Capítulo 9
Voltei para a minha casa, quase prendendo o livro no cinto de segurança, com medo de que ele saltasse pela janela. Ele era mágico e nada poderia me tirar da cabeça, que também tinha vida. Afinal, a Agatha estava em algum canto de minha casa, respirando e esperando que eu lhe trouxesse o alívio, que eu acabava de encontrar, ao tocar novamente naquele livro.
Adentrei em casa e percebi que a sala estava vazia, porém ao dar alguns passos, encontrei a Agatha, me esperando, sentada na escada. Cheguei perto dela e lhe mostrei o livro, estendendo-o no ar, mas sem soltá-lo.
― Ele o leu?
― Por que está com tanto medo que ele tenha lido? ― eu questionei. ― O que se esconde nessa história?
Afrontei-a, já sabendo o que se escondia ali.
― Nada ― ela respondeu, ruborizando.
― Então não deve se preocupar, se alguém ler.
Passei por Agatha, não me importando que ela ficasse com a minha pedra.
― Marcelo, eu preciso do meu livro de volta...
Ela então me estendeu o meu artefato, subindo um degrau a mais na escada.
― Eu vou terminar de ler ele hoje ― anunciei. ― Amanhã eu te devolvo e enquanto isso, você pode ficar com a minha pedra.
Agatha aproximou-se, segurando em meu braço.
― Você não pode ler!
― Se não tem nada demais nesse livro, não vejo porque eu não possa ler…
― Marcelo… Por favor!
― Eu vou tomar conta dele, Agatha. ― Beijei a sua testa, e pude vê-la ficando parada, no mesmo instante, como uma estátua. ― Me desculpa? Eu poderia ter te machucado, não é mesmo?
― Não poderia, não, Marcelo. ― Ela se virou, indo embora. ― Não é dessa forma que as pessoas me machucam.
― E como é então? ― eu gritei, mas ela me ignorou, sumindo pela cozinha.
Fiquei tentado a ir atrás dela, mas eu precisava cumprir a minha promessa e terminar de ler o livro, naquela noite ainda.
Subi correndo para o meu quarto e o tranquei à chave, pedindo perdão à minha irmã, pois provavelmente não lhe leria histórias naquela noite também.
Joguei-me em minha cama e escancarei o livro, percebendo que ao menos, Anderson não tivera o despautério de desmarcar a parte em que eu havia parado. Porém, pensei que ele só não havia sido abusado o bastante, pois não houvera parado de ler até a minha chegada.
Ao mergulhar de cabeça na trajetória de Aurora, percebi que ela sofria bastante, enquanto presa naquela casa de ricos ― com um garoto insuportável ― e não via nem sinal do rapaz procurado.
Ali ela apenas conseguia sofrer, enquanto aquele cara metido à besta, a havia levado para uma festa, onde um cara que parecia feito de ferro, tinha queimado até suas bochechas com os seus beijos muito nojentos.
Encostei-me à cabeceira de minha cama, muito ofegante, ao me encontrar naquela história, mas apenas como um asno idiota, que só a feria.
Senti vontade de me estapear, ou quem sebe até de me jogar naquele instante mesmo do penhasco, mas me prometi em silêncio, que não morreria antes de ler toda aquela história.
Deixei as lágrimas de ódio rolarem pela minha face, enquanto com as minhas mãos trêmulas, eu tentei firmar o livro em meu peito, e continuar a lê-lo, até que eu não me aguentasse mais, e não houvesse mais nem uma sequer página, para desvendar.
Encontrei-me com a Aurora, sentada em um abismo que eu mesmo a havia apresentado, pensando se deveria acabar com o seu sofrimento, pulando ali mesmo.
Ouvi os seus pensamentos, perguntando-lhe por que aquele garoto arrogante que a sujeitara à uma festa de feras, havia mudado tanto com ela. Ela temia que tudo aquilo acontecesse, só porque ele estava com a sua história em mãos, e talvez lhe tivesse pena.
Gritei que não bem alto em minha mente, sem perceber que fazia isso realmente. Eu não tinha dó da Agatha, mas apenas inveja de tudo o que podia lhe tocar a pele, sem lhe causar um rombo.
Apertei o livro contra o meu peito, desejando que ali estivesse a Aurora, ou que ao menos, ela pudesse me sentir, lá do seu quarto, no andar de baixo.
Enxuguei as minhas lágrimas, disposto a prosseguir com a minha jornada pelas entranhas escritas de Aurora, porém as minhas mãos tremiam tanto, que eu já não sabia mais o que estava sentindo.
Percorri as estradas enfileiradas de histórias e momentos sobre Aurora e encontrei-a deitada em sua cama, pensando que alguém que um dia pertenceu ao seu real mundo, estava ali, perseguindo-a.
Pude notar o medo que ela sentia de que alguém do Plano Mágico, poderia usá-la como refém para voltar.
