso? Alguém te ajudou?- Perguntei e esperei pacientemente até que ela conseguisse responder.
-Sim.- Balançou a cabeça.- Ouvi por acaso uma cliente no salão falar sobre uma mulher que fazia esse tipo de trabalho. Eu sabia que era arriscado, mas entrei em contato com essa mulher e ela disse que poderia sim, fazer isso por mim. Que não sairia muito caro.
Olhei-a, horrorizada.
-Por favor, Amber. Não me odeie. Eu estava apavorada. Eu nunca me senti tão sozinha na minha vida. Você não estava aqui e... falar sobre isso com titia você sabe que seria o fim do mundo. Eu fiquei um dia inteiro pensando se realmente faria isso, ou não. Me afastei de tudo e de todos. Eu me tornei uma pessoa estranha durante aqueles dias...
Agora tudo fazia sentido. Como o dia em que eu havia ligado para ela e contado sobre o pedido de namoro que Steve havia feito e a reação dela foi... indiferente. Apática. Era uma Nina totalmente estranha ao telefone. Agora eu sabia o porquê.
-E então, eu fiz. Marquei um horário com a tal mulher e... aconteceu.
-Doeu muito?- Perguntei, engolindo em seco.
Ela sacudiu a cabeça.
-Não senti nada. Eu nem vi nada, na verdade. Só senti um leve desconforto quando tudo acabou.
Olhei para o outro lado da avenida parada e o vento frio da tarde alcançou meu rosto. Uma imensa tristeza tomou conta de mim, por saber de tudo aquilo.
-Amber?
-Oi?- Falei, voltando a olhar para ela.
-Você não pensa em abortar, pensa??
Me endireitei no banco, abismada com aquela pergunta.
Nina nem me deixou responder.
-Se estiver pensando nisso, por favor, pare. Não faça isso. Estou te dizendo isso por que... não tem um só dia que eu já não acorde arrependida. Eu me arrependo todos os dias, Amber.- Uma lágrima rolou até sumir em seu queixo.- Eu me pego às vezes imaginando como ele ou ela seria, sabe? Como seria seu rostinho... se pareceria comigo...
Reprimi a vontade de chorar.
-E eu sei que errei.- Ela continuou.- Sei que fui uma vadia egoísta e matei a coisa mais importante que eu teria na vida. É por isso que estou te dizendo isso, Amber. Pra você nem sequer pensar em fazer isso por que, no fim das contas... não vale a pena. Se você fizer isso, será como uma prisão. Você nunca ficará livre da culpa e do remorso. Você vai se atormentar todos os dias. Eu me atormento todos os dias.- Confessou, com a voz embargada pelo choro.
-Oh, Nina...- Abracei-a, sendo também vencida pelo choro inevitável.
Ela escondeu o rosto em meu ombro, e eu permiti que ela chorasse, sabendo que no final das contas, chorar fazia muito bem.
-Nina- falei, alguns minutos depois, quando ambas já havíamos nos acalmado.- Eu realmente sinto muito que tudo isso tenha acontecido com você mas... quero dizer que não se preocupe. Não está sendo fácil pra mim também, passar por esse momento, mas, acredite... de todas as coisas que penso, jamais, em momento algum, passou pela minha cabeça a idéia de tirar esse bebê.
-É claro. Você sempre foi uma pessoa melhor do que eu.- Ela ergueu a cabeça.
-Não. Não sou não. Eu sou só uma pessoa cheia de erros e defeitos, tentando fazer a coisa certa. Eu não julgo você, Nina. É uma coisa que eu jamais faria, mas se você fez... Quem sou eu pra te julgar. Como eu ouvi alguém dizer certa vez: "Ninguém conhece os meus pés dentro dos meus sapatos.". Ou seja: ninguém sabe de tudo o que você passou. Tudo o que você chorou sozinha. As guerras que travou consigo mesma. Ninguém pode julgar ninguém. Todos erramos. E além do mais.- Apertei as mãos dela entre as minhas.- Você se arrependeu. Isso é o mais importante.
Ela sorriu fracamente.
-Eu não aguentava mais guardar isso só pra mim. Estava me sufocando, já. Ainda bem que você está aqui. Obrigada, Amber.
Sorri de volta.
-Não se atormente mais. A vida segue e... você ainda tem muita coisa pra viver.
-É um pouco difícil. Mas eu estou tentando- disse ela.
Ficamos caladas, cada uma com seus pensamentos. O frio estava aumentando e eu senti vontade de voltar para casa. Antes, só precisava fazer mais uma pergunta.
-Qual é o nome desse cara que você conheceu?
Perdida em seus pensamentos, ela demorou a responder.
-É Alan.
Ela fez uma pausa.
