Decepções e reconciliações
ENTRE POÇÕES E PUNIÇÕES
...
Sunoo acha estranho ser acordado com o barulho de Sunghoon entrando no quarto no meio da noite. Eles não dividem um quarto e já é tarde da noite, então ele entende menos ainda quando Sunghoon caminha em direção à cama dele e se senta na ponta, passando os olhos pelo ambiente escuro.
O garoto ainda nem está de pijamas e provavelmente acabou de voltar para o dormitório. Se ele está aqui, deve querer falar alguma coisa, Sunoo pensa, tentando organizar os pensamentos ainda nublados pelo sono. Ele sobe um pouco o corpo para se recostar na cabeceira da cama, olhando para o colega de quarto que permanece dormindo tranquilamente. Sunghoon não parece perceber que Sunoo está acordado, então ele resolve falar.
— Hyung? Quer alguma coisa?
A voz rouca pelo sono chama atenção do Park, que se surpreende e se aproxima mais de onde Sunoo está, se arrastando pela colcha amarela.
— Te acordei? — Ele pergunta baixo, cuidadoso. Não é proibido entrar no quarto dos outros alunos, mas Sunghoon é sempre cuidadoso com as invasões, sempre se preocupando em como os outros vão se sentir sobre isso.
— Sim, mas não tem problema. Aconteceu alguma coisa?
Sunghoon não fala nada, apenas continua olhando na direção de Sunoo. Está escuro e eles não conseguem enxergar o rosto do outro com perfeição, mas conseguem ver as sombras dos traços. E os de Sunghoon parecem ser traços preocupados.
— Eu quero te contar uma coisa — Sunghoon começa de forma cuidadosa. Sunoo presta mais atenção. — É uma coisa que eu queria ter te contado antes, na verdade eu ia contar, mas não deu...
— Fala de uma vez, hyung — Sunoo quer ser paciente e tudo, mas Sunghoon pode dar muitas voltas para falar coisas tão simples às vezes.
— Quando nós tivemos aquela briga em Hogsmeade e eu fui falar com você na enfermaria, eu queria te falar que estava gostando do Jake.
Ele apressou o amigo e tal, mas não esperava por uma coisa dessa. Assim, de repente? Uma hora dessas? Que horas são?! Sunoo nem sabe se pode ter alguma reação. Ele já chegou à conclusão de que Sunghoon está sim interessado por Jake e até chegou a se sentir um péssimo amigo por não demonstrar que Sunghoon poderia contar esse tipo de coisa para ele, mas uma coisa era apenas pensar sobre isso, outra coisa é ter Sunghoon bem ali, sentado de frente para ele e o encarando, esperando alguma coisa. A única certeza que Sunoo tem agora é que Sunghoon não parece tímido ou incerto; ele parece esperar que Sunoo diga algo, o olhando esperando por isso.
— Vi vocês dois se beijando hoje cedo na plataforma 9 ¾. — Sunoo confessa baixinho. — Eu já imaginava que você gostasse dele, só não esperava que vocês já tivessem alguma coisa...
— Não temos — Sunghoon se apressa em dizer, a voz um pouco mais alta fazendo o menino na outra cama murmurar alguma coisa no meio de um sonho. — Não estamos juntos — ele volta a dizer, dessa vez mais baixo. — Mas eu gosto dele e ele também gosta de mim. O que você viu hoje... Foi por isso que você estava agindo estranho durante todo esse tempo. Nem quis sentar com a gente no jantar.
— Não, eu realmente fiquei chateado com o que vi mais cedo, mas eu sentei com o Riki no jantar porque estava com saudades dele — Sunoo sente a obrigação de esclarecer as coisas, ele não iria evitar o amigo apenas por causa daquele beijo.
— Você também não quis sentar na mesma cabine que a gente no Expresso de Hogwarts — Sunghoon aponta certeiro e Sunoo quase pode ver a sobrancelha direita dele erguida em acusação.
Tudo bem, tudo bem, talvez ele estivesse um pouco chateado demais e preferiu sentar com os outros amigos, mas ele tinha acabado de ver Sunghoon aos amassos com Jake como se fizessem aquele tipo de coisa todos os dias!
— Eu tinha acabado de ver aquilo, tá? Me desculpa, é só que se eu sentasse com vocês, você e o Heeseung hyung iriam ficar me perguntando toda hora o que foi que aconteceu e eu não podia falar.
— Não podia falar o que?
— Que eu não gostei do que vi, ué.
— E não gostou por quê?
— Hyung? É sério isso? Eu já te falei que não gosto do Jake, pensei que soubesse disso...
— Sei, sei. Mas por quê? Por que você não gosta dele?
— Por que isso agora? — Sunoo se sente na defensiva. — Eu fico feliz que você tenha resolvido me contar sobre isso, hyung, fico até agradecido. Estava me sentindo um amigo horrível por você não me contar o que estava sentindo e agora me sinto mais aliviado. Mas você sabe que eu não gosto dele e já disse que não quero falar sobre isso...
O garoto mais velho não diz mais nada. Ele assente e volta a olhar para o ambiente escuro do quarto.
Eu deveria contar?, Sunoo começa a se questionar. Antes, ele não queria contar sobre o que Jake fez no passado porque isso não interessava a mais ninguém. Mesmo magoado, Sunoo não iria se sentir bem falando mal dele para os outros. Com Jake se aproximando dos amigos dele, as coisas mudaram muito. Se ele contasse para Sunghoon sobre o que Jake fez no passado e Sunghoon não quisesse mais falar com o garoto, Sunoo se sentiria culpado, sabe disso. Ao mesmo tempo, talvez ele seja um pouco egoísta por estar escondendo isso do amigo, ele merece saber...
— Eu sei que você e o Jake se conhecem desde sempre. Ele me contou.
Mas é o que?!
— Ele me contou sobre tudo, Sunoo — Sunoo agora está mais que acordado, está quase em estado de alerta. — Ele me contou o que aconteceu no passado, sobre a situação com sua mãe...
Sunoo se sente incomodado por Jake novamente estar falando da vida dele pelos cantos, mas não é nada além de uma leve pontada no peito. Se Sunghoon sabe, então Sunoo não precisa mais esconder nada, não precisa mais mentir, e isso é ótimo. Ele não esperava se sentir tão aliviado assim por Sunghoon finalmente saber.
— E o que você achou sobre tudo? — Sunoo está ansioso para saber a opinião de Sunghoon. Se ele ainda está ali, a essa hora, contando que ele e Jake se gostam, então significa que...
— Antes eu quero saber de você o que aconteceu — Sunghoon diz, cuidadoso como um irmão mais velho, a voz melódica acalmando um pouco da ansiedade que Sunoo começava a sentir. Eles sempre tiveram uma amizade mais de gato e rato, agir como o irmão mais velho é papel do Heeseung, que vive para intermediar as besteiras dos dois mais novos. Ter o mais velho agindo assim tão cuidadoso num momento como esse só mostra como Sunghoon se importa com Sunoo.
Então o menino conta sobre tudo o que aconteceu no passado, desde a situação com a irmã sem magia até a primeira paixão e primeiro beijo com Hyunmin. Sunghoon o escuta pacientemente por bons minutos, totalmente sentado sobre a cama, de frente para o mais novo. Sunoo se emociona ao contar sobre o castigo que os pais o aplicaram e pula alguns detalhes que o fariam chorar de novo, mas consegue prosseguir, sentindo o apoio do Park o segurando pela mão e dando apertos reconfortantes.
Sunghoon o escuta em silêncio, do início ao fim. Quando Sunoo termina de contar, Sunghoon dá um abraço acolhedor no menino, que o abraça apertado de volta.
— Sunoo-ah, agora que eu ouvi os dois lados da história, quero te pedir uma coisa. Você precisa ouvir o lado do Jake, assim como eu fiz. Eu entendo o seu lado, consigo sentir cada frustração e mágoa que você sente, e eu sinto muito pelo que aconteceu, sinto muito mesmo. Queria poder ter te ajudado em alguma coisa, nem posso imaginar como deve ser horrível para você ter que lidar com isso. O que eu posso fazer é tentar ser um bom amigo e te ajudar, tentar tirar essa mágoa dos seus ombros, e acredita em mim, se você escutar o que o Jake tem a dizer, vai perceber como vocês dois saíram machucados dessa história.
— Eu não acredito nisso, hyung.
— Sunoo, me escuta, por favor. Você precisa conversar com o Jake. Vai ser melhor pra vocês dois.
— Eu não acredito que você vai ficar do lado dele depois do que ele fez. Ele te contou tudo mesmo ou ele inventou alguma coisa? Porque só assim pra você ficar do lado dele.
