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10. 𝘖 𝘱𝘰𝘦𝘵𝘢 é 𝘶𝘮 𝘧𝘪𝘯𝘨𝘪𝘥𝘰𝘳

Alguns meses consideráveis atrás

— Bom dia. Chamaste-me aqui com urgência, porquê*?

Estava enfrentando um dilema. Como dar aquela notícia acerca do que descobriu tão recentemente?

— Senta-te, por favor.

A outra pessoa fez o que foi pedido e, por uns instantes, foi fitada por aquela que se encontrava apreensiva.

As evidências estavam ali, desde que haviam se conhecido. Sua intuição e experiência apitaram que algo não cheirava bem em relação ao outro, mas jamais imaginou que as coisas indicavam aquilo. Os relatos que colheu ao longo das últimas semanas realmente não negavam. Após um suspiro, começou:

— Temos um veredito — hesitou. — Tu tens...

Antes de prosseguir, algo aconteceu...

A feição do indivíduo sentado naquele assento mudou. Até parecia que... outro alguém ali se encontrava. Será que...?

Não houve oportunidade para maiores confabulações, não quando aquela pessoa avançou sobre si. Com uma força monstruosa, rendeu-lhe ao chão, não tardando em levar as mãos ao seu pescoço, intencionando executar um estrangulamento.

— Tu não irás acabar comigo! — ameaçou.

— Eu não...

— Não farás o que os outros fizeram com... ele!

Apesar da circunstância caótica, quase mortal, ainda mais pelo fato de o ar estar cada vez mais escasso em seu trato respiratório, uma ideia veio à mente de quem estava sendo rendido. Tão logo ela foi verbalizada:

— E eu não farei... Podemos trabalhar... em conjunto!

De repente, a força empregada nos braços daquele em posição de dominância diminuiu. Era a primeira vez que alguém falava naquele teor consigo. Sempre fora tão só...

E a expressão esboçada no semblante de quem era subjugado aparentava denotar sinceridade. Óbvio que o desejo por sobrevivência havia falado mais alto em um primeiro momento, porém houve um complemento:

— Podemos trabalhar em conjunto, porque... aqueles que tanto prejudicaram-te também desgraçaram a vida de outras pessoas.

Uau! Aquela revelação foi deveras espantosa e inesperada. Desse modo, as mãos do agressor foram retiradas do pescoço da sua quase vítima, mas sem que ele saísse de cima dela. Houve uma ordem:

— Adiante.

Um suspiro sofrido escapou de quem estava ainda prostrado, mas logo uma narração foi iniciada:

— Era uma vez uma mulher que vivia feliz a sua vida e, principalmente, o seu... o seu casamento... Ou era como ela pensava... Um dia, o seu marido descobriu uma doença terminal e não demorou muito para ele sucumbir a ela...

— O que isso tem a ver comigo? — o algoz indagou, impaciente.

— Peço-te calma e que deixa-me prosseguir. — Respirou fundo. — No seu leito de morte num hospital, o marido revelou um segredo, um terrível segredo, para a esposa...

— Qual?

Ocorreu um instante de hesitação que se seguiu para a uma réplica:

— Um caso extraconjugal. Ele sabia que iria morrer em breve, tanto que nem se importou com o estado da mulher... Grávida!

"Ela, diante do que ouviu, não conseguiu mais responder por si própria. Mesmo com o que foi-lhe revelado, ainda tentou ajudar e pedir socorro para o cônjuge, porém o destino dele estava traçado: os ruídos incessantes vindos daquelas máquinas irritantes de suporte à vida não negavam...

"Antes de receber a fatídica notícia, ela experimentou sensações estranhas promovidas, principalmente, pelo seu olfato e pelo seu paladar. E essas sensações apontaram para o inevitável: ele veio a óbito...

"Já fora de si diante de tanta coisa revelada e testemunhada, a mulher saiu louca do hospital. Péssima ideia... Na rua, um carro atingiu-a e ela só conseguiu vislumbrar os faróis do veículo, que estava a ser conduzido por um motorista irresponsável e que nem sequer prestou-lhe socorro."

— Será possível? Essa história é...

Compreendendo o que seu interlocutor queria dizer, a pessoa rendida somente maneou a cabeça, permitindo que os dois chegassem à mesma constatação.

