𝕮𝖆𝖕𝖎𝖙𝖚𝖑𝖔 14 - 𝕰𝖓𝖙𝖗𝖊 𝖔 𝕾𝖔𝖓𝖍𝖔 & 𝖔 𝕯𝖊𝖘𝖊𝖏𝖔
Atravessaram a cidade em direção ao distrito leste. Estacionaram e tomaram o passeio público. Enquanto caminhavam, Florence mencionou a confeitaria em forma de farol ao norte da rua das flores, que fora um antigo castelo no passado. William assentiu com um movimento de cabeça, mas admitiu que não estava disposto a fazer explorações pelos arredores.
— Está muito quente hoje.
— Vocês, londrinos... — Protestou Florence. — Que fariam em julho ou em agosto?
— Nós nos tornaríamos viciados nesse ar puro e fresco. — Brincou ele, na esperança de encorajar o esboço de sorriso que divisara em seus lábios.
Entretanto, o sorriso logo desapareceu. Florence estava preocupada, e a beleza do dia não parecia envolvê-la. Embora o sol estivesse quente, soprava uma brisa marítima suave e refrescante. A maré estava baixa e, ao observar as ondas se quebrarem nas pedras, William perguntou subitamente.
— Quer caminhar pelos jardins vitorianos?
Ela hesitou e então sorriu.
— Por que não?
Os jardins estava praticamente vazios naquele dia de semana, no começo de abril. Havia um pequeno lago com areia muito branca e diversas carpas enfeitando. Depois de atravessarem os jardins, eles tiraram os sapatos e os deixaram ao lado de um arbusto. William enrolou as barras da calça; Florence usava um vestido longo que arrastava as partículas da areia esbranquiçada. De mãos dadas pisaram a areia e, quando a água tocou-lhe os pés, ela gritou.
— Está gelada! Disse levantando a barra de seu vestido. — Não deveríamos fazer um ato tão ousado assim.
— Você nunca aguentaria no norte. Sem falar nos lagos ingleses.
Como resposta, ela espirrou um pouco de água no rosto dele. Ao secar as gotas da água do rosto, William sentiu um impulso de molhá-la. Como se pudesse ler seus pensamentos, ela o advertiu.
— Não se atreva, senhor Montague!
Ele a alcançou e a segurou pelos ombros. Florence não fez menção de escapar. William escorregou as mãos pelo corpo dela, sentindo-lhe o calor da pele. Ficou tenso e preocupado, pois cada célula de seu corpo comunicava-lhe seu desejo. Florence o olhava intensamente. O rosto era uma máscara de marfim. Apenas os olhos estavam vivos, brilhantes como um par de safiras. De súbito, ela se aproximou e o abraçou pela cintura. William a apertou contra si, acariciando o cabelo escuro. Abaixou o rosto e vislumbrou o ponto sensível atrás da orelha; sem poder se conter, tocou-o com a língua. Florence jogou a cabeça para trás, e William pôde sentir que ela queimava. Para sua surpresa, ela deu o segundo passo.
Aconchegando-se mais a ele, enlaçou-o pelo pescoço, e o acariciou lentamente até que seu toque despertou-lhe os desejos mais ocultos. William gemeu, involuntariamente, e pressionou mais ainda seu corpo contra o dela, consciente de que estava tão excitado que já não podia recuar.
Sentia-se embriagado por sua proximidade, beleza, e por sua incrível sensualidade. Fitou-lhe a boca, vermelha e convidativa, e respondeu ao convite com um beijo ardente e apaixonado. Florence entreabriu os lábios e logo as línguas estavam se tocando, se provando, levando-os a um turbilhão de emoções interminável.
William ouviu o som de uma risada a distância: riso de crianças. Caiu em si imediatamente, estavam descalços, a água batendo em suas pernas, num lago público em plena luz do dia... num local onde deviam se controlar, não importava quão difícil isso fosse. Afastou os lábios dos dela, mas continuou a abraçá-la. Riu baixinho e sussurrou.
— Por que não podemos apagar o sol e ligar a lua? Aqui mesmo, agora mesmo...