Sunoo não consegue entender. Mesmo depois de ele contar tudo, Sunghoon reage assim? Por que Jake sairia machucado? Se ele se arrepende do que fez, ótimo, Sunoo espera algum dia poder perdoá-lo, mas ele está machucado?
— Sunoo-ah, escuta, eu não estou do lado de ninguém. Eu quero o seu bem, e é por isso que estou dizendo que seria melhor você falar com o Jake.
— Eu não quero falar com o Jake! Não quero nem saber dele, você não consegue entender isso? Ele me traiu, por culpa dele...
— Não foi culpa dele, Sunoo! Ele fez besteira sim, mas não foi culpa dele, se você o escutasse...
— Não foi culpa dele? — Esse é o limite para Sunoo. Ele não quer dar uma de bebê chorão, andou chorando demais nos últimos meses e detesta isso, mas se Sunghoon falar mais alguma coisa sobre isso ele vai sim chorar. — Não quero mais falar sobre isso, não posso acreditar no que estou ouvindo. Me preocupei durante todo esse tempo com o que você pensaria dele se eu te contasse, mas foi a toa, porque agora você acha que o errado sou eu.
Sunghoon respira fundo, ainda sem se afastar ou soltar as mãos de Sunoo do aperto.
— Sunoo, você está sendo estúpido. Eu sei que você está magoado com o Jake e agora comigo porque acha que estou contra você, mas sei que você logo vai mudar de ideia. Acha mesmo que eu ficaria contra você ou que tomaria o partido de outra pessoa depois de ouvir sobre tudo o que aconteceu no passado? Acha isso, mesmo depois de eu ter deixado de ter algo com o garoto que eu gosto só porque você me disse que não gostava dele?
Sunoo abaixa a cabeça. Sabe que merece a bronca. Sunghoon é um excelente amigo e ele sabe disso, mas não consegue deixar de se sentir injustiçado.
— Você está agindo assim porque está sendo passional demais. Pense um pouco sobre o que eu te disse e então amanhã a gente conversa.
Sim, Sunoo tem tendência a ser passional, enquanto Sunghoon tende a ser o mais lógico possível, ele sabe disso também, mas isso não diminui o fato de que ele tem sim razões para agir dessa forma.
— Eu não quero conversar sobre nada — ele ainda consegue dizer, diminuindo o tom de segundos atrás, mas Sunghoon já está se levantando da cama e o dando as costas.
— Boa noite, Sunoo.
O garoto mais velho sai do quarto e Sunoo fica perdido sobre a cama. Sunghoon quase nunca fica bravo e sempre olha por ele. Ele quer muito ouvir o amigo, seguir o que ele diz, mas se sente chateado, é inevitável. Se arrepende de ter acusado Sunghoon, mas então por quê ele cismou que Sunoo precisa falar com Jake? O que foi que Jake falou para Sunghoon agir dessa forma?
ϟ
Se sair do dormitório sem ser visto por Sunghoon foi complicado, se manter afastado dele durante o dia é ainda mais difícil. Sunoo não quer ter que lidar com o lufano agora, por isso ele passou o dia perseguindo Jungwon, que está começando a se sentir incomodado.
— Hyung, não que eu não goste da sua presença nem nada, mas você não pode desgrudar de mim um pouco não? — O mais novo não se aguenta e vira para o Kim, largando a pena sobre um pergaminho que ele fingia escrever algo.
Eles estão na biblioteca, mas Jungwon sequer está estudando. Sunoo o seguiu depois da aula até o lugar e Jungwon pareceu um pouco perdido. Até o ofereceu ajuda com alguma matéria, mas o mais novo sequer parece interessado em estudar.
— O que é isso, não posso mais ficar com meu amigo? — Ele faz um bico para o mais novo, que revira os olhos.
— E o que acha de ficar com seu namorado? Hm? Cadê ele?
Sunoo sente borboletinhas na barriga toda vez que se referem ao japonês como namorado dele.
— Está em aula — murmura. É claro que seria muito mais legal ficar com Riki e que ele teria mais o que fazer com o namorado, mas está preso ao amigo chato que parece querer se livrar de si nesse exato segundo.
Um certo sonserino aparece entre algumas das enormes estantes, fingindo procurar algum livro enquanto lança olhares para a mesa em que Sunoo está com Jungwon. Sunoo entende tudo: ele está interrompendo mais uma sessão de amassos do Yang.
— Tá com sede, Jungwonie? — Ele pergunta com um sorrisinho nos lábios e o amigo franze o cenho sem entender.
— Não, por quê?
— Porque tem alguém te secando ali entre as estantes — Sunoo inclina o queixo na direção de onde Jay está e Jungwon se vira para olhar, logo voltando para frente com as bochechas rosadas.
— Que piadinha péssima, hyung — o garoto reclama, fingindo olhar alguma coisa no livro. Se antes ele não estava sendo convincente, agora menos ainda.
— Está tudo bem, Jungwonie — ele faz um carinho nos cabelos fofos do amigo, o tratando como um bebê. — Vou te deixar sozinho com seu namorado e vou atrás do meu.
— Ele não é meu-
— Tchauzinho, Wonie — ele se levanta rápido da cadeira, recolhendo a varinha de cima da mesa e se apressando em sair de perto.
Quando se afasta um pouco, olha para trás e não se surpreende quando já não vê mais o amigo sentado ali, apenas os livros abandonados de qualquer jeito sobre a mesa de madeira. Com uma risada fraca ele volta a olhar para frente, saindo da biblioteca.
Ele quase não conseguiu dormir durante a madrugada, perturbado com as palavras de Sunghoon na mente e lembranças do passado o atormentando. Por pelo menos três vezes sonhou com Jake. Nos sonhos, eles sempre estavam na rua de casa, e ainda eram crianças. Também era sempre inverno e eles brincavam felizes, eram melhores amigos de novo. Não havia nada acontecendo, mas de alguma forma, os sonhos sempre se tornavam tristes em algum momento. Sunoo sentia falta de Jake, mesmo que ele estivesse ali. O clima era denso, e Sunoo sequer conseguia enxergar o rosto de Jake, como se ele estivesse muito distante, mesmo estando sempre a poucos passos de distância.
— Tá procurando seu namorado, hyung? — Um menino baixinho pergunta assim que Sunoo tenta espiar dentro de uma das salas de aula. Sunoo não se lembra de conhecê-lo, mas se lembra do que Youngeun disse sobre todos já saberem do namoro deles.
— Ah, sim — sorri um pouco sem graça. — Ele está aqui?
— Não, ele acabou de sair — o menino conta e Sunoo se sente murchar. Se eles pudessem usar celulares em Hogwarts tudo seria tão mais fácil. — Mas se você correr pode alcançá-lo, hyung — o menor o consola, notando a forma que os ombros de Sunoo baixaram. — Ele foi por ali — aponta para um lado do corredor e Sunoo agradece, sendo rápido em correr na direção apontada.
O pátio está com uma quantidade considerável de alunos, mas não cheio o suficiente para que Sunoo não consiga enxergar Riki sozinho em um banco afastado, um livro grande sobre as pernas.
— Rikie?
O menino tira os olhos do livro e procura de onde está vindo a voz e Sunoo acha adorável a forma como ele vira o pescoço procurando por si.
— Riki-ah, pensei que estivesse em aula — ele se aproxima do banco de pedra em que o menino está e senta ao lado dele, um sorriso no rosto.
Riki fecha o livro, não dando mais importância para seja lá o que for que estava lendo.
— Fui expulso da classe.
— O quê?! Como assim? — Sunoo reage exageradamente e Riki solta o ar pela boca, parecendo frustrado. — O que aconteceu, Riki-ah?
— É a aula do professor Lupin.
Ah, claro. A aula favorita de Riki — e a única que ele gosta — mas que se tornou um problema no fim do semestre passado.
— Depois da sua ajuda semestre passado eu consegui aprender o feitiço e fui bem nas provas finais, mas não tivemos aulas práticas. Hoje ele colocou aquele armário velho de novo no meio da sala e anunciou que veríamos o Bicho-Papão de novo e que treinaríamos lançar Riddikulus neles.
Sunoo escuta o menino atentamente, tentando entender a causa da expulsão.
— Você não quis participar da aula de novo?
— Não foi isso — o menino sacode os ombros, incomodado e com uma carranca. — Entrei na fila com os outros alunos, só que quando chegou a vez da garota da minha frente, eu lancei o feitiço por ela. Eu fiz isso pra ajudar, eu juro! Ela tava com medo e não ia conseguir lançar o feitiço, então eu fiz por ela.
