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I- DESTINATÁRIO DE CARTAS

CAP. I.      REVOLUÇÃO N.°150

    Tudo começou no final de Dezembro... Há quatro dias eu havia descoberto quem era o remetente das cartas destinadas ao meu pai, Conde Luzzafey. No início das trocas entre os dois homens apenas as siglas "C.J.L" e "D.S.S" eram utilizadas como identificação, o que me trouxe curiosidade. Por meses vi os mesmos envelopes vermelhos, com os mesmos selos e as mesmas identificações chegarem juntamente com os demais recebimentos da semana. Porém, foi naquela manhã que finalmente vislumbrei pela primeira vez uma pequena parte do nome real do remetente: Silvian. Era estranho saber que meu pai estava tendo conversas à longa distância com um homem desconhecido por nossa família, mas mesmo assim, não me atrevi a abrí-las de forma alguma. Uma das hipóteses que criei era que ele não passava de mais um dos possíveis pretendentes para minha irmã mais velha, Jane. Ela era uma mulher de classe, culta e bem estudada. Simplesmente a esposa perfeita para qualquer um que a desejasse. Certamente, fôra pedida em casamento por outros antes. Não obstante, por conta de suas classes sociais inferiores, os pobres homens logo foram rejeitados sem nem mesmo um olhar de despedida. Acredito que era isso o que eu mais admirava em Jane: sua convicção e determinação imperturbáveis.

    Nossas correspondências eram sempre entregues por um rapaz magro. Desde que o colocaram no dever de entregar as cartas e encomendas em minha cidade, como os demais carteiros, quis perguntar seu nome, por pura curiosidade. Contudo, nunca tive tal coragem. Por isso, o apelidei de Áureo, significando, apenas: "Loiro". Era como uma mania minha, um hábito infantil de apelidar pessoas desconhecidas. Assim, mesmo sem saber quem eram, podia estender um pouco mais minha percepção de mundo. Viajantes e forasteiros de todos os cantos vinham até minha antiga cidade, Willersburg, a fim de barganhar alguns dos mais finos tecidos e iguarias oferecidos por nossos artesãos e comerciantes. Tudo sobrevinha da maravilhosa riqueza que transbordava das minas da cidade. Meu pai, um homem de negócios muito conhecido na região, trabalhava incessantemente para alcançar seu maior objetivo: expandir -e se livrar das incontáveis dívidas- sua área da indústria. Como dono de um terço dos terrenos ao leste, mais próximo possível das minas de ouro, recebeu grande aclamação dos maiores proprietários das terras vizinhas. Fez seu nome em poucos anos, logo após se casando com a Condessa de Westfall, minha mãe. A condessa já havia sido casada uma vez, mas não tivera filhos nesse tempo. Seu marido morreu de forma misteriosa, sem muitos vestígios, porém deixando uma agradável quantia de dinheiro para sua querida, e agora viúva, esposa. Em todo caso, pouco tempo se passou desde a união até que a notícia de que estava grávida circulou pela alta-roda da cidade. Minha irmã foi adorada quando nasceu, mesmo sendo mulher. Afinal, era a primeira filha de um dos homens mais influentes do burgo. Em breve ele poderia ter mais filhos, era certo que em algum momento nasceria um herdeiro. No entanto, sendo minha mãe já passada de sua idade e um tanto doente, a notícia que se espalhou no meu nascimento foi de que o Conde Luzzafey jamais seria honrado por um herdeiro homem e que sua família, sendo em maioria feminina, estaria fadada ao fracasso. Minha mãe não poderia ter mais filhos e agora o destino de nossa família estava nas mãos de um bom homem para se casar com Jane, que, naturalmente, sempre foi melhor que eu. Era astuta, graciosa, de bom coração e delicada. Recebera lições de piano, flauta, costura, tear, etiqueta, vocabulário e postura. Nos jantares e bailes anuais da cidade, sempre a mais aclamada, tendo sua classe invejada por duquesas de todo o país. Jane fazia os olhares deslizarem nela em todas as cidadelas em que passávamos. E ao passar dos anos, fui cada vez mais sendo posta de lado como a filha indesejada. Uma era bom, mas duas já era demais. No entanto, Jane não era considerada uma mulher bela. Por isso, quando nossa família passou a se afundar cada vez mais nas dívidas, os pedidos de casamento de nossa casta, e até mesmo das inferiores, foram se esgotando. O que a fazia atraente não era seu charme como mulher e sim a riqueza que viria junto com ela. Agora que essa riqueza veio a cessar, não havia mais nada do interesse daqueles homens em Jane.

