XIV- O MAR DE PALAVRAS
CAP. XIV. REVOLUÇÃO N°.150
— Tive tanto medo... — repetia Saori.
— Respire fundo, já está tudo bem — acalentava Demétrio.
Era suficiente para Camélia adentrar os escombros da mansão deixando o momento de outrem em quietude. Não precisava de resposta alguma. Não precisava de verdade alguma. Não precisava dele! Não precisava do seu olhar sereno apontado para ela. Não precisava de sua atenção! Não precisava de seu carinho! Não precisava de esmola alguma. Não precisava de nenhuma explicação, ele podia viver sua vida em paz.
A calmaria que sentira momentos antes foi tomada por uma onda de descontentamento e pressão, uma pressão que fazia seu estômago se remoer fazendo-a tremer como nunca antes.
Ela tentava ignorar o que se passava, voltando sua frágil atenção ao que restou da mansão. Ao menos, as paredes, teto e piso continuavam todos no lugar. Tinha um teto sobre sua cabeça e era isso que importava. Subestimava cada pedaço de madeira que se mantinha de pé, tentando em ações falhas, manter-se imparcial quanto à traição que sofrera. As lembranças dos poucos momentos que passaram juntos, onde pensara haver sinceridade e carinho, não passavam de mais uma fachada bem pintada sobre um quadro de cores fúnebres.
Ela o amava, ou era o contrário? A história tinha se contrariado alguma vez? Por que aquilo estava acontecendo com ela? Por que ainda sentia que beijá-lo seria um de seus últimos desejos? Por que se sentia uma pecadora quando quem abandonara o sentimento antes dele nascer em seu peito fôra aquele homem? Era jovem demais para entender, mas ainda se perguntava por que perguntas que jamais deveriam sobrepor os pensamentos sobre a traição continuavam a aparecer.
Antes que Demétrio a alcançasse vagando pela casa, seus homens o interceptaram. Diziam coisas sobre a batalha, sobre a necessidade de novas estratégias e sobre o motim do povo. Ele não tinha ouvidos para nada daquilo.
Não haviam mais palavras a serem ditas ou ouvidas, o caos já estava instalado o suficiente para causar separações e isso abria uma brecha que não poderia ser reparada com palavras e explicações.
No restante daquele dia, fosse na retirada dos estragos, na arrumação do que sobrara ou nas pausas para curtas refeições, nenhuma palavra foi trocada. Nenhum olhar respondido. O clima ficava cada vez mais pesado e a maioria dos presentes que trabalhava com tamanho ardor sequer percebia a anomalia ali presente.
O céu se manchou de vermelho, rosa e laranja numa dança infindável de nuvens coloridas. Até mesmo as árvores mantiveram seu silêncio, mal se moviam com o fraco vento que ainda tentava alcançá-las.
Camélia segurava suas lágrimas e tentava acalmar seus pensamentos. Saiu de uma casa onde era maltratada, tida como inútil e feita de imbecil todos os dias, para terminar numa casa destruída, para ser feita de imbecil por alguém que estava ainda decidindo confiar e sendo traída, não só com frases espinhosas, mas também com ações que a faziam sentir ânsia. Para ela, chegava a ser incrível demais alguém ser capaz de realizar tal feito, tal proeza de jura-la saudade e logo em seguida parecer tão miserável como ser humano. Não haviam palavras que pudessem fechar aquela ferida tão profunda. Uma facada contra seu próprio pescoço em forma de amor. Uma flechada certeira em seus sentidos. Uma lança pronta para atacar o que lhe restava de virtuosidade. Era uma mulher traída, aos cacos, sentada sobre os cacos, e sozinha. Não tinha a quem recorrer ou buscar. Nenhum lugar para onde fugir ou onde se esconder. A vida já havia brincado demais com seus joguinhos impiedosos.
Camélia levantou sem se importar em limpar o vestido e saiu da mansão a passos largos. Logo, os passos não foram mais suficientes. Levantou a barra de seu vestido o máximo que pôde e correu, correu para o mais longe que pôde. Se sentia a criatura mais estúpida da face da terra, o ser mais estúpido que já pisara naquele território e a mais merecedora de um destino tão cruel.
Ela só precisava dar mais um passo, apenas mais um, mas suas pernas já não suportavam mais. Se agarrou na beirada da ponte próxima à floresta de pinheiros e soltou o grito mais alto que já dera em toda a sua vida. Logo em seguida, soltou mais um, e outro; e outro; e outro. Aquela sensação destrutiva de que nada era suficiente para afastar aquela dor intrincada em seu peito. Sentia vontade de vomitar a cada vez que sua mente a obrigava a vê-los juntos em cenários imaginários. Era como se toda sua dignidade como boa mulher tivesse sido arrancada por um aristocrata qualquer com ares de superioridade. Sim, ele era mesmo superior. Era um homem. Ele era quem ditava as regras, quem decidia os acontecimentos, quem ordenava a razão, e agora, quem escrevia o livro da vida dela com um sorriso de canto no rosto.