— Mas isso é uma coisa boa, Rikie — Sunoo deixa um carinho no ombro do menino, falando com ele de forma suave. — O professor lançaria o feitiço por ela se não fosse você. Qual o problema nisso?
— É que eu disse que aquilo contou como a minha vez. O professor disse que não, que eu tinha que lançar o feitiço contra o meu próprio Bicho-Papão, mas eu não quis aceitar. Já tinha demonstrado que sabia lançar o feitiço. Ele se irritou e me expulsou da aula. Disse que está farto da minha atitude.
— Você sabe, essa aula é mais que apenas lançar o feitiço. É sobre conseguir lidar com nossos próprios medos.
— Eu sei.
Está claro para Sunoo que Riki tem algum problema com essa aula. Ele foge de encontrar o próprio Bicho-Papão a todo custo, e Sunoo nunca viu o menino agir assim perante alguma coisa durante esses meses em que se tornaram próximos.
— Riki, por acaso tem alguma coisa sobre o seu maior medo que te perturba tanto assim, ao ponto de você evitar tanto vê-lo?
A pergunta pode parecer boba, mas não é. O maior medo de Sunoo são fantasmas, mas não é algo que afeta o emocional dele. Alguns têm muito medo de palhaços, aranhas ou animais que habitam a Floresta Proibida; quase sempre os alunos podem superar os medos lançando o feitiço e os transformando em coisas bobas. Pelo jeito que Riki parece apreensivo com isso, parece que ele sente muito mais que apenas medo.
O sonserino fica em silêncio ao lado de Sunoo. Ele não parece irritado ou chateado, mas Sunoo sente que o menino não está na melhor das condições. Só então Sunoo desce os olhos para o colo de Riki. O livro que ele está lendo é especificamente sobre Bichos-Papões.
— Eu tenho medo, hyung — ele confessa com uma voz calma, brincando com a lombada do livro. — Eu sei qual é o meu maior medo, eu sonho com isso quase todas as noites. Não é algo que me deixa somente apavorado, mas também... — ele faz uma pausa, respirando fundo e balançando a cabeça, como que espantando algum pensamento. — Não quero ter que lidar com isso de novo.
— Ah, Riki...
Sunoo abraça o garoto mais alto, que aceita o gesto e deita a cabeça no ombro do Kim. Com um carinho nos cabelos descoloridos, Sunoo espera que o menino se sinta melhor. Não é raro os alunos não terem coragem de lidar com os próprios medos na disciplina de Lupin, mas Riki parece mais afetado que o normal.
— Você quer me contar qual é o seu maior medo?
A voz dele é suave, como se Riki fosse um bebê.
— Não. Desculpa, hyung, mas eu não quero falar sobre isso.
— Você precisa lidar com isso alguma hora...
— Eu sei, mas eu não quero.
— Talvez seja melhor desabafar sobre isso com alguém.
Sunoo sabe ser bem insistente. Ele sabe que Riki precisa disso, ninguém pode se perturbar por tanto tempo com alguma coisa presa na mente, e ele sabe bem disso por experiência própria.
Riki não responde nada, então Sunoo pensa que o menino apenas não quer mesmo falar sobre o assunto. Os fios do japonês são macios e cheirosos, e Sunoo também leva a outra mão para deixar um carinho nas madeixas.
— Quer fazer uma troca? — O menino fala depois de algum tempo, tirando Sunoo os próprios pensamentos.
— Uh?
— Uma troca. Eu te conto qual o meu maior medo e você me conta que relacionamento foi esse que você e o Jake hyung tiveram no passado.
Mesmo cansado do assunto, Sunoo quer rir do tom usado pelo garoto.
— Relacionamento? — Ele se afasta um pouco, tirando a cabeça de Riki do próprio ombro para poder vê-lo melhor. Não pode acreditar, Riki está achando que ele e Jake tiveram algum tipo de relacionamento amoroso no passado?
— Do que está rindo? — Riki fica facilmente emburrado, evitando o olhar brincalhão que Sunoo o lança. — Você e o Jake hyung tiveram algo que nenhum dos dois quis me contar e você ainda acha isso engraçado?
— Ah, Riki-ah — Sunoo não se contém e aperta uma das bochechas do menino, que tenta se esquivar do aperto a tempo mas não consegue. — Você está com ciúmes? Acha mesmo que eu e Jake tivemos algo?
— É claro que estou com ciúmes. Você é meu namorado, não gosto de imaginar você com outros garotos.
Meu namorado!
— Deixa de ser bobo — Sunoo segura o rosto do garoto entre as duas mãos e beija o biquinho irritado com um estalar de lábios, em seguida olhando no fundo dos olhos dele, bem de pertinho. — Eu e Jake éramos amigos no passado, mas só isso. Nunca tive um namorado antes de você.
E não é mentira. Hyunmin foi a primeira paixão dele, mas eles nunca chegaram a namorar de verdade. Os sentimentos de quando era um menino com seus doze anos e os de agora, com seus dezesseis, são muito distintos, de uma forma maravilhosamente boa.
— Eu sou seu primeiro namorado? — Riki pergunta parecendo muito surpreso, quase assustado.
— Hmm... Sim?
— Mesmo?
— Por que? Que tipo de pessoa você pensa que eu sou? — Sunoo insinua com um bico, mas Riki logo se agita ao lado dele para se explicar.
— Não é isso, é que, você é... Você, sabe? Qualquer aluno aqui de Hogwarts daria tudo pra ter você como namorado, eu sempre via um monte de gente atrás de você, não seria estranho você já ter tido alguma coisa com alguém...
Sunoo fica sem graça com as palavras do menino, ainda o segurando perto do próprio rosto. Para esconder as bochechas que começam a esquentar demais, Sunoo o beija novamente, dessa vez deixando Riki aprofundar o beijo por alguns momentos antes de se afastar de novo, somente para olhar nos olhos do outro menino de pertinho.
— Como você se sente sabendo que é o único de quem eu gosto? — Sunoo coloca a declaração em formato de uma provocação divertida e ri quando o mais novo bufa e se afasta.
— Desde quando você é quem me provoca, hyung?
— Desde que eu descobri que você também fica adorável quando está irritadinho — ele diz certeiro, esperando por uma reação envergonhada, mas o outro o puxa de vez para perto e o dá um beijo de tirar o fôlego em questão de segundos.
— Ya, Riki — Sunoo se vê na obrigação de se afastar. Riki parece que vai engoli-lo a qualquer momento e eles ainda estão em público, com alunos passando de um lado para o outro, e mesmo que não se importe muito com a opinião alheia, ainda tem algum senso.
— Só mais um pouco, hyung — o menino tenta barganhar sem soltar o mais velho, mas Sunoo é firme em não deixar o menino o beijar de novo.
— Não, não. Eu te contei que eu e Jake éramos amigos e agora você tem que cumprir sua parte no acordo e me contar qual o seu medo.
— Não basta me contar que vocês eram amigos, eu quero saber o porquê de você ter escondido isso e o motivo de vocês não se falarem mais.
— Não é justo — Sunoo franze o cenho.
— Então eu só te falo que meu medo é uma pessoa.
— Uma pessoa que existe? — pergunta curioso, que tipo de pessoa pode assustar tanto Riki a esse nível?
— Não vou responder mais nada, você também não quer responder minhas perguntas.
— Deixa de ser bobo, Riki, eu quero te ajudar!
— Eu também quero! — O mais alto se vira totalmente para Sunoo no banco, passando uma das pernas para o outro lado, de forma que agora Sunoo está sentado entre as pernas compridas dele. — Você e o Jake hyung parecem ter algum problema sério e me incomoda não saber de nada porque nenhum dos dois me conta. Eu gosto de você, Sunoo hyung. Me deixa saber o que aconteceu.
Esse assunto estava guardado e enterrado há tempos e agora parece que todos querem desenterrar toda e qualquer memória de anos atrás. Sunoo está querendo se manter afastado de Sunghoon até ele desistir dessa ideia de conversa com Jake, mas até aqui com Riki ele tem que pensar sobre esse assunto.
Talvez isso seja até bom, ele pensa. Jake contou ao Sunghoon hyung sobre o que aconteceu e agora não preciso mais mentir sobre nada, então talvez seja bom contar para o Riki também.
Sunoo pondera por algum tempo, consciente dos olhos atentos do sonserino sobre si.
— Está bem, eu te conto. Mas você também precisa me contar sobre o seu medo.
— Feito.
Sunoo segue a mesma linha de raciocínio que seguiu para contar a Sunghoon na noite passada. Essa é a terceira vez que ele conta sobre o que aconteceu para alguém, e já não é assim tão difícil quanto foi da primeira vez.