    Contudo, naquela fatídica manhã, nosso destino poderia ter sido mudado. O selo utilizado nas cartas parecia vir de uma cidade longínqua, Valle Sorbon, se não me engano. Não a conhecia, mal sabia de sua existência antes das cartas começarem a chegar. Procurei nos mapas de nossa biblioteca, em livros de geografia, mas nada me ajudou a encontrar tal lugar. Eu tinha esperança de que minha irmã conseguisse se casar com um bom homem e, julgando pelos presentes enviados à nossa família juntamente com as correspondências, se tratava de um homem de grandes posses. Entretanto, ao invés de bisbilhotar em segredo, não seria mais fácil apresentar minha curiosidade aos meus pais? De uma forma ou outra, eu podia imaginar, tentar desvendar, mas nunca perguntar. Uma mulher da minha classe social não deveria desrespeitar seus pais, assim como não deve se intrometer nos assuntos dos mesmos. Uma dama da alta sociedade deve trazer honra à sua família e o mais importante: deve ser um sinônimo de perfeição. Mulheres que fazem perguntas demais são meras fofoqueiras indiscretas.

    "Erga o queixo!", "Se mova com delicadeza!", "Seja mais respeitável!". Tais dizeres eram mais do que comuns em minha infância. Como a segunda filha, cresci ouvindo as mesmas ordens todos os dias com cada vez mais rispidez. Nunca pude brincar com as outras crianças por ser a filha do Conde. Também não pude estudar tanto quanto minha irmã, afinal, ela era o alvo principal como salvação para nosso infortúnio. Cheguei a ter professores particulares em casa, mas apenas para que aprendesse contas básicas, a escrita e literatura da época, além de algumas poucas lições de piano que não me serviram para muito. Contudo, a única coisa que pude aprender realmente foi como tratar os homens, por serem superiores a nós, mulheres, e também como ser uma esposa virtuosa e elegante, ainda que na sombra de uma outra filha. Ninguém perguntou como eu me sentia ou o que eu queria. Mas uma vez por mês, na calada da noite, invadia o escritório de meu pai na esperança de que um livro novo tivesse chegado com os demais livros de engenharia dele. Sempre um livro diferente. Às vezes sobre ervas medicinais, histórias de aventura e romance, espécimes raras recém-descobertas, máquinas do futuro... Tudo o que sempre me trouxe curiosidade. Aqueles livros eram meu paraíso, meu Eldorado, minha verdadeira paz. Todos os lacres destes mesmos livros eram, estranhamente, direcionados a mim. Provavelmente como forma de agradar-me, afinal, "D.S.S" poderia se tornar, um dia, membro de nossa parentela. Todavia, jamais os recebi em minhas mãos graças a meu pai. Um homem totalmente conservador e de rédeas curtas. Tudo o que uma mulher poderia aprender em vida, era que a vida dela não lhe pertencia. Mulheres conhecedoras da verdade do mundo eram tidas como loucas ou bruxas e eu sabia disso. Entretanto, a sensação que a adrenalina percorrendo meu corpo me fazia sentir quando me levantava antes do sol nascer apenas para ler e conhecer mais sobre o mundo secretamente, continuava a me mover em direção àquela loucura tão viciante. A única forma de lê-los sem ser repreendida era na calada da noite, sem luz e em completo silêncio. Por diversas vezes tentei descobrir por que me enviava todos aqueles livros, mas foi em vão. Nenhuma nota ou assinatura constava nos lacres ou em volta, o que me era estranho. Porém, se ele se casaria mesmo com minha irmã - o que era muito provável pelos inúmeros sinais que os dotes seguidos representavam - logo eu teria conhecimento de quem ele era. Mesmo sabendo que meu pai nunca me entregaria os pacotes, sempre o acompanhava no escritório por alguns minutos para observar o que ele tinha mudado. Se algo estivesse fora do lugar, então com toda certeza era lá que meu presente estava oculto. Ele nunca foi muito bom em ocultar as coisas. Mas, naquela manhã nublada, algo mudou: a carta não chegou, o pacote com o livro e os presentes também não. A casa parecia estar mais sobrecarregada que o comum e minha mãe, Condessa Carmelita, parecia mais nervosa e rígida. Toda aquela correria sem sentido começava a me estressar. Em meus 20 anos de vida, jamais havia visto aquela casa com tamanho movimento pela manhã, a não ser que, é claro, uma festa estivesse por vir. Talvez toda aquela agitação fosse por conta de algum novo convidado. Quem sabe, o homem que estava disposto a desposar Jane. "Qual seria o motivo de todo esse alvoroço?", pensei comigo mesma, ainda que já tivesse criado mil e uma teorias. Ainda que um pouco desconfiada e com temor de quem eu encontraria na sala principal, me dirigi até a escadaria e a desci calmamente não mostrando minhas emoções do momento. Era algo complicado. Todo e qualquer erro poderia ser motivo de punição ao anoitecer ou o fracasso dos planos tão aguardados. Ao adentrar a sala de chá, saudei meus pais numa leve cortesia, como em toda manhã. Minha mãe, fria como sempre, olhou-me dos pés à cabeça e se pôs a ignorar minha presença enquanto bordava um lindo pássaro vermelho num lenço. Meu pai, nada disse. Continuava lendo seu jornal matinal e tomando seu chá. Um homem tão ocupado como ele não tinha tempo para olhar nos olhos de sua filha mais nova. Apenas o olhei de canto e me retirei da sala. Logo em seguida, me dirigi até a cozinha sentando-me na bancada principal ao lado de Ágata, nossa servil. A torta de framboesas que preparara para mim aquela manhã parecia ainda mais adocicada que nos demais dias; com aquele leve calor da geleia ainda quente em seu interior, a massa amanteigada em formato de flor, o cheiro irresistível da fruta.

