XII- INDAGAÇÕES VERMELHO-CARMIM
CAP. XII. REVOLUÇÃO N°.150
Respostas: quando há necessidade delas, uma busca pelo que lhe falta inicia. A busca pelo que faz sentir ansioso; é essa busca que proclama a exatidão do limite: até onde iria por uma resposta.
Camélia folheava as grossas páginas daquele livro buscando soluções para perguntas que ainda não conhecia. Não entendia o mundo ao qual era destinada a estar presente e por conta disso, nenhuma ideia teve do que poderia perguntar para si mesma, ou o que exatamente deveria procurar. Em razão dessas circunstâncias, decidiu organizar mentalmente tudo o que lhe faltava saber até aquele momento:
"Quem é verdadeiramente Demétrio Silvian?"
"O que era aquela criatura que o atacou durante o jantar?"
"Quem é César Magno? E o que o território de Valle Sorbon tem haver com tudo?"
"Demétrio me ama?"
Haviam muitas indagações mais a fazer, mas o tempo não lhe permitia. No entanto, o livro em suas mãos carregava parte da história, parte das respostas que ansiava por encontrar.
A capa de couro mantinha as páginas amareladas protegidas com um fecho de metal. Abrindo-o, o estalar do material ecoou pela biblioteca, agora, silenciosa. Camélia se virou para trás, se vendo sozinha em meio a um silêncio quase assombroso. Os livros que voavam sobre as prateleiras e estantes se aquietaram, assim como todos os outros sons do lugar. Em sua plenitude, a estranha biblioteca de Knowmore se mostrava tão serena quanto seu dono, tão misteriosa quanto suas palavras e tão enigmática quanto seus motivos.
Camélia passou a folhear o livro mais uma vez. Era pesado, por isso, buscou um lugar onde pudesse se sentar em paz e passar os olhos pelas letras do volume. Expressão que aqui, quer dizer que leria os nomes dos capítulos, descobriria como eram organizados e do que se tratava já que a capa não revelava nada além do espaço com a palavra "autor" escritas, sem um verdadeiro autor ali. Não havia nome algum; nem Relojoeiro, nem Knowmore, nem qualquer outra coisa que indicasse um nome. Entretanto, as manchas escuras no local mostravam firmemente que alguém pensara em colocar diversos nomes ali, não encontrando o correto, quem sabe, ou simplesmente sem saber o que escrever.
Acima de tudo, virando as inúmeras páginas, sentiu o cheiro de mofo tomar suas narinas. Nenhum dos outros livros da biblioteca que pegara demonstrara aquele odor. De qualquer forma, não seria um aroma ruim que estragaria sua curiosidade. Passou a folhear mais rápido, hora ou outra prendendo a respiração. Ao longe já podia ser ouvida uma valsa no gramofone. Uma clássica e melancólica valsa. Combinava bem com o estilo da leitura.
O livro era escrito à mão. Knowmore puxava as pontas dos "A" e subia como mastros de navios seus "D", "T" e também os "L". Tinha manias de escrita originais dele, formas fáceis de identificação. Nenhum erro ortográfico ou gramatical, nenhuma vírgula fora do lugar ou centímetros de espaçamento incorretos ou desiguais. A perfeição daqueles longos parágrafos era impressionante. Camélia jamais vira tamanho cuidado em toda sua vida. E assim como pensara, o livro era muito bem organizado. O índice nas primeiras páginas era separado por categorias: "História velha", "História nova", "Recordações", "Trajetória", "C.", entre outras. Não sabia exatamente qual era o "capítulo certo", mas sua curiosidade falara mais alto no momento da pesquisa em si. Pulara todas as dezessete sub categorias existentes no índice e abrira na página que iniciava com um grande "C." no topo. Diferente dos títulos das demais categorias, aquela em questão possuía muitos mais detalhes. Desenhos nas laterais, marcações rápidas, linhas inteiras riscadas com tinta preta, nomes retirados do papel, detalhes que pareciam fazer aquele capítulo ser um livro à parte. Deixando um espaço vago em meio às vírgulas e frases, o mistério aumentava. Havia alguém que Knowmore queria desesperadamente esquecer? Qual era o teor das linhas riscadas? O que estava...
"Por que sou o único que não possui um nome?"
A sentença escrita em letras comuns e nada enfeitadas atingiu Camélia como uma flecha, encravando-se em sua memória, causando-lhe uma dor aguda.
Algo quente. Sentiu sobre sua pele um calor morno e rápido. Knowmore a observava curioso, sem mudar de expressão, como se ela estivesse perdida em devaneios há muito tempo.