-Você não o conhece. Ninguém conhece. Na verdade... nem eu o conheço. Como eu disse, é bem provável que nunca mais o veja de novo.
Olhei-a.
-Nina, você... se apaixonou por esse cara?- Perguntei.
Ela deu uma risadinha sem humor e disse, já se levantando:
-Claro que não. Foi só uma noite, Amber. Além do mais, isso não acontece comigo.
-Isso o quê?- falei, também me levantando.
-Me apaixonar.
Ela seguiu andando e eu a acompanhei, ainda embasbacada com aquela história.
~❤~
No dia seguinte, voltamos juntas para casa depois do nosso expediente de trabalho, assim como no dia anterior.
Eu parei, na porta da sala, sem acreditar em quem eu estava vendo ali.
-O que ele está fazendo aqui??- Sussurrei, para Nina.
Diego, nosso primo, estava esparramado no sofá, com o controle da TV nas mãos, vagueando pelos canais.
-Ah, ele dorme aqui de vez em quando, por causa da faculdade.- Respondeu Nina, dando de ombros.
-Eu pensei que ele ficasse no dormitório, como os demais- falei.
-Ué, ele tem parentes aqui, que somos nós, no caso. Tem todo o direito de ficar aqui, se quiser.
Suspirei. Diego por perto? Eu podia prever confusão.
-Oi meninas!- Exclamou o próprio.
-Oii, cadê titia?- Perguntou Nina, parecendo super tranquila com a presença de Diego ali.
Até que isso não me surpreendia, pois os dois já haviam se beijado, justamente na ocasião do episódio da jaqueta.
-Ela ainda não chegou.
Nina seguiu para a cozinha, dizendo estar com sede.
-E aí, você não me cumprimenta mais?- Diego disse, me olhando maliciosamente.
Eu até podia tentar gostar dele, se ele não tivesse aquele ar irritante. Parecia até Richard, meu ex tutor, que eu era obrigada a aturar.
-Ah, oi Diego...- falei, me jogando no sofá também.
Aquela quarta feira, ao contrário da terça, havia sido puxada e eu estava exausta.
Nina voltou da cozinha, e me passou uma garrafa de água, o que eu sinceramente agradeci.
-E então, quais são os planos pra hoje?- Diego perguntou, se endireitando no sofá.
-Comer e dormir- disse Nina.
-Idem.- Concordei, depois de beber um longo gole de água.
-Ah, qual é. Não podem estar tão cansadas assim. Vai rolar uma festinha na casa de um dos meus amigos da facul. Tenho o direito de levar duas acompanhantes. E adivinha só... vocês são as felizardas!!!- disse ele, animadíssimo.
-Eu passo- falei.
-Hum... festinha é?- Considerou Nina.
Claro, ela era uma baladeira de primeira linha, era natural que se interessasse.
-Unhum... E aí, partiu?- Insistiu Diego.
Nina pensou mais um pouco e o que saiu dela foi um bocejo.
-Acho... que não.- Ela disse, depois de alguns momentos apenas bocejando.
-Ah, não acredito nisso. Vocês são mó chatas, caramba!
-Ué, ninguém aqui é obrigada a ir com você. Vai sozinho.- Eu disse.
Ele se levantou, de repente.
-Sozinho nada. Até parece. Quer saber, vou chamar minha loirinha pra ir comigo. Ela, eu tenho certeza que não vai recusar!
-Quer dizer a Luísa?- Perguntei.
-Ela mesma. Eu vou subir pra me arrumar.- Ele passou por mim e pegou no meu cabelo, subindo em seguida.
Suspirei. Bom, pelo menos teríamos sossego aquela noite.
-E então, o que rola entre eles, você sabe?- Perguntei, momentos depois.
-Entre quem?
-Luísa e Diego.
-Ah...- Nina deu de ombros.- Sei lá. Como eles estudam juntos, acho que acabam saindo, de vez em quando. Mas não sei se realmente rola ou já rolou alguma coisa. Claro que se fosse pelo Diego, já teria rolado. Mas a Luísa, você sabe... ela gosta do Jhony.
-Sei. E como fica isso?
-Bom, Jhony também estuda na USP, e ao que parece, de vez em quando bate um certo ciúme nele, segundo o que Diego me conta. Quer dizer, o próprio Jhony já me disse que não gosta de ver Luísa com "aquele mané". É como ele se refere ao Diego.- Ela riu.
Eu também ri, mas continuava curiosa.
-Você acha então que Jhony pode estar gostando de Luísa??
Nina pensou um pouco.
-Não sei. Às vezes parece que sim. Dá pra perceber que ela mexe com os sentimentos dele. Principalmente depois que você foi embora. Mas ele nunca toma uma atitude real em relação a isso. Acho que ele ainda tem esperança de que possa haver algo entre vocês.