"Basta", gritava seu rancor. "Não há mais porque suportar", dizia seu medo. "Pule", dizia sua angústia. Um passo a mais...
Sendo rodopiada num movimento rápido, sentiu-se ser segurada pelos ombros com força.
— Camélia! O que estava pensando em fazer?
Ela fitava aqueles olhos âmbar com indignação e surpresa. Como ele não podia saber? Não podia deixá-la decidir sequer uma vez? Não podia tirar aquela sombra de cima dela? Não podia fazê-la parar de se amargurar por pelo menos um segundo?
— O quê? QUER SABER O QUÊ?! ACHA QUE TEM ESSE DIREITO SOBRE A MINHA VIDA? ACHA QUE PODE FAZER O QUE BEM ENTENDER COM ELA COMO SE SEU FOSSE SUA BONECA? ACHA QUE PODE FAZER ISSO COMIGO DEPOIS DE TUDO? NÃO É JUSTO!
A cada sentença, uma nova lágrima. Logo, as lágrimas não bastaram e seus punhos passaram a falar por ela, indo de encontro com o peito encouraçado de sofrimento dele.
— Camélia...
— Vocês homens... não entendem nada. Vocês nos deixam confusas e nos fazem pensar que a culpa é nossa! São todos egoístas que só pensam em sua própria honra mesmo que às custas de outra pessoa. EU ODEIO CADA UM DE VOCÊS! — se lembrando de como Conrad a salvou e como Knowmore a tratou como igual na biblioteca, engoliu suas palavras junto com as lágrimas incessantes. — Não... eu não odeio todos vocês... Eu odeio você.
— E eu te amo.
Um momento sem distinção de tempo ou lugar. Tudo se tornou um breu sem escapatória. Cada segundo a deixava cada vez mais confusa.
— V-você não tem esse direito...
— Você quer pular da ponte e se afogar no rio pois acha que a trai. E no momento... — ele engoliu em seco, como se tentasse manter as lágrimas escondidas. — não creio que ouvirá nenhuma das minhas palavras. Então — ele fitou o curso do rio.— te ajudarei a realizar seu desejo.
E num movimento rápido, se jogou no rio submergindo completamente.
Camélia se manteve inerte, em pé na ponte, sem olhar para canto algum além do pequeno jardim de margaridas no final do caminho por onde tinha vindo. Suas mãos tremiam, a boca entreaberta movia os lábios sem que houvesse palavras e seus olhos bem abertos ainda tentavam mantê-la sã o suficiente para que não fizesse algo que se arrependeria.
— DEMÉTRIO! — gritou por sobre a ponte, quase rouca, agarrando-se nela. Sabia que podia se arrepender, mas ignorou todo e qualquer sentimento que pudesse pará-la. Mais uma vez, se sentia usada. Porém, dessa vez, de uma forma diferente.
Sem hesitar por segundo algum mais, levantou o vestido e pulou no rio. Ela não sabia nadar, mas era ainda mais importante para ela encontrar aquele miserável do que podia compreender naquele momento. Subitamente, aqueles segundos na água passaram a ser uma necessidade desesperada. Precisava vê-lo voltar, precisava ver que estava bem, mesmo que para traí-la novamente.
Demétrio emergiu, finalmente, segurando a moça desamparada prestes a afundar.
— Eu te amo, Camélia — foi a única explicação que dera.
Os cabelos molhados grudados à testa, os olhos suplicantes, a boca entreaberta esperando por uma resposta. Só precisava ouvir a voz dela.
Camélia se segurava em seus ombros, sentindo o aperto forte das mãos dele em sua cintura. Não se importava mais se conhecia ele por inteiro ou não, abraçá-lo a salvo valia mais do que qualquer outra coisa.
— Por que fez isso? — perguntou, finalmente, clamando como uma criança. — Por que me faz sentir assim? Você não pode fazer isso.
— Não te traí e jamais seria capaz de fazê-lo.
— E se... eu não acreditar nisso? Por que eu deveria? — as lágrimas voltavam a descer por seu rosto, se misturando às gotas de água. Seria um erro acreditar naquelas palavras tolas?
— Então eu entregarei todos os dias da minha vida para prová-la que o que digo é a mais pura verdade; e que eu não seria capaz de ter outra mulher no meu coração, senão você.
