𝕮𝖆𝖕𝖎𝖙𝖚𝖑𝖔 13 - 𝕰𝖓𝖙𝖗𝖊 𝖔 𝕾𝖔𝖓𝖍𝖔 & 𝖔 𝕯𝖊𝖘𝖊𝖏𝖔
— Não sei por que estou tão nervosa. — Reclamou Florence.
Estavam no carro de aluguel de William, estacionado a poucos metros do escritório da RC&M; Cia.
— É compreensível você estar assim; afinal, é algo que não gosta de fazer e que não quer fazer.
— Tem certeza de que não leciona filosofia em lugar de egiptologia?
— Absoluta! — Ele sorriu. — Eu seria um péssimo filosofo.
— Quem disse isso?
— Não sou do tipo que faz perguntas pessoais, a não ser em casos específicos. Nem fica divagando entre os inúmeros pensamentos!
— Por exemplo?
— Agora você está jogando verde...
— Se não se joga verde não se colhe maduro! — Revidou Florence, maliciosa.
— Você me sai com cada uma, Florence! — William não conteve o riso. — Nunca pensei que ouviria algo assim de você.
Ele notou que conversavam como velhos conhecidos. Na verdade, só se conheciam há dois dias. Mesmo assim, estava ciente do perigo de se apaixonar por ela. E isso o surpreendia. Já se sentia velho para encarar novamente o amor e ademais não era do tipo impetuoso, muito menos romântico. Sorriu ao lembrar-se das fantasias românticas que tivera com ela. O ser humano era mesmo surpreendente...
Florence cortou-lhe o devaneio.
— O que é que há com você, William? Bem, é melhor pararmos de conversar e resolvermos isso de uma vez.
William havia preferido saírem pela manhã, para evitarem os raios solares, o que fazia com que o ar, depois do meio-dia, parecesse ainda mais quente. O vestíbulo do escritório, porém, estava fresco e repousante por causa das janelas entre abertas.
— Acho que vou desistir. — Disse Florence, enquanto aguardavam o elevador.
— Não me diga que vai dar meia-volta e sair? — Protestou William.
— Não é isso, mas acho melhor não mostrar a chave a Richard.
— Então, qual é a razão da visita?
— Talvez possamos descobrir o mistério dessa chave sozinhos. Pode ser que ela abra a gaveta da escrivaninha de Eduard.
— É, pode ser.
— Prefiro dizer a Richard que quero alguma coisa que está guardada na escrivaninha. Se não encontrarmos nenhuma pista, talvez lhe mostre a chave.
William deu de ombros.
— A escolha é sua.
A recepcionista da empresa era uma ruiva alta e magra como um manequim que se via nas revistas das modistas. O rosto tinha feições angulosas, interessantes, e William supôs que deveria ser muito requisitada para as casas de moda da região. Era atraente, usava roupas caras e joias ainda mais caras. Ela não tinha a aparência de uma secretária que desempenha um trabalho monótono. William notou o olhar hostil que lançou a Florence quando a cumprimentou. Florence devolveu-lhe o cumprimento rispidamente, o que terminou por confundi-lo.
— William, esta é Margot Cattell. Ela era a secretária de Eduard. — Florence explicou, apresentando-os.
William percebeu que ela não era mera recepcionista, mas sim uma secretária executiva. E parecia ser a única da firma. A pedido de Florence, Margot chamou Richard pela central telefônica. Imediatamente seu cunhado apareceu. O sorriso era amplo ao cumprimentá-la, e William desconfiou que ele a teria abraçado se Florence não tivesse se esquivado.
Richard era um homem atraente; o terno cinzento sob medida apenas realçava sua elegância. Era uma combinação de influências estrangeiras e locais, com ênfase na elegância e sobriedade. O Estranho era que Richard era muito parecido com Eduard Radcliffe. Na verdade, por um instante, William teve a impressão de estar vendo um fantasma. No entanto, seu rosto era mais redondo e havia inúmeras rugas ao redor dos olhos escuros. Os anos de diferença entre ele e o cunhado eram evidentes. Ele os conduziu a seu escritório, instalado numa sala ampla, decorada num estilo ultramoderno para a época, com objetos muito caros. Dava pra ver que muitos objetos haviam vindo de Paris.