O sonserino o escuta com total atenção, vez ou outra o interrompendo para fazer perguntas curiosas sobre Hyunmin e como ele era, o que Sunoo gostava nele e se eles ainda se viram depois daquilo. As perguntas sobre Suyeon também são muitas e Sunoo até acha graça disso, respondendo pacientemente cada uma delas.
De alguma forma, Sunoo tenta tomar cuidado ao falar de Jake para Riki. Diferente de Sunghoon, que já tinha escutado da boca de Jake antes de ouvir da de Sunoo, Riki ainda não sabe de nada e Sunoo não quer ser o responsável por colocar fim a uma amizade.
Sunoo também conta sobre a conversa que teve com Sunghoon na noite anterior e como eles encerraram o diálogo, com Sunghoon dizendo que eles conversariam melhor no dia seguinte e como ele não está interessado nisso.
— Eu não o odeio, mas não quero ter contato com ele. Entendo que vocês sejam amigos e que você goste muito dele, assim como o Sunghoon hyung e os outros hyungs, mas eu não quero ter que participar disso, entende? Quero me manter afastado.
— Hyung — Riki o chama assim que ele para de falar. Sunoo o olha, esperando. — Pelo que você me disse, o Jake hyung parece uma pessoa diferente da que eu conheço. Ele pode ter mudado, ou pode ter sido tudo um mal entendido. Em qualquer uma das opções, você não acha que seria bom ouvir o que ele tem a dizer?
— Rikie...
— Eu sei que você não quer e não tiro sua razão, Sunoo hyung, é sério. Pelas coisas que você disse, eu também não iria querer ser amigo dele. Mas você não acha que você merece uma explicação?
— Eu?
— Sim. Ele fez a merd-, a besteira, e você saiu machucado com isso, então merece uma explicação. Não importa o que ele tem a dizer, não acha que seria bom ouvir? Depois você pode fazer o que quiser, ignorar ele ou sei lá, xingar ele.
Sunoo ainda não tinha pensado por esse lado. Ele não quer contato com o garoto desde o acontecido, mas até agora ninguém disse que ele merece uma explicação, para o bem dele. Sunghoon tentou ajudar, mas Sunoo não queria ouvir que Jake também era uma vítima, e por isso acabaram se desentendendo.
— Você está certo — finalmente admite, brincando com o tecido da capa de Riki, o olhar baixo e pensativo. — Mas e se ainda assim eu não quiser mais falar com ele? E se depois de ouvir a explicação dele eu me sentir pior e não quiser nem mais olhar na cara dele?
— Aí você faz exatamente isso — Riki diz de forma simples, dando de ombros. — Você não é obrigado a nada. Ainda assim, vai ser bom dar uma chance e ver o que ele tem a dizer.
Sunoo fica mais algum tempo pensativo. Não é de um todo ruim, mas ele ainda tem receio de falar com o corvino e escutar que sim, ele fez tudo aquilo e que lamenta muito, ou até escutar algum tipo de mentira. Sunoo nem sabe mais o que esperar dele, há tempos que não confia mais nas palavras que Jake profere.
— E aí? Vai falar com ele? — As mãos de Riki deixam um carinho sobre a perna coberta de Sunoo, os dedos brincando com o tecido e fazendo um pouco de cócegas não intencionais.
— Não sei — ele murmura, ainda pensativo. Riki suspira.
— O seu amigo, o Jungwon, não gosta muito de mim — o loiro diz de repente e Sunoo o olha com olhos bem abertos. — Você sabe que ele não gosta muito de mim e com certeza ele já te disse alguma coisa sobre mim que você discordou, certo? — Sunoo assente, envergonhado. É chato admitir que Jungwon não vai muito com a cara de Riki ainda e é mais chato ainda saber que ele sabe disso. — Você discordou porque gosta de mim, mas é um direito dele continuar não querendo ficar perto de mim. Mesmo assim, se pudesse, você iria preferir que ele me conhecesse melhor pra poder ter a mesma opinião que você. Ou estou errado?
— Está certo...
— É assim que me sinto agora. Eu gosto do Jake hyung e gosto de você. Eu quero que você fale com ele e quero que você veja a mesma pessoa boa que eu vejo nele. Você pode não acreditar, mas eu tenho motivos pra acreditar que ele gosta de você e ainda te vê como amigo. Se esqueceu que foi ele quem me ajudou a ficar próximo de você? Ele sempre falou bem de você pra mim e parecia conhecer muito do seu jeito. Eu nunca desconfiei de nada, ele nunca me disse que vocês tinham sido amigos, mas eu tinha a impressão de que ele te admirava também, assim como eu.
O sino toca e os alunos começam a se dispersar do pátio, mas Sunoo e Riki não se levantam.
Ouvindo Riki falar essas coisas, ele se sente um bobo e de outras formas que não consegue entender, confuso demais e cheio de pensamentos correndo pela mente ao mesmo tempo. As intenções de Jake o deixam curioso desde que Riki revelou que o Shim o ajudou com a história das poções, é claro, mas os acontecimentos seguintes ofuscaram qualquer pensamento positivo que Sunoo ousou ter em relação ao corvino.
Vai ser só uma conversa para colocar um ponto final nisso, Sunoo se convence. Vou ouvir o que ele tem a dizer e vamos encerrar esse assunto. Não posso passar a vida escondendo isso de todos, colocando meus amigos e namorado em uma situação onde precisam escolher um lado.
— Você me convenceu — Sunoo ajeita os cabelos negros, finalmente erguendo o olhar do banco de pedra. Riki parece satisfeito com a decisão, pois abre um lindo sorriso quadradinho que só ele tem. — Vou ouvir o que ele tem a dizer, mas só isso. Depois não quero mais ouvir falar nesse assunto.
— Vai falar com ele quando?
— Com certeza só depois que você me contar sobre o seu medo.
É claro que Sunoo não esqueceu do acordo deles. Riki faz uma careta indisposta e rouba um beijinho de Sunoo antes de se levantar do banco e correr para longe, desviando da fonte no meio do pátio e quase perdendo o equilíbrio.
— Vai se atrasar pra aula, Sunoo hyung — ele grita quando já está longe o suficiente, rindo do namorado que fica para trás com cara de bobo, ainda sentado no banco.
— Esse menino...
Riki pode ter escapado de contar agora porque o sino tocou, mas depois ele vai contar direitinho para Sunoo essa história, nem que o lufano tenha que arrastá-lo até a Floresta Proibida como ameaça.
ϟ
A aula de poções termina com 15 pontos a mais para a Lufa-Lufa, fazendo todos os lufanos irem até Sunoo para comemorar assim que o professor Horácio se afasta. É bom estar de volta à escola e é bom voltar à rotina de estudar poções e ser elogiado pelo talento — Sunoo admite, ele gosta da atenção que recebe, isso o deixa feliz e não há nada de mal nisso!
— ... mas vocês são amigos? — A voz de Jungwon no corredor é captada pelos ouvidos sempre atentos do Kim, que está terminando de organizar a sala com alguns outros alunos e se prepara para ter a presença do amigo por perto em alguns segundos.
— Já falei que não — a voz de Riki agita Sunoo. — Por acaso ela é mais uma da sua lista de pessoas que você não gosta?
— Hmph, claro que sim, ela vive tentando tomar minha posição no quadribol. E o que você quer dizer com lista de pessoas que não gosto?!
— Nada, deixa.
— Agora você vai ter que falar.
As vozes dos garotos que definitivamente estão juntos e conversando se aproximam até estarem passando pela porta da classe. Sunoo observa, meio boquiaberto, os dois garotos tendo um diálogo — mesmo que um tanto peculiar e que Sunoo não faça ideia do que eles estão falando. Riki não parece enfadado nem Jungwon parece perturbado, e essa é como a visão do paraíso para Sunoo, que tem até medo de sair de onde está e acabar com a utopia em que se encontra.
— Hyung, vai continuar aí parado com essa cara de bobo? — Jungwon rapidamente faz questão de arrancá-lo do tão sonhado paraíso.
— E o que espera que eu faça, garoto? — Sunoo o responde com uma careta e volta ao que estava fazendo. — À que devo a honra da vossa presença, oh meu querido dongsaeng? — Ele debocha, não podendo ver a expressão de desgosto no rosto do menino por estar de costas, mas sabendo que ela está lá.
— Vim aqui pra gente ir falar com o Jake hyung — é Riki quem responde, animação transbordando em cada palavra.
Sunoo larga os frascos vazios onde estão e se vira para o garoto.
— Como é? — O tom que ele usa está mais para um desesperado que um de confusão.
— Você disse que concordava em falar com ele — o loiro dá de ombros. — Então vamos.