— Como está a torta, vossa graça?- indagou, pensativa.

— Como todos os outros dias: simplesmente extraordinária.- respondi ao dá-la um sorriso de agradecimento.

    Ágata sempre teve o dom de me fazer sorrir à toa. Aquela velha senhora sabia como iluminar o dia de outrem, a não ser, que fosse o dia de meus pais. De qualquer forma, ela era meu pedacinho de felicidade naquela extensa e vazia casa.

— Pensei em fazê-la como sobremesa no jantar de aniversário para sua irmã hoje à noite, mas ela me refutou dizendo que era sem graça e frívola.

— Ah, por favor. Não dê ouvidos à Jane. Sabes que ela fica mal-humorada quando o dia de seu aniversário chega. Sempre reclamando das cortinas de tons estranhos, ou dos talheres pouco reluzentes.- brinquei tentando fazer com que a pobre senhora se sentisse menos magoada do que estava.— Ela só aceita presentes únicos ou que estão no corpo de outras mulheres mais ricas, nem mesmo se lembra que está falida. Mas, afinal, o que ela esperava como sobremesa para ser tão descortês?

— Bom, ela citou um bolo de nome estranho. Creio que se tratava de uma sobremesa requintada das terras ao norte; algo com amendoins, passas e trufas. Eu sequer sei o que são trufas!- articulou a mulher balançando as mãos no ar como se segurasse duas esferas.

    Após algumas risadas abafadas, para que meus pais na sala ao lado não ouvissem nosso diálogo, os minutos se passaram. Meu pai finalmente havia largado o jornal e minha mãe continuava a bordar me olhando de forma indiferente. Suas íris nada diziam, mas suas ações ríspidas e bruscas demonstravam claramente que ela não estava em seu melhor humor. Tomando seu último gole de chá, o conde endireitou-se na poltrona e se pôs a falar:

— Hoje teremos um convidado para o jantar.— Iniciou, com impetuosidade na voz.— Trata-se de um homem importante e deveras intelectual. Você é filha do Conde de Willersburg, Jean Luzzafey.- suas palavras disparavam de sua boca como adagas afiadas.— Ele ficará pouco tempo na cidade, portanto, espero que faça jus ao seu título e não nos cause nenhum envergonhamento.