Sentando-se à sua escrivaninha de dimensões exageradas, Richard disse amavelmente.
— Esta é uma surpresa extremamente agradável, Florence. Ela não vem aqui com frequência.
Sem dar tempo a William para tecer qualquer comentário, Florence declarou.
— Queria que você conhecesse William. Está em Malta por alguns dias. Ele é de Londres e leciona numa universidade de lá. — Ela hesitou por um instante e, olhando para o chão para fugir do olhar do cunhado, continuou. — William veio para cá para que conversássemos a respeito de Eduard.
Richard arqueou as sobrancelhas escuras expressivamente.
— Eduard?
— Sim. William foi dos reféns do vapor sequestrado.
Nem por um momento William duvidou que o choque de Richard fosse genuíno.
— Oh mon dieu! — Exclamou ele. — Eu... eu sempre penso nos reféns que estiveram no vapor com Eduard. Deve ter sido uma experiência terrível...
— Eu sobrevivi!... — Disse William calmamente.
Richard o olhou, confuso, e, então, asseverou.
— Claro! Imagino que se considere um afortunado. De qualquer jeito... a lembrança, é o bastante para perseguir um homem até o fim de seus dias.
William não fez nenhum comentário, e Florence prosseguiu.
— William estava sentado ao lado de Eduard, Richard. Contou que ele tinha certeza de estar marcado... para morrer, por um dos sequestradores. E, pelo desfecho, ele estava certo. Mas, pelo que William disse, ele estava... extremamente calmo e não entrou em pânico.
William encontrou o olhar de Richard e, confirmando o que Florence acabava de dizer, acrescentou.
— É isso mesmo. Seu cunhado era um homem muito corajoso, sr. Backwell.
Viu Richard fechar os olhos e estremecer ligeiramente. Depois de breves minutos, ele comentou.
— Obrigado por suas palavras. Sempre me perguntei como ele tinha se sentido... ao final de tudo. Temia que tivesse sido torturado por aqueles facínoras.
— Não, foi tudo muito rápido. — Esclareceu William.
— Agradeço a Deus por isso.
Um pesado silêncio pairou sobre os três. William tentou desvendar a expressão do rosto de Richard, porém, não conseguiu. Observou quando ele finalmente conseguiu esboçar um sorriso; endireitou a gravata na tentativa de se compor por meio de um gesto familiar e, para sua surpresa, olhou para o relógio de bolso, preocupado.
— Gostaria de convidá-los para almoçar, mas infelizmente já estou atrasado para uma reunião que se estenderá por toda a tarde. Peço que me desculpem. Quanto tempo pretende ficar em Malta, sr. Montague?
— Não sei ainda. Estou de licença da universidade...
— Bem, então... — Interrompeu-o Richard. — Espero que traga o sr. Montague para almoçar conosco no domingo, Florence. Emily, minha digníssima esposa, jamais me perdoaria se eu deixasse que o senhor se fosse sem conhecer nossa hospitalidade.
Antes que Florence pudesse declinar o convite, William respondeu.
— Será um prazer, sr. Backwell.
Florence cerrou os dentes. Estar ali, olhando para o cunhado, já lhe era bastante difícil. Havia levantado o assunto da morte do marido para disfarçar sua presença no escritório. No entanto, a possibilidade de um almoço em casa de Richard e Emily não lhe agradava em absoluto. Ela se esforçou para não olhar enfurecida para William. Era como se ele a tivesse pego numa armadilha.
Lembrou-se, então, do propósito de sua visita quando Richard se levantou, obviamente esperando que eles fizessem o mesmo.
— Richard... — Ela o interpelou, firme. — Enquanto estou aqui quero examinar umas coisas na mesa de Eduard. Isso se você ainda não a esvaziou, é claro.
— Ainda não... — Richard confirmou, devagar. — Não tocamos em nada na escrivaninha dele, Florence. Tudo está como ele deixou. Achei que você era a pessoa indicada para fazer a limpeza da mesa, uma vez que a sala é sua... ou será, se algum dia se interessar por isso aqui. Espero que sim. No entanto...