— Eu disse que concordo em falar com ele, não que concordo em falar com ele hoje — Sunoo nem pode acreditar nisso, parece até que Riki vai ganhar algum prêmio se ele falar logo com Jake.
— E qual a diferença?
Sunoo não tem um argumento para explicar qual a diferença porque, na verdade, não tem nenhuma.
— E depois eu quero saber que história toda é essa que todo mundo sabe menos eu — Jungwon aponta, brincando com os livros de alguns alunos que ficaram sobre as mesas.
— O Heeseung hyung e o Jay hyung também não sabem — Sunoo diz. Jungwon não parece estar particularmente incomodado em não saber de nada — da forma como ele sempre fica —, parecendo até meio nas nuvens e tranquilo demais. Sunoo estranha isso, é claro.
— E aí, vamos? Suas aulas de hoje já acabaram — Riki insiste, se aproximando com um sorriso.
— Riki, é sério — Sunoo pensa rápido em uma desculpa que ele possa dar. Nem ele sabe o motivo de não querer ir falar agora, ele apenas não quer. — Eu posso falar com ele depois. Por que não vamos fazer outra coisa agora, hm? Ainda não escureceu e-
— Não, hyung — Riki o corta, dócil. — Eles já estão nos esperando.
— Eles...?
— Eu disse pro Jake hyung que você aceitava ouvir o que ele tinha a dizer. Me desculpa. Eu não aguentei ficar com ele, fingindo que eu não sabia de nada. Ele percebeu que eu estava estranho e tive que falar alguma coisa. Vamos logo resolver isso, sim?
Os olhinhos de Riki são tão bonitinhos que Sunoo não ficaria bravo com ele nem se quisesse. Como poderia?
— Caraca — Jungwon comenta, e só então Sunoo percebe que ele está os assistindo ter esse diálogo, sentado sobre uma das mesas com total interesse. — Sério, alguém vai ter que me contar cada detalhe disso, porque parece que eu tô assistindo um daqueles dramas cheios de problema que no fim o casal nem se beija.
— Pare de idiotice, Jungwon — Sunoo reclama, passando a mão pelo rosto. Tudo bem, ele pode fazer isso. Ele vai falar de uma vez com Jake e resolver essa situação. — Vamos logo então, me diz onde é que ele tá.
— Eu te levo até lá — Riki se anima, e Sunoo não pode deixar de observá-lo a ponto de bater palminhas, o sorriso não abandonando os lábios. Ver Riki feliz assim é revigorante, porque não é todo dia que o garoto distribui sorrisos aos sete ventos, mas o motivo dessa alegria toda ainda está deixando Sunoo com as mãos suadas.
— Posso ir também? — Jungwon pula da mesa, os olhos brilhando.
— Tanto faz — Riki dá de ombros e sai andando na frente, sem ver a cara feia que Jungwon faz pelas costas dele.
Sunoo segue o namorado, sendo a única opção que o restou. Ele não quer andar pelos corredores parecendo que está indo para a forca e até tenta colocar um sorriso no rosto e focar na breve conversa que é criada entre Riki e Jungwon, mas tudo em que ele consegue pensar é no que Jake quer falar com ele.
Riki os leva até o terceiro andar, na Sala dos Troféus.
— Por que eles vão conversar na Sala dos Troféus? — Jungwon verbaliza a dúvida de Sunoo. Não é um lugar ruim ou proibido, mas é que Hogwarts é tão grande e tem tantos lugares ótimos para se reunir com amigos e conversar, então por que raios eles estão ali?
— Sei lá, o Jake hyung gosta daqui.
Sunoo abre a porta assim que se aproximam. A sala é grande e espaçosa, cheia de estantes que vão até o teto e estão abarrotadas dos mais variados tipos de troféus e medalhas. Algumas mesas dispostas pelo meio da sala também expõem alguns prêmios, e é tudo muito bonito e legal, mas nada disso interessa agora. Jungwon e Riki, no entanto, parecem fascinados com a estante dos troféus de quadribol.
— É você, Riki? — Uma voz abafada pergunta por entre as estantes, e Sunoo sabe que é a voz de Jake.
— Sim, cadê vocês? — O mais novo responde, deixando de lado os troféus e indo em busca do amigo. Sunoo vai atrás.
Vocês?
Conforme eles se aproximam de onde a voz de Jake veio, podem escutar outras vozes conversando. A voz de Sunghoon e Heeseung são as primeiras que ele reconhece, e quando viram em uma estante, ele percebe que a última voz era de Jay. O porquê de estarem todos ali ele não sabe, mas não gosta muito da platéia.
— Não vejo graça nessa lista, prefiro ver meu nome em um troféu — Jay fala de braços cruzados, fazendo pouco caso de alguma coisa que Jake e Heeseung observam com olhos brilhantes, ainda alheios à presença dos três mais novos que se aproximam.
— Pelo menos o meu nome já está nessa lista, mas e o seu? Ainda não vi em nenhum troféu — Heeseung revida e Jay apenas revira os olhos, dando as costas para eles e finalmente vendo os três mais novos.
O silêncio de Jay parece chamar a atenção de Jake, que ergue os olhos para falar com ele e para, os olhos caindo direto sobre a figura de Sunoo. Logo Sunghoon também o está olhando, e Sunoo sente vontade de se esconder atrás dos ombros largos de Jungwon. Por que Sunghoon tem que olhá-lo dessa forma? Tão... Tão paternal? Parece até que ele quer pegá-lo no colo e conversar com ele, credo.
— Sunoo-ah — Heeseung se aproxima dele assim que o vê. — O Sunghoon pode me contar o que está acontecendo enquanto você conversa com o Jake? Porque ele não quer me dizer e eu acho que, como seu hyung, devo saber. E o Jay também quer saber.
— Eu disse isso? — Jay parece um pouco indignado ao se virar para Heeseung, pronto para argumentar.
— Não, mas foi o primeiro a reclamar que o Sunghoon sabe de coisas que você não sabe, e que agora você e o Sunoo também são amigos e que voc-
— Sunoo, não foi bem assim — o garoto parece mesmo disposto a se explicar, mas Jake coloca uma mão no ombro dele e isso parece surtir efeito, já que o cala.
— Por que vocês não vão dar uma volta? — O corvino oferece, e os outros prontamente começam a se afastar. Riki deixa um beijinho rápido na bochecha de Sunoo e sai andando, sem dar brecha para Sunoo dizer o quão fofo ele é ou sequer reagir. Pelo menos o beijinho serve para distraí-lo um pouco do fato de que ele vai ficar sozinho com Jake, coisa que o está deixando com as mãos suando.
Eles estão sozinhos, e Sunoo não sabe mais como agir na presença de Jake. Junto aos outros garotos ele tenta agir naturalmente, como se não se conhecessem direito ou coisa do tipo, mas agora são só eles dois. É estranho se sentir esquisito perto de alguém que costumava fazê-lo se sentir tão confortável, que só de andar lado a lado o fazia sentir que estava em casa.
— Obrigado por aceitar me escutar — Jake começa a falar, olhando-o nos olhos. Sunoo se pergunta se eles vão mesmo ter essa conversa bem ali, de pé na sessão de nomes dos monitores antigos e atuais da escola. Desconfortável, e não apenas pela posição. — Desculpa ter contado pro Sunghoon...
Um desconfortável silêncio se estende após as palavras de Jake. Onde Sunoo estava com a cabeça quando ele pensou que iria apenas ficar na frente de Jake e escutá-lo falar? É claro que ele vai ter que falar alguma coisa também, afinal, é para ser uma conversa. Por isso, ele inspira fundo, ainda sem disposição para olhar nos olhos de Jake.
— Eu entendo a situação com o Sunghoon hyung — a voz dele sai como um murmuro, os olhos perdidos nas vitrines. — Tudo bem, de verdade.
Jake solta um suspiro de alívio tão alto que Sunoo pode sentir o hálito dele.
— Obrigado, mesmo. Eu fiquei com medo que você fosse ficar chateado, mas eu precisava falar com ele. Sério, é um alívio saber que por você tudo bem. E obrigado também por aceitar me escutar, não sei o que o Hoon falou com você mas...
— Olha — Sunoo o interrompe da forma mais delicada possível. —, não foi por nada que o Sunghoon hyung falou comigo. Eu basicamente só estou aqui por causa do Riki, porque você é mesmo alguém que ele gosta muito.
— É bom escutar isso — Jake dá um sorriso meio sem jeito, Sunoo percebe pelo canto do olho. — Ele estava brigando comigo hoje mais cedo por causa da ''tal história do passado'', também vou ter que me explicar pra ele depois.