    Finalizou suas palavras com um olhar pesado em minha direção, o primeiro do dia. Me senti obrigada, manipulada, até um pouco perseguida. Nunca pude ter minha própria vida, nem ser o que sempre quis. Aqueles jantares nunca acabavam bem para mim. Me sentia sufocada com as presenças estranhas. Os rostos indiferentes ao meu redor pareciam se multiplicar e eu entrava em pânico internamente. Era uma sensação terrível, principalmente quando os convidados agiam gentilmente enquanto apenas eu sabia o que realmente havia por trás dos panos. De qualquer forma, ignorar as palavras de meu pai não era uma opção. Teria de usar meu melhor vestido àquela noite se quisesse estar de acordo com o evento, mas não fazia a menor ideia de qual. Talvez um que realçasse meus quadris ou meu pescoço. Não me importava na verdade, mas se eu precisava honrar minha família, então essa era a minha única opção. Era o que realmente importava para cada um deles. Se o convidado fosse o dono das cartas, creio que eu deveria começar a treinar minha feição de espanto quando ele "inesperadamente" estendesse o anel de noivado para Jane. Muito provável que ela mesma também devesse estar treinando no espelho de seu quarto, visto que não se retirou dele por toda a manhã.

    Naquela tarde, fiquei imaginando, buscando em minha mente maneiras de desvendar quem poderia ser aquele homem. Uma forma de criar histórias e passar o tempo, acredito eu. Até que... uma coisa me veio à cabeça: Matrimônio. E se... ele estivesse vindo até a mansão Luzzafey na esperança de me desposar no lugar de minha irmã? Não, não era possível. Claramente era uma ideia vinda do nada, apenas a loucura dos livros perseguindo minha consciência para que eu não me sentisse tão mal durante o jantar. No entanto, prosseguindo com aqueles pensamentos, minha maior teoria criada naquele momento era de que os livros e as cartas eram, na verdade, direcionadas a mim. Mas aquilo não fazia tanto sentido, afinal, Jane era a mais velha e sendo meu pai um homem extremamente conservador, jamais aceitaria desposar sua filha mais nova antes da primogênita. Eu nem deveria estar alimentando tais ideias, visto que elas nem mesmo me faziam sentir bem. Sendo sincera, eram um tanto desesperadoras. Estava na hora de deixar aquela abstração de lado e me focar em ficar o mais apresentável possível.

    É claro, para nossos vizinhos, damas como eu e minha irmã, com as nossas idades, sem um marido rico era considerado uma calamidade. Tanto que vários comentários errôneos e cínicos foram deliberadamente ligados a mim quando um jovem visconde da região decidiu ter-me como esposa. Um simples ato errôneo de um jovem sem neurônios na cabeça era suficiente para manchar minha pouca reputação. Certamente, o rejeitei. Tinha acabado de completar meus 17 anos quando o episódio veio a ocorrer. Logo a notícia se espalhou e eu fui tida como interesseira demais por não aceitá-lo com todo amor, visto que não haveriam muitas mais chances para mim. De certa forma, estavam corretos. Nenhum outro pedido de casamento tornou a acontecer, mesmo que tê-lo rejeitado não fôra uma maldade minha. Se eu me casasse antes de Jane, ela seria tida como a desonrada da família, deixando-a numa péssima situação - em muitos casos, sem volta. Honrar minha família se tornou minha única vocação na vida. Precisava ser uma mulher virtuosa, mas... um casamento? Não sabia por que a ideia continuava a me perturbar como um pássaro irritante rodeando minha cabeça. Talvez, eu ainda não tinha percebido o quão assustador isso era. Cheguei a me sentir mal por Jane, mas não cabia a mim a decisão. Ela certamente explodiria de felicidade assim que recebesse o anel. Até mesmo os vizinhos ouviriam seus gritos de entusiasmo. Não a importava se era velho ou novo, desde que tivesse dinheiro o suficiente para tirá-la daquela pobreza. De qualquer forma, pensar sobre isso poderia me desestruturar na hora do jantar e erros não seriam admitidos. Não havia porquê me alarmar, mesmo que somente a ideia fosse capaz de me fazer tremer por completo. "E se..."

