2. Matteo
"Entre o Amor e Ódio existe uma linha tênue que divide dois sentimentos tão imensos."
Aquela pazza ainda ia fazer da minha vida um inferno por um bom tempo. É por isso que eu tinha expectativas diferentes dos meus irmãos. Eu queria sair dali, ser um Bianucci bem longe daquelas loucas. Não ia me submeter a vida toda àquelas garotas e sua futura prole feminista como fora feito do meu pai e meus tios.
Estava arrumando os refrigerantes em um segundo e no outro brincava com as letras de ímã na geladeira dos fundos da pizzaria. Aquelas letras vinham de muitos anos, estavam gastas, quase brancas quando deveriam vir desenhadas com animais selvagens animados. Aquilo fora usado para entreter a mim e aos meus primos muitos anos antes. No entanto, nunca tivemos motivo para tirá-las dali.
Uma mão tocou meu ombro e eu sobressaltei, levantando do banco de madeira baixo e parando ao lado de Dante. Vi meu primo sorrir com malícia na minha direção. Droga, o que eu havia feito agora? Quando voltou seu olhar para a geladeira, eu o fiz também e não acreditei na palavra que havia formado inconscientemente.
- Francesco, Luigi, venham ver o que o Matteo escreveu na geladeira! - Ele gritou por cima do ombro e eu o peguei pela gola da camisa para tentar impedir. Era tarde demais.
- Eu vou te matar, ti odio! - Rugi antes de soltá-lo com força.
Meu primo apenas ajeitou as roupas e continuou a rir enquanto via os outros entrarem pela mesma porta que entramos antes. Não demorou para mais risadas guturais tomarem conta do ambiente pequeno, abafado e pouco arejado. Passei as mãos no rosto e cabelos, sentindo um calor se apossar do meu corpo. Eu queria socar meus primos, mas apenas saí dali a passos largos antes que fizesse algo de que me arrependesse.
Não demorou para mais uma mão agarrar meu ombro com força e eu me livrei de imediato, virando furioso para quem havia me tocado. Era o irmão (apenas onze meses mais novo) do meu delator, Francesco. Com um suspiro cansado, me sentei nas mesas ainda vazias no começo daquela tarde na pizzaria.
Ao contrário de Dante, Francesco era mais sensível, o conselheiro de todos e era nesses momentos que eu agradecia por ele ser o único que não era um idiota como todos nós. Umedeci os lábios, mordendo com força enquanto fitava as janelas de vidro entreabertas para iluminar o espaço com o sol da tarde que batia ali. Eu sabia que ele já se sentava à minha frente e me olhava, mas não consegui encará-lo, mesmo que o sol já começasse a irritar minha retina clara demais.
- E daí que você escreveu o nome dela ali? Foi inconsciente. Não significa nada. - Ele começou a falar e eu me recostei na cadeira, olhando para as minhas mãos. - A menos que você queira que signifique... - No mesmo instante lancei meu olhar raivoso na direção dele que desatou a rir. Talvez ele não fosse tão sensível assim. - Para com isso, cugino. Foi coisa dessa sua cabeça aí que ficou matutando sobre vocês dois. É normal, só juntou as letras de forma automática. - Deu de ombros, as mãos apoiadas na mesa, o corpo jogado na cadeira.
- Chê, você simplesmente não junta as letras do nome Arabella automaticamente. Essa garota... - Dei um soco na mesa, me levantando de supetão. Meu primo me acompanhou. - Ela vai me pagar! - Meus dentes rangiam e antes que eu pudesse passar pela porta de ferro, meu primo me segurou com força.
- Você vai se arrepender disso. - Ele murmurou calmamente. - Você vai continuar vendo o rosto dela e escrevendo seu nome se deixar ela continuar a se infiltrar nessa sua cabeça oca. - Francesco pressionou seu indicador na minha testa. - Agora vá trabalhar que daqui a pouco abriremos para esses esfomeados!
Ri alto e me afastei, voltando aos afazeres.
Ninguém voltou ao assunto Arabella o resto do dia e eu agradeci por isso. Francesco deve ter brigado com o irmão e o primo por causa disso. Eles sabiam do meu temperamento e não pagariam para me ver irritado.
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- "Arabella, pegue o livro", "Arabella, e os pintores?", "Arabella, escreva sobre os autores". Argh! Vão todos pro inferno! - Rosnei enquanto procurava mais um livro entre as prateleiras.
Perla havia me pedido para ficar calma, mas isso era tudo o que eu menos tinha. Na verdade, na frente deles eu era um anjo, mas quando perceberam a minha estratégia, começaram a abusar da minha boa vontade. Minha paciência era bem limitada, que eles ficassem sabendo disso.
Enquanto dedilhava os livros empoeirados da biblioteca que se encontrava parcialmente cheia de alunos correndo atrás dos trabalhos do semestre, tentava não gritar ali mesmo e parecer uma louca. Os alunos não tinham culpa da minha vida ter se encontrado com a de um Bianucci particularmente insuportável como era Matteo.
Puxei um livro e me assustei com o par de olhos azuis me fitando divertido. Engoli em seco e me senti ruborizar. Quem era aquele Deus grego? Ele não era deste mundo. De onde havia saído?