Ela o fitou, a respiração ainda acelerada, as faces rosadas e os olhos desfocados mas muito, muito sensuais. Então, Florence sorriu, e as palavras que disse pareciam sorrir também.
— Seria um escândalo! São pensamentos escandalosos, sr. Montague!
William continuou a sorrir, pois sabia que ela partilhava os mesmos pensamentos.
Ele conservou o braço em volta dela enquanto caminhavam em direção à trilha. Queria se certificar de que ela continuava ao seu lado, de corpo e alma, linda e desejável.
No caminho de volta, Florence e William pararam num pequeno restaurante, onde pediram uma porção de petiscos e cerveja irlandesa. Enquanto degustavam queijos finos e pequenos pães italianos, ele comentou.
— Viver num lugar como esse pode se tornar um vício. Adoro experimentar os diferentes pratos de uma culinária tão variada.
Um pensamento malicioso passou pela cabeça de Florence, e ela pensou em lhe perguntar se somente os diversos pratos o atraíam. Porém, conseguiu engolir as palavras e concentrou-se em escolher algumas especiarias para experimentar junto dos petiscos.
William dissera a Richard que gozava uma licença na faculdade. Ela, que tinha um primo professor na Universidade de Londres, sabia que licenças durante o ano letivo eram extremamente difíceis de conseguir. William não dissera de quanto tempo dispunha, apenas afirmara que ficaria pelo tempo que precisasse dele. Tinha até perguntado se havia quarto disponível na propriedade...
Lembrou-se de que respondera que sempre haveria lugar para ele em sua propriedade e corou tardiamente pela resposta. Corou mais ainda ao recordar-se como se atirara em seus braços na praia.
Chegou perto de se deixar cair sobre as ondas e fazer amor ali mesmo.
Sua inibição nunca se diluíra tão rapidamente como ocorrera naquele momento. Então, apenas William existia, seu calor, sua proximidade, sua masculinidade e o desejo...
Jamais se sentira tão livre. Nada contava além dos breves instantes em que suas bocas se devoravam. Naquele dia, por alguns momentos, fora completamente verdadeira, deixara que seu instinto a guiasse... e foi maravilhoso.
Bem-humorado, William observou.
— O que não daria para poder ler mentes...
Um tanto atrapalhada, Florence revidou.
— Como?
— Você parecia estar em transe... — Ele respondeu, sorridente. — Que visões experimentou, Florence?
Ela não conseguiu responder, mas, pelo sorriso que desvanecia em seu rosto e pela sombra que tomava conta de seus olhos, teve a certeza de que William captara sua mensagem muda. Confirmando seus pensamentos, ele admitiu bruscamente.
— Sinto a mesma coisa. Nossa visita à cidade vizinha foi mágica. Adoraria continuar vivendo tal encantamento.
— De que jeito? — Ela o interrogou, tristemente.
— Como assim? Por que não?
Florence torceu o guardanapo de papel.
— A magia evapora quando temos de enfrentar o dia-a-dia, William.
— Tem de ser assim?
— Não vejo como poderia ser diferente. É como Papai Noel. Mais dia menos dia, as crianças descobrem que ele não existe. E é nesse momento que elas crescem e se tornam adultas.
— Não foi fantasia o que experimentamos, Florence. Na verdade, foi algo bem real.
— Nós mal nos conhecemos.
— Não vou engolir essa.
— William... conte as horas.
— As horas não importam, Florence. Você não pode medir tudo... Sinto que a conheço mais que a outras pessoas com as quais convivo há muito tempo. Por acaso você acredita em outras vidas, sabe, reencarnações?...
— Você não tem medo de estar confundindo seus sentimentos? Isso pode ser perigoso. E como deve saber a ciência ainda não pode afirmar nada e as demais religiões preferem não discutir esse tema. Na verdade, ele é considerado um tabu em nossa época. — Ela sorriu, triste.