Sunoo fica boquiaberto, não estava sabendo disso. Riki falou tão tranquilamente sobre ter falado com Jake que ele pensou que tivesse sido só mais uma conversa normal entre eles, não que o garoto tivesse tomado partido dele. O pensamento o deixa com um friozinho na barriga, mas ele não deixa um sorriso se formar, não é hora para isso.
Antes que Sunoo possa se sentir mais desconfortável do que já está, Jake parece perceber que deve falar alguma coisa.
— Vamos sentar ali? — O mais velho aponta para o chão, um degrau mais alto do piso que acomoda um púlpito com um pergaminho que Sunoo nem faz ideia do que seja, e também não consegue pensar muito nisso agora.
Eles se sentam no chão, Sunoo sentado com a postura ereta, virado de frente para as estantes, vendo o corvino apenas pela visão periférica.
— Não sei como começar a falar sobre isso. Eu quis ter essa conversa com você por tanto tempo e imaginei tantos jeitos de te contar isso, que tenho um discurso decorado de como contar o que aconteceu naquele dia.
A voz de Jake é baixa e tranquila. Algo no tom ameno dele sempre passou para Sunoo a impressão de que ele tinha palavras doces, e foi ainda na infância que ele percebeu que não, não eram as palavras que eram doces, e sim a voz dele que sempre carregou uma doçura inexplicável. Até agora, com receio do que vem pela frente e com muitos pensamentos conturbando a mente, ele não consegue deixar de se envolver por isso.
— Só por favor, não sai daqui. Me deixa falar tudo, só... Por favor me dá a chance de me explicar dessa vez.
Sunoo assente, se encolhendo mais no lugar. Ele vai escutar tudo o que Jake tem a dizer, não importa se vai gostar ou não. Ele deve isso a si mesmo.
— Em todas as vezes que você me pediu para guardar um segredo ou para não falar alguma coisa, eu te levei a sério. Em todas elas. Mesmo quando você me pedia para não contar que você tinha derrubado água no carpete de casa e eu sabia que ninguém ia ligar de verdade se você fez aquilo ou não, ou quando você sem querer cuspiu o chiclete e ele prendeu no cabelo da Suyeon e você implorou pra eu não contar, sendo que a gente sabe que o máximo que ela faria seria dizer que você foi lerdo demais e nem ligaria de perder uma mexa do cabelo por ter sido você, o irmão dela que fez aquilo sem querer. Você pode achar que eu nunca te levei a sério e talvez eu tenha mesmo dado essa impressão.
Sunoo escuta atenciosamente, um pouco surpreso em como que, por um instante, ele esteja voltando no tempo, para quando ele e Jake tinham conversas banais do dia a dia e se lembravam de alguma coisa do passado e falavam sobre aquilo. Ouvir Jake falando de memórias do passado deles tem gosto de saudade, e estranhamente não é amargo.
— A única vez que eu não te levei a sério foi a única vez em que tudo deu errado. Eu sabia que você não queria que ninguém soubesse sobre você e o Hyunmin, principalmente a sua mãe, mas eu não conseguia entender o motivo daquilo. Eu pensei que fosse mais uma das vezes em que você estava só pensando demais e transformando coisas pequenas em coisas grandes demais para serem suportadas, mas de qualquer forma eu segui com o que você me pediu. Eu guardei aquilo, da mesma forma em que guardei o fato de você gostar de garotos. E eu não esperava contar pra ninguém. Sei como você fica com raiva só de me ouvir falando isso então eu quero encontrar outras palavras para dizer que... não foi uma escolha totalmente racional e pensada minha querer contar pra sua mãe onde você estava ou o que você estava fazendo. Por todos esses anos eu tentei me consolar dizendo a mim mesmo que eu não tinha como imaginar que ela ligaria logo os fatos, mas agora eu vejo que aquilo não importa. O que importa é que eu disse aquilo, e foi a brecha para tudo acontecer.
''Nos despedimos naquele dia e eu voltei para casa rindo sozinho. Eu estava achando engraçado como você estava gostando do Hyunmin, era bonitinho ver vocês dois juntos. Foi a primeira vez em que eu te vi realmente interessado por alguém, então me senti como se estivesse encobrindo meu irmão mais novo para ele fazer as primeiras besteiras, sabe?
Quando cheguei em casa, a senhora Kim estava lá, conversando com minha mãe no sofá de casa. Não era nada incomum então não estranhei. A cumprimentei; ela estava do jeito que sempre foi: gentil e carinhosa, me tratando com ternura, da mesma forma que minha mãe me trata. Quando ela me perguntou sobre você com tanta naturalidade, eu disse que estava com um amigo. Ela mudou de expressão na hora.
— Tem alguma chance de esse amigo ser o Hyunmin? — foi o que ela respondeu. Eu achava mesmo que não tinha nada demais naquela pergunta sobre onde você estar, mas na hora em que ela me perguntou sobre o Hyunmin, eu soube que tinha algo de errado. Algo na expressão dela ou na forma como ela pegou a xícara de chá de cima da mesinha e me olhou por cima... Não sei explicar. Eu só sabia que não deveria contar nada, já me arrependendo de ter aberto a boca.
— Não sei... Ele não me contou.
Ela engoliu o chá, parecendo frustrada.
— Vamos, Jake-ah, conta para a tia. Eu preciso saber onde o Sunoo, está, sim? Já está ficando tarde e ele não deveria andar por aí sozinho.
— Jake, não te ensinei a ser mentiroso — minha mãe me deu bronca, sem olhar na minha direção.
Eu fiquei lá, parado de pé na sala com a sua mãe me olhando de um jeito que me deixou desconfortável e minha mãe tomando o chá dela enquanto olhava umas revistas. Até que ela não estava mais olhando revista nenhuma; largou a xícara sobre a mesinha e me olhou feio.
— Jaeyun. A senhora Kim está preocupada com o Sunoo e você parece saber onde ele está. Ela veio até aqui para saber do filho, então responda logo.
— Não posso contar...
— Ah, então você sabe onde ele está? — sua mãe me perguntou com um sorrisinho bizarro.
— Não! Não sei onde ele está, eu juro.
— Mas sabe com quem.
— Também não.
— Filho — minha mãe desistiu da conversa e se levantou do sofá. — Vamos até a cozinha comigo? Pegue a xícara da senhora Kim e traga. Quer mais gyeongdan?
Quando cheguei na cozinha, minha mãe não parecia nada satisfeita comigo. Ela veio até mim, falando baixo.
— Sunoo está ou não está com o Hyunmin? — ela me perguntou baixinho, e eu concordei. Eu estava me sentindo tão nervoso com toda aquela situação.
Minha mãe suspirou e fechou os olhos, parecendo pensar sobre o caso.
— Você não pode mentir para a mãe dele.
— Mas, mãe, a senhora Kim não gosta que garotos namorem garotos.
— Eles estão namorando? Nunca vi Sunoo com ninguém, vocês ainda são tão novinhos — minha mãe parecia bem surpresa, mas não de um jeito ruim.
— Não sei se estão namorando, mas eles se gostam, mãe. Só que a senhora Kim não pode saber disso, o Sunoo me fez prometer que não contaria nada sobre isso pra ninguém.
Eu sei que pode soar estúpido, mas eu sempre contei tudo para a minha mãe, porque ela não é uma amiga ou uma colega, ela é minha mãe, e eu sempre soube que poderia contar tudo à ela que ela manteria segredo, não diria nada para ninguém, muito menos para a sua mãe se eu estava pedindo.
— Eu entendo, filho. Mas você só estará dizendo que o Sunoo está com o Hyunmin, sim? Hyunmin é um ótimo menino, todos no bairro gostaram dele e da família dele; se Sunoo está com ele então está tudo bem. Ela não vai ter como saber que Sunoo e ele estão apaixonados. Ela só precisa saber que Sunoo não está perdido por aí, para não ficar preocupada.
E minha mãe estava certa e errada ao mesmo tempo, afinal. Certa porque, como sua mãe poderia saber? Por mais que eu estivesse achando tudo muito estranho, ela não teria como adivinhar o que você e ele estavam fazendo — nem eu sabia, como ela saberia? E errada porque eu sabia bem que sua mãe não estava parecendo preocupada por causa da hora, e sim por outra coisa.
