Nove
Luísa
Acordei sentindo dor. Dulce entrou segundos depois, parecia que sabia que eu ia acordar. Tirei o braço da Melinda do meu pescoço devagar, não queria acordá-la, vi que foi dormir bem tarde.
— Trouxe o remédio. — sussurrou segurando o remédio e um copo d'água.
— Obrigada. Preciso ir ao banheiro.
— Vem te ajudo.
Mel se mexeu acordando.
— Pode dormir, meu amor. — sussurrei e dei um beijo carinhoso nela.
Mas fez questão de me ajudar, auxiliando Dulce. Notei sua energia pesada. Tomou café calada. Leu notícias no celular.
Esperei Dulce sair para abordar minha noiva chata.
— Amor, aconteceu alguma coisa? Está tudo bem?
— Sim.
— Sim o quê?
— Estou bem. Desculpa, acho que tô com sono. — respondeu se levantando.
— Melinda, senta aqui. Vamos conversar agora, depois você dorme.
Ela obedeceu e respirou pesadamente.
— O que houve? Você mudou depois que conversamos ontem, fala comigo, por favor.
— É sono, Luísa. Desculpa.
— Não é só sono, Mel. Por favor, confia em mim. Aconteceu alguma coisa?
Ela engoliu saliva e vi seus olhos marejados.
— Eu vi como você falou da Ângela, seu orgulho por isso e me senti mal.
— Se sentiu mal porque eu disse que a Ângela é minha maior referência? Por que isso agora, amor? Você sempre soube disso.
— Eu sei, mas fiquei pensando. Você não me admira como admira ela...
— Se você se arrependeu de ter me pedido em casamento é só falar, tá? — brincou para amenizar o clima desnecessário.
— Claro que não, Luísa. Também não sou isso. Olha o que você pensa de mim...
— E o que você pensa de mim, Melinda? Eu admiro a Ângela, a Fabí, a Viola Davis, a Carina Bragantino. São referências, espelhos. Por sua determinação e feitos.
— Você tem gostos diferentes dos meus, tem uma índole incontestável... nós não temos nada em comum. Você já parou para pensar nisso?
— Sim, eu parei. Chorei pra caramba tentando me convencer de que tudo isso que você falou era suficiente pra eu aprender a viver sem você. Pra eu arrancar o que eu sentia de dentro de mim porque você é egocêntrica, egoísta, de índole duvidosa, tudo isso. — Limpei meu rosto, pois eu já chorava.
Era inaceitável depois de tudo o que passei ouvir aquela dúvida dela.
— Eu...
— Eu te xinguei de tudo, Melinda, para me convencer de que eu seria mais feliz sem você. Mas não adiantou. Eu não consegui não só não arrancar o meu amor por você de dentro de mim como ele conseguiu o que eu achava impossível de acontecer: aumentar, consideravelmente.
— Você...
— Não diz nada. — Meneei a cabeça e tentei sair dali, mas não pude destravar a cadeira.
— Amor, espera... — pediu ajoelhando-se a minha frente. — Desculpa. Eu estou me sentindo um lixo. Queria ser referência pra você também.
— Você tem o sentimento mais nobre da minha parte, Melinda, não precisa dessa admiração. Somos de áreas diferentes. E eu a admiro de tantas outras formas. Precisa aceitar isso.
— Me perdoa, por favor. Eu devo estar na TPM.
— Sem delegar culpas, por favor, dona Melinda. Não é de hoje que você é insegura, principalmente com relação à Ângela, nunca entendi isso, mas já notei. Estou cansada. Me ajuda a ir pra cama.
Ela me ajudou e deitei, exausta. Não via a hora de ficar bem e retirar aquela imensa bota de gesso. Ela arrumou o apoio embaixo da minha perna com cuidado e se afastou um pouco da cama. Estiquei o braço para a ela e ela se aninhou em mim.
— Eu amo você, Melinda Herchcovitch, aceita isso de uma vez e para de ficar se comparando com os outros e criando essas maluquices na tua cabeça. Você precisa escrever romances, cria muitas teorias sem sentido, na ficção poderia dar um desfecho melhor.
— Tá bom. Desculpa pelo surto idiota.
— Tudo bem. Vamos dormir um pouquinho. Pedi pra Dulce fazer mousse de chocolate pra aliviar sua TPM.
— Dulce me odeia, amor. — disse em tom de brincadeira.
— É? E quando você chegou a essa conclusão?
— Ela quer me engordar. Só cozinha o que eu gosto e o que eu não gosto tanto fica tão bom que como muito.
Beijei sua cabeça sorrindo.
— Eu peço pra ela fazer o que você gosta, amor! Ela é inocente.
— Então você que quer me engordar? — perguntou admirada e concordei com a cabeça.
Puxei-a pelo rosto e a beijei com carinho.
— Te amo, rainha da chatice! Só quero que se sinta bem aqui.
— Também te amo. E em quanto tempo quer reinar ao meu lado?
— Em seis meses. Será no Rei Plaza. Carlo já está cuidando de tudo, vamos precisar ir apenas provar comidas, doces... e aprovar algumas coisas.
— Eu quero participar de tudo, tá? — disse entrelaçando nossos dedos. — Quando me casei com o Caio eu evitei todas essas formalidades, mas agora eu quero cuidar de cada detalhe. Lista de convidados! — disse saltando da cama e pegando seu celular sobre a escrivaninha.
Ela se empolgou e anotava freneticamente, eu apenas passei a observá-la. Exibia uma personagem na frente da câmera e ali comigo se despia completamente e mostrava sua verdadeira face: insegura, imatura, carente.
Adormeci com ela ao meu lado fazendo a lista. Os meus convidados se resumiam ao Lucio, Danilo, minha avó, Ângela e família. Giselle já seria convidada por ela, então.
A semana seguiu intensa com ela trabalhando e estudando, saía de manhã e voltava antes de uma da tarde. Queria aprender o idioma para escrever melhor.
Eu me reunia como o Carlo uma vez por dia em casa mesmo, falava com Rita. Conversei com a Ângela sobre trabalho e sobre o atentado.
— Eu vou resolver isso, Luísa. Fica tranquila.
— Estou fazendo isso. Ele ia acertá-la em cheio. Obrigada, Ângela.
— Imagina. Sobre o casamento posso dar carona para seus amigos.
— Muito obrigada, Ângela. Não sei nem como agradecer.
— Imagina, Luísa. Se cuida.
Nos despedimos e saí do quarto de hospedes que havia se tornado escritório. Meu celular tocou de novo, era Mercedes. Queria conversar comigo e pedi que fosse à minha casa. Dulce atendeu a porta e a conduziu ao escritório.
— Não está descansando. Eu sabia. — constatou depois de me cumprimentar.
— Eu posso fazer o básico. — disse sorrindo e apontei a cadeira à frente da mesa.
Enviei mensagem para Dulce e pedi que levasse água para nós. Mercedes não tomava café.
— Tudo bem, vou acreditar que não está se forçando tanto para retardar essa recuperação. Mas vamos falar do que interessa. Eu pensei bem durante esse tempo, até um pouco a mais do que pedi, infelizmente. — disse e apontou a minha situação. — E cheguei à conclusão que podemos conversar mais um pouco.
— Claro. — disse sorrindo, eu já esperava por aquilo. — Vamos conversar.
— Melhora um pouquinho isso aqui.
— 1,5. E fechamos agora.
— Você é muito novinha para ser tão dura na queda assim, menina.
— Admita, Mercedes, é um ótimo negócio para você.
— 2?
— Não posso.
Ela respirou profundamente. Se insistisse mais eu aceitaria os dois por cento que queria, mas antes que fosse adiante com o assunto, Melinda abriu a porta subitamente chamando nossa atenção. Notei o olhar de Dulce preocupado ao lado dela. Levei a mão à cabeça e suspirei de olhos fechados.
O que ela estava pensando?
∞
Música:
Broken Coastline - Down Like silver
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