Aquelas palavras a fizeram lembrar de tudo o que já havia passado. Cada minuto de sermão que sua mãe lhe dera, cada tapa que recebera, cada segundo em que desejou que se casar com Demétrio fosse apenas um pesadelo; jamais imaginaria que tudo aquilo a levaria àquele mesmo instante. Olhar no olhar, respiração com respiração, batimentos tão acelerados quanto extasiados.
Apenas mais um centímetro...
Um vendaval tomou a floresta por inteiro, torcendo árvores, espalhando as pétalas das margaridas por todo o caminho e indo em direção à cidade.
Voltando a si, Demétrio tomou a frente:
— Acho melhor voltarmos, não quero que fique doente. A noite é... muito fria aqui.
Demétrio tentou segurar seu cotovelo a fim de ajudá-la a se manter e ir até a beirada do rio, mas foi rejeitado.
— Não se aproxime de mim. Não toque em mim. Não olhe para mim. Não pense em mim... — Camélia olhou seu rosto como nunca fizera com mais ninguém. Uma mistura de desprezo e pesar que jamais sentira antes. — Apenas esqueça que esse casamento existiu e peça o divórcio. Te deixarei sair por cima dessa situação, não será mal-falado se a culpada claramente sou eu, não sendo o suficiente para satisfazer o arder do seu coração.
— Camélia, por favor, me escute — suplicou, o rosto em pura aflição, como se tivesse sido pego num escândalo social.
Camélia não sabia ao certo se estava tomando uma decisão, ou simplesmente punindo um pecador, mas a forma como sua mente a desobedecia quando ele estava por perto era desenfreada demais para que ela conseguisse lutar contra com ações, por isso dependeu de sua última migalha de coragem para agir rápido.
— Só me dê tempo o suficiente para agradecer Conrad de forma adequada, e então voltarei à casa dos meus pais — dizer aquelas palavras a causavam ainda mais ânsia que antes, mas não podia voltar atrás naquela decisão. Não sabia qual lado era pior, mas definitivamente, não era naquela realidade. — Já não me importo com como vou ser vista pela sociedade. Somos uma família falida tentando se reerguer. Não creio que devolverão o preço do dote, mas de qualquer forma, não conseguiria nada com uma empresa falida. Fique à vontade para destruir o nome dos Luzzafey, pedirei para ser tirada do registro familiar e desaparecerei de vez da sua vida. Adeus, Demétrio...
— Por favor, não vá, Camélia.
Ela alcançou a barreira sozinha, ainda que com dificuldade. Se levantou, encharcada e se sentindo humilhada, mas não olhou para trás quando cruzou a ponte e o deixou sozinho naquele mar de palavras.
Durante a noite daquele dia, Camélia passou a tentar discernir o que todos os seus pensamentos diziam ao mesmo tempo, ainda que continuasse falhando continuamente. Aquela parecia a noite mais difícil que passara desde que reconheceu que jamais seria alguém debaixo da superioridade de sua irmã mais velha. Quem sabe, àquela altura, graças aos presentes dados por Demétrio, talvez as dívidas tivessem sido pagas e Jane tivesse conseguido casar e ser feliz com sua nova riqueza ao lado do marido. Seus pais não haviam escrito para ela nenhuma vez sequer. Não que ela esperasse que eles escrevessem, mas ainda assim era ruim entender os motivos.
Mais uma vez, parecia ter falhado. Sua única missão era estar casada e não trazer problemas à família, mas nem isso havia conseguido fazer. Por essa razão, se sentia ainda mais dependente das correntes que a prendiam àquelas pessoas do que nunca. Era como se todas as ilusões que criava em sua cabeça na infância a fizessem se sentir ainda mais humilhada. Cenários bobos onde se casava com um homem que a amava de verdade, usando vestidos bonitos e caminhando por aí com um sorriso no rosto, livre das broncas de mamãe. Agora, tudo aquilo só a fazia pensar em como era estúpida desde pequena. Pequena... aquele casamento era uma estrada desconhecida, tortuosa e sem volta.
Sentada sobre os restos da cama de dossel, tremeu ao ouvir a porta - mesmo que cheia de buracos de machado - ser tocada de leve. O som das dobradiças revelou o corpo alto adentrando o quarto e fechando a porta atrás de si. Ele se aproximou, sentou-se ao lado dela e apoiou os braços arranhados sobre as próprias coxas.
— Não parece querer conversar — Conrad falava com ela como se se conhecessem há anos, de forma completamente informal. — Mas sei que há certas coisas que precisa saber, então me sinto obrigado a estar aqui.