— Sim?
— Preciso mesmo sair. É necessário examinar a mesa de Eduard hoje? Ela esta aí há muito tempo e vai continuar...
— Gostaria de fazer isso agora. — Interrompeu-o Florence. — Mas também não há razão para você ficar aqui.
— Muito bem. Se precisar de alguma coisa, a senhorita Cattell poderá ajudá-la. — E, olhando para William, continuou. — A srta. Cattell era a secretária de Eduard. No momento, está fazendo as vezes de minha secretária e de meu sócio, Jackson Musk, temporariamente, é claro. Também está nos ajudando na recepção, pois nossa recepcionista está doente.
— Jackson está aqui? — Florence perguntou.
Richard meneou a cabeça.
— Não. Foi tratar de alguns negócios em Boston, ele foi encontrar com Edwin Holmes II. Vai ficar lá por uma semana. — Ele fez uma pausa, olhando novamente para o relógio de bolso. — Preciso ir imediatamente.
— Tudo bem, Richard. — Respondeu Florence de imediato. — Não deixe que o prendamos aqui.
Ela esperou o cunhado sair do sala, escutou-o enquanto conversava com Margot na recepção e, finalmente, deixou-se cair na poltrona mais próxima.
— Uau! Preciso de um minuto para me recuperar.
— Você lidou bem como a situação. — Comentou William. — Muito bem, mesmo!
— Não sei... — Ela murmurou em dúvida. — Richard é bastante perspicaz. Tenho a impressão de que ele acha que estou tramando algo.
— O quê, por exemplo?
— Não sei dizer. Só sei que, pelo discurso dele, a última coisa que quer é que eu venha para cá e assuma minha posição de sócia da empresa. — Ela estremeceu levemente. — Ainda bem que você está aqui. Nunca poderia enfrentar tal situação sozinha.
— Sem que Richard tentasse seduzi-la? — William indagou.
Florence o fitou, estupefata.
— Por que diz isso?
— Vi a maneira como a olhava. Mesmo quando estava sendo cortês, os olhos soltavam chispas. Ele sempre se comportou dessa maneira com você, Florence?
Ela assentiu.
— A primeira vez, bem, Eduard e eu tínhamos acabado de voltar de nossa lua-de-mel e fomos jantar na casa de Richard e Emily. Subi para ir ao banheiro e, quando saí, encontrei-o à porta do quarto com um sorriso malicioso nos lábios. Pegou a minha mão e disse que queria me mostrar o presente que comprara para o aniversário de Emily, que seria na próxima semana; mas tratava-se apenas de uma desculpa. Ele, então, me apertou contra si e... bem... estava completamente excitado... Foi horrível!
— Seu marido e a mulher dele estavam no andar de baixo?
— Sim. Foi a primeira coisa que lhe disse. Depois, ameacei gritar se ele não me soltasse. Creio que por um segundo ele achou que eu blefava, mas depois mudou de ideia. Deixou-me ir, mas ficou lá, parado, com aquele sorriso, e prometeu que, mais cedo ou mais tarde, eu me entregaria a ele.
— Ele tentou novamente?
— Tentou muitas vezes ao longo de todos esses anos, William... — Florence balbuciou, desanimada. — Sempre que há uma oportunidade... Embora eu tente evitar ficar a sós com ele, às vezes, inevitavelmente, isso acontece. Essa é uma das razões por que não poderia vir aqui sozinha.
— Estou contente por tê-la acompanhado.
— Você nem imagina como eu estou contente. — Ela afirmou com fervor e levantou-se. — É melhor irmos para a sala de Eduard antes que Margot Cattell resolva nos acompanhar.
A sala de Eduard Radcliffe também era ampla e ficava na extremidade oposta à de Richard. Eduard optara por uma decoração mais sóbria. Sua escrivaninha era de mogno, e as cortinas beges estendiam-se do teto ao chão.
A um canto destacava-se uma mesa onde havia uma coleção de pesos de papel antigos. Duas pinturas a óleo adornavam a parede. Florence logo descobriu que as gavetas da escrivaninha estavam trancadas. Buscou a chave na bolsa e tentou abrir uma delas. Meneou a cabeça.
— Esta não é, com certeza.
William, olhando ao redor, abriu uma porta que dava para um pequeno banheiro; ali, abriu outra que escondia um armário de proporções razoáveis.
Florence juntou-se a ele assim que o viu acender a luz do interior do armário e passou a revistá-lo. As prateleiras estavam praticamente vazias. Havia algumas folhas de papel, algumas pastas e duas caixas de lápis. Um conjunto de tacos de golfe estava encostado a um canto e uma capa de chuva pendia de um gancho.
— Nada... — Murmurou Florence, desesperançosa.
— Não podemos desistir tão cedo. Talvez encontremos algo em outra gaveta da mesa. Acha que a secretária tem a chave da escrivaninha?
— Posso lhe perguntar.
Ela a encontrou, literalmente, limpando a ponta dos dedos com um mata-borrão. Seus olhares se encontraram e mais uma vez Florence experimentou o arrepio que sentia ao se defrontar com Margot.
— Estamos atrapalhando sua hora de almoço? — Florence indagou firmemente.
— De fato, tenho um encontro. — Respondeu a secretária.
— Por que não vai, então?
— Porque preciso acionar o sistema de segurança antes de sair. Richard não voltará antes do fim da tarde e devo estar fora por algumas horas.
Havia uma ponta de insolência na voz de Margot que não passou despercebida para Florence, tampouco o fato de ter chamado seu cunhado pelo primeiro nome. Mesmo assim, conseguiu controlar a ira que mantinha latente havia muito tempo. Margot e tudo o que lhe dizia respeito não importavam mais.
Muito tempo havia passado desde que descobrira que Eduard e ela eram amantes e que a posição dela na firma não passava de dissimulação. Florence reuniu toda a sua dignidade ao lhe perguntar se tinha a chave da escrivaninha, que ela lhe deu, sem fazer comentários.
Aquela única chave destrancava todas as gavetas da mesa. Ocorreu-lhe que, se algo de importante estivesse ali, já devia ter sido removido. Talvez Richard não tivesse se inteirado do conteúdo das gavetas, mas isso não significava que a secretária também o ignorasse. Florence viu suas suspeitas se confirmarem ao encontrar apenas objetos sem importância nas gavetas.
Algumas fotos de Eduard ao lado de autoridades locais ou participando do desfile de São Patrício em uma de suas viagens. Além disso, encontrou uma agenda, pílulas, óleos, extratos e elixir, duas garrafas miniaturas de vodca russa, duas gravatas e dois lenços cuidadosamente dobrados e bordados com seu monograma. Apesar do conteúdo relativamente inócuo da escrivaninha, as mãos de Florence tremeram ao fechar as gavetas e trancá-las.
Seu rosto estava lívido ao deixar a sala, e sentiu que andava como um corpo sem nenhuma vitalidade. Parou junto à mesa de Margot para lhe devolver a chave e teve a impressão de que os olhos da secretária pareciam querer devorá-la. Sabia que Margot não gostava dela, talvez até a odiasse. Assim que deixaram o edifício, Florence colocou seu chapéu. As mãos ainda tremiam, e notou que William havia captado sua inquietação. Ele lhe tocou o ombro e dizendo.
— Nós dois precisamos espairecer um pouco.
— Preciso voltar à propriedade... — Ela respondeu laconicamente.
— Claro que não precisa. Se você não notou, Seymour entrava enquanto saíamos.
Florence franziu o cenho.
— Tão cedo? Ele não entra antes das quatro horas.
— Talvez não tivesse nada para fazer. De qualquer maneira, ele está lá. Você não acha que ele pode cuidar de tudo muito bem? Percebi que você confia cegamente nele.
— Isso é verdade.
— Ótimo! Onde podemos ir?
Chegaram ao automóvel. Florence o olhou, impotente.
— William, não há onde ir.
— Florence, não estou sugerindo que tomemos um transporte em direção à lua. Deve haver algum lugar relativamente perto onde possamos relaxar um pouco.
— Tudo bem. — Concordou ela. — Vamos para a confeitaria "Délice Victorien".
— É longe?
— Uns vinte minutos daqui, mas