VIII- A VALSA SILENCIOSA
CAP. III. REVOLUÇÃO N.150
— Sabe bem que também não deve aguardar por avisos. Não tenho tempo a perder com negócios insignificantes e muito menos com convites pré-determinados.
Do lado de fora da mansão, uma chuva fina começava a cair, anunciava a tempestade que se aproximava mais a cada minuto. Na sala de caça, nós três tomamos assentos separados cordialmente, como se a guerra travada entre os olhares dos dois homens sequer existisse. Bastou um breve silêncio para que a resposta de Demétrio pudesse ser ouvida contra seu oponente, suas cartas em jogo:
— Se me dá o direito, realmente seria muito mais vantajoso concordar com seus direitos pré-determinados sobre meus espaços de tempo e seus negócios.
— De certo que sim — respondeu o oponente, à altura, de queixo erguido e olhar de neutralidade, como se nem mesmo enxergasse a importância que existia naquela estranha conversa.— mas ainda assim, temo que terei de lembrá-lo de alguns dos meus negócios inacabados. Como, por exemplo, o fato de que abandonaste seu aprendizado por...- concentrando seu olhar para mim por um segundo partido, retomou seu discurso.— uma mulher de... pensamentos incertos.
— O que quer dizer com isso?
— O que quero dizer? E o que isso lhe diz respeito, Sr.Sorbon? Não és tu aquele a quem o caos lhe deve um favor e a vida o tarda? Aja como tal, Demétrio, ou sua sanidade passará desse fio à diante— um levantar breve de sobrancelhas e a passividade calma da voz; foi tudo o que poderia ser retirado daquela resposta enigmática.
Sentando sobre sua poltrona, Demétrio balançava as pernas com uma confiança que ele não tinha. De repente, era como se a música da vitrola no final do corredor desafinasse mais a cada estreito minuto que se passava naquela sala.
Com a xícara de chá em mãos, o homem de veludo vermelho sentia o aroma das ervas ali presentes como se apreciasse o mais luxuoso vinho. A batalha de discussões indecifráveis agora parecia tomar rumo direto à mente dos dois que, sem tirar os olhos um do outro como dois amantes antigos, mantinham o contato firme e constante. De certa forma, era como se Demétrio fizesse um enorme esforço para se manter em plena calma na poltrona. A força que fazia para manter suas mãos quietas agarradas ao acolchoado poderia ser comparado à força resultante do atrito de uma lenha noutra, dando luz ao fogo de brasas douradas que invadia seu olhar num âmbar ainda mais atiçado que o comum. Uma valsa de silêncios.
— Bem,- disse o homem por fim.— vejo que meu trabalho por aqui está terminado. Não é como se fosse me ouvir tão facilmente.
Quase suando frio, o oponente derrotado, Demétrio, respirava fundo e tentava vagamente concentrar seu olhar em outra coisa rapidamente. Seus músculos e veias finalmente podiam se mostrar relaxados após a soltura do homem.
— Vá em paz... Não é como se os ataques te preocupassem, não é mesmo?
— Então, está dizendo que é isso o que pensa sobre mim?— desta vez, sua voz tomou um tom mais amargo, por um breve instante.— Imagino que tipo de aparência eu transmito para pensar algo tão insensível sobre aquele que mantém sua história de pé.
Demétrio não parecia pensar no que deveria ou não falar durante aquela batalha cada vez mais apreensiva. Eu sentia, mesmo na poltrona mais distanciada dos dois, que a aura que emanava de ambos permanecia sempre na mesma sintonia de agressividade e luta constantes. Quem sabe, um mestre e seu aprendiz? Uma discussão filosófica sem motivos ou objetivos aparentes? Uma questão sem resposta seguida por várias outras? Seja o que for, não adiantaria reivindicar algum entendimento de algo tão particular.
— Minha história? Qual delas você está falando?— o tom de voz de Demétrio se exaltava mais a cada resposta como se tratar aquele homem com sua cordialidade habitual e educação formal fosse uma medida tomada à contragosto.— Da que eu me caso e você ignora esse fato; daquela onde minha carruagem é atacada em plena viagem quase matando à mim e à minha esposa; ou se refere à quando os aristocratas dessa cidadezinha manchada de vermelho se juntarem contra mim para me derrubar e destroçar o restante de honra que ainda carrego da minha família? Ah! Essa eu ainda não ouvi, deve ser uma tragédia de encher os olhos para você.
O homem se manteve em silêncio, imperturbável na poltrona, a xícara de chá ainda em mãos, até que soltasse um suspiro nasal e encarasse Demétrio com ainda mais corte que antes.
— Você é mais teimoso que uma mula empacada. Age como uma criança de quem foi tirado o brinquedo favorito. Fala como um velho cujas últimas palavras seriam o preço dado ao seu último lote restante. Ouve como um rei ouve; ignora os conselhos e os pedidos de um povo desesperado por salvação— o homem se levantou, lentamente, sem tirar os olhos de Demétrio, tornando-se um carvalho novamente, articulação por articulação, vértebra após vértebra, voltando à sua estatura superior.— Você não passa de um aristocrata de bolsos vazios que impera sobre um desejo anormal de salvar a si próprio, escondendo-se sob a cortina que esconde a verdadeira desonra da sua família.
Sem nada mais a falar, o homem se retirou da sala de caça com o olhar indecifrável. Falara como alguém que sente ódio, mas agira como um pai impotente diante de um filho rebelde.
— Quando seu jogo de rancor terminar, me procure no PONTEIROS & VELAS. Estarei esperando, não importa o horário— antes de sair, deixara as palavras para trás, sem decidir se Demétrio as aceitaria ou não.
— Eu não entrarei no seu covil novamente— retrucou ele.
— E eu não estava me dirigindo à você.
Até então - e até depois disso - eu não sabia, mas mais do que Demétrio, eu também estava entrelaçada nas perguntas sem sentido e nas respostas enigmáticas. Quando aquele anel pousou sobre meu dedo, não só a união de nossas famílias foi atrelada ao destino, mas também um novo mundo. Um mundo do qual eu desconhecia todas as engrenagens e jamais poderia descobri-las sozinha. Um mundo muitas vezes cruel e tortuoso, mas que por trás de toda aquela camada de brutalidade, ainda existia uma fagulha estranha de uma possível paz futura.
Ali, se iniciava um novo capítulo na minha vida, onde o passado já não existia, o presente era desconhecido e o futuro se mostrava com clareza - por mais que meus olhos ainda fossem cegos para ver.
FIM DO ARCO I
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