— Não se incomode, Conrad. Não estarei mais por aqui em breve. Não preciso mais de respostas — recusou, o mais educadamente que pôde.
— Sei como está se sentindo. Fui traído por minha noiva dias antes de nos casarmos. Isso destruiu minha confiança e me fez rastejar por aí como um homem desonrado.
Contra o que Camélia pudesse esperar, aquela revelação pessoal a fez vê-lo com diferentes olhos.
— Você... Conrad, eu não sabia.
— Não tinha como saber — assumiu. — Essa casa guarda muitos segredos, incluindo coisas que você jamais deveria ir atrás. Mas traição não é uma delas.
Camélia quase não pôde acreditar no que ouvia. Conrad claramente era como o cãozinho obediente de Demétrio, mas não achou que ele chegaria a tanto.
— Não me importa saber nada sobre isso, eu não quero escutar.
— Demétrio não te traiu, Camélia. Ele pode ter mentido para todos dessa casa milhares de vezes, mas nunca o vi mentir para a mulher que ama. Demétrio não é assim.
— Você trabalha para ele! Eu já vi, é capaz de dar sua vida em troca da dele e quer vir aqui me dizer que o seu líder é um homem bom? Acha que essas palavras vão mudar o que vi com meus próprios olhos? O que quer fazer? Repetir essas palavras toda noite até que elas se tornem verdade em minha cabeça? Eu não sou tão tola assim, Conrad.
Ele a observava quieto, ouvindo atentamente cada palavra dita e dando atenção especial às expressões que ela fazia ao dizê-las. Tentava compreender aquelas palavras sofridas, tristezas ocultas, medo, incertezas... ele queria ver tudo; conhecê-la por inteiro.
— Quando Demétrio disse que havia se decidido sobre o casamento, gargalhei tão alto, que fiz Escor cuspir vinho no tapete da sala — sua expressão se tornara mais leve, assim como a dela agora estava. — Quase não acreditei, porque ele nunca teve coragem de se dirigir a nenhuma dama antes. Pelo menos, não como desejava se dirigir à você. Ele ficava repetindo por várias vezes durante o dia que iria se casar com a mulher mais linda que havia visto na vida! Era irritante vê-lo se gabar a cada carta que chegava endereçada à ele. Por meses a mansão foi tomada por ares de bom-humor, o que ia muito além do estado normal dele. Às vezes... até parecia que ele estava bem, tão bem quanto eu queria que estivesse — sua voz se esgarniçou e Camélia interveio.
— Cartas? Como as cartas de meu pai poderiam deixá-lo tão animado? Não vê que se tratou apenas de um jogo de estratégia para conseguir a posse da indústria? Acha que sou estúpida o suficiente para não perceber o que está acontecendo ao meu redor? Há criaturas violentas por aí, pessoas se machucando e uma disputa por poder que é completamente inútil ao meu ver!
Mais uma vez, Conrad se calou. Um silêncio diferente, pesando o ar e o deixando irrespirável. Não dera ouvidos a nenhuma palavra dita por ela após ouvir aquela primeira sentença.
— Cartas de seu pai? Foi ele quem as escreveu? CADA PALAVRA?
— S-sim — era a primeira vez que Camélia o via tão irritado, elevando a voz. Nem mesmo no jantar, quando a mansão foi atacada por criaturas desconhecidas, Conrad se mostrou tão furioso. — Isso é tão mais importante do que todo resto?
Mais uma vez, ele não a ouviu.
— Aquele cretino... — ele puxava seus fios loiros para trás com tamanha força, que a qualquer momento tufos poderiam se soltar em seus dedos. — Quer dizer que nenhuma das cartas dele chegaram até você?
— Lembro-me de meu pai queimar alguns papéis dias antes do casamento, mas não vi o que eram.
— Você não sabia de nada?— foi a vez de Conrad intervir. Ele cobriu sua própria boca e franziu fortemente as sobrancelhas. — Todas aquelas cartas de amor, as declarações escondidas em poemas, as noites que ele virou pensando em formas de fazer a mulher que amava mudar de ideia sobre aceitá-lo ou não, TUDO AQUILO FOI UMA MENTIRA! COMO ELE VAI SE SENTIR SE SOUBER?!
Há esse tempo, Conrad já havia se levantado do colchão e movia suas mãos em pura fúria e ódio. Seu desespero já era mais do que palpável. Camélia também se levantou, mas para rebater as exclamações.
— Como ele vai se sentir? Se já foi traído por alguém que... que apreciava — não havia encontrado as palavras certas, ainda que houvesse muito o que dizer. — deveria entender como eu me sinto! Isso vai me seguir por toda a vida, enquanto essa humilhação que Demétrio passara vai continuar oculta entre vocês!