-Isso é impossível- falei, preocupada.
Não queria de forma alguma ver Jhony se iludindo com algo que não era pra ser. Ou seja, um relacionamento entre nós dois.
Eu já havia feito a minha escolha. E, por mais que estivesse sendo difícil as coisas entre eu e Steve no momento, eu não estava disposta a voltar atrás na minha decisão.
-É claro que é impossível.- Concordou Nina.
Depois de conversarmos por mais alguns minutos, decidi subir, a fim de tomar um banho e descansar.
Estranhei o fato da porta do meu quarto estar entreaberta, o que não era comum, já que sempre que eu saía, a mantinha fechada.
Empurrei a porta e entrei, levando um susto enorme.
-Diego?? O que está fazendo no meu quarto???
Ele se assustou. Mas a expressão de susto não era nada comparada à de deboche.
-Oi, Amber!- Disse, cínico e eu reparei que suas mãos estavam escondidas atrás do corpo.
-Oi nada. Cai fora daqui agora!- falei, ríspida, odiando aquela invasão de privacidade.
-Por que? Será que tem algo aqui no seu quarto que eu, ou mais alguém não possa ver??
-O quê??- Falei, irritada e nervosa ao mesmo tempo.
Será que ele suspeitava de algo?Mas como?
-O que você tem a esconder, Amber??- Disse o imbecil.
-Nada! Não tenho nada a esconder. Agora, saia do meu quarto!
-Tem certeza? E quanto a isso aqui???- Ele se pôs perto de mim rapidamente e colocou na minha frente algo que me fez suar frio.
Eram os papéis que comprovavam a minha gravidez, juntamente com as imagens do primeiro ultrassom.
-Você é louco! Como ousa entrar no meu quarto assim e mexer nas minhas coisas?!? Me dá isso aqui!!!- Tentei arrancar tudo das mãos dele, mas o infeliz era mais rápido e se afastou.
-Ora, ora, ora!- Falou, rindo.
-Diego, não é o que você está pensando. Por favor, me dê isso aqui!- Pedi, tentando me controlar.
-Não é o que eu estou pensando? Eu tenho cara de idiota, Amber?Acho que não, né?- Ele dizia, com o ar superior.
Depois, se aproximou de mim e sussurrou no meu ouvido:
-Você está grávida. Esses papéis e aqueles potes de vitaminas ali na sua gaveta comprovam isso. Parece que você andou aprontando lá em Nova York, não é??
Olhei para a gaveta na minha cômoda, revirada e fui tomada pela indignação e pela raiva.
-Garoto imbecil!- Gritei, empurrando-o para longe de mim.- Quem você pensa que é pra falar assim comigo e pra invadir o meu quarto desse jeito? Você não tem esse direito!!!
-Eu sei. E posso te jurar que foi sem querer. Mas... caramba, Amber! Você me deixou muito feliz. Sério! Titia já sabe disso?
-Não interessa a você!
-Já entendi tudo. Ela não sabe!Hahaha, mas isso é ótimo. Eu vou ter o enorme prazer de ser o portador da notícia de que ela vai ser vovó!
-Não ouse abrir essa sua boca pra importunar a minha mãe com isso!
-Ah, é? E quem vai me impedir?- O tom de voz dele agora era frio.
-Eu! Você não sabe do que eu posso ser capaz, Diego!
-Isso é uma ameaça?
-É um aviso.
-Eu não tenho medo de você, Amber. Muito menos daquele seu namorado barra pesada, dono daquela jaqueta imunda que você usou aquele dia.
Antes que eu percebesse, minha mão já estava na cara dele, e o som do tapa ecoou pelo quarto.
-Meça suas palavras para falar do Steve!- Gritei.
-Eu falo como quiser! E agora, em retribuição a esse tapa, vou te pagar com a mesma moeda. Só que vai ser muito pior.
-O que você vai fazer?
Antes que ele pudesse responder, minha mãe apareceu na porta do quarto, seguida por Nina.
-Mas o que é isso? Que gritaria é essa??- Ela perguntou, nos sondando com o olhar.
-Ah, titia... que bom que chegou. Eu já estava mesmo indo procurar a senhora!- Disse Diego, exalando ironia.
-Me procurar? Pra quê?
-Tem algo importante que a senhora precisa saber.
Olhei desesperada para Nina.
Diego estava prestes a contar tudo para a minha mãe.
Mas eu não podia permitir isso.
Eu tinha que fazer alguma coisa.
▪▪▪
E agora? Será que Diego vai expôr a gravidez de Amber??
Até o próximo!❤❤
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