Porém, eu não conseguia entender como outras pessoas daquele lugar invisível, também pudessem estar ali… Talvez fosse outra maldição.
Não fazia sentido, mas em cada linha que eu lia, eu percebia que a Agatha queria proteger a sua história a qualquer custo, mesmo que morresse daqui um mês, sentenciada por aquela bruxa.
A Aurora queria esconder aquele livro nas entranhas de qualquer lugar, para que ninguém nunca mais o achasse, e descobrisse que ele estava ali; e que ela morreu ali, apenas esperando o seu príncipe encantado aparecer.
Por alguns minutos, eu tive medo de que a Agatha pensasse que aquele ser louco do qual ela acreditava estar por ali, fosse eu. Aquilo me doeria mais que qualquer coisa no mundo.
Porém, me perdi completamente de qualquer pensamento, ao ler sobre a Aurora subindo as escadas de minha casa, e pensando no artefato lunar que ao partir para o Plano Comum, havia sido dito como uma das duas pistas para encontrar o rapaz que tanto buscava.
Ela já estava nas proximidades de Loureira fazia alguns dias, mas não havia o menor sinal do artefato que a vinha atormentando os seus sonhos durante várias noites; até ali não avistara nada semelhante.
Contudo, antes de se certificar que aquele objeto realmente existia, precisava pegar o livro das mãos daquele rapaz, cujo sentimento que tinha por ele, lhe causava medo.
Aurora invadiu então o quarto do rapaz detestável, completamente tomada pelo desespero de ser encontrada ali por alguém que algum dia, havia sido banido do Plano Mágico. Contudo, ao me estapear, não conseguiu tomar de mim o que tanto viera buscar, mas sim, encontrou uma certeza que já estava quase querendo abandonar.
O sujeito que ela temia por lhe causar tremores de afetar até os ossos, possuía exatamente o que ela vinha procurando.
O rapaz tinha uma lua esculpida em uma pedra ágata que não brilhava, mas que tinha mesmo assim, todo o poder que deveria ter.
Aquele objeto, simples e emocional, deixado pela sua vó, lhe tornava o que ela vinha procurando há anos. Aquela simples e pequena pedra em formato de lua, o transformava no único homem na face da Terra que poderia lhe tocar. Aurora pertencia a ele, mas aquilo não tornava a sua história mais fácil. Na verdade, apenas ficara ainda mais difícil, pois enquanto ele partia pelas ruas, decidido a lhe mostrar que a sua história estava a salvo em suas mãos, ela sabia que faltava muito pouco para ele descobrir quem realmente era, e talvez, até se decidisse que a queria bem longe, para morrer sozinha.
Arfei, sem ar, passando as próximas páginas, que estavam mais brancas do que a neve.
Não fazia sentido.
A história de Aurora não poderia acabar ali. Porém, foi naquele instante que percebi que o livro estava à mercê do destino; o que quer que acontecesse, iria ser gravado ali gradualmente, como todo a mágica que o fazia existir em minhas mãos.
Levantei-me da cama com o livro em mãos, decidido a descer a escadaria e invadir o quarto de Agatha, pois não importava o que ela sentia por mim, mas tudo o que ela pensava sobre os meus sentimentos, estava errado.
Contudo, ao chegar à metade da escada, percebi que a Larissa me esperava, com a face entre as grades, choramingando, enquanto dizia que eu a havia esquecido.
Não era justo com ela. Não era bom que eu deixasse a Lari sozinha com os meus pais, mesmo que aquilo se fizesse necessário.
Voltei a subir, pegando a minha irmã nos braços e a levando para o seu quarto. Afinal, com sorte, talvez eu conseguisse lhe fazer dormir rapidamente.
― Que livro é esse?
― É aquela história que você queria que eu lhe contasse outra noite.
― A da princesa disfarçada?
― Sim ― respondi, vendo os seus olhos brilharem.
Sentei-me no meu velho posto de contador de histórias, e comecei a contar toda a trama de Aurora, porém com um toque infantil.
Larissa observava a tudo interessada, como quem buscava por um príncipe, que iria tirar a princesa de seu sofrimento. Porém, antes mesmo de eu terminar a história, ela já começara a adormecer, apenas resmungando algo, antes de pegar completamente no sono.
― O príncipe é você!
Parti um pouco atordoado, sem saber ao certo aonde a Larissa queria chegar com aquilo.
Desci então as escadas correndo e cheguei até a cozinha, onde com afobação, derrubei algumas panelas no chão, causando alarde.
Ouvi uns passos na área dos serviçais, e logo imaginei dona Sônia, vindo ver quem estava bisbilhotando em sua cozinha. E eu sabia que ela suspeitava de mim.
Fiquei esperando pela bronca, mas quem surgiu não foi dona Sônia, mas sim, a Agatha, adiantando os meus planos, e me mostrando justamente o que eu vinha procurar.
Encarei-a, sentindo todo o meu corpo tremer, como se ele pudesse desmoronar em pequenos cacos.