— Estou disposto a correr o risco, Florence. Acredite, estou tão ciente de nossa situação quanto você. Mas eu sinto que temos algo que as demais pessoas não possuem. Alguma conexão estranha, e posso lhe afirmar que senti o mesmo por Eduard.
William calou-se. Como todas as vezes que dava vazão a seus sentimentos em relação a Florence, o fantasma de Eduard Radcliffe emergia das trevas.
Porém, a ameaça já não parecia tão forte. A primeira impressão que tivera deles como um casal perfeito e apaixonados um pelo outro começava a desmoronar.
Intuitivamente, Florence replicou.
— O passado se insinua novamente, não é?
William a fitou e sorriu.
— Claro, o passado sempre se insinua. E nós dois já tivemos a nossa cota de passado, não acha? E isso não quer dizer que não temos presente ou que não teremos futuro. De minha parte, desde que voltei daquele inferno, tenho vivido um dia atrás do outro. Tento esquecer o passado e não pensar muito no futuro, pois não há muito a esperar. — William balançou a cabeça brandamente como se procurasse as palavras certas. — Até parece que vivo abatido e tenho pena de mim mesmo, mas não é isso. Consegui tirar proveito das adversidades apesar de tudo que aconteceu na minha vida. Nunca precisei me preocupar com dinheiro como a maioria das pessoas. Assim que cheguei de viagem, meu tio morreu e me fez seu único herdeiro, o que viabilizou meu estudo, doutorado e financiou minhas viagens pelo mundo. Não posso reclamar da vida, mas...
— Sabia que havia um mas... — Interferiu Florence sorrindo.
— Gosto do que faço!... — Continuou William. — Gosto de lecionar e os meus aprendizes são ótimos. O mas quando se refere ao passado, às vezes fico agitado. Creio que por causa do que aconteceu, existe fatos de outro lugar, outras pessoas e de mim mesmo que não consigo me recordar direito. Acho que nunca consegui esquecer os diversos sentimentos que explodiram dentro de mim. Talvez algum dia realize a fantasia de me recordar de fatos que somente a minha alma saiba.
— Acredita mesmo nisso?
— As vezes mais do que deveria e em outras sou completamente cético. — Ele explicou. — Já tive pequenos flash, outras vezes são sensações de que eu já vivia certos momentos anteriormente, sei que parece loucura, mas... Muitos de nós simplesmente sente que tem algo a mais por trás da cortina. De vez em quando um é um rosto ou mesmo um cheiro que parece me transportar para outro tempo, outro lugar.
Florence riu do delírio de William.
— Onde você gostaria de ter vivido caso descobrisse que realmente existe reencarnação?
— Não é assim que funciona, eu acho que seja bem mais complesxo do que um simples desejo. Nunca chegou a olhar um determinado local e sentir que já esteve ali antes, ou viu alguém que lhe deixou uma forte impressão de reconhecimento.
Então foi como se ele se lembra-sse de uma área ao redor de uma casa branca, com casa uma avó de longos cabelos brancos enquanto falava.
Tentou visualizar Florence nessa propriedade onde uma família de traços orientais sorriam, mas não conseguiu. Ela pertencia àquele cenário exótico agora, ouviu a sua mente lhe sussurrar. Além do mais, estava envolvida em não apenas um, mas dois negócios distintos. Era sócia de dois homens muito bem sucedidos, gostasse disso ou não, e estava crescendo no ramo da hotelaria.
— Por que o sol se pôs de repente? — Perguntou Florence.
— Como?
— É você que parece ter visões agora.
— É verdade. Sabe de uma coisa?
— O quê?
— Acho que nós dois temos uma tendência à introspecção. Deveríamos ter levado roupa de banho para uma das ilha vizinhas e nos divertido nas águas termais de Cinnamon.
— A água estaria quente de qualquer jeito. — Florence retrucou.
— Duvido. A água deve estar muito mais quente que no norte. De qualquer modo, precisamos de um banho gelado para fazermos uma limpeza de corpo e alma.
— Pensava que já tivesse feito uma limpeza na alma até você aparecer com essa chave. E eu não sou muito fã de água fria! — Florence observou vagarosamente.