— Por isso que podemos cooperar, pois... a protagonista dessa história toda... sou eu. Percebes? As nossas dores são praticamente idênticas e, inclusive, causadas pelos mesmos algozes. Por causa disso tudo, eu... — A voz embargou-se. — ... Perdi o meu bebê naquele dia, assim como a saúde perfeita de parte do meu corpo, se é que me compreendes...

— E como sabias que eles cá estavam? — o outro indagou, ainda com uma perceptível desconfiança na entonação.

— Nunca me esqueci da placa daquele carro, também avistada por mim antes de eu ser abraçada pela inconsciência. Também contou outro fato. Um tempo depois da minha recuperação, encontrei uma coisa que pertencia ao meu marido: uma carta, jamais enviada, na qual ele findava o caso com a rapariga e também detalhava todo o histórico entre eles, de maneira a mencionar até mesmo aqueles que foram cúmplices da sordidez que fizeram. Não foi preciso investigar muito...

Um minuto de silêncio se fez. Parecia até que ambos os indivíduos se encontravam enlutados. Sem que tivessem pedido, uma espécie de empatia mútua acabou surgindo.

— O que me dizes? Trato feito? — questionou a mulher.

Mais um momento de palavras não pronunciadas aconteceu. Contudo, ele não perdurou. De repente, uma das mãos daquele que estava em posição de dominância se movimentou e aparentou ir na direção do pescoço daquela que estava prostrada. Inclusive, um sorrisinho malicioso estampou no rosto do algoz, como se ele realmente quisesse tornar a enforcar a sua vítima, que chegou a arfar, desesperada. Entretanto, seu membro superior parou perto de um dos braços da mulher. Ele, por fim, saiu de cima e, com isso, ajudou-a a se levantar.

Já em pé, ambos selaram o trato solicitado de modo não verbal. A partir dali, seriam cúmplices de algo... macabro. Houve ainda mais uma explicação vinda da mulher:

— Entendo que queiras liberdade, mas pedirei paciência. Para isso, terei que manter-te sob controlo.

— E por que isso? — perguntou e seu timbre não escondeu a agressividade. Se não fosse a forma de um ser humano à sua frente, a outra poderia jurar que estava diante de uma fera insana e sedenta por sangue.

— Para termos um respaldo.

E ela seguiu dando instruções detalhadas para o seu mais recente e inusitado parceiro (ou parceira?), que, novamente, curvou os lábios em um sorriso insano. Houve um segundo aperto de mãos efetuado – a assinatura que ambos firmaram entre si para seus devidos acordos.

Aquela criatura estranha tornou a ocupar o assento de antes. Pouco depois, a julgar pela nova mudança de expressão, a mulher constou que seu interlocutor de outrora já não estava mais ali. O chamado "outro eu" estava de volta e foi se manifestando:

— O que... aconteceu?

A mulher o analisou por alguns segundos, hesitou, mas um rompante de coragem – e por que não de insensatez? – a dominou. Um sorriso malicioso tomou a sua face, ao responder:

— Foi... mais um lapso de memória que tiveste.

— Lapso de memória?

— Conforme eu estava a dizer, tu tens... — Respirou fundo e emendou: — ... uma forma severa de... depressão. Iniciaremos o teu tratamento imediatamente.

— Raios! Eu... não sei como lidar com isso...

As últimas palavras que soaram da voz embargada deixaram explícito o sentimento diante da notícia dada, como se houvesse recebido uma sentença cruel.

A mulher, por sua vez, se aproximou e rebateu:

Acalma-te! O importante já fizeste, o mais difícil e doloroso passo já deste. Com o tratamento, verás ser possível ter uma vida normal e de qualidade. Eu... prometo-lhe!

E para coroar tais dizeres, ela ofereceu um sorriso que denotava gentileza, mas que, obviamente, era fingida.

Seu ouvinte não percebeu isso e sem poder se controlar, tomou-a em um abraço que, em um contexto diferente, poderia ter sido acalentador. Ainda tomado pela emoção, declarou:

— Obrigado! Muito obrigado! Na verdade, nem sei como agradecer-lhe...

— Não tem que agradecer-me. É a minha função..., Inácio.

— De qualquer jeito, obrigado mais uma vez..., doutora Selma!

Doutora Selma Passos...

A mesma que foi... atropelada por Roberto Cardoso Juarez.