— Chamei-a, mas não pareceu me ouvir. Então tomei a liberdade de trazer-lhe o chá — o som categórico na voz. Camélia se perguntava se ele falava da mesma maneira tanto para as parabenizações aos noivos pelo casamento, quanto para os entes queridos que foram deixados para trás num velório.
— Peço perdão, acabei me afundando na leitura.
— As páginas de um bom livro são o melhor lugar onde pode-se perder na vida — ele se sentou ao lado dela no sofá. — Se perder numa floresta pode ser assustador, pois não sabe o que poderá encontrar. Se perder num deserto pode causar desespero por não saber se irá sobreviver a todo aquele calor até o dia seguinte... — ele pausou, como se tentasse lembrar as palavras corretas, pela primeira vez, franzindo levemente as sobrancelhas. — Mas se perder num bom livro, é como enxergar uma escuridão impalpável à sua frente e ter coragem de aventurar-se nela sem saber quando ou como voltará, mesmo que com a certeza de que jamais tornará ao mesmo estado de ignorância de antes.
Por um momento, enquanto observava aqueles olhos castanho-avermelhados, Camélia vislumbrou um pequeno feixe de luz. Esperança, paixão, orgulho... quem sabe?
— É uma citação de um dos seus livros? — indagou, segurando a xícara de chá com força.
— Algo que alguém me disse uma vez, se não me falha a memória.
Levantando-se, balbuciou algo como que "irei cuidar de Conrad" e se retirou da biblioteca deixando-a sozinha mais uma vez.
Mergulhando naquelas páginas novamente, com ainda mais desejo por saber o que ali estava, voltou-se ao que ainda podia ser lido.
Ali, haviam parágrafos inteiros falando sobre personalidades, pessoas, organizações por cores, números, símbolos e outras coisas mais que Camélia não conseguia compreender. No total, naquela categoria se falava sobre oito homens e seus respectivos atributos. Dois outros nomes estavam completamente riscados e com poucas informações legíveis. Um nôno nome estava num espaço em branco, rabiscado, quase ilegível como os anteriores. Logo ao lado, um estranho tipo de anotação:
"O Caos não é a raiz de toda a destruição e tormento quanto parece ser;
A Esperança morre por negligência quando não ouvida;
A Justiça não é de todo perfeita e cai, é frágil;
O Amor não é cego, ele se apaixonou por uma mulher cega;
A lealdade sorri quebrada enquanto todos a tratam como dependente;
A Vida permanece distante e solitária;
Se deixados de lado, um para cada canto, a comunicação se abstém da fala e passa a ser apenas um fio entrelaçando a todos. Por favor, não deixe que uma casualidade tome o espaço do que já foi uma família."
Para Camélia, ficava cada vez mais claro que aquela categoria não era visitada há muito tempo. Aquela anotação desconhecida parecia ter sido a última coisa a ser escrita naquele livro, se não fosse a última linha adicionada abaixo, muito mais acesa que o restante: A Coragem mostra sua altivez em lugar de seu sofrimento. Apenas uma frase acrescentada, como se nada ou ninguém pudesse ficar de fora.
Com uma letra diferente da de Knowmore, podia-se perceber que aquele que escrevera aquelas palavras não passava de um simples alguém, mas sim de "Ele". Havia algo acontecendo, ou melhor, não acontecendo. O Relojoeiro morava sozinho, quieto como um peixe num lago, mas a anotação falava de uma família, provavelmente distanciada e quebrada. "Ele" deveria estar preocupado quando deixou a mensagem para Knowmore, que tentara escrever uma outra, como resposta para "Ele", desistindo e manchando a página mais uma vez.
Não havia mais o que investigar observando tão bravamente aquele pedaço de papel amarelado, então, passou as páginas para trás e voltou a ler os nomes ali presentes. Nenhum deles lhe parecia familiar, assim como nenhuma descrição era chata ou desinteressante. Ali, falava-se sobre um homem cuja simples presença podia fazer mover as árvores, invocar um vendaval e pausar o tempo! Outro mais, dizia poder criar cristais com as próprias mãos; e outro ainda, conseguia ordenar que um mar inteiro cessasse seu movimento para que navios inimigos não conseguissem chegar até a costa.
No entanto, o que mais lhe chamou a atenção - talvez por ser o que mais parecia fazer parte da realidade - era sobre um Lorde muito honrado, cujos cabelos se estendiam quase até o chão em puro vermelho-carmim. Ela se perguntava continuamente se aquela cor era mesmo possível existir no cabelo humano naturalmente, ou se era algo tão misterioso e mágico quanto as descrições dos outros homens daquela categoria.
Mas muito além de todas as descobertas e novas informações que viriam com a leitura completa daquele livro, vinha também o resultado, as respostas que Camélia tanto aguardava e muitas outras que jamais poderia imaginar.
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