— Então é isso? Vamos, me diga, quais são as suas acusações? Como tem tanta certeza de que Demétrio a traiu? Eu me matarei nesse exato momento se o que disser for verdade.
Conrad falava sério como nunca antes falara. A face de um rapaz alegre e confiável de repente havia se transformado na face de um homem fiel, aflito e de punho firme diante de tal situação frágil.
— E-eu... — Camélia gaguejou, o que foi suficiente para que ele compreendesse. — Eu vi como ele age com Saori! Eu vi os dois juntos!
— O que exatamente você viu? Vamos, me diga. Viu dois amantes às escondidas, ou viu um homem entregar sua própria vida mais de uma vez para proteger você? Me diga que nunca o viu sorrir para você. Me diga que tudo o que eu mesmo vi, com meus próprios olhos foram apenas ilusões — Pela primeira vez, Camélia deu um passo atrás. — Sim, Demétrio enxerga a si mesmo como irmão mais velho de Saori desde que a trouxera para a mansão. É assim que Demétrio a vê, apesar de que não estaria completamente errada se pensasse que Saori poderia tramar contra seu matrimônio. Ela pode ser ardilosa às vezes, se desejar algo que não lhe pertence e que pode não estar ao seu alcance de certa forma. Mas isso não inclui Demétrio. Ele jamais olhou para outra mulher da mesma forma que olha para você e duvido que fará isso no futuro se te perder. É por isso que seguir com esses pensamentos só lhe trará mais e mais sofrimento — Conrad segurou o rosto de Camélia e se aproximou o máximo, mantendo o caráter respeitoso. — Demétrio pode ser muitas coisas e esconder ainda mais, mas isso não o faz um traidor. Não sabe pelo que ele passou antes de decidir se casar com você. O quanto se sentiu egoísta por trazê-la para um território tão perigoso. Você... você não entende quanto ele sacrificou da própria sanidade para tomar essa decisão.
— O que quer dizer? — Camélia já não conseguia compreender mais nada. As lágrimas começaram a rolar por seu rosto, alcançando as mãos calejadas de Conrad.
Se afastando dela e indo em direção à porta, ele a deixou um último conselho:
— Não sei a decisão que tomará a partir de agora. Ficar, ou deixar essa mansão. Mas peço que confie em mim e ouça o que ele quer te dizer. Depois disso, poderá escolher entre suas opções e tomar uma frente. Só espero que não se aparte de nós, pois ambos já não podemos viver sem a sua presença — por um momento, ele corou. — É a primeira vez que digo isso, mas... gostaria de um dia poder estar ao seu lado te protegendo em irmandade a Demétrio. Seria uma pena não te ver sorrindo mais uma vez e acima disso, não te ouvir rir de nenhuma das minhas piadas sem graça nenhuma vez. Realmente espero fazer essa última parte algum dia.
E fechando a porta atrás de si, se retirou do recinto deixando-as sozinhas. Ela e sua consciência.
Afinal, quanto tempo fazia desde que chegara à mansão? Camélia parecia ter se perdido entre o que queria, o que precisava e o que deveria saber. Desde então, o inferno que sua vida era enquanto vivia com seus pais, ainda não havia tomado as proporções que viver naquela casa lhe havia dado.
Sua mente era a caça mais desejada naquele ninho de criaturas assombrosas. Se sentia perseguida por todos os lados, sendo observada por lobos de fumaça negra, cavalos de olhos brilhantes e espelhos. Ah, os espelhos... ela cobrira aquele que sempre olhava pela manhã, na penteadeira à frente da cama.
"Como pode não ter quebrado durante o motim?", perguntava-se ela. O quarto destruído era uma controvérsia diante daquele maldito espelho. Quando foi que passou a odiar objetos inanimados?
Entretanto, em meio a tantos pensamentos sem nexo - numa tentativa de retirar as palavras de Conrad de sua mente - um diferente surgiu: "um vendaval tomou a floresta...", levantou-se da cama e foi até a janela, "...e se dirigiu à cidade". De sua janela, mal conseguia ver o horizonte. As grandes árvores que cercavam a parte de trás da casa não permitiam muito a passagem. No entanto, apesar de repentino, aquele simples pensamento foi capaz de tomá-la de súbito, fazendo-a se agarrar ao primeiro casaco que encontrara e sair da mansão indo em direção à cidade. Tinha quase certeza de para onde aquele vendaval teria ido e não lhe importava se Demétrio se importaria com seu sumiço ou não. Eles já não tinham ligação alguma.
O frio da noite e a cidade deserta a assustavam um pouco.
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