Antigamente, era conhecida como Selma Passos... Cabral.

Viúva de Haroldo Cabral – amante de Vanessa Mendonça dos Santos, que era acobertada pelos amigos mais próximos: Cristiano, Leane e Luane.

A partir daquele encontro de almas feridas em inúmeros sentidos, um rastro marcado por sangue e morte começaria a ser esquematizado e, principalmente, realizado.

Quem poderia imaginar?


Atualmente

Vanessa arfava. E por inúmeros motivos.

Primeiro, um alguém adentrou aquele quarto e efetuou um disparo certeiro na cabeça de Inácio, que estava prestes a libertá-la. O rapaz cambaleou um pouco, mas logo seu corpo tombou, jazendo inerte entre as pernas da moça ainda amarrada, que gritou de susto.

Segundo, veio a constatação de quem havia ali entrado...

Doutora Selma Passos.

Um breve sentimento de felicidade se apoderou de Vanessa, que pensou que as suas mensagens haviam sido atendidas.

Lamentou-se sim por Inácio, que, naquelas alturas, exibia um fluxo sanguíneo que saía freneticamente de uma de suas têmporas, indicando que a morte havia o abraçado. Ele era tão jovem e ela, de fato, nutria-lhe sentimentos. Por outro lado, muito do que dissera, enquanto Inês estava presente, não passou de blefe. Seria loucura e muita insensatez os dois fugirem juntos após tanto sangue e tantas mortes promovidas por ele. Assim, Vanessa soltou um suspiro involuntário de alívio, concluindo que seria salva e as coisas, enfim, acabariam bem...

Ledo engano.

Selma, que trajava um elegante conjunto blazer e estava sem o seu jaleco, foi se aproximando com a já manjada bengala e com os costumeiros passos lentos. Suas mãos, calçadas por um par de luvas, seguravam um revólver – usado naquele mesmo tiro que ceifou a vida de Inácio. Sua feição se mostrava fechada, dura..., impassível.

E qual não foi a surpresa de Vanessa quando, ao invés de soltá-la, a médica, munida de um rolo de esparadrapo, a amordaçou? Só não foi uma surpresa maior toda a revelação que ouviu logo em seguida.

Por isso, ela, apesar daquele maldito esparadrapo sobre a boca, arfava em desespero.

— Pobre e infeliz criatura... — suspirou a psiquiatra pouco depois de terminar o seu relato macabro. Nesse momento, seus olhos fitavam o corpo inerte de Inácio. — Lamentarei até os meus últimos dias a sua morte precoce. Era um bom moço e que merecia tratamento e acolhimento. Que a sua alma esteja a ser recebida no Paraíso.

Por um instante, a feição de Selma se mostrou consternada, aparentando nutrir alguma empatia pelo rapaz morto. No entanto, aquilo era uma grande ironia, afinal, ela própria que havia ceifado a vida do rapaz. E a comprovação disso se deu quando a sua expressão mudou para uma mais séria, rígida e até... demoníaca. Virou-se para Vanessa e continuou:

— Essa então foi mais uma sessão entre nós duas, com a diferença que eu fui a narradora e tu a ouvinte, quase como se fôssemos paciente e profissional, respetivamente* — riu. — O bom de estares assim, amordaçada, é que eu seguirei com a minha fala e tu manter-te-ás a escutar. — Pausou. — Acredito que ficou claro o que Inácio na verdade tinha: transtorno dissociativo de identidade mesclado à autoginefilia. Sabes do que estou a falar, não? Esses elementos já até se tornaram enredo de filme de terror antigo, por exemplo. Além disso, por uma curiosidade, tive acesso à grade curricular do teu curso de graduação e constei que viste um conteúdo sobre esses assuntos recentemente.

Vanessa ficou se perguntando em que momento havia estudado sobre aquilo. Tão logo veio a lembrança: foi justamente nos dias em que ela estava enlutada pelas perdas dos amigos! Recordava-se que o assunto naqueles dias era sobre transtornos, mas não sabia quais. Estava ali a resposta. Uma resposta que, no fundo, não queria saber.

— Está também bem nítido que Inês, a irmãzinha, não passava de uma imagem distorcida criada pela mente psicótica dele. — Selma apontou para Inácio. — Daí a autoginefilia, que é quando um homem tem prazer, sexual ou não, em vestir-se com acessórios femininos e crê que esteja a comportar-se como uma mulher.