Eu iria apenas fingir que estava tudo bem. Iria dizer que você estava com Hyunmin e outros amigos, mas que não sabia onde vocês estavam. Só que, quando eu voltei pra sala, sua mãe não estava mais lá. Eu entrei em desespero. Chamei minha mãe, mas ela não podia fazer mais nada. Eu tentei explicar a situação pra ela, mas ela me disse que não poderia se meter em assuntos de família. Aquilo me magoou muito, porque eu estava contando com ela. Eu pensei que ela pudesse fazer algo caso sua mãe quisesse tomar alguma atitude drástica, mas naquele momento percebi que estava enganado e comecei a me arrepender de ter contado para minha mãe, porque estava mais do que claro que a sua escutou tudo.
Eu não consegui me acalmar naquela noite, esperando para falar com você, para saber se sua mãe escutou tudo mesmo e o que ela te disse. Só que meus pais não me deixaram sair de casa. Minha mãe sabia que eu queria ir até a sua casa e ver como você estava, mas disse que era melhor eu deixar os Kim se resolverem. Então eu esperei pelo dia seguinte e fui até a sua casa, mas não me deixaram te ver, nem me deixaram falar com a Suyeon. Seu pai me disse que você estava de castigo e a culpa me consumiu, mas afinal de contas não tinha sido tão ruim assim, certo? Você tinha levado uma bronca e ficou de castigo, mas logo aquilo passaria.
Eu esperei pelo Natal, nem consegui dormir direito naquelas noites, ansioso para te ver de novo e pedir desculpas por ter aberto a boca. Fiquei parado na minha janela do quarto durante todos os dias, passava horas esperando para ver se você abriria a sua para eu tentar falar com você, mas você nunca a abriu.
Quando o Natal chegou, eu estava ansioso, finalmente te veria de novo e pediria desculpas. Só que as coisas não aconteceram bem assim, né...? Quando eu te vi, percebi que algo muito grave tinha acontecido. Eu queria falar com você e me explicar, mas você já estava esquivo e não me deixou ficar por perto. A sua mão... Ver a sua mão fez aquilo doer em mim. O jeito que você e Suyeon estavam afastados de todos, tudo aquilo foi tão horrível... E era tudo culpa minha e da minha língua enorme.
Eu fiquei devastado quando você disse aquelas coisas para mim, mas pensei que fosse passar. Pensei que você iria querer me escutar em algum outro momento, quando estivesse mais calmo. Mas você me cortou da sua vida. Eu queria muito me explicar, com todas as forças, falar que... que era a minha culpa, mas que eu me arrependia muito. Queria falar que você podia sim confiar em mim e que por favor eu precisava muito da sua amizade, que você não podia só dizer que eu não merecia ser seu amigo e passar a agir como se eu não existisse. Eu quis falar com você tantas vezes, corri atrás de você tantas vezes, acho que você sabe disso.
O ano letivo começou de novo e você não falou mais comigo. Eu estava me sentindo culpado e triste, achei que merecia aquele tratamento. Por muito tempo Sunoo, eu achei que merecia ficar sozinho. Eu não merecia mesmo ser seu amigo. Eu te vi fazendo novos amigos, te vi ficando ainda mais popular em Hogwarts e se destacando por causa da sua inteligência. Eu te observei de longe, esperando pelo momento em que a sua raiva passaria e que as coisas voltariam ao normal. Mas aí eu percebi que você não estava com raiva de mim, você estava triste, e que as coisas não voltariam mais a ser como eram antes.
Eu resolvi deixar pra lá. O que eu poderia fazer? Você não queria ouvir minhas explicações e não queria mais ser meu amigo. Percebi que também queria fingir que eu não existia, então fiz como você quis. Durante todo esse tempo, Sunoo, eu fiquei sozinho, me remoendo...
Eu sempre fui muito ruim fazendo amigos, por isso acabei sozinho. O Riki ter aparecido na minha vida foi como um milagre. Mas é claro que ele também estava interessado por você, quem não estava? Todos sempre gostam de você. Resolvi ajudá-lo, mas sem falar nada sobre o nosso passado. Eu estava com vergonha de falar que já tinha sido seu amigo, mas que acabei com a nossa amizade e te fiz mal, então só fingi. Quando nossos caminhos começaram a se cruzar depois disso, cada vez mais, eu comecei a ficar ansioso. Eu sentia saudade da sua amizade, sentia saudade de passar o tempo com você e conversar, e toda vez que saíamos ou nos reuníamos com os garotos, eu queria muito me direcionar a você e conversar, como nos velhos tempos, mas você nunca esteve receptivo.
Muitas coisas aconteceram nesses últimos meses e eu comecei a me sentir muito mal porque finalmente eu estava tendo amigos, depois de tanto tempo, mas estava tudo começando a dar errado por causa do nosso passado. Eu não queria mais me sentir mal, não queria mais me excluir; eu sei que errei, mas eu quero ser perdoado, eu me esforcei muito para mudar e, mesmo que você não acredite, eu mudei muito, Sunoo. Por que eu ainda preciso ser castigado por algo de anos atrás? Por que você não poderia só me ouvir de uma vez e então a gente poderia resolver isso? Foi assim que eu comecei a pensar. E isso nem foi por causa do Sunghoon- Quero dizer, em partes a situação com o Sunghoon colaborou para isso acontecer, mas foi o conjunto de tudo, sabe? Eu não quero mais me sentir sozinho, não quero mais ficar sem amigos, não quero mais ficar achando que eu sou uma pessoa ruim. Agora eu estou quase no último ano da escola e sei que fiz besteira, mas que a culpa não foi cem por cento minha, e eu queria muito que você entendesse isso também. Me desculpa por tudo o que eu te fiz e te causei, por ter contado para minha mãe, mas por favor acredita em mim quando eu digo que não foi minha intenção.''
Jake ainda parece ter algo a dizer, mas as palavras saem com dificuldade devido às lágrimas que insistem em rolar pelo rosto dele, embargando a voz e o deixando um pouco ansioso demais. Sunoo sabe disso porque o conhece, sabe como Jake fica assim quando chora. Ele não consegue olhar para o lado, entretanto. As lágrimas há muito já começaram a rolar pelo rosto dele, ao ponto de ele estar com dificuldade para prender os soluços.
Jake não contou para a mãe dele. Se algum dia ele já se sentiu estúpido, não chega nem perto de como ele se sente agora. A pior coisa que poderia acontecer na vida dele é ele se sentir cruel e injusto, e é assim que ele está se sentindo agora. Agora, todas aquelas vezes em que ele viu Jake sozinho, isolado em cantos do castelo, parecem mil vezes pior, porque ele fez o garoto passar por aquelas coisas sem sequer escutar o que ele tinha para falar. Ele precisava descontar toda a frustração que os pais o causaram em alguém, e Jake acabou pagando o pato.
Por que você não me disse? Por que?, ele fica se perguntando, mas sabe bem que a culpa foi todinha dele. Jake quis contar, Jake tentou contar, mas ele não quis escutar. E daí que ele chegou sim a contar para alguém sobre Sunoo e Hyunmin? Ele não contou para a mãe de Sunoo, e é isso que importa. Por que Jake não o pegou pelo braço e o forçou a escutar tudo de uma vez?
Porque ele sempre foi bonzinho demais para isso.
E todas as vezes em que eu o acusei, em que eu o apontei como uma pessoa ruim...
A culpa não cabe no peito do Kim e transborda pelos olhos. Tudo não passou de um mal entendido. Jake não foi o responsável pelo castigo que os pais o infligiram. Jake tentou ajudá-lo e tentou estar ao lado dele. Jake estava sendo injustiçado durante todo aquele tempo, mas ainda se sentiu culpado o suficiente para se envergonhar do que fez. Jake poderia ter contado de imediato para os amigos de Sunoo sobre o que aconteceu, mas não o fez.
— Por que você quis me encontrar aqui? — A voz dele sai baixa e áspera por estar prendendo sons há tantos minutos. Ele tenta secar as lágrimas com a palma da mão, mas a calça do uniforme dele já tem uma pequena poça.
— Aqui é quase sempre vazio — a voz de Jake também é chorosa. — Eu descobri esse lugar logo que você se afastou de mim. Costumava passar os intervalos e fins de semana aqui, porque era estranho ficar sozinho em lugares com muitas pessoas.
— Você nunca gostou de ficar em lugares com muitas pessoas... — Sunoo se lembra. Ele sente ainda mais vontade de chorar a cada palavra de Jake.
O mais velho dá uma risadinha.
— Sim. Só ficava por você.
Tem como eu me sentir ainda mais culpado?
— A Sala Precisa... Você... Viu a porta logo que...?
— Não. Ainda demorou um pouco, na verdade. Acho que só vi a entrada da sala quando percebi que você não queria mais ser meu amigo mesmo. E isso levou tipo, um ano? Algo assim.