    Passei a tarde cuidando de minha aparência como minha mãe mandara. Chemises, vestidos e acessórios estavam largados por sobre a cama. Meu guarda-roupa já não estava tão organizado quanto antes. Minha mãe proibia falhas em jantares, independentemente se seriam apenas conosco, ou com visitas. Para mim, a pior parte era acertar o espartilho. Mesmo que fosse a última moda, ainda não me agradava. Não via necessidade em esbanjar uma cintura muito menor do que era naturalmente. Se fosse apertado de maneira correta, eu não teria do que reclamar, mas a forma como nossa outra servil, uma senhora ainda mais mal-humorada que minha mãe, o puxava e mal-colocava me deixava quase sem respirar e meu peito se sentia sendo contraído contra os ossos; uma sensação terrível. Aquilo poderia ser usado como instrumento de tortura facilmente se não colocado de maneira correta. Na minha opinião, uma necessidade néscia e um tanto tola. Muitos poderiam me julgar, visto que só era preciso que fosse posto corretamente, mas era apenas o meu, secreto, porém firme, arbítrio. E mesmo que tudo aquilo me enchesse de desconforto, fiquei tranquilizada ao ver o resultado: Meus cabelos castanhos estavam muito bem arrumados num coque elegante decorado com flores de metal prateadas no arredor. O vestido de um cor-de-rosa claro me trazia um ar de seriedade com harmonia, de forma tal que até mesmo Ágata concordou com o resultado. Contudo, algo ainda me incomodava. Meus olhos, castanho claros, não combinavam completamente com as flores prateadas, o que me era estranho. Mas, oque eu poderia fazer? Arrancar meus olhos e trocá-los por outros de outra cor?! Talvez azul, quem sabe? Não adiantava. As coisas eram como eram. Magra, de cabelos compridos e olhos castanhos. Essa era eu, mas às vezes não parecia ser quem eu deveria ser. Meus vestidos eram escolhidos por minha mãe e nenhum parecia realmente combinar comigo. Não que não me agradassem, pois era o melhor que podia me dar, mas eram diferentes dos de minha irmã que eram muito mais requintados, detalhados e de melhores cores e tecidos. Enfim, quando tudo ficou pronto, recebi as ordens da condessa:

— Não levante a voz. Não ria. Não faça barulhos estranhos e não diga nada se não lhe for dirigida nenhuma fala ou pergunta!— disse ela com o tom rude de sempre.— Seja o mais delicada e desejável que puder. Não quero saber de brincadeirinhas ou comentários sem nexo. Você é uma dama da Alta Sociedade, portanto, aja como tal!— suas ordens sempre foram tão acolhedoras. Como espinhos em meio aos lençóis de uma macia cama feita com pedras.

    Assenti e esperei no meu quarto obedientemente. A última ordem dela era que eu deveria esperar em meus aposentos até que alguém viesse me chamar. Meus pais receberiam o convidado primeiramente e depois me apresentariam; o que me deixou com ainda mais desconforto. Eu não poderia nem mesmo recepcionar meu futuro cunhado? Que mal eu faria se fosse apresentada como parte da família? Em todo caso, passaram-se horas desde que o visitante chegou, e ainda assim, ninguém veio me buscar. Vi quando a carruagem chegou com o estranho homem de cabelos castanhos, na noite e também quando foi recepcionado com inúmeros sorrisos de minha agradável e amorosa mãe. Aquilo me enraiveceu. Teriam me esquecido ou estavam mesmo ignorando minha existência? Não me importava mais. Quatro horas esperando para ser apresentada a um homem qualquer com ar de superioridade? Não, nem pensar. Afinal, meu estômago doía. Eu não havia comido nada após o café da manhã, ao contrário deles. Passei o dia me arrumando, sentada, ouvindo ordens, esperando que meu vestido fosse escolhido. Não havia mais sequer ar suficiente para mim naquele quarto.

    Me levantei e ergui a cabeça com confiança. Depois poderiam fazer o que quisessem comigo, mas não me importava, minha rebeldia gritava mais alto; e eu precisava desesperadamente comer algo. Segui pelo extenso corredor. Estava bem decorado com arabescos dourados e tapetes recém lavados. Os vasos de flores haviam sido trocados e a poeira retirada. As lamparinas da casa já estavam acesas e a casa recebia um novo tom de amarelo. As risadas baixas vindas da sala de jantar descreviam uma cena perfeita de uma família feliz. Pura enganação... Logo, cheguei à escadaria e a desci calmamente prestando atenção em cada degrau, afinal, aquele saltinho não era o tipo de calçado apropriado para mim, uma mulher tão "desengonçada", como dizia minha mãe. Respirei fundo atrás de uma das pilastras que ficavam ao lado da porta principal para a Sala de Jantar espreitando os diálogos animados dos quatro e dei um passo à frente adentrando o recinto fazendo os olhos adiante se arregalarem.