Ele pigarreou, me tirando dos devaneios e eu já devia estar roxa de vergonha. Será que era professor? E esse sorriso de canto? Eu estava fazendo papel de boba, por isso resolvi me afastar. Algo se acendeu dentro de mim quando eu ouvi um "ei" vindo de uma voz grossa do outro lado da estante. Voltei alguns passos e ele ainda estava ali.
- Você está bem? Está resmungando há um bom tempo. - Ergueu uma sobrancelha desconfiado e eu apenas assenti. Como se falava mesmo? Se eu abrisse a boca naquele momento, provavelmente falaria como uma criança que acaba de aprender o alfabeto. - Hm, precisa de ajuda com algum livro? Você é segundanista?
Eram perguntas que não poderiam ser respondidas apenas com acenos de cabeça, mas com palavras, frases completas. Pigarreei para que a voz não falhasse nem na primeira palavra:
- Estou procurando sobre José de Alencar, Romantismo, trabalho de literatura... - Dei de ombros, mordendo o lábio inferior e desviando o olhar para o livro que tinha em mãos. - Esse me parece bom. - Mostrei à ele ainda pelo buraco que antes jaziam meu livro e o dele. - E sim, sou segundanista. E você? Acho que nunca o vi por aqui.
- É bom, mas acho que posso te dar um mais completo, com todos os autores do Romantismo, suas obras e sobre cada uma das três fases que possui. - Sorriu para mim, desviando o olhar do livro para se focar nos meus olhos. - Terceiranista.
E então ele sumiu da minha vista e eu franzi o cenho. Era isso? A nossa conversa estava finalizada sem mais nem menos? Ele era terceiranista e eu nunca o havia visto? Era impossível um Deus grego desse passar despercebido por mim.
Logo o vi virando a minha prateleira e se aproximando, o uniforme completo lhe caindo muito bem, os cabelos sendo ajeitados para o lado enquanto ele me observava com um sorriso esperto. Estava claro que ele sabia o efeito que causava em toda garota.
Antes de chegar a mim, tocou um livro e o esticou na minha direção. Deixei o meu de lado e peguei o que ele me entregava. Parecia completo e com certeza ajudaria muito.
- Obrigada. - Agradeci com um sorriso tímido nos lábios.
- Sem problemas. - Piscou e saiu andando em direção à saída da biblioteca.
Droga, eu ainda tinha perguntas para fazer à ele. Precisava saber seu nome, se ele era novo ou se havia dado apenas uma repaginada em seu visual - e se fosse a segunda opção, precisava dar os parabéns pelo sucesso na sua empreitada. Tive medo que ele fosse professor pela sua altura e seu físico, mas por sorte era só mais um como todos nós.
- O que está fazendo parada aí? - A voz de Matteo invadiu meus ouvidos e eu acordei do meu transe fixo na porta de saída da biblioteca.
A triste realidade de um maldito trabalho com Matteo Bianucci me encarava novamente.
- Pegando a droga de um livro. - Mostrei a ele o livro que o Deus grego havia me dado. - Agora sai da minha frente. - Passei por ele, esbarrando em seu ombro ao passar.
Matteo não deixou barato e me alcançou enquanto voltávamos pra mesa onde jaziam nossos primos.
- Você ficou enrolando, tenho certeza. - Ele continuava a me provocar enquanto eu respirava fundo, contando até mil para não acertar um soco bem nas suas bolas. - Mexendo em seu celular, procurando por Romantismo na sessão que não era de Romantismo...
- Você não me viu na sessão de Romantismo? - Parei abruptamente, controlando a altura de minha voz. - Então por que não me deixa me paz? - Um sorriso brincava nos seus lábios, divertindo-se com a minha situação. - Tira essa droga de sorriso do rosto, Bianucci. - Rosnei e me virei para sair andando, sem paciência para continuar a discutir com aquele idiota.
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- Eu te vi discutindo com Arabella entre as prateleiras da biblioteca. - Francesco parou ao meu lado enquanto caminhávamos para dentro de casa.
Era uma casa bem grande para abrigar todos os Bianucci. Éramos eu, meus três primos, meus dois tios e tias, meus pais, o nonno e a nonna. Então eu nunca pude crescer dizendo que não tinha amigos para brincar ou que meus natais estavam vazios. Foi uma vida agitada.
- Quando eu e Arabella não estamos discutindo, Chê? - Me deitei na minha cama, já dentro do quarto que dividia com Luigi.
Ergui uma sobrancelha em um questionamento mudo do porquê ele não fora para seu quarto junto com o seu irmão - que já deveria estar em casa há muito tempo enquanto nós três fazíamos o trabalho de literatura. Luigi entrou no mesmo segundo em que ele tomou fôlego para falar alguma coisa, fazendo-o desistir e sair dali.
Eu tinha medo do que o meu primo mais observador poderia dizer sobre o que presenciara. Será que ele havia ouvido nossa discussão ou só visto? Não havíamos falado nada demais, certo? Não tinha algo comprometedor para se dizer, eu odiava Arabella e ponto. Era por causa do ódio que aquela garota estava me tomando a sanidade.
Me debrucei sobre a varanda do meu quarto, fitando os fundo de minha casa, o vento frio fazendo os pelos do meu braço se eriçarem. Balbuciei então uma música, com vergonha do que estava fazendo:
- Ela pode ter entrado na sua mente e alma, você não pode ter certeza*...
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N/A: *Just might have tapped into your mind and soul, you can't be sure.
(Arabella – Arctic Monkeys)
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