E Sunoo não consegue mais segurar o choro. Ele chora copiosamente, as lágrimas caindo sem restrições e ele não se importa em soltar sons desconexos em meio ao choro. Jake encontrou a sala porque estava se sentindo sozinho por causa de Sunoo, que foi egoísta o suficiente para se afastar do melhor amigo sem querer escutá-lo.
— Hyung...
Sunoo se vira para Jake pela primeira vez em toda a conversa, os olhos cheios d'água, embaçando a visão. Ainda assim, ele consegue ver que Jake está da mesma forma que ele, com o nariz avermelhado e o rosto todo molhado de lágrimas. Jake o olha com atenção, e Sunoo só se sente cada vez mais triste.
— Hyung, me desculpa — a voz sai quase suplicante. — Me desculpa por não ter te escutado, me desculpa por ter me afastado de você. Não foi culpa sua...
Jake tenta novamente secar as lágrimas e Sunoo faz o mesmo.
— Posso te abraçar? — O mais velho pergunta com a voz embargada, e Sunoo chora mais ainda.
O Kim o abraça apertado, entrelaçando os braços ao redor do pescoço dele. Jake retribui o abraço assim que o mais novo se aproxima. Eles se abraçam apertado, chorando um do ombro do outro. Sunoo segura apertado o uniforme do corvino, molhando o ombro dele com as lágrimas. Como ele sentiu falta de abraçar o mais velho, já quase não se lembrava da sensação boa que era ser acolhido pelo abraço do Shim.
— Obrigado por finalmente me escutar, Sunoo-ah... Me desculpa por ter contado pra minha mãe, de verdade.
— Hyung, você não disse nada pra minha mãe — as vozes saem abafadas dentro do abraço, mas eles não pensam em se afastar. — Eu te acusei durante todo esse tempo de uma coisa que você não fez. Tem noção de como eu estou me sentindo mal agora por isso?
— Agora você sabe da verdade, então está tudo bem.
— Não está, não. O Sunghoon hyung se afastou de você e, pelo que você disse, até o Riki ficou bravo e brigou com você, tudo porque eu fui egoísta.
— Sunoo.
Jake afasta Sunoo do abraço, ambos com os rostos vermelhos e molhados. Sunoo funga e murmura um ''o que?''.
— Você me perdoa?
— É claro que sim — Sunoo fala alto, tentando a todo custo secar os olhos que não param de lacrimejar.
— Então esse assunto está encerrado, por favor. Chega de pensar no passado.
— Eu não vou conseguir deixar isso de lado assim — Sunoo se sente envergonhado por tudo, como pode só deixar o assunto de lado?
— Eu sei que não vai — Jake sorri para o menino. — Eu errei e você acabou errando também. Pode levar algum tempo ainda para superarmos isso, mas o importante é que agora o mal entendido foi desfeito.
Jake está certo. Sunoo pode continuar se sentindo mal, mas agora não há nada que possa ser feito sobre o passado. O que Sunoo pode fazer agora é tentar se redimir com Jake, e quem sabe eles podem voltar a ser os amigos que foram um dia.
— Aquelas coisas que eu te falei no trem foram horríveis — Sunoo lembra. — Eu não pensei antes de falar. Aquilo não era eu...
— Eu fiquei surpreso com aquilo — Jake dá uma risada soprada, secando o rosto com as costas da mão.
— Foi péssimo — Sunoo murmura, se sentindo mal só de lembrar. — Você e o Sunghoon hyung... Acho que a pior parte de tudo isso, foi eu ter atrapalhado vocês dois — ele confessa, fungando um pouco.
— Deve ter sido esquisito pra você me ver com seu amigo... — Jake parece tentar entender o lado do Kim.
— Foi — ele tenta rir um pouco, mas está chateado demais consigo mesmo para isso. — Mas hyung, agora eu quero que você saiba que eu apoio muito vocês dois juntos. Mesmo. O Sunghoon hyung gosta muito de você.
— Você acha? — Jake pergunta parecendo animado, mesmo com o rosto vermelho e inchado e dessa vez Sunoo ri mesmo enquanto concorda, e isso parece deixar Jake um pouco envergonhado.
— E, se isso não for muito estranho... Eu quero saber quando foi que você começou a gostar do Sunghoon hyung — Sunoo fala olhando nos olhos de Jake, que assente com um sorrisinho. — Saber como tudo aconteceu, saber das coisas que aconteceram durante esses anos... Sabe, como a gente costumava fazer — a última parte sai murmurada, mas Jake escuta ainda assim.
— Não acho que vai ser estranho — Jake oferece um sorriso reconfortante. — A gente só precisa lembrar de como ser amigos.
Eles ficam mais algum tempo sentados, secando as lágrimas e se acalmando. Quando os rostos parecem não estar mais tão vermelhos, Sunoo é o primeiro a se levantar, batendo na calça do uniforme para tirar a poeira.
— Será que eles estão nos esperando? — Ele ajuda Jake a se levantar, o segurando pela mão, mesmo que não seja necessário.
— Com certeza sim — Jake sorri largo. — Talvez até estejam escutando tudo por trás das estantes.
Sunoo ri junto ao corvino. Ainda é estranho ficar sozinho com ele, mas ele sente que aos poucos as coisas vão se encaixar de novo e tudo pode voltar a ser confortável como antes.
Os garotos não estavam escutando tudo por detrás das estantes, para a surpresa de ambos. Eles estão próximos à entrada da sala, conversando tranquilamente. Jay está fazendo carinho nas costas de Jungwon ou Sunoo está ficando louco?
O primeiro a notar a aproximação deles é Heeseung, que os olha com curiosidade. Logo todos estão olhando na mesma direção de Heeseung, e Riki se aproxima alguns passos, os encarando de forma séria.
— E aí? — Jungwon pergunta quando os dois param perto deles. — Se resolveram? Me contaram o que rolou, Sunoo hyung, e wow.
— Você não pode ser mais delicado ao falar de certas coisas, Jungwon? — Jay briga com o garoto.
— Se resolveram? — Riki pergunta, parecendo ansioso.
— Sim — Sunoo responde um pouco sem graça, e Riki dá um suspiro de alívio audível, até chega a jogar a cabeça para trás.
— Por Merlin, ainda bem. Pensei que fosse ter que terminar uma amizade.
— Ya, garoto — Jake ri, dando um soquinho no ombro dele. — Você ia deixar de ser meu amigo?!
— Se você tivesse feito mal ao Sunoo hyung? Sim — ele responde sem pestanejar e Sunoo não consegue evitar sorrir largo, sem se importar com os comentários implicantes dos amigos ao redor.
— Como foi? — Sunghoon se aproxima de Sunoo, ainda parecendo preocupado. Sunoo sorri para ele.
— Foi tudo bem — Sunoo conta, um pouco retraído. — Agora que o Jake hyung me contou o que aconteceu, me sinto um pouco idiota...
Sunghoon o abraça apertado, quase o esmagando, enquanto os amigos começam a conversar todos ao mesmo tempo sobre a reconciliação dos dois.
— Você não é idiota, Sunoo-ah, só estava agindo demais pela emoção. Fico feliz que vocês finalmente se resolveram — o mais alto fala no meio do abraço, deixando um carinho nos cabelos pretos de Sunoo.
Depois de Sunghoon é a vez de Riki o abraçar apertado, e logo Sunoo acha engraçado como todos os garotos se comoveram com a situação entre ele e Jake, tão interessados no assunto que ainda ficam por ali falando sobre o mesmo até quase a hora do jantar.
Sunoo se sente um pouco nas nuvens; ele sente que ganhou um amigo de volta. Se aproximar de Jake ainda é um pouco esquisito e a culpa não largou do peito dele, mas ele se sente feliz por ter Jake de volta, por ter a amizade de Jake de volta. Eles podem reconstruir cada coisinha que foi destruída, juntos e sem pressa.
Toda essa história serviu para mostrar para Sunoo como a mãe dele pode ser pior do que ele imaginava. Durante todos esses anos ele lidou com a mulher da melhor forma possível, tentando deixar para trás o que aconteceu; afinal, é a mãe dele. Mas agora tudo está mais claro do que nunca e bem na frente dele. A mãe mentiu sobre Jake ter contado a ela, não pensou duas vezes antes de arruinar a amizade deles. Ela fez aquilo para machucá-lo, e Sunoo sabe disso, só não sabe o que fazer com essa informação ainda. É difícil aceitar que os pais são pessoas cruéis e que talvez não o amem como ele sempre quis pensar, mas ele vai ter que aprender a lidar com isso. Não pode passar a vida colocando a culpa nas costas de outra pessoa, quando os únicos responsáveis sãos os pais dele.
...
e finalmente o lado do jake veio !
twitter: jaysbubu
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro