Ceia de Natal com o gosto amargo do passado
ENTRE POÇÕES E PUNIÇÕES
...
— Suyeon? — Ele chama, batendo fraco na porta já aberta.
A irmã está sentada em frente ao laptop, com as pernas magricelas sobre a cadeira enquanto pressiona incessantemente os botões do mouse, com certeza jogando alguma coisa. A garota faz um sinal para que ele entre, sem tirar os olhos da tela.
O quarto da irmã é muito diferente do dele, e também diferente do que era quando eles eram crianças. Suyeon sempre gostou das cores rosa e lilás que ocupam as paredes e móveis do quarto dela, mas o cômodo também costumava estar coberto de bugigangas do mundo mágico. Agora, entretanto, os objetos mais mágicos que ocupam as prateleiras da menina são as miniaturas dos personagens dos jogos trouxas que ela gosta.
Sunoo se senta na beira da cama macia, ocupado olhando ao redor, e não percebe o olhar curioso da irmã sobre ele.
— O que foi? Quer alguma coisa? — A garota questiona o irmão, logo voltando os olhos para a tela do jogo.
— A mamãe passou no meu quarto ainda agora — ele conta, e Suyeon emite um som para que ele continue. — Ela veio me perguntar se você está interessada no Jake hyung.
Ele não sabe se a partida terminou ou se a garota perdeu de repente, porque ela fecha o jogo e vira a cadeira na direção dele rapidamente.
— De onde ela tirou isso? — A garota olha para a porta aberta do quarto, se aproximando mais do irmão para poderem falar baixo. — O que mais ela disse?
— Não disse mais nada, só chegou me perguntando isso e saiu.
— Tem certeza que foi só isso? — A garota insiste, parecendo inquieta.
— Tenho, Suyeon — Sunoo responde com uma careta confusa.
A Kim se afasta um pouco do irmão, se recostando na cadeira e parecendo séria, pensativa. Sunoo a observa girar a cadeira de um lado para o outro em silêncio por algum tempo, esperando que ela diga mais alguma coisa. Tudo bem que a pergunta da mãe foi estranha, mas ele não esperava que Suyeon parecesse assim tão afetada.
Talvez, se ela gostar mesmo do Jake...
Mas essa possibilidade soa até boba demais. Em todos esses dezesseis anos de vida ele conhece Suyeon, e em todos esses dezesseis anos de vida teve a certeza de que o interesse dela por Jake é muito longe de ser romântico.
— Você não gosta mesmo dele, né? — Ele pergunta, mas soa mais incerto do que o planejado. Suyeon o olha de forma incisiva.
— Sério, Sunoo? Você sabe melhor que ninguém sobre a minha falta de interesse pelo Jake oppa, qual é? — Ela resmunga, cansada. — Nós crescemos juntos. Toda vez que brigávamos, você lembra do que diziam? ''Não bata no seu irmão, Suyeon''. ''Você tem que dar o exemplo para sua irmã, Jake''. Nós crescemos nos vendo como irmãos, e não vai ser agora que eu vou começar a vê-lo de outra forma. Soa nojento.
Ela tem razão, Sunoo se sente meio idiota por ter cogitado a hipótese por alguns segundos. Os próprios pais dele junto aos pais de Jake os criaram para agirem como irmãos, então não faz sentido agora a mãe deles chegar com essa pergunta.
— Eu só espero que a mamãe não esteja fazendo o que eu acho que é — Suyeon fala baixo, levantando novamente as pernas finas sobre a cadeira para abraçá-las.
— O que você acha que é? — Sunoo não faz ideia do que a irmã está falando, tentando entender a expressão chateada da menina ao que ela apoia o rosto sobre os joelhos.
— Pensa um pouco, Sunoo. Os Shim são a única família bruxa que eu tenho proximidade, desde que descobrimos que sou um aborto — a palavra sai naturalmente da boca da irmã, mas Sunoo ainda se sente mal ao escutá-la. — Todos os outros se afastaram de mim e afastaram os filhos quando descobriram que eu nunca iria manifestar minha magia, porque eu não tenho nada de mágico dentro de mim.
Sunoo não consegue olhar para a irmã enquanto a escuta falando sobre isso. Ele sabe que ela foi deixada de lado assim que descobriram que ela jamais seria uma bruxa de verdade, e ele sabe como ela ficou mal com tudo isso, então ouvi-la falar assim, com tanta naturalidade, o deixa triste.
— Os Shim foram os únicos que não se afastaram. James oppa e Jake oppa continuaram vindo aqui brincar com a gente, e os pais deles não agiam de forma estranha quando eu entrava na casa deles. Quando você foi para Hogwarts e eu fiquei sozinha em casa esperando o primeiro dia de aula em uma escola trouxa, o senhor Shim veio até aqui, me deu de presente um DVD Player e me mostrou vários filmes trouxas que envolviam escolas e crianças indo para escolas, porque ele sabia como eu estava triste e com medo de ir para uma escola sozinha e diferente de tudo que eu estava acostumada.
Uma das memórias mais confusas de Sunoo é a de quando ele recebeu a carta de Hogwarts. A alegria preencheu a casa dos Kim, todos animados por saber que Sunoo iria frequentar a renomada Escola de Magia e Bruxaria em Londres, assim como Jake foi um ano antes. Em meio a tanta alegria, veio o súbito desespero. Suyeon não havia recebido a carta dela, nem de Hogwarts e nem de lugar nenhum. A irmã, diferente de Sunoo, ainda não havia manifestado a magia, mas ainda havia esperança de que ela a manifestasse em algum momento. Entretanto, a carta de Sunoo — e somente dele — foi o ponto final na situação. Suyeon era, definitivamente, um aborto, incapaz de fazer magia, por isso não tinha o nome registrado em nenhuma escola. Todos os sonhos e planos da menina envolvendo o mundo mágico; jogar quadribol voando em vassouras e fazer feitiços com varinhas específicas para ela, tudo foi anulado naquele dia. Sunoo não conseguiu se sentir feliz vendo a tristeza da irmã, e até hoje ainda se sente triste por ela, mesmo que Suyeon diga já ter superado tudo isso.
— Eu sei que os Shim sempre foram muito bons com a gente. Mas o que isso tem a ver com a pergunta da mamãe?
— Tem a ver, meu caro irmão, com o fato de que eles são os únicos sem preconceitos comigo. Bruxos se relacionarem com trouxas se tornou comum, a mamãe e o papai são exemplos disso. Mas bruxo nenhum quer se relacionar com um aborto, você sabe disso. Se tem alguém que se interessaria por um aborto como eu, esse alguém seria um Shim.
— Você não acha que a mamãe está tentando te empurrar pra cima do Jake, está? — A voz dele sai um pouco mais horrorizada e aguda do que o necessário.
— Acho — a garota dá de ombros. — O Jake oppa é um bruxo talentoso e com um futuro brilhante pela frente. Essa seria a forma da mamãe de me manter dentro do mundo bruxo... Você sabe como ela não gosta da ideia de eu algum dia ter uma família completamente trouxa.
Sunoo quer negar, mas ele sabe disso. A mãe deles é trouxa, nasceu e cresceu num mundo sem magia e nunca teve o menor conhecimento da existência deste. Quando jovens, o pai deles se apaixonou pela mulher, e foi assim que ela foi inserida ao mundo mágico. Ela não pode ver muita coisa por não ser uma bruxa, mas entende muito bem. Ela estudou bastante sobre tudo relacionado ao mundo mágico e, quando tiveram os gêmeos, ela esperou ansiosamente pelo dia em que veria os filhos manifestando a magia, assim como o marido disse que aconteceria. Quando Suyeon se mostrou ser um aborto, a mulher ficou frustrada, e desde então demonstrou imenso desinteresse pelo mundo trouxa, embora ela e o marido tenham se esforçado para inserir Suyeon nele. Para a mãe deles, Suyeon se envolver com um bruxo seria sinal de vitória.
— O que você pretende fazer? — Sunoo pergunta, imitando a posição da irmã. Suyeon dá de ombros novamente, mas está claramente abatida.
— Não tem o que fazer. Foi bom você vir falar comigo, ela não vai tocar nesse assunto perto de mim e eu não teria como saber, mas agora que sei o que ela está pensando, posso me precaver.
— Você fala como se a mamãe fosse uma inimiga... Nem sabemos se ela está planejando algo assim mesmo, ela pode ter só feito a pergunta por curiosidade...
Suyeon não diz mais nada, apenas se limita a dar um sorriso irônico para o irmão e voltar a jogar. Sunoo não pode fazer mais nada além de suspirar, se jogando para trás e deitando na cama da irmã enquanto pensa se a carta dele chegará rápido até Riki.
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O convívio dentro de casa é... diferente. É quieto e calmo, exceto pelos gritos que Suyeon solta de vez em quando do quarto dela, mas nem se comparam à barulheira do dormitório da escola em determinados dias. Ao invés de um café da manhã rodeado de amigos e conversas, em casa cada um come conforme a hora que acorda, espalhados pela casa. O almoço, sempre tão agitado e barulhento na escola, em casa é um momento quase que sagrado. A comida é servida em silêncio, somente os quatro da família sentados à mesa, e ninguém fala muito. Sunoo e Suyeon até tentam, tagarelas do jeito que são, mas são gentilmente repreendidos pela mãe, que explica aos filhos como falar à mesa é desrespeitoso. Tudo é diferente e um pouco entediante, então Sunoo começou a pensar sobre os prós e contras de toda a situação. Após muito pensar, ele só encontrou um pró: a comida tradicional coreana é a melhor de todas, ainda mais a comida caseira feita pela mãe dele. Nem todos os banquetes de Hogwarts são capazes de competir com o tteokbokki que a mãe dele faz.