— Desculpe.
— Não precisa se desculpar William... — Acrescentou ela com rapidez. — Acontece que tive de recordar uma série de fatos sobre os quais não queria mais pensar.
— Imagino... — Ele resmungou secamente.
— Por favor, não percebe que eu não faria isso se não fosse por você?
— É mesmo? — William insistiu, incrédulo.
— É claro, é que...
— Você não tem de me explicar nada, Florence. — William esticou as pernas e suspirou. — Acho que preciso de outra cerveja. E você?
— Ainda não terminei a minha.
A garçonete não estava por perto, portanto ele se dirigiu ao bar. Florence o observou afastar-se. Estava ciente de que durante a conversa tocaram apenas a superfície de um longo assunto e que havia outras coisas mais profundas por trás daquilo tudo. Rapidamente procurou pensar no que precisava lhe dizer. E, assim que ele voltou, estava preparada.
— Antes que a gente vá mais longe, há algo que quero lhe contar.
— E o que é?
Florence sentiu a cautela no tom de voz dele, mas resolveu seguir em frente.
— Antes de Rick viajar para o Egito, consultei Edgar Biggs sobre divórcio.
William colocou a caneca de cerveja sobre a mesa e a encarou.
— Deveria ter feito isso há muito tempo eu sei. — Florence continuou, sem hesitar.
— Eu e Eduard devíamos ter pedido o divórcio muito antes. Creio que depois de seis meses de casamento... descobri que não daria certo. Ed não era o que podemos chamar de um... homem fiel. Richard e ele eram parecidos quanto a esse aspecto. E aquele olhar... bem... eles sempre atraíram as mulheres. Se eu tivesse tido um filho, talvez tivesse sido diferente. Mas, como vim a descobrir depois, Ed era estéril. Levei um bom tempo para saber disso. Ele deixou que eu acreditasse que era eu quem tinha problemas. Não que isso importasse, afinal dava no mesmo. Então...
— Florence, você não precisa entrar nesses detalhes...
— Mas eu quero que você saiba de tudo. — Insistiu ela. — Tudo bem.
— Não está tudo bem. Olhe para o que você está fazendo com o guardanapo. — Florence olhou para as mãos que, nervosamente, fizeram do guardanapo de papel dezenas de pedaços minúsculos. — Florence, há alguns minutos você estava relaxada. Agora está tensa novamente. Sinto magoa, raiva e até posso afirmar que ódio emanando de você agora.
— Se tenho de ficar tensa, ficarei... — Ela retrucou. — É importante para mim que você saiba que Rick e eu não formávamos o casal perfeito que muita gente acreditava que fôssemos. Mantínhamos as aparências, isso é tudo. Nos últimos três anos que antecederam a morte dele, Margott Cattel foi amante dele, e duvido que tenha sido a única. Você deveria ter visto como ela me olhava enquanto estávamos nos escritório.
— Eu vi.
— De certa forma, sinto-me péssima lhe contando tudo isso, porque Ed está morto... E agora posso lhe dizer, que a sua morte não foi planejada, mas me trouxe um certo sentimento de alívio.
— E você foi criada para não falar mal dos mortos?
— Acho que isso explica um pouco meu comportamento.
— No entanto, se ele tivesse voltado do Egito, você teria se divorciado.
— Sim, com toda a certeza. Meus planos sobre a propriedade da minha família já estavam bem definidos. Estava cheia de coragem e sabia que podia vencer todas as dificuldades. Não continuaria casada com ele de modo algum. Porém, isso não alivia a culpa. Você entende o que quero dizer? Pois no fundo da minha alma a morte de Ed me deu o sentimento de estar sendo vingada.
— Sei muito bem o que quer dizer, porque já enfrentei meu sentimento de culpa várias vezes. E, frequentemente, deparo-me com sensações de que devia ter agido de modo distinto do que agi. Não sei quantas vezes acordei no meio da noite dizendo-me que, se tivesse insistido para que minha falecida esposa me acompanhasse, ela talvez estivesse viva e eu teria um filho adolescente hoje.
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