Os mesmos olhos
Ele apareceu no verão, com um sorriso contagiante, logo me envolveu. Olhava-me atentamente do outro lado do parque, seus olhos escuros não desviavam dos meus. Franzi as sobrancelhas, fechando meu livro e me levantando do banco com um suspiro, incomodada.
Na manhã seguinte, lá estava ele, no mesmo lugar, como se me esperasse. Abri o mesmo livro, na mesma página e busquei me concentrar nas palavras, mas a cada minuto me sentia tentada a olhar para cima e encontrar aqueles olhos profundos. Mais uma vez, fechei meu livro e me levantei em silêncio, indo embora.
No terceiro dia, uma surpresa. Lá estava ele, o mesmo olhar atento, o mesmo sorriso aberto, só que dessa vez no meu banco.
─ Oi ─ sua voz era suave.
─ Oi ─ respondi, tentando não demonstrar meu nervosismo em tê-lo ali.
─ Sente-se aqui ─ ele abriu espaço para mim no banco, e eu me sentei meio desajeitada ─ Qual o seu nome, senhorita?
Senhorita? De que século ele vinha?
─ Só conto se me disser o seu ─ sorri com petulância.
Ele riu baixinho e pareceu considerar se deveria ou não me responder.
─ Meu nome é Murilo.
─ Hmm, o meu é Beatriz.
─ Combina com você ─ afirmou.
─ Por que? ─ levantei uma sobrancelha, curiosa.
─ É um nome doce.
─ Como sabe que eu sou doce?
─ Eu sei ─ disse simplesmente e se levantou, indo embora.
No dia seguinte, quando cheguei no parque, ele não estava, e assim passou-se uma semana sem que eu o visse novamente. Sentia-me estranha, como se o fato de ele não estar ali me incomodasse.
Na próxima semana, sentei-me no mesmo banco, folheando as páginas do livro, agora completamente concentrada. Tão concentrada que não percebi quando se sentaram ao meu lado.
─ Ele me contou sobre você ─ uma voz atingiu meus ouvidos, despertando-me do transe.
─ Oi? ─ olhei para cima, me deparando com o rosto de um estranho, mas com olhos conhecidos.
─ Meu irmão, ele me contou sobre você ─ lançou-me um sorriso triste.
─ Quem é você?
─ Max ─ estendeu-me a mão aberta, um pequeno pedaço de papel dobrado em sua palma.
─ O que é isso? ─ indaguei, confusa.
─ Murilo fez para você, ele ia te entregar, mas não pôde.
─ O que? ─ a cada segundo aquela conversa ficava ainda mais estranha.
─ Pegue ─ ele insistiu, ainda com a mão estendida.
Abri o papel, encontrando ali um desenho. Era de uma mulher com um livro entre as mãos. Olhos vidrados no papel.
─ É você ─ Max explicou ─ Ele passou um dia todo fazendo.
─ Onde ele está? ─ encarei-o, agora menos tensa.
Max se levantou, cabisbaixo.
─ Foi enterrado na quarta-feira. Pulou da sacada, sequer se despediu.
Seus olhos marejaram e ele me deixou ali sozinha, antes que eu pudesse sequer processar o que me foi dito.
Nos próximos meses, eu já não me sentei no mesmo banco. Sentava-me agora naquele que Murilo usava para me observar, como se assim pudesse sentir sua presença. Certo dia, quando estava chegando no parque, uma pessoa me esperava. Max.
─ Você ainda vem aqui ─ não foi uma pergunta, mas uma constatação.
─ Todos os dias ─ murmurei.
─ Consegue se lembrar dele? ─ seus olhos buscaram os meus, e eu me sentei ao seu lado, soltando um suspiro.
─ Sim. Vocês têm os mesmos olhos, sabia?
Um pequeno sorriso brotou em seus lábios.
─ Os dele ainda tinham o brilho da inocência.
─ Eu o vejo em você ─ coloquei uma mecha de cabelo atrás da orelha ─ Não o conhecia, mas algo nele me chamava atenção. E com você, sinto a mesma coisa.
─ Como assim? ─ levantou uma sobrancelha.
─ Eu não sei. É algo diferente, não sei explicar.
─ Não acredito nesse tipo de sensação mística ─ deu de ombros ─ É apenas o acaso, eu poderia nem ter vindo aqui hoje, e não estaríamos tendo essa conversa.
─ Então por que veio?
─ Não sei.
─ Sentiu que deveria? ─ sugeri.
Ele fez uma careta e balançou a cabeça.
─ Você não vai conseguir usar minhas palavras contra mim.
─ Será? ─ sorri de canto e ele me encarou, cedendo e sorrindo em retorno.
─ Teimosia não parecia ser do seu feitio.
─ Você não me conhece.
─ Não, ainda não.
─ O que isso significa? ─ mordi o lábio.
─ Por enquanto, não significa nada ─ ele passou o indicador por minha bochecha, surpreendendo-me. Quando sua pele se separou da minha, havia um cilho em seu dedo, e ele o soprou delicadamente ─ Só vai significar quando acontecer.
─ Você é estranho ─ sorri.
─ Você também é ─ sorriu em retorno, estendendo-me a mão.
─ O que foi? ─ franzi o cenho.
─ Vamos, vou te levar para tomar um sorvete.
─ Eu nem te conheço.
─ Relaxa, vamos a pé, não há o que temer.
Segurei sua mão e me levantei do banco, tomando meu livro em mãos. Atravessamos a rua, e seguimos por mais um quarteirão em silêncio, apenas observando o movimento.
Pedi um sorvete de chocolate e ele me acompanhou no sabor, observando-me enquanto eu lutava com a casquinha, tentando não deixar que tudo derretesse sobre meu vestido florido.
─ Quantos anos você tem? ─ perguntou-me.
─ Vinte e cinco, e você?
─ Vinte e quatro.
─ Você é o irmão mais novo? ─ indaguei.
─ Não ─ balançou a cabeça levemente ─ Eu e Murilo éramos gêmeos.
─ Nossa, deviam ter um laço muito forte.
─ Nós tínhamos, mas de certa forma, ele era mais jovem que eu. Sempre me senti um velho.
─ Você parece ser mais sério.
─ Eu não tive a proteção que ele teve contra o mundo. Meus pais não nos trataram da mesma forma.
─ Por que?
─ Murilo sempre teve facilidade em se expressar, eu não. Não sou tão carinhoso, não sei demonstrar meus sentimentos, então era mais fácil para eles lidar com ele.
─ Entendo... ─ pressionei os lábios ─ Você sente muito a falta dele?
─ Todos os dias ─ murmurou ─ Ele era tudo o que eu não consigo ser, era bom e puro.
─ Você não parece ser uma pessoa ruim ─ contrapus.
Ele sorriu sem humor.
─ Já fiz muitas coisas ruins.
─ Todos já fizemos ─ dei de ombros.
Ele me encarou por um tempo, como se buscasse por algo dentro de meus olhos. Aquele olhar foi o suficiente para que eu percebesse o quão vulnerável ele estava naquele momento. Coloquei minha mão sobre a sua, sem desviar meus olhos dos seus.
─ Vai ficar tudo bem.
Depois daquela conversa, passamos a nos encontrar todos os dias no parque. E durante os três meses que se passaram, ele sempre conseguia me surpreender. Às vezes me trazia alguma flor que encontrava pelo caminho, ou desenhos de seu irmão. Certa vez trouxe um álbum de fotografias, e passamos o fim da tarde rindo enquanto o folheávamos. Então houve um dia em que chegou apreensivo e quieto.
─ O que houve? ─ perguntei preocupada.
Ele não disse nada, simplesmente se aproximou de mim, olhando fixamente em meus olhos, como se pudesse transmitir seus pensamentos dessa forma. Seus dedos envolveram meu cabelo e depois acariciaram minha bochecha. Fechei os olhos, apreciando a carícia. Pude sentir quando seu rosto se aproximou ainda mais do meu, e ele sussurrou contra meus lábios.
─ Estou apaixonado por você.
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Alice me encarou com um pequeno sorriso nos lábios.
─ Então foi assim que se conheceram? ─ perguntou.
─ Sim ─ sorri em retorno.
─ Você sente muito a falta dele? ─ ela se sentou à minha frente e me encarou.
─ Sim, o tempo todo ─ suspirei.
─ Sabe, hoje eu e Igor fomos ao médico ─ tomou minha mão entre as suas, e a depositou em sua barriga ─ É um menino.
Abri um sorriso terno e acariciei sua barriga.
─ Parabéns, Alice ─ beijei sua bochecha e vi seus olhos marejarem ─ O que houve? Está tudo bem?
─ Estou bem, só queria te dizer que escolhemos o nome dele. Vai se chamar Max, como o avô.
Senti as lágrimas enchendo meus olhos também, lágrimas de felicidade.
Alguns meses depois, e lá estava eu. Um pequeno embrulho entre os braços, vendo aqueles mesmos olhos castanhos me encarando em retorno, atentos.
─ Oi Max, você é lindo ─ beijei sua pequena mãozinha e ele segurou meu dedo ─ A vovó tem muitas coisas a te contar. Você tem o futuro nos olhos.
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