Uma coisa que Sunoo não chegou a pensar antes, foi em como ele pegaria as cartas de Riki do correio. A mãe dele é sempre a responsável por pegar tudo da caixa de correio e com certeza irá perceber se cartas chegarem todos os dias. Sunoo não chegou a pensar em nada disso, mas agora é tarde demais, por isso ele passou o dia grudado à janela do quarto. Quando vê a coruja se aproximando do correio, corre para baixo. Felizmente, a mãe dele está ocupada em algum outro cômodo e não vê a carta chegando e muito menos quando Sunoo quase leva um tombo na porta de casa, escorregando na neve enquanto corre até a caixa de correio.
A coruja entregou uma única carta, vinda direto de Hogwarts. Sunoo nem precisa abrir para saber de quem é. Ele corre para dentro de casa, tomando cuidado para não escorregar na neve, e sobe correndo para o quarto. Com a porta fechada, ele se aproxima da janela e finalmente quebra o selo do envelope, o coração agitado.
Posso muito bem me divertir sozinho, mas você me acostumou mal. Agora a todo momento eu fico querendo encontrar com um hyung nanico que ri alto pelos corredores e sempre veste amarelo e preto, como uma abelha. Sabia que eu sei quando você está por perto pelo da sua risada? Você ri alto demais, mas eu gosto de ouvir. É bonitinho.
Hogwarts é entediante, tão entediante quanto a vizinhança em que eu moro na Coréia. Não sei se fica perto ou longe de onde você mora, é em Suwon. Você mora quase no mesmo endereço do Jake hyung, o que achei muito interessante. Estou desconfiado que vocês se conhecem muito mais do que eu pensei que se conhecessem. Ele insiste em não me falar nada sobre o "relacionamento" de vocês no passado, o que me deixa pensando... Que relacionamento?
Por que não poderia contar sobre mim à sua irmã? Por acaso tem algo a esconder? E por que você está me tratando como uma criança? Sei me virar sozinho.
Você me prometeu escrever cartas, então estou esperando por cartas de verdade, não cinco linhas de avisos sobre agasalhos. Escreva mais da próxima vez, no mínimo 10 linhas. Também estou com saudades de você, e você fala muito, hyung, então para compensar precisa escrever muito também.
Nishimura Riki.
Sunoo lê a carta imaginando a voz de Riki proferindo cada palavra, com aquele jeito meio birrento que ele tem — ele é o único que consegue fazer Sunoo achar tal coisa bonitinha. Como Riki pode deixar o coração de Sunoo tão acelerado com tão pouco? Saber que o menino gosta de ouvir ele falando e que genuinamente gosta do jeito tagarela dele não deveria deixá-lo ainda mais apaixonado pelo garoto. Ele fica tão bobo com a carta que mal se importa com a clara dúvida do japonês sobre ele e Jake, mas isso não é importante.
— Tá sorrindo besta assim por causa de quê? — A voz da irmã o assusta e quase que ele deixa o papel cair no chão.
Estava tão imerso na bolha criada pela caligrafia bonitinha e meio infantil de Riki que nem percebeu que Suyeon entrou no quarto.
— Não sabe o que portas fechadas significam, Suyeon? — Ele repreende a irmã, ainda com uma mão no peito e a outra colocando a carta em um dos bolsos do moletom.
A garota dá de ombros e se joga na cama. Sunoo percebe como a irmã está arrumada e com um pouco da maquiagem dos olhos borrada, e se lembra que ela estava na rua com Jake.
— Como foi o passeio?
— Legal. Jake oppa me contou sobre os novos amigos dele, mas ele não parava de falar do tal Sunghoon. Você sempre me fala desse seu amigo também, ele deve ser incrível — ela ironiza, sem esconder o desinteresse pelo rapaz.
— Ah, é? E o que ele falou do Sunghoon hyung? — Os dedos vão a boca inconscientemente pelo nervosismo repentino, prestando atenção às palavras da irmã.
— Ah, ele falou tanto que eu não vou lembrar de tudo. Mas ele falou de como eles gostam das mesmas coisas e têm a mesma opinião sobre praticamente tudo, como eles gostam dos mesmos jogadores de quadribol e como eles querem ir à Copa Mundial de Quadribol. Eu até acho que ele tá interessado por esse menino. Tipo, interessado mesmo.
Sunoo quase engasga, mas engole o nó na garganta.
— Por que você acha isso? — Ele pergunta no tom mais sonso que consegue.
— Porque você sempre fala desse garoto, mas o jeito que o Jake oppa fala dele é diferente. Ele fala dele da mesma forma que o papai fala sobre o emprego, sabe? Os olhos brilhando. Qual é, vai dizer que nunca percebeu isso?
Sim, Sunoo não é idiota ao ponto de não perceber que algo estava acontecendo, que aquilo entre os dois estava se tornando mais que uma amizade incrível, mas ele tem ignorado isso o máximo que pode.
— Eu ando mais com o Sunghoon hyung, e a gente não fala muito sobre essas coisas. — Sunghoon até que fala demais sobre Jake, mas desde que Sunoo confessou sobre o desagrado em relação ao corvino, Sunghoon tem evitado tocar no nome dele, o que agora está levando a Sunoo pensar se tem sido um amigo muito ruim. Porque, se Sunghoon estiver mesmo interessado em Jake, ele não vai falar para Sunoo pois Sunoo deixou claro que não quer saber de nada sobre a vida do Shim.
— Por que você e o Jake oppa se afastaram tanto? Vocês eram tão amigos... — Suyeon interrompe os pensamentos desesperados de Sunoo, jogada sobre a cama do irmão, que permanece de pé próximo à janela tentando não surtar.
— Essas coisas acontecem. A gente cresceu, fizemos novos amigos...
— O Jake oppa me parecia bem solitário até o semestre passado — a garota o corta, a mente divagando. — Ele nunca falava sobre amigos, só sobre a escola e os estudos, e me ouvia falar sobre minha vida chata e entediante. Agora ele parece tão animado, como se esse tempo todo ele estivesse sozinho naquele castelo...
Algo dentro de Sunoo se contrai, apertando forte lá no fundo, e não é em nenhum lugar físico do corpo. Ele sabe que sentimento é esse; o sentimento de culpa que o persegue por todos esses anos desde que a amizade deles foi rompida. Ver Jake sozinho, amuado pelos cantos e sem ninguém para conversar nunca o deixou se sentindo bem. Ele não queria mais a presença de Jake, não queria mais nem olhar para Jake, mas também não queria vê-lo mal. Ele tentou evitá-lo, tentou esquivar dele o máximo que pôde durante cada dia dentro daquela escola, mas às vezes tudo o que ele queria era gritar com Jake e dizer para que ele parasse de agir daquela forma, que ele se levantasse daquele banco solitário que ele sempre ocupava em cada intervalo de aulas e fosse fazer novos amigos, que tentasse ser um bom amigo para alguém. Quando Sunoo viu que o impensável estava acontecendo e que Jake estava se aproximando dos amigos dele, se sentiu muito egoísta por querer afastar todos do Shim, como se fosse o culpado por cada dia de isolação dele.
— Não sei da vida dele, não somos mais amigos como antes. — Sunoo quer encerrar a conversa, não sabe porquê Suyeon insiste em ficar falando de Jake tendo tanta coisa para falar. — Quero te contar uma coisa...
— Que coisa? — A menina senta na cama, os cabelos compridos bagunçados ao redor do corpo.
— Uma coisa que não pude contar antes... — Ele dá um sorrisinho, e a irmã não precisa de mais nada para entender o que vem depois.
— Sótão? — Ela pergunta, já se levantando da cama.
— Sótão.
As paredes da casa têm ouvidos, mas as do sótão são protegidas pelo feitiço abaffiato* que Sunoo lançou — sem o conhecimento dos pais, que nunca entendem o motivo de não se escutarem quando um está lá em cima e o outro no andar de baixo, o que sempre deixa os gêmeos se esforçando muito para não rir e entregar tudo.
Os dois tomam cuidado ao subir as escadas de madeira e, quando finalmente a porta se fecha, Sunoo pode contar tudo para a irmã. Suyeon escuta atenta cada detalhe sobre como Sunoo acabou apaixonado pelo menino, sobre como ele é lindo e carinhoso e como ele terminou pedindo o menino em namoro da forma mais desajeitada possível, rindo alto do irmão e implicando com ele o máximo que pode, falando que é a cara do irmão se meter em uma relação de enemies to lovers e que ela nem está assim tão surpresa — mas mesmo assim procede em perguntar cada detalhe de como é o tal japonês alto e de fios descoloridos.
Sunoo se sente acolhido podendo ter esse tipo de conversa com a irmã novamente, só eles dois juntos trocando confissões, como sempre foi. Ele sabe que mesmo quando tudo der errado e ele não souber o que fazer, Suyeon estará ao lado dele para apoiá-lo e ajudá-lo com o que for.
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Os dias gelados passam lentos como a neve que cai incessantemente do lado de fora da casa. O ambiente do lar não deveria ser tão esquisito após tantos dias, mas Sunoo ainda não se sente confortável o suficiente para andar pela casa fazendo coisas comuns do dia a dia, então ele se limita a ir do próprio quarto ao quarto da irmã na tentativa de se distrair.
As memórias que o lugar o faz relembrar são frequentes, e toda vez que ele chega perto da janela do quarto e os olhos caem sobre a casa da frente ele se sente viajando no tempo.
— Cadê a Suyeon? — O menino mais velho perguntou assim que Sunoo se aproximou, dando espaço no banquinho de pedra para o mais novo sentar ao lado dele.
— Não quis sair de casa, disse que só sai depois que manifestar a magia dela.
— Ela ainda tem muito tempo, não precisa ficar assim.
O braço do mais velho envolveu os ombros do Kim, o apertando gentilmente. As palavras doces do mais velho mostravam como ele podia ver a forma como Sunoo estava preocupado com a irmã.
— Eu sei, mas... Eu acho que minha mãe está preocupada também...
— Por que acha isso?
— Ela fica perguntando se a Suyeon conseguiu fazer alguma coisa, e agora ela pergunta isso quase todos os dias...
Jake não falou nada por um momento, parecendo avaliar o caso.
— Sua mãe também deve estar ansiosa, só isso.
E Sunoo queria muito acreditar nas palavras do mais velho, queria de verdade, mas toda vez que via o desapontamento nos olhos da mãe quando Suyeon estava por perto ele sentia que era mais que ansiedade o que a mãe estava sentindo.
— Sim, mas... Não conta pra ninguém que a Suyeon ainda não conseguiu, tá?
— Por que?
— Porque ela fica triste com isso.
— Não acho que os outros se importariam com isso...
— Eu não sei, mas não conta pra ninguém, tá bom?
— Claro, você sabe que pode confiar em mim, Sunoo-ah.
— Por que você contou?!
— Contei o quê?
Jake parecia ter sido pego de surpresa, e realmente foi, já que o pequeno Sunoo invadiu o quarto dele no meio da manhã como um mini tornado. Jake não sabia o motivo de tudo aquilo, mas as bochechas vermelhas e infladas de Sunoo não eram um bom sinal.
— Você contou pra todo mundo que a Suyeon ainda não consegue fazer magia! — A voz do menino de dez anos era aguda e alta, mas Jake não pareceu se irritar. Pelo contrário, ele se aproximou do menino mais novo como quem se aproxima de um gatinho de rua, cuidadoso e com um olhar terno.
— Eu não contei de propósito, Sunoo-ah. — Ele disse de forma calma, chegando mais perto do menino. — Nossos amigos querem jogar quadribol e queriam a Suyeon no time, e eu disse que ela ainda não pode jogar. Eles sabem que nós dois já sabemos montar em vassouras e quiseram saber porquê a Suyeon não faz o mesmo e eu falei sem querer que ela ainda não consegue, mas ninguém se importou, eu juro!
O pequeno Sunoo não queria saber de nada, estava bravo e magoado pela irmã, não aguentava ver a menina triste e nem ninguém falando coisas ruins sobre ela.
— Podem não ter falado na hora, mas agora a senhora Min tá lá em casa falando com a mamãe e dando dicas pra fazer a Suyeon manifestar a magia logo, junto da filha dela. — O menino falava nervoso, sem deixar Jake se aproximar. Se a senhora Min já sabe, significa que os amigos deles saíram falando para todo mundo e agora todos os poucos bruxos do pequeno bairro sabem. — A Suyeon começou a chorar e foi pro quarto, porque a filha da senhora Min perguntou se ela é um aborto!
— A filha da senhora Min é chata e sem noção, Sunoo, claro que a Suyeon não é um aborto!
— Mas é o que todos vão começar a falar que ela é. — O menino encostou as costas na parede, o bico bravo aos poucos se transformando em um bico triste.
— Não vão, não, eu não vou deixar, está bem? — Jake conseguiu, finalmente, chegar perto do corpo diminuto sem que Sunoo se esquivasse. Aproveitando do fato de ser maior que o menino, afagou os cabelos negros dele, pedindo para que o menino o olhasse. — Vou falar com o James hyung, e se alguém chamar a Suyeon de aborto vai ter que se ver com ele. Você confia em mim?
E Sunoo confiava, é claro. Confiava em Jake de olhos fechados, sabendo que o amigo jamais faria nada para prejudicá-lo ou prejudicar a irmã.
— Confio, hyung.
Sunoo afasta os pensamentos com um suspiro, cobrindo a janela com a persiana e sentando-se à frente do computador, ignorando o eletrônico por completo e focando na caixinha amarelo-claro onde ele vem guardando todas as cartas que Riki o envia.
Para a surpresa dele, Riki se mostrou alguém muito dedicado, que escreve cartas longas e com uma letra cuidadosa. O menino também deixa alguns desenhos nos cantos das folhas, pequenas imagens de varinhas e frascos de poções que enfeitam o papel pálido de carta. Na última, Riki desenhou um bruxinho com frascos de poções nas mãos, rodeado de estrelinhas. Com setinhas apontadas para o desenho, ele escreveu ''Sunoo hyung, futuro mestre de poções de Hogwarts''. O desenho deixou Sunoo rindo alto, lendo e relendo o hangul do japonês, e então escreveu de volta para ele, com um sorriso cortando o rosto, dizendo que não pensa em ser mestre de poções, mas que se Riki quiser, pode ajudá-lo como professor particular.
Ele espera que Riki também esteja guardando as cartas dele, assim como está guardando as que o menino envia. Talvez, lá em Londres, Riki também se conforte com as cartas, relendo cada uma antes de dormir e pedindo para ter bons sonhos com Sunoo, assim como Sunoo pede para ter com o loirinho.
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As luzes ao redor das casas, as músicas alegres e a rua cheia de bonecos de neve indicam que o Natal chegou. Sunoo começou a ler um livro trouxa que Suyeon o indicou, chamado Boneco de Neve, e olhar para fora de casa e ver um boneco de neve bem grande na frente da casa dele não é lá a melhor das visões.
— Sunoo, vem ajudar a mamãe. — A voz gentil da mãe o faz parar de encarar fixamente a escultura medonha.
— Estou indo.
O jantar de Natal será, sem sombra de dúvidas, mil vezes pior que o tal jantar de boas-vindas. Além do momento à mesa, também terá o momento da troca de presentes, o momento em que todos sentarão ao redor da lareira e ficarão conversando, e Sunoo terá que ouvir mais comentários sobre relacionamentos, sobre profissões e tudo o mais sobre o futuro que ele não tem o menor interesse agora, ainda mais depois de saber que os pais estão planejando cada passo da vida dele após a escola — a qual ele ainda sequer terminou.
— James vem para a ceia — a mãe comenta, um sorriso satisfeito enquanto prepara a massa do tteokguk*. — Ele terminou a escola e permaneceu no Japão, está se dedicando aos estudos, diz que quer estudar o suficiente Engenharia Bruxa e se especializar em Transportes Mágicos...
Sunoo foca em cortar a batata doce, se mantendo em silêncio enquanto a mãe fala sem pausas. A mulher adora comentar sobre as vitórias e conquistas de jovens com idade semelhante à dele, para incentivar Sunoo a estudar também. Ela acha que dá muito certo; tem como filho um prodígio, melhor aluno em diversas matérias e nunca teve reclamações do desempenho dele. A realidade é que Sunoo gosta, sim, de estudar, mas não se vê lutando por um emprego em Hogwarts ou no Ministério da Magia ou em qualquer outro lugar; ele ainda não descobriu o que quer fazer, e essa pressão da mãe em cima dele é meio chata, mas ele não é capaz de interromper a mulher que fala sempre com tanto gosto sobre o filho inteligente que tem.
— Sunoo, quero que você faça um teste de MBTI — Suyeon entra na cozinha falando, interrompendo sem querer a mãe.
— Um teste de quê? — Sunoo olha para a irmã com uma expressão confusa.
— É tipo um teste de personalidade, ele analisa suas características e preferências e no fim te dá um resultado... — A menina tenta pensar um pouco melhor. — É tipo um Chapéu Seletor — ela estala os dedos animadamente. — É o Chapéu Seletor dos trouxas. Minha ''casa'' é a dos diplomatas — ela ri, animada com o tal teste, e Sunoo se interessa também. — Meu teste deu ENFP, que significa que sou extrovertida, intuitiva... Espera, deixa eu ver o que significa o F mesmo...
A garota pega o celular para fazer a pesquisa, e Sunoo acaba se distraindo demais olhando na direção da irmã e acaba quase cortando um dedo.
— Ahh!
— O que foi? — Suyeon levanta o rosto do celular, preocupada com o guincho dolorido que o irmão solta.
— Quase arranquei meu dedo — ele resmunga, correndo para colocar o dedo sangrando sob a água corrente da pia.
A mulher mais velha, que se manteve silenciosa até então, solta um bufar de desagrado.
— Suyeon, não está vendo que eu e seu irmão estamos ocupados preparando o jantar? — A mulher repreende a menina, ríspida. — Não o atrapalhe com coisas trouxas agora, por favor. Vá ver se os Shim precisam de ajuda com algo, converse um pouco com James e o dê as boas-vindas.
Sunoo pode ver a forma como Suyeon murcha, os ombros curvados e a expressão magoada quando ela vira as costas para sair da cozinha. Então ele olha novamente para a mãe, que se mantém concentrada no tteokguk.
— Filho? — Ela olha para ele, amável. — O dedo está doendo muito? — O olhar dela cai para a mão do garoto, ainda debaixo d'água.
— Não, só ardendo um pouco — ele se apressa em fechar a torneira e voltar ao que estava fazendo.
A mulher logo volta a falar, na mesma animação de antes, e ele se limita a sorrir e assentir, emitindo sons de concordância e perguntando porquês quando necessário. Quer terminar de uma vez para ir falar com a irmã e ver que tal teste seletor é esse, ou seja lá o que é aquilo.
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A noite cai e as preparações do jantar estão terminadas. A família inteira está se arrumando para receber os Shim. Sunoo está quase totalmente arrumado, só precisa calçar os sapatos, e Suyeon ainda está terminando de fazer a maquiagem dos olhos, mas os dois estão reunidos no quarto da garota conversando.
— Você não pode ler o que você tá marcando em voz alta, Sunoo — a ruivinha reclama, o rosto quase grudado ao espelho na tentativa de enxergar melhor o delineado que está fazendo.
— E por que não? — Ele pergunta, sentado de qualquer jeito na cadeira do computador.
— Porque é pra responder com sinceridade, sem mentiras — ela fala o óbvio, a voz baixando de tom ao que ela se concentra ainda mais para não errar o traço. — Porcaria. — O resmungo sai quase como um rosnado quando o traço sai torto.
— E por que eu mentiria? — Sunoo pergunta mais para si mesmo, não querendo atrapalhar a concentração da irmã.
Pelos sons e vozes vindos do andar de baixo, Sunoo imagina que os Shim tenham finalmente chegado, mas não pode se importar menos.
— Acho que terminei — ele senta na cama, ajeitando o moletom para não ficar amassado.
— Deu o quê?
— Ativista, ENFP — ele lê o que está escrito, e Suyeon vira a cadeira para o olhar o irmão, com apenas um olho maquiado, o que dá a impressão de que um é menor que o outro e Sunoo ri.
— É o mesmo que o meu! — Ela parece genuinamente feliz com isso.
— E o que isso significa?
— Que nós somos o melhor tipo de personalidade entre os 16 existentes — a garota parece convencida e Sunoo dá uma gargalhada alta, debochando da irmã.
— Oi?
A voz na porta do quarto chama a atenção dos gêmeos.
— Me pediram pra chamar vocês pra descer — o rapaz diz com um sorrisinho de canto.
James é um rapaz alto e esguio, então embora já seja muito forte, a quantidade de blusas que ele veste o deixam parecendo mais forte do que realmente é.
— Já vou — Suyeon avisa, voltando a maquiar os olhos.
A irmã viu o garoto mais velho logo que ele chegou, mas Sunoo estava ocupado ajudando a mãe e nem falou com o garoto que não vê desde o ano passado, já que James não estava na Coréia durante as férias no meio desse ano. Ver o garoto alto dá o mesmo sentimento bom de família de ver Suyeon.
Eles descem e Sunoo cumprimenta a todos, o que ele percebe ser bem pior, pois têm que ir até Jake falar com ele por estarem na frente dos outros. Jake também parece desconfortável com a interação.
Os mais velhos não cansam de falar sobre empregos, e o coitado do James não consegue sequer conversar direito com o irmão sem ser interrompido com perguntas sobre a faculdade, e nem Jake parece mais estar aguentando o assunto, já que parece ter desistido de conversar e foi para perto de onde Sunoo e Suyeon estão.
A garota ainda está tagarelando sobre o tal do MBTI quando o Shim se aproxima e senta no mesmo sofá que eles, ao lado da menina.
— O que vocês estão fazendo? — Ele sorri para os dois, se mostrando interessado quando a garota o mostra o celular com o site do teste aberto. — Você já fez, Sunoo? — Ele pergunta diretamente ao mais novo, e Sunoo apenas assente.
O que Jake está fazendo? Por que ele está forçando uma aproximação, de repente?
Suyeon procede em obrigar Jake a fazer o tal teste também, e Sunoo tenta ignorar o fato de que Jake está a todo momento tentando puxar algum assunto com ele. O jantar ainda nem começou e a tortura já está iniciada? Qual o problema de Jake hoje?
— Seu celular não para de tremer — Suyeon aponta para o bolso da calça da Jake, que não para de vibrar de contra a pele da perna da menina, os três estando sentados espremidos em um pequeno sofá de dois lugares, que tranquilamente acomodaria os três se Jake não estivesse grudado aos gêmeos.
— Ah, são os meninos — Jake sorri para a tela do aparelho enquanto lê alguma coisa, e Sunoo só sabe disso porque ele está olhando para Suyeon e a irmã está entre eles dois. — Ah, Sunoo — ah não — os garotos estão querendo sair depois do ano novo, já tá sabendo?
Claro que eu estou sabendo, eu sou amigo deles há muito mais tempo que você e com certeza eles já falaram comigo, agora pare de puxar assunto antes que-
— Sim, Sunghoon hyung já tinha falado comigo — ele se obriga a olhar no rosto de Jake para falar, e o garoto parece muito feliz, o olhando como sempre o olhou quando eram menores.
— E você vai? — E você não vai parar de falar comigo? Suyeon, pela memória de Merlin, fala alguma coisa, pode ser até sobre esse tal MBTI!
— Não sei...
— Eu até pensei em chamar o Riki, mas ele ainda vai estar em Hogwarts e não vai poder sair... — Jake parece chateado com a falta da presença do mais novo, mas Sunoo fica alerta apenas com a menção do nome do garoto, olhando disfarçadamente para a mãe, que ri no meio de uma conversa com os outros adultos. — Estou sentindo falta dele, nem posso imaginar como você está se sentindo — o garoto solta assim, em alto e bom tom para quem quiser escutar e Sunoo arregala tanto os olhos que sente que eles vão saltar para fora, mas Jake parece não perceber e continua falando. — Ele me contou por cartas que vocês estão se correspondendo também, vocês passaram esse último mês juntos e ter que se separar por alguns meses deve estar sendo muito ruim... — Jake parece não se importar com o tom de voz que está usando e com o fato de que há outras pessoas, os pais de Sunoo, bem ali a poucos passos dele, podendo escutar tudo se quiserem prestar atenção. Sunoo está suando frio, o coração errando algumas batidas, e Jake parece não perceber, parece não entender os sinais na expressão apavorada do Kim, como nunca entendeu. Ele nunca entendeu o desespero de Sunoo quando o assunto é esse. Mesmo depois de tudo o que aconteceu, Jake está fazendo esse tipo de coisa de novo, como se não se importasse, e isso mostra que ele não se importa mesmo. — Deve ser muito ruim namorar à distância.
Essa é a gota d'água para Sunoo, que se levanta do sofá num pulo e sai da sala de estar sem se importar se tem alguém olhando. Ele vai para o corredor próximo da escada, afastado de todos, onde pode finalmente respirar. Estava começando a se sentir sufocando, ele pode ver nitidamente a cena de tudo indo pelos ares em questão de segundos apenas por causa da boca imensa de Jake, de novo, e isso o deixa sem ar como se ele estivesse sendo estrangulado.
— Sunoo?! — A voz preocupada da irmã o chama, mas assim que ele se vira, dá de cara com Jake sendo a sombra da garota, a expressão pateticamente contorcida no que ele chama de preocupação. — Sunoo-ah, tá tudo bem? — A menina percebe como ele ficou pálido de repente e como está afastando a gola do moletom do pescoço como se o clima estivesse quente — o que não é o caso.
— Foi pelo que eu falei? — Jake se aproxima de onde Sunoo está, mas isso só irrita o Kim. — Eu falei baixo, ninguém ouviu...
Sunoo quer muito saber como Jake pode garantir que ninguém ouviu, quando qualquer um no cômodo pode ter escutado perfeitamente Jake falar sobre o namorado de Sunoo, alto e despreocupado.
— Falou baixo? — Sunoo tenta controlar o tom da voz, mas acaba saindo quase como um rosnado por entre os dentes. — Para início de conversa, por quê você estava falando sobre isso?
Suyeon parece um pouco ansiosa entre os dois rapazes, sem saber o que fazer. Sunoo pode sentir isso, mas ele também está de saco cheio do teatro de Jake.
— Como assim? — Ele ainda é sonso em continuar com a expressão de desentendido-preocupado.
— Por que você está falando sobre mim e o Riki? Desde quando conversamos sobre esse tipo de assunto? Desde quando conversamos?
— Eu falei sobre o Riki porque não pensei antes de falar sobre meu amigo — Jake parece ofendido, mantendo a voz baixa.
— Pois deveria pensar — as palavras saem como balas, uma sobrancelha erguida e um sorriso de escárnio ocupando os lábios do Kim, em uma forma de contornar a raiva. — É até um pouco estranho, você pensa tanto ao ponto de ser o número um da Corvinal, mas não consegue pensar antes de abrir a boca no meio do jantar de Natal na hora de falar sobre algo que sabe muito bem que não deveria estar falando?
— Gente, não vão começar com essa coisa de misturar assunto de escola de bruxaria porque eu não entendo nada — Suyeon tenta interferir, tocando no braço do irmão gentilmente. — Vamos nos acalmar e voltar pra sala...
Mas Jake parece afetado com as palavras de Sunoo e não está interessado em encerrar o assunto.
— Me desculpa se eu não falei baixo, não foi minha intenção, mas você não pode me acusar de não pensar. A Suyeon já sabe, de qualquer forma, e obviamente ela foi a única que me escutou além de você...
— Como assim a Suyeon já sabe?!
Sunoo contou à irmã sobre Riki há alguns dias, mas Jake não teria como saber disso. Suyeon não é de ficar comentando sobre essas coisas com ninguém, ainda mais que Sunoo pediu para a irmã não abrir a boca sobre o assunto fora das paredes do sótão. Por isso, o olhar culpado que a irmã o lança parece um pouco suspeito.
— Calma, Sunoo... — O rosto fofo da irmã parece ainda mais redondo com o bico culpado que ela faz. — Eu...
— Eu comentei com ela sobre você e o Riki, pensei que você já tivesse contado...
Sunoo sente que pode explodir a qualquer momento. De verdade. Ele pode a qualquer momento se jogar em cima de Jake e afundar o rosto cínico dele no carpete.
— Então você contou pra minha irmã sobre o meu namoro com o Riki, algo que não te diz respeito? Então quando eu fui te contar, você já sabia? — Ele faz a última pergunta diretamente para a irmã, que parece ainda mais culpada.
— O Jake oppa comentou rapidinho, foi sem querer! Ele parou de falar na hora que viu que eu não sabia de nada ainda, você que me contou praticamente tudo!
Sem querer, sem querer, sem querer! Sunoo está cansado de ouvir isso.
— Mas o mais importante foi ele quem contou, enquanto eu ainda me preocupava se o Riki iria querer que eu contasse ou não!
— Por que o Riki não iria querer?
— Não interessa! Ele poderia não querer, ele é meu namorado e eu não estou nem aí se ele é seu amigo, você não tinha o direito de supor coisas sobre a vida dos outros! Você não cansa de fazer isso? — Sunoo sussurra de forma gritada, o rosto quente de raiva.
Jake parece não entender mesmo que nem todo mundo se sente confortável em ter certos detalhes da vida expostos assim, de forma tão desleixada. Talvez Riki não quisesse que outras pessoas soubessem do namoro recente deles, talvez o menino tivesse alguma insegurança sobre isso, e Sunoo não se importa se Jake é amigo do menino há sabe-se lá quanto tempo, isso não o dá o direito de supor nada sobre a vida e as escolhas do mais novo.
— Por que você não pode falar uma frase sem fazer menção ao que aconteceu no passado? — Jake parece finalmente se irritar, o que é praticamente um evento de tão raro que é, mas Sunoo pouco se importa.
— Porque eu nunca vou esquecer o que você fez.
— Eu já te pedi desculpas! — Agora Jake parece genuinamente ofendido e estressado ao mesmo tempo. — Já chorei e te pedi desculpas uma centena de vezes, mas você não quis acreditar em mim!
— Não acreditei mesmo — Sunoo praticamente cospe as palavras. — E nem vou acreditar. E, a cada dia que passa você só mostra mais ainda como você não muda, você continua fazendo as mesmas coisas, sempre ''sem querer'' e sem pensar em nada.
— E você continua sendo injusto comigo! Continua não me deixando falar, continua me evitando, você finge que eu não existo, Sunoo! — A postura de Jake não é mais preocupada, agora ele parece pronto para uma briga, para tirar satisfações.
— Porque pra mim você não existe! — Sunoo não pensa nas palavras antes de proferí-las. — E quer saber mais? Se eu pudesse viveria bem longe de você e afastaria todos os meus amigos de você também.
As palavras do mais novo parecem atingir Jake fisicamente, já que a postura dele muda, mostrando como ele ficou abalado.
— Como é? — A voz parece incrédula, saindo tremida, e Sunoo sabe que ele pode chorar, ele sempre chorou fácil.
— Isso mesmo. Eu amo os meus amigos e não quero para eles o que você fez comigo. Ninguém merece uma amizade desse tipo.
Finalmente o pensamento que veio rodeando a mente dele pode ser colocado para fora, finalmente. Ele sempre se sente culpado quando pensa sobre isso, mas não aguenta mais guardar para si.
— Você não sabe do que está falando. — Jake diz, sério, os olhos fixos nos de Sunoo. Suyeon nem se move ao lado deles, parecendo uma estátua apavorada.
— Sei sim. — Ele diz, convicto. — Você me traiu, me machucou, por sua culpa minha vida virou uma grande merda e tudo o que você fez foi pedir desculpas e falar que não sabia, que não imaginava, mesmo eu tendo te falado sobre aquilo tantas vezes, te implorado tantas vezes para não fazer aquilo, mas você supôs, você ''pensou que'', então você sem querer fez exatamente a única coisa que eu tinha te implorado pra não fazer. — Sunoo dá ênfase em cada palavra, soando tão machucado quanto realmente está, mesmo após alguns anos do ocorrido. Ele não é de guardar rancor, mas Jake conseguiu ser uma exceção.
O mais velho não diz nada por algum tempo, olhando no fundo dos olhos de Sunoo. Os dois se olham, como que conversando pelos pensamentos. Sunoo sabe como Jake se sente, nem toda a distância do mundo pode mudar os anos de amizade que eles tiveram, conhecendo perfeitamente um ao outro. Ele sabe que Jake também sabe como ele está se sentindo.
Tudo o que eles tinham para dizer, já foi dito, então por quê Sunoo ainda sente um nó na garganta? Por que ele ainda quer chorar e espernear e falar para Jake o quão machucado ele está, como foi difícil para ele saber que o melhor amigo dele era um traidor? Por que ele continua se preocupando com os sentimentos de Jake, com o que Jake está pensando, mesmo depois de tudo que o mais velho o causou? Isso não é justo.
— Eu já me desculpei e tentei me explicar, nessa mesma data, três anos atrás — a voz de Jake sai baixa e falhada, Sunoo precisa se esforçar para escutar. — Você não quis me ouvir desde então. Eu não posso falar com quem não me escuta.
— Eu sempre escutei suas explicações, seus pedidos de desculpas — Sunoo funga, e nem percebeu quando começou a lacrimejar. — Mas, o que você fez não pode ser consertado com um pedido de desculpas, e você sabe disso. Eu não queria explicações, eu queria que você tivesse feito o que eu pedi, tivesse confiado em mim e no que eu te disse, da forma que eu sempre confiei em você.
— Sunoo... — Suyeon pega a mão do irmão, Sunoo seca uma lágrima.
— A única coisa que eu quero falar pra você — Sunoo volta a falar, olhando bem para o mais velho. — é para que você não se meta na minha vida. Não fale sobre mim e nem sobre as coisas que eu faço. Nós não somos mais amigos, não passamos de conhecidos.
Sem olhar mais uma vez para as lágrimas de Jake, Sunoo sai de perto, indo em direção ao banheiro da casa. Suyeon ainda fica para trás, sem saber o que fazer, tendo os dois garotos chorando e sem entender o motivo da briga, mas por fim prefere ir atrás do irmão, lançando um olhar de desculpas ao Shim enquanto vira as costas para acudir Sunoo.
Era um dia fresco, assim como todo fim de inverno. O dia estava ótimo para ficar na rua, conversando e me divertindo com meu amigo. Eu estava ansioso para a volta às aulas que finalmente retornariam em alguns dias, para ver novamente meus amigos, mas Jake hyung não parecia tão animado assim. Ele sempre foi legal, mas péssimo em fazer amigos — os únicos que ele tinha eram os aqui do bairro, mas paramos de falar com eles desde que descobriram que Suyeon é um aborto e eles passaram a ter vergonha de ser amigos dela. Em Hogwarts ele só fala comigo, mesmo que muita gente se aproxime dele também.
— Vou tentar entrar pro time de quadribol — Jake disse um pouco pensativo, jogando pedrinhas para o meio da rua.
— Com certeza você vai conseguir, hyung — eu disse, aproveitando a brisa fria.
— Você deveria tentar também.
Eu fiz uma careta. Eu? Jogando quadribol? Mas nem sendo pago.
— Tentar só para ser recusado assim que vissem como eu monto feio numa vassoura — eu revirei os olhos para a ideia boba.
— Ninguém acharia que você fez feio, Sunoo-ah — ele riu, colocando o braço ao redor dos meus ombros como sempre fez para me consolar por qualquer motivo. — Eles gostam de tudo o que você faz. Inclusive, percebi que algumas meninas andaram se confessando para você...
Eu nem precisei olhar para ele para saber que estava com aquele sorrisinho convencido de quem sabe alguma coisa que não deveria.
Ouvi-lo falando sobre aquilo me deu a vontade de contar que eu não estava interessado em nenhuma daquelas meninas, porque eu não me interesso por meninas no geral. Sabia que ele não se importaria. Ainda éramos muito novos, mas eu já sabia bem do que gostava e do que eu não gostava, e garotas sempre estiveram na última categoria.
Assim que entrei em Hogwarts, me surpreendi um pouco com as coisas que eu vi. Onde moro tem alguns bruxos, mas a maioria das pessoas são trouxas — assim como minha mãe —, então tive uma criação muito diferente que a maioria dos bruxos. Mamãe sempre me ensinou as coisas da forma como ela aprendeu no mundo trouxa, sobre Deus, a Bíblia e os princípios cristãos, então eu sempre soube que ser como eu sou é errado — que minha mãe acha errado. Por isso, entrar em contato com um lugar onde há somente bruxos foi um choque para mim — eles acham normal homens se relacionarem com homens e mulheres se relacionando com mulheres?! Eu sabia apenas algumas coisas sobre outros bruxos, já que fui educado em casa até os onze anos e meu contato com outras pessoas era limitado, então a minha realidade era apenas a que minha mãe me ensinou.
Ao chegar em Hogwarts, fiquei muito feliz quando descobri que eu não seria tratado mal caso alguém soubesse como eu sou e que ninguém me olharia feio nem me discriminaria por isso, o sentimento de acolhimento foi imenso — e ninguém precisou me dizer palavras bonitas para que eu me sentisse assim.
A única pessoa que sabia do meu gosto por meninos era a minha irmã. Ela estava tendo que lidar com a adaptação no mundo trouxa, e por vezes me contava que muitos trouxas já não se importavam mais se a pessoa era homossexual ou não, e que isso que a mamãe sempre nos falava sobre o mundo trouxa e o jeito que os trouxas pensam ser muito diferente do dos bruxos já quase não fazia mais sentido. Nossa mãe era uma mulher adulta, não era nenhuma idosa, mas eu entendia que ela mantivesse os valores que aprendeu desde a infância e que quisesse nos ensinar as mesmas coisas, pois era o que ela pensava ser o correto. Mesmo assim, às vezes eu ainda me pegava pensando... Como será que ela reagiria se soubesse quem eu realmente sou? Mas logo afastava o pensamento, pois nunca iria arriscar tentar falar sobre isso para ela.
— Por que você nunca fala sobre elas comigo? — Jake me perguntou, não soando chateado nem nada, mas sim curioso. — Você sabe que pode me contar esse tipo de coisa, não precisa ter vergonha.
Eu queria muito contar algo, mas não era o que ele estava imaginando.
— Eu quero mesmo te contar uma coisa, Jake hyung... — Eu disse baixinho, pensando se diria aquilo ou não.
— O que é? Pode contar, Sunoo-ah.
E foi quando eu resolvi contar pela primeira vez que eu gostava de meninos e somente de meninos para alguém que não fosse minha irmã. A reação dele foi tão natural que parecia que eu havia acabado de contar que eu era um ser humano, tanto que ele apenas me respondeu com um ''ah, eu também, mas por que você está desse jeito para me falar isso?''.
Jake veio de uma família sangue-puro, então para ele esse tipo de coisa era mais que comum e ele não estava acostumado com a homofobia do mundo trouxa da mesma forma que eu estava.
— É que a minha mãe não pode saber disso, hyung — eu tentei explicar, e ele me olhou com curiosidade. — Os trouxas não acham que ser gay é normal, e minha mãe também pensa assim...
— Claro que não, Sunoo-ah — Jake sorriu um pouco, contrastando com minha expressão séria, preocupada. — Ela é sua mãe e é muito legal, eu duvido que ela fique chateada por uma coisa dessas.
— Você não entende, hyung — eu insisti. — Isso é sério. Em casa, ela sempre nos ensinou sobre a bíblia e a palavra de Deus, e sempre deixou claro que meninos gostarem de meninos é pecado.
— Mas ela te disse mesmo isso?
— Não dessa forma, mas ela comenta às vezes...
— Isso é coisa da sua cabeça, Sunoo-ah. Sua mãe te ama, e com certeza ela sabe que para os bruxos isso é normal, e deveria ser para os trouxas também. Tenho certeza que ela não se importaria.
Eu queria muito, mas não tinha certeza daquilo. Eu estava com um peso imenso nas costas, mas não queria contar para Jake. Desde que Suyeon se mostrou sem magia, minha mãe parecia estar mais focada em mim, eu sentia isso. Ela parecia interessada em tudo o que eu fazia, me rodeando e me tratando excessivamente bem — muitas as vezes, melhor que Suyeon, mas aquilo poderia ser apenas coisa da minha cabeça. Com toda a atenção voltada para mim, eu estava com medo de ser uma decepção para minha mãe, com medo de ela se entristecer comigo por algo que eu não tinha escolha, então preferi deixar aquilo guardado como um segredo. Eu queria contar os detalhes da convivência dentro da minha casa para Jake, para quem sabe assim ele entender melhor o meu ponto de vista, mas ele sempre gostou tanto da minha mãe, e eu também não queria que ele tivesse uma imagem ruim dela, afinal de contas, ela era uma mulher boa e uma excelente mãe.
— Você tem que prometer que não vai contar pra ninguém, hyung — eu insisti, olhando para ele com um bico. Ele riu e apertou minha bochecha.
— Prometo que não vou contar nada, Sunoo-ah, mesmo achando que não tem nada demais nisso.
As aulas em Hogwarts voltaram e eu e Jake voltamos para Londres. Mesmo em Hogwarts, eu não me sentia seguro de ser eu mesmo. Jake passou a fazer brincadeiras e iniciar conversas sobre outros meninos, e eu tive que pedir para ele não fazer aquele tipo de coisa em público, para que ninguém ficasse sabendo. ''Sunoo-ah, ninguém se importa com isso, isso é normal.'' era o que ele sempre me respondia, mas fez o que eu pedi e manteve em segredo minha atração por outros meninos. Era bom poder conversar com ele sobre isso, já que eu só tinha Suyeon para falar sobre, e ela não estava mais comigo a todo momento — também, era legal poder falar sobre tal assunto com um garoto, como eu.
Os meses passaram rápido e as férias de fim de ano estavam próximas. Eu estava ansioso para encontrar minha irmã e meus pais novamente, estava também com saudade de James, do meu quarto e das minhas coisas. Quando chegamos de volta à Coréia, a neve já tinha ocupado as ruas e as casas já estavam enfeitadas para o Natal, mas nenhum frio me impediu de ir para rua com meu melhor amigo e minha irmã. Nós já não falavam mais com os antigos amigos bruxos da vizinhança, então sempre que íamos na rua, ficávamos apenas com os amigos trouxas do bairro, o que era até bom para Suyeon.
Em uma das vezes em que saímos para brincar pela rua, um menino novo apareceu. Estava anoitecendo e as luzes de Natal pareciam ainda mais fortes, estava muito frio também, mas nenhum de nós estava ligando para isso. Éramos um grupo de meninos, conversando e brincando na neve como em todos os outros dias, mas não pude deixar de reparar na beleza do menino novo.
O menino novo se chamava Hyunmin e tinha um sotaque diferente, e logo nos contou que era primo de um menino do bairro, que estava aqui apenas para passar o fim de ano. Quando ele citou o primo, eu e Jake trocamos um olhar — o primo dele era um bruxo, logo, tinha grandes chances de ele ser um bruxo também, o que seria bem legal.
Aos poucos os meninos começaram a se despedir e a irem para suas casas, restando apenas eu e Jake. Eu estava pronto para começar a falar sobre o tal Hyunmin, quando ele apareceu de repente por trás de Jake.
— Soube que vocês estudam em Hogwarts — o menino disse com um jeitinho tímido, e tudo o que eu queria fazer era apertar as bochechas fofas dele, rosadas pelo frio, mas eu também estava com um pouco de vergonha dos meus próprios pensamentos, e quem acabou respondendo foi Jake, e assim descobrimos que Hyunmin era da Rússia e estudava em Koldovstoretz.
Ficamos conversando por algum tempo, de pé sobre a neve fofinha e nos escondendo do frio dentro dos nossos casacos grossos. Hyunmin era lindo, mais alto que eu e Jake, mesmo sendo da minha idade. Ele era mais alto e não era magro, o que o deixava parecendo ainda mais adorável dentro das roupas grossas de frio. Eu não queria ser indiscreto com meus olhares, mas eu era novo demais e não sabia como controlar essas coisas, mas eu estava sentindo alguma coisa no ar. Eu estava imaginando coisas, ou estava rolando algum clima entre eu e Hyunmin? Eu não sabia dizer.
Eu e Jake entramos para casa tarde naquele dia e levamos um sermão, mas nada que nos impedisse de nos encontrarmos novamente no dia seguinte, novamente junto aos outros meninos do bairro. Hyunmin tornou a aparecer, e eu senti as bochechas esquentarem e as mãos suarem apenas pela proximidade. Brincamos de guerra de bolas de neve, mas Hyunmin nunca jogava as bolinhas em mim, usando o próprio corpo rechonchudo para impedir as bolas dos outros meninos de me atingir, e assim formamos uma aliança sem nem precisarmos trocar palavras, apenas sorrisos bobinhos. Em todas as brincadeiras, Hyunmin estava ao meu lado — e eu também fazia questão de estar ao lado dele, pela primeira vez não lutando para ficar no mesmo time que o Jake.
Eu podia não entender nada sobre o amor ou sobre namoros, eu só sabia que as borboletas que eu sentia na barriga quando estava próximo de Hyunmin significavam algo, e que era algo muito bom, e que ele parecia sentir a mesma coisa.
Em um dos dias de brincadeiras e conversas, Hyunmin segurou a minha mão com uma desculpa boba e eu quase colapsei.
— Você tá com muito frio, né? — O menino disse com o sotaque forte, e eu não consegui falar nada no momento, apenas assenti a cabeça com força, parecendo um bobão, mas Hyunmin achou engraçado e segurou minha mão magricela, escondendo meus dedos ossudos dentro das mãos gordinhas dele.
Eu não conseguia parar de encarar as nossas mãos juntas, sentindo como as mãos dele eram quentinhas e vendo cada detalhe dos nossos dedos entrelaçados.
Naquela tarde eu invadi a casa dos Shim, desesperado atrás do Jake. Eu não tinha falado sobre Hyunmin com ninguém, nem mesmo com a Suyeon, já que ela não estava saindo de casa e eu não queria que meus pais me ouvissem falando sobre outro menino daquela forma.
Nos trancamos no quarto dele e eu contei sobre tudo o que estava sentindo e sobre as pequenas coisas que aconteceram que me levaram a acreditar que Hyunmin também tinha algum interesse em mim.
— Vocês deveriam ficar! — Jake disse animado, vibrando com a notícia.
— Claro que não, hyung! Eu nunca nem beijei! — Eu disse, cobrindo o rosto envergonhado, embora animado por Jake também achar que Hyunmin estava mesmo interessado em mim.
— Então você acabou de encontrar o seu primeiro beijo — o mais velho dizia animado com um sorriso imenso.
Eu não tinha certeza, mas estava gostando muito de Hyunmin, estava apaixonado pela primeira vez.
— Mas hyung, você não pode contar pra ninguém — eu o lembrei, e Jake riu.
— Sunoo-ah, o bairro é pequeno, todo mundo sabe da vida de todo mundo aqui.
— Mas você sabe, minha mãe não pode ficar sabendo de nada disso.
— Você vai mesmo esconder isso pra sempre, Sunoo?
— Se é pra sempre eu não sei, mas vou esconder por enquanto. Minha mãe não pode saber.
— Claro, claro, sua mãe não vai ficar sabendo.
Uma paixãozinha pré-adolescente tomou conta dos meus pensamentos naqueles dias. Eu acordava pensando no Hyunmin e ia dormir pensando nele. Durante os dias, eu ia para a rua apenas esperar pelo momento em que ele iria aparecer para ficar com o nosso grupinho. Ele também esperava por mim, e toda vez que eu percebia isso, sentia fogos de artifício sendo explodidos na minha mente, tamanha a felicidade.
O Natal estava cada vez mais próximo, e logo Hyunmin teria que ir embora para o país dele. Eu não queria pensar sobre aquilo, mas estava muito triste — eu estava apaixonado por ele, como poderíamos ficar longe um do outro? Quando nos veríamos novamente? Foi então que Hyunmin sugeriu que nos encontrássemos, daquela vez, sozinhos, só nós dois. Ele me sugeriu isso baixinho, contando no meu ouvido para os outros meninos não escutarem, e o ato me deixou vermelho de vergonha.
— Atrás das árvores da praça tem um rio — o menino sussurrava, mas eu quase não conseguia entender o que ele falava, pensando se ele estava misturando o coreano com outro idioma. — Quero ir com você até lá.
E eu também queria ir, queria muito ir, eu queria ir para qualquer lugar que Hyunmin estivesse disposto a me levar.
— Mas a minha mãe...
Eu tinha contado para ele que meus pais não poderiam nos ver juntos, por isso ele não podia ficar segurando minhas mãos pelas ruas e nem me dando abraços de urso a todo momento, então ele já imaginava que eu diria algo daquele tipo.
— Vai ser um segredo só nosso — Hyunmin voltou a sussurrar no meu ouvido, a mão gordinha tapando os lábios para abafar o som. — Eu não vou contar pra ninguém, e você também não conta. Pode ser?
Podia ser, podia muito ser, claro! Eu e Hyunmin, sozinhos na beira do rio, rodeados por árvores, isolados de tudo e todos, onde eu poderia abraçá-lo e sentí-lo segurando minhas mãos sem me preocupar se mais alguém estava vendo... Parecia quase um sonho.
Como combinado, não contei nada para ninguém, nem mesmo para o Jake. Na hora em que combinamos fui em direção à praça, sentindo a adrenalina de estar fazendo algo errado pela primeira vez na vida. Andei rápido por algumas ruas, com medo de encontrar qualquer conhecido que pudesse magicamente descobrir exatamente o que eu estava indo fazer com apenas um olhar. Quem eu acabei encontrando no caminho, entretanto, foi Jake, que não entendeu o que eu estava fazendo por ali sozinho.
— Vou encontrar com o Hyunmin — eu murmurei, um pouco sem graça.
— Acho que já entendi tudo — ele sorriu para mim e me deu dois tapinhas divertidos no ombro. — Meu dongsaeng já está fazendo esse tipo de coisa por aí, eles crescem rápido...
— Hyung! — Eu chamei atenção dele, envergonhado demais para aquele tipo de brincadeira e com pressa demais para ficar ali sendo exposto pelo meu amigo. Nos despedimos com pressa e eu voltei a andar rápido.
E aquele foi o nosso último diálogo como amigos.
Fui até o local combinado com Hyunmin, e ele já estava lá me esperando, sentado em uma rocha úmida pela neve que tinha caído durante a manhã. Quando me viu, o garoto mais alto levantou e veio até mim de braços abertos e com o sorriso mais lindo que eu já tinha visto. Passamos o tempo sentados juntos, as mãos entrelaçadas e as bochechas coradas. No meio de uma conversa boba sobre qualquer coisa, tomei coragem e dei um beijinho na bochecha dele. Nunca o vi corar tanto e, por achá-lo adorável, tomei coragem e dei um beijo na outra bochecha dele. Eu estava sentindo meu coração dando pulinhos e minhas mãos estavam suando por causa daquilo, mas o mundo inteiro parou quando, de repente, ele beijou meus lábios. Meu sorriso se desfez e meu corpo ficou imóvel; eu mal podia controlar minha respiração. A risada dele quando se afastou me disse que ele também estava envergonhado, mas aquilo não o impediu de me beijar novamente, daquela vez, sendo finalmente correspondido por um Sunoo inexperiente e ansioso.
Eu estava no paraíso. Estava apaixonado e podia abraçar, segurar, beijar o menino que eu gostava — e ele gostava de mim também! Ele gostava tanto de mim que não queria nem me deixar ir embora para casa, dizendo que gostava muito de ficar comigo, e as palavras dele mexiam com o meu coração como mágica.
Começou a escurecer, e só então percebi que estávamos ali há tempo demais. Acabei me despedindo com pressa, deixando um beijinho babado na bochecha dele e correndo de volta para casa, um sorriso rasgando meu rosto.
Cheguei rapidamente em casa com a sensação de que estava pisando em nuvens, suspirando como um bobo. Abri a porta da entrada de casa tentando disfarçar tamanha alegria, mas pude perceber o clima meio estranho do ambiente. A casa estava vazia e silenciosa, e eu iria direto para o meu quarto, mas acabei mudando o rumo e indo até a cozinha, mesmo sem nada para fazer lá. Minha mãe estava sentada à mesa, parecendo incomodada com algo. Eu senti que tinha algo de errado. Em questão de segundos fiquei nervoso, ansioso sem saber o porquê.
— Cadê o papai e a Suyeon? — Perguntei, mas logo passei a desejar que não o tivesse feito, que apenas tivesse subido direto para o meu quarto.
Minha mãe não se moveu da cadeira, apenas ergueu o olhar para me olhar. Ela parecia desapontada, e eu estava ficando ainda mais nervoso.
— Seu pai foi levar sua irmã na casa de uma amiga.
A voz dela era calma, mas eu sentia o olhar dela penetrando meu corpo e atingindo a minha alma, como se ela pudesse realmente me ver, ler cada coisa sobre mim apenas pelos meus olhos. Por estar tão nervoso e pressentindo algo ruim, decidi que seria melhor me retirar.
— Tudo bem, então estou subindo — eu disse como se tivesse querendo correr para me livrar de algo, já virando as costas para minha mãe.
— Sunoo.
Eu travei no lugar. Ela sabia de algo. Alguma coisa estava acontecendo. Eu estava suando frio.
— Onde você esteve durante a tarde, e o que estava fazendo?
Eu podia sentir a pulsação do meu corpo forte e acelerada no meu pescoço, o sentimento de ter sido pego me dominando e me impedindo de agir e de pensar. Eu estava imóvel, ansioso e apavorado.
— Eu estava com uns amigos... — Eu tentei começar a mentir, mas minha mãe foi para cima de mim e em questão de segundos ela estava à minha frente, os olhos cheios de fúria, e não havia mais espaço para mentiras.
— Vocês estava com apenas um garoto — ela cuspiu as palavras, a feição de desgosto dela, tão próxima do meu rosto, me deixando ainda mais apavorado e me fazendo sentir minúsculo e indefeso. — A família dele o estava procurando, mas eles riram e disseram que provavelmente ele estaria com algum menininho, porque é gay.
Não tinha como minha mãe saber que eu estava mesmo com o tal garoto, eu sequer sabia se ela estava falando mesmo do Hyunmin, poderia ser qualquer outro menino.
— Que menino é esse? Eu não estava com ele — Eu tentei chegar para trás com passos desarticulados, mas ela me segurou com força pelos ombros. A minha mãe doce e gentil não estava mais à minha frente, agora era uma mulher que eu nunca conheci antes.
— Você quer mesmo mentir para sua própria mãe? Admita, Sunoo, me conte o que você estava fazendo.
— Mamãe, a senhora está me machucando — eu queria começar a chorar, mas estava em choque e meu corpo parecia congelado. — Eu não estava com esse menino, é mentira.
— Sunoo!
— É mentira, mamãe!
— Você não vai admitir que era você?
— Por que seria eu? — Eu nunca fui de mentir, mas naquele momento era questão de sobrevivência. Minha mãe não podia, de jeito algum, saber da verdade, porque a verdade machucaria mais que o aperto que ela estava dando nos meus braços.
Ela me soltou e me encarou firme. Nem por um segundo eu me senti aliviado.
— Assim que ouvi aquela família falando sobre o filho, resolvi ir atrás de você e encontrei Jake no caminho, ele me disse que você estava com aquele garoto.
Eu podia reagir a qualquer coisa, podia insistir na mentira e inventar mil e uma coisas para minha mãe na tentativa de me livrar da situação, mas não pude mais mentir depois da traição do meu amigo. Eu não tive mais reação nenhuma depois daquilo. Jake me entregou, contou o que eu estava indo fazer justamente para minha mãe. Por que ele fez isso? Eu o pedi tanto, o implorei que nunca comentasse nada daquele tipo por causa da minha mãe, e ele me faz uma coisa dessas?
— Não vai dizer mais nada? Não tem mais mentiras para contar?
A voz dela me machucava, ela nunca tinha falado daquele jeito comigo. Eu estava em absoluto desespero, e finalmente as primeiras lágrimas começaram a cair.
— Desculpa — foi a primeira coisa que saiu da minha boca. Eu lamentava por ter ido até o tal lugar com Hyunmin, por ter seguido o conselho de Jake de ficar com ele, por ter contado a Jake no caminho para onde eu estava indo, lamentava até por gostar de meninos e por ser quem sou.
— Agora é tarde para se desculpar — a voz dela era firme, eu não tinha coragem de olhar para cima e ver como estava o rosto dela. — Chorar não adianta, você deveria ter pensado nisso antes de decidir fazer o que fez.
Eu não tinha o que falar, então apenas fiquei de cabeça baixa, o medo me consumindo. Eu nunca havia sido castigado ou punido por algo, meus pais nunca precisaram falar daquela forma comigo, então tudo estava sendo muito novo para mim.
— Espero que essa cabeça baixa seja sinal de vergonha. — Cada palavra dela me atingiu como um chicote, me fazendo tremer dos pés à cabeça. — Prometa que nunca mais irá se envolver com aquele menino e nem com nenhum outro menino.
Eu chorei ainda mais forte. Como eu poderia prometer uma coisa daquelas? Eu não podia prometer não ser mais eu mesmo, e por mais que uma parte de mim quisesse prometer apenas para poder fugir dali, a outra parte me manteve em silêncio, sufocando nas minhas próprias lágrimas e soluços.
— Prometa! — Ela gritou e eu me tremi por completo, chorando copiosamente.
— Eu não posso pro-ometer i-isso — eu tentei falar em meio ao choro, emitindo sons altos e já sem segurar as lágrimas, mas nada disso a comoveu.
— Kim Sunoo. Prometa.
— Mamãe...
Eu não conseguia parar de chorar, parado à frente dela. Ela se enfureceu e me agarrou pelo braço, me arrastou para fora da cozinha enquanto eu chorava alto e soluçava como uma verdadeira criança. Ela me arrastou escada acima, nem um pouco comovida com meus lamentos e com meu rosto vermelho e molhado, e me empurrou para dentro do meu quarto com uma força que nunca antes foi usada contra mim.
— Se você insiste nisso, então está de castigo. Não sairá desse quarto e quando seu pai chegar seu castigo irá começar.
Ela bateu a porta e a trancou, me deixando ali, de pé e chorando, desolado. Eu caí sentado no chão, chorando alto e sem me importar mais. Estava me sentindo triste e com medo, mas também estava me sentindo traído. Jake é meu melhor amigo, eu o pedi tanto, por que ele fez isso comigo? Por que ele contou para minha mãe? Por que ele faria uma coisa dessas comigo?
Eu não vi o tempo passar, sentado no escuro do meu quarto, jogado pelo chão. Talvez eu tenha pego no sono, talvez tenha sido um cochilo, eu não sabia dizer. Quando a porta do meu quarto se abriu novamente, era meu pai. Ele parecia cansado, parecia não querer fazer o que estava prestes a fazer. Em uma das mãos, ele carregava uma Pena de Sangue.
— Pai, não... — Eu não tinha mais forças para chorar, as lágrimas já estavam secas no meu rosto, mas eu sabia muito bem o que era aquilo.
— Filho, eu não concordo com o ponto de vista da sua mãe, mas não posso fazer nada, ela é sua mãe...
Eu queria gritar, queria me esgoelar que aquilo não era sobre ponto de vista, era sobre mim, um ser humano! Eu não deveria ser punido por aquilo, não deveria ser punido por ser eu, aquilo não era justo e não fazia sentido!
Eu tentei implorar ao meu pai. Chorei e me afastei, pateticamente tentei me esconder debaixo da cama, mas eu não podia lutar contra meu pai, muito menos depois que minha mãe entrou no quarto, me observando parada encostada na porta.
Fui colocado sentado em frente à minha mesa de estudos, com uma folha de papel em branco e a Pena de Sangue na mão. Minhas lágrimas pingavam sobre a folha, mas ninguém se importou.
— ''Eu não sou gay''. É isso que você vai escrever, cinquenta vezes — a voz da minha mãe era incisiva, e eu tentei buscar a memória da minha mãe doce nas feições duras dela, mas não encontrei nada.
— Mamãe, por favor, não faz isso comigo — eu tentei implorar uma última vez, vendo meu pai com a varinha dele em mãos. Minha mãe estava impassível.
— Não sou eu nem seu pai que estamos fazendo isso com você, Sunoo. É você quem está fazendo isso consigo próprio.
Cinquenta vezes. Encostei a pena no papel, e a primeira pontada de dor na minha mão quase me fez deixar a pena cair.
Eu não sou gay. Eu não sou gay. Eu não sou gay. Eu não sou gay. Eu não sou gay. Eu não sou gay. Eu não sou gay. Eu não sou gay. Eu não sou gay. Eu não sou gay. Eu não sou gay. Eu não sou gay. Eu não sou gay. Eu não sou gay. Eu não sou gay. Eu não sou gay.
O feitiço da pena fazia com que cada palavra fosse cravada na minha mão e transferia o meu sangue até a pena, este sendo a tinta que eu estava usando para escrever. Minha mão doía como nunca senti algo doer antes, e eu não sabia mais o que sentir ao fim da última palavra. Minha mão continuou sangrando quando terminei de escrever, e meu pai pegou a folha com as cinquenta frases escritas e saiu do quarto para entregar para minha mãe, que não quis ficar para assistir ao espetáculo. Ele voltou alguns minutos depois, carregando soro fisiológico e algumas gases, e enrolou minha mão machucada. Sem uma palavra, ele saiu do quarto e me trancou novamente lá dentro.
Eu fiquei sozinho com meus pensamentos e minha mão machucada. Meus pais não me amavam como eu pensava que me amassem. Jake não era meu amigo como eu pensava que fosse. A realidade era mais dolorida que meus pensamentos iludidos. Eu não queria nunca mais falar com Jake.
— Sunoo-ah...
A voz da minha irmã passou pela fresta da porta trancada. Ela estava chorando, eu sabia disso apenas pela forma como ela falou meu nome. Mas eu não tinha forças para falar nada, ainda sentado na mesma cadeira em que fui colocado pelo meu pai.
— Eu não sei o que eles fizeram com você, mas sei que você não tá bem... — Eu podia ouví-la fungando, a voz trêmula. — Não importa o que eles digam, a culpa não é sua, tá bom?
Aquilo bastou para que eu voltasse a chorar. A culpa não era minha. Não tinha nada de errado comigo. Eu não era o problema.
Chorando eu me levantei da cadeira e caminhei até a porta. Os machucados foram feitos na minha mão mas pareciam ter sido feitos por todo meu corpo, pois tudo em mim doía, tanto por fora quanto por dentro. Me encostei na porta e escorreguei até estar sentado, e chorei junto à minha irmã, buscando algum sentimento de consolo e me sentindo acolhido por ela.
O Natal chegou, e foi o primeiro dia em que eu pude sair do meu quarto depois do início do castigo. Estava sendo alimentado no meu quarto e tomando banho no meu banheiro, e nem Suyeon estava autorizada a entrar no quarto, então ela passava as madrugadas sentada à minha porta, escondida dos nossos pais.
Como em todo ano, os Shim iriam ter o jantar de Natal conosco. Eu não queria ter que olhar para Jake, ter que falar com ele, estava muito magoado, mas ainda queria explicações.
Eles chegaram na nossa casa para o jantar. Minha mão ainda estava machucada, todos viram, mas ninguém comentou nada. Meus pais estavam agindo como sempre, falando comigo normalmente, e parecia que eu e Suyeon éramos os únicos lúcidos vivendo a realidade daqueles dias, mas não falamos nada.
Jake também estava quieto. Ele tentou falar comigo no início do jantar, mas eu não quis assunto; ele também não insistiu. Enquanto comíamos eu pude sentir o olhar dele sobre mim. Eu mal conseguia segurar os hashis sem sentir dor, e com certeza todos podiam ouvir meus resmungos doloridos, mas ninguém comentou. Aquilo estava me entristecendo. Todos sabiam do ocorrido, pelo que eu estava percebendo, e todos estavam de acordo com o que aconteceu.
Quando o jantar terminou, Jake se aproximou de mim, mas eu não quis deixar.
— Sunoo-ah — ele até parecia um pouco desesperado. — Me desculpa, não foi a minha intenção, foi sem querer, eu tentei impedir...
Então foi aquilo mesmo. Jake contou para minha mãe, mesmo depois de todos os meus pedidos. Ele não foi capaz de se colocar no meu lugar sequer uma vez, ele nunca se importou de verdade comigo, porque se ele pelo menos tentasse se importar, veria que eu não estava falando aquelas coisas da boca para fora.
— Eu não posso confiar em você — eu disse, me recusando a deixar Jake se aproximar de mim como ele sempre fez para me acalmar. — Você não merece a minha amizade.
A expressão magoada que Jake fez quase me deixou mal.
— Por que está dizendo isso, Sunoo? — Ele ainda tentava chegar perto de mim. — Deixa eu ver sua mão...
— Sai de perto de mim — eu me afastei de forma brusca, sem querer contato. — Não vai ver coisa nenhuma, se você se importasse não teria contado pra minha mãe.
— Eu não sabia que isso iria acontecer, Sunoo-ah, eu pensei que... — Eu o cortei, cansado de escutar as desculpas dele.
— É muita ousadia sua achar que conhece melhor a minha mãe do que eu, não acha? Eu sempre te falei sobre isso, falei várias e várias vezes, mas você nunca me levou a sério, sempre desprezou o medo que eu sentia.
— Isso não é verdade!
— É sim! Se não é verdade, então por que você contou pra minha mãe? Porque você pensou que não fosse acontecer nada demais, não foi?
— Por favor, me desculpa, eu me arrependi de ter aberto a boca, mas se você me deixar te contar o que aconteceu...
Eu podia ser amigável, gentil e ingênuo, mas eu sempre prezei muito pela confiança. Jake quebrou totalmente a confiança que eu tinha nele, e isso nunca mais poderia se reconstruir. Cada coisinha que ele fez durante todos aqueles anos, cada atitude impensada, cada segredo revelado sem querer, eu pude perdoar tudo aquilo, mas dessa vez eu cheguei no meu limite. Jake não era confiável, e muito menos era o amigo que eu imaginava que ele fosse.
...
* abaffiato - o feitiço causa um zumbido no ouvido da pessoa e ela não escuta nada, mas eu mudei aqui na fic e ele faz um isolamento acústico no ambiente pq eu quis :D
*tteokguk - é um prato coreano tradicional comido durante a celebração do Natal e do Ano Novo na Coreia.
eu sempre fico curiosa pra saber se vcs conhecem hp ou não kkkk se sim, qual a casa de vcs?? e qual o mbti de vcs tbm? eu gosto de enfp's, mas meu mbti fav é infp, embora eu seja intp hehe
Finalmente o cap sobre a picuinha entre o Jake e o Sunoo TT
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