"Mas sabes o que, de fato, foi o evento inicial para isso? É algo que tu também já deves ou deverias saber: muitos dos traumas que temos durante a fase adulta têm a ver com disforias e abusos enfrentados na infância. Portanto, o pai de Inácio foi o grande castrador da psique dele. O que esse rapaz deve ter sofrido no passado beira o inimaginável.

"Minha cara Vanessa, além de tudo o que relatei, outros componentes são dignos de serem citados. Não consideras como muito irónico uma pessoa com TDI fazer uso dos heterônimos de Fernando Pessoa nos seus crimes? Não é um grande sarcasmo ele, de certa maneira, homenagear-me ao arrancar partes do corpo específicas, como se estivesse a contar a minha própria história? Não é uma coincidência grandiosa a mãe dele ter acidentado-se de uma forma similar à minha? Não foi uma bela reviravolta da vida a amante do meu marido ter relacionado-se com o meu atropelador? Não foi uma grande sorte tu, ao procurar por ajuda profissional, teres deparado-te justamente comigo? A propósito, a essas alturas, está bem óbvio que não possuo esclerose múltipla: os comprimidos que viste eu a tomar naquele dia eram meros medicamentos para dor de cabeça...

"E por falar em fármacos, digamos que também manipulei a condição do Inácio a meu favor. Se eu o quisesse calmo, com a sua própria personalidade normal, fornecia o medicamento correto. Porém, quando era para Inês agir, dava-lhe placebo. Os lapsos de memória causados pelo transtorno eram bem úteis... 

"Mas devo dizer que foi uma grande e grata surpresa Inês ter surgido hoje. Não estava nos meus planos ela ter entrado em ação, tanto é que, até onde me consta, Inácio tomou o medicamento correto na presente data. Isso pode indicar que era questão de tempo para a própria Inês superar os efeitos do fármaco. Pelo visto, quando Inácio sentia-se ameaçado ou vulnerável, surgia a sua outra identidade e remédio nenhum poderia detê-la. Fascinante, não?"

A cada palavra pronunciada pela outra, Vanessa arfava ainda mais, com direito a seus olhos se esbugalharem. Fora enganada por mais tempo que pensava. E parecendo que lia a sua mente, Selma prosseguiu:

— Foi e não foi divertido... jogar contigo. Foi divertido porque, em nenhum momento, saí do controlo da situação, de tal maneira que até tu foste mais uma que manipulei.

Se estivesse solta, Vanessa teria se estapeado. Aquilo significava que até mesmo os conselhos da psiquiatra, que aparentavam ser tão coesos, não passavam de mera fachada. Céus! Ela havia terminado com Roberto por causa do apoio (falso) de Selma! Agora enxergava como tudo foi armado apenas para causar um confronto violento entre ela própria e os dois rapazes que já jaziam mortos, e, com isso, destruí-los.

— Em contrapartida, não foi divertido por causa do teu jeito de ser, tão nem aí para as coisas que importam de verdade.

A expressão interrogativa da mais nova diante do que estava ouvindo foi o aval para Selma, por fim, seguir:

— Céus! Os teus amigos estavam a ser mortos um a um e nem para te debruçares em torno do que cada morte representava, seja sobre os poemas de Fernando Pessoa, os quais vergonhosamente tu não conheces, seja acerca dos assuntos da Psicologia, coisa que deverias dominar!

"Tu deves estar a pensar que ao menos intuiste a respeito do Inácio, mas o teu repertório parava por aí. A prova disso é que, a fim de confundir-te, citei o nome da Elisa nas nossas confabulações e caíste direitinho na minha conversa... Os teus amigos, e aqui incluo o teu namorado Roberto, também não fugiam disso. Vocês todos se achavam tão inteligentes, tão cheios de si, tão donos da verdade e olha aí o destino que cada um amargou...

"Enfim, é uma infeliz característica presente na humanidade, mas principalmente na tua geração de modo geral: falar demais e ouvir de menos, concluir demais e analisar de menos, apontar os erros nos outros e não saber fazer uma autocrítica."

A doutora pausou para recuperar um pouco de fôlego e concluiu:

— Acredito que alimentei certas expectativas em torno de ti, Vanessa. E tentei atiçá-la para a investigação, mesmo que eu soubesse quem, de fato, estava a causar todo esse caos. Quase dei-te tudo de bandeja e, quem sabe numa remota possibilidade, sagrasses-te como uma sobrevivente, uma heroína no final. Eu sei... — riu. — É uma insanidade da minha parte pensar assim, para tu veres o que toda essa história ocasionou-me. — Respirou fundo. — Porém, tu não és essa heroína. As coisas sempre apontaram para o suspeito mais óbvio possível. A realidade não é ficção. E isso não é um filme, ou melhor, um livro, com direito ao final feliz para os protagonistas e ao infeliz para os vilões.

De repente, a mais velha se aproximou e, inesperadamente, retirou a mordaça da prisioneira em um movimento rápido, provocando-lhe uma reação dolorosa. Perguntou:

— Últimas palavras?

Uma excêntrica tranquilidade, com um quê de ira contida, dominou o âmago de Vanessa, que respondeu:

— Tu não irás escapar. Mesmo que consigas matar-me, não irás safar-te.

Selma entoou uma risada contida, embora não menos compulsiva. Rebateu:

— É aí que te enganas. Digamos que a mensagem de socorro que enviaste-me fez eu vir aqui e constar a seguinte cena: tu estrangulada e sem os olhos e Inácio, trajado como Inês, morto com um tiro na cabeça, como se tivesse voltado a si e percebido o que fez, o que culminou no seu suicídio. Ademais, tem o Roberto, que está ainda lá no andar de baixo — suspirou. — Elisa, que foi outro elemento nessa trama toda, sairá ilesa. Não tem porque eu prejudicá-la se ela não me fez mal nenhum. Ficou evidente que as ironias, as coincidências e as minhas manipulações foram cruciais para tudo que ocorreu.

— Eu vou gritar...

Vanessa abriu a boca, prestes a executar o que havia acabado de dizer. Todavia, logo foi contida por Selma, que pousou uma das mãos enluvadas sobre seus lábios, abafando a sua voz. Ela tentou ainda, pela enésima vez, se debater, porém viu que o esforço seria inútil. Era o fim definitivo de suas esperanças.

Com a mão que estava livre, a médica retirou algo que se encontrava em um dos bolsos da calça que vestia: um papel. Levou-o à altura de seus olhos, pondo-se a ler o conteúdo:

O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

"E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

"E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração."


E depois do poema recitado, veio um complemento:

— Tem muito a ver connosco* esses belos versos do Fernando Pessoa, que, aliás, assinou esse poema sem recorrer aos seus heterônimos.

Apesar de já derrotada e entregue à vontade do destino, Vanessa não pôde disfarçar a feição de dúvida frente à última fala da nova carrasca. Esta, por sua vez, compreendeu o questionamento mudo e devolveu com outra indagação:

— Não pensaste que Fernando Pessoa não assinava algumas das suas poesias como ele mesmo, não é? — Ao constatar a mesma expressão no rosto da refém, emendou: — Ah! Esqueça! Realmente, Literatura não é o teu forte, nem numa hora tão crucial como esta.

Um novo silêncio ecoou pelo ambiente até que, pela segunda vez, Vanessa sentiu a sua boca livre.

— Darei-te mais uma chance — manifestou-se Selma. — Quais são as tuas últimas palavras?

Vanessa, de início, não proferiu qualquer coisa. No entanto, ela logo fitou a inimiga, exalando uma fúria que jamais havia experimentado na vida que, pelo visto, estava prestes a se findar. Sua réplica não poderia ter sido diferente:

— Vai para o inferno, corna aleijada de merda!

Apesar de, em certo grau, afetada por esses dizeres nada polidos, Selma esboçou um meio-sorriso. Retrucou:

— Era essa Vanessa que eu queria ter visto antes.

E sem mais delongas, ela avançou.

Notas do autor:

* Em português europeu a expressão é sempre justaposta. Aliás, outras palavras aqui, como "controlo", "respetivamente" e "connosco", são grafadas assim nessa variante do idioma.

O mal venceu!!! \o/\o/\o/\o\o/\o/\o/

Aqui não tem muito o que dizer, só sentir, mas e aí? Surpresos com Selma, tão sensata e tão amiga, mas que era, na verdade, a mandante de todos os crimes? E as motivações dela, hein? Pesado... Bom, epílogo logo vem aí. Bye!

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