Agatha pareceu logo perceber, tanto que ao desviar os olhos de mim para o livro, ergueu uma sobrancelha de dúvida.
― Marcelo, você está pálido!
Agatha se aproximou, mas não se atreveu a tocar em mim, como se ela pudesse me queimar com as mãos.
― Agatha, eu preciso falar com você!
Puxei-a pelo pulso, em direção à biblioteca, Eu tremi, ao sentir a sua pulsação contra os meus dedos.
― Marcelo! ― ela protestou. ― É tarde e amanhã nós temos aula.
Percebi que aquilo não lhe importava, mas ela tentava me evitar.
― Não importa!
Arrastei-a até a biblioteca, de onde havíamos tido o primeiro contato mais profundo, mesmo que através de farpas. Ao adentrar ali, ela se afastou, esvoaçando o seu pijama de florzinhas através da brisa que entrava por entre umas das janelas.
Depositei em uma mesinha de estudos que ali havia, o exemplar único de "O desaparecer da Aurora", e então me aproximei dela.
Percebi que a Agatha não havia notado nada, pois estava alheia, olhando os livros e as enormes cortinas que pendiam, escoltando as janelas.
― Marcelo…
Ela se virou para me encarar, percebendo então que eu estava a apenas alguns centímetros do seu rosto. Calou-se por completo.
Ficamos parados alguns segundos ali. Olho no olho, e corações muito acelerados. Respirações quentes e almiscaradas, se fundindo no ar frio da noite.
Aproximei-me dela, um pouco trêmulo, ainda desconfiando de que não podia machucá-la.
Toquei as suas costas por cima do tecido fino de seu pijama. Os seus olhos estavam estatelados, inundando os meus em uma onda de calor. Ela não arriscou se mover, enquanto eu passeava com os dedos ali, sentindo a sua pele reagir ao meu toque e encontrando enfim, os seus cabelos tão sedosos, mas impossíveis de arrebentar.
Fechei os meus olhos, aproximando os meus lábios dos dela, tentando colar o meu corpo no de Agatha. Porém, a menos de um átimo para encontrar a sua boca perfeita, senti ela se remexer, como se se debatesse, enroscando as pernas na minha sem querer, e fazendo com que nós dois viéssemos ao chão.
Encarei-a da minha posição, em cima dela. E novamente os olhos estavam vidrados uns nos outros. O silêncio fazia morada, enquanto eu insistia ― eu precisava ― do seu toque.
― Fique quieta! ― ordenei. ― Ou então aí sim, eu irei lhe machucar.
Brinquei com a Agatha, lançando um sorriso bobo no ar.
― Sai de cima de mim agora, Marcelo! ― ela gritou. ― Sai. Sai. Sai.
Ela começou a me bater, muito assustada.
― Agatha? ― perguntei, um pouco assustado.
― Eu preciso ir. É tarde.
― Fique aqui, Agatha! ― pedi, sussurrando em seu ouvido e inundando os seus poros com o meu hálito quente.
Pude ver a resposta de sua pele no mesmo instante.
― Não! ― Ela tentou se remexer embaixo do meu corpo, mas foi em vão. ― Sai de cima de mim, Marcelo. Agora!
― Não mesmo! ― respondi, me aventurando nela e roçando os nossos narizes, enquanto sussurrava contra os seus lábios, fazendo-os encontrar apenas uma simples vibração dos meus.
De olhos fechados, sentindo a sensação da sua pele quente contra a minha, entreabri os lábios, pronto para saborear o aveludado dos dela. Porém, antes mesmo que eu encontrasse o seu sabor, senti algo acertar em cheio a minha cabeça, me desmaiando pela segunda vez em uma semana, no mesmo cômodo da minha casa.
Acordei segundos depois, e notei que o que havia me acertado era um livro, dos bem grossos, que a Agatha segurava nas mãos, enquanto tremia.
― Nunca mais faça isso! ― ordenou, enquanto gaguejava e ofegava, sem parar de tremer. ― Ou então, eu vou ser obrigada a amassar os seus miolos de verdade.
― Agatha… ― Tentei alcançá-la, enquanto a minha cabeça rodava.
Mas então percebi que ela se afastou e que simplesmente, não confiava em mim.
― Boa noite, Marcelo.
― Agatha! ― eu a chamei. ― Espera aí! ― implorei.
Tentei alcançá-la novamente, mas percebi que ela correu, fugindo de mim e se refugiando em seu quarto, onde provavelmente trancou a porta.
A Agatha sabia que eu teria o despautério de invadir os seus aposentos, sem o menor escrúpulo.
Voltei até a biblioteca, apenas para resgatar o livro que havia deixado ali e que ela nem havia notado. Subi as escadas na penumbra cálida que vinha dos postes da rua, e me deixei guiar para o meu quarto, abraçando o volume e sentindo o aroma adocicado que a Agatha havia deixado em minhas roupas.
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