— Camélia!— Bradou incrédula.— Como se atreve?! Volte para aquele quarto imediatamente! Minha mãe tinha o péssimo hábito de me cortar com suas palavras. Ela tentava amenizar seu tom de voz, em vão. Apenas ouvir meu nome dito por ela já era suficiente para me abalar. Mesmo diante de um convidado, se julgasse necessário elevar a voz naquele tom, então o faria. Me arrependi de ter descido as escadas. Morrer de fome não parecia ser tão ruim agora que aquela confiança boba de antes me abandonara. Recuei, porém, algo me impediu de voltar atrás.

— Espere!— disse o homem.— Deixe-a ficar. O jantar é para toda família, correto?

    Como um amigo íntimo, meu pai o colocara ao seu lado, próximo à ponta da mesa. Era o convidado quem estava me defendendo. Porém, esta não era nem a pior parte desta situação. Suas palavras firmes fizeram as de minha mãe desaparecerem no ar fazendo com que se sentasse novamente em seu lugar envergonhada, sem o que rebater. Aquilo havia sido muito estranho, mas não protestei. Pela primeira vez alguém havia calado as intolerâncias de minha mãe.

— Por favor,— prosseguiu ele.— junte-se a nós— não ousei desobedecer sua grave voz. Sentei-me à sua frente, no lado vazio da mesa, também ao lado de meu pai que, fazendo um som com a garganta, chamou a atenção para si.

— Muito bem. Já que minha filha se atreveu a descer antes que a chamassem, não há porquê continuar com os devaneios— Suspirou rendido como quem não vê os olhares indignados e surpresos de sua esposa e prosseguiu enquanto parecia suar frio.— Camélia, este é Demétrio Silvian Sorbon, nosso convidado da noite.

— É um prazer conhecê-la, senhorita.— confessou ao retirar minha mão da beirada da mesa com delicadeza e a levar aos lábios dando-lhe um beijo suave. Assenti, como quem diz o mesmo. Me senti envergonhada por um momento, mas logo retornei aos meus sentidos ao ouvir meu pai reclamar friamente, quase incoerente:

— Ah, se eu pudesse mudar a cabeça dos jovens. Talvez se me ouvissem, parassem de estragar o país— aproveitou o momento e saboreou o vinho como sinal de aceitação.

— Sei que o Senhor entenderá minha motivação um dia...— proferiu sua resposta.— No entanto, tenho certeza de que a minha decisão é a melhor que poderei tomar em toda minha vida.— com um curto sorriso apoderando-se da garrafa de vinho a fim de encher a taça de meu pai novamente, finalizou suas afirmações.

    Não entendi absolutamente nada do que se passava ali. Meu pai venderia a empresa? Venderíamos a casa para pagar as dívidas? O que estava havendo?! Minha mente se sentia cada vez mais cansada pela fome e ainda mais confusa pela situação. Minha barriga estremecia com o cheiro maravilhoso da sobremesa já posta em cima da mesa, mas eu não poderia ousar tocá-la antes dos demais. Contudo, de repente, minha atenção, antes voltada para o requintado bolo de nozes, foi dirigida a outro ponto: O homem de cabelos castanhos-escuros não parava de me encarar com aqueles olhos âmbar impressionantes. Por um momento, me perguntei se ele era mesmo humano. Aqueles olhos... invadiam meu ser inconscientemente como chamas flamejantes intimidando todos e quaisquer demônios daquela casa.

    Foi então que percebi o silêncio vindo de minha irmã. Ela estava calada, como nunca ficara. O rosto se desfazia em raiva e descontentamento. Estremeci, senti o mundo se despedaçando, a terra me engolindo, o vento parando de soprar, a lua se apagando, os sons cessando em minha volta; tudo escureceu e perdeu o sentido quando vi o homem se levantando de sua cadeira e se ajoelhando ao meu lado, estendendo um magnífico anel de noivado em minha direção.

    O grande choque me levou a um desmaio momentâneo. Acordei um tempo depois sentindo um leque sendo abanado perto do meu rosto. Antes de abrir os olhos, desejei, com todas as minhas forças, para alguma divindade que pudesse me ouvir, que aquilo não tivesse realmente acontecido, que não passasse de um pesadelo. Minha loucura não poderia ter tido razão no pior momento.

— Camélia! O que deu em você para desmaiar?!— esbravejou minha mãe preocupada. Não comigo, mas sim com a primeira impressão passada. O declínio da inexistente - e fora de questão - reputação dela. Ela estava realmente muito decepcionada, poderia me jogar aos cães naquele mesmo segundo.

— O que... aconteceu?— ainda sentindo a tontura, sem compreender completamente o que se passava, busquei respostas onde não encontraria.

— "O que aconteceu"?!— Bradou ela mais uma vez me repetindo com irritação.— Já não é suficiente roubar o pretendente de sua irmã?! Tem de nos desonrar dessa forma? Tu me fizestes passar a maior vergonha da minha vida, garota malcriada— senti a mão dela estalar em meu rosto com força suficiente para marcar.— Como você pôde se atrever a me desobedecer?! E ainda por cima acabou com todas as chances de Jane. Seu pai já estava quase o convencendo de que não valia a pena trocar uma joia rara como ela por uma garota ordinária como você!

— Me... me desculpe, mãe. Ele já se foi?— gaguejei ao indagar-lhe sobre o estranho homem. Quem sabe, todo aquele mal-entendido ainda pudesse ser controlado. Ainda sentia o ardor da última bofetada que recebi em minha face e não estava pronta para receber outra.

— Não, não se foi ainda. Está conversando com seu pai e parece estar muito nervoso com o que aconteceu.- sua voz parecia suavizar enquanto ela buscava em sua memória as palavras, provavelmente, ditas por meu pai. Claramente, sua preocupação era absorvida pelas rugas do rosto magro.— Para sua sorte, o conde sabe muito bem acalmar a todos, senão, você seria apenas mais uma desgraça em minha vida! Mais do que já é.- e mais uma vez seu dom de me ferir com palavras veio à tona. Eu não acreditava no que estava acontecendo. Eu seria vendida a um qualquer que pagasse um bom dote. Eu seria o pagamento das dívidas da família. Eu estava sendo vendida a um homem rico desconhecido. Um casamento arranjado.— Você devia se sentir envergonhada. Deveria ir até lá agora e pedir perdão ao seu noivo de cabeça baixa se ajoelhando!

— Meu noivo?! Este nunca foi o meu desejo! Sequer se importaram com o que eu poderia sentir! Tudo sempre foi sobre Jane, sobre como ela é perfeita e como eu sou uma desonra! EU CANSEI DE SER A FILHA INDESEJADA! A FILHA SUBSTITUÍVEL!— meus olhos lacrimejavam, prontos para liberar a cascata de melancolia que há tanto tempo preservavam.

    Nesse mesmo momento, Jane adentrara o quarto com uma fúria nunca vista antes em seu olhar. Balbuciava ofensas murmurantes contra mim ao se aproximar irada.

— Você destruiu todas as minhas esperanças e ainda quer gritar contra mamãe? Você é desprezível, Camélia!— senti o vento causado pela velocidade de sua mão se aproximar de meu rosto, o que me fez fechar os olhos com força. Estava acostumada a apanhar daquela maneira - e até de formas piores - mas não conseguia compreender como aquilo tudo era culpa minha e como eu poderia ser tão problemática quanto elas narravam.

    Entretanto, sua mão foi contida rapidamente numa ação súbita e inesperada. O convidado segurava seu cotovelo e seu pulso com força, afastando-a de mim com rapidez indelicada; e colocando-se em minha frente a fim de me defender, bradou com um tom de voz dominante:

— CALE-SE! EU JAMAIS PERMITIREI QUE ALGUÉM A TRATE COMO DESONRA!— me fazia perguntar que tipo de motivação o movia, visto que não havia nada em mim que lhe enchesse os olhos. Talvez, simplesmente não quisesse filhos com danos neurológicos como a mãe.— Não me importa se é pai ou mãe, ninguém tem permissão para tratar minha noiva desta maneira!— continuou ele, afastando minha mãe de mim com certa ignorância.— A partir de hoje, ela é MINHA responsabilidade! E ninguém, repito, ninguém tocará no que é meu— senti seu calor me envolver enquanto seu peito subia e descia em puro furor e me larguei aos prantos diante daquele abraço há tanto tempo negado por meus parentes de sangue. Foi então que notei que meu destino estava selado e que Demétrio era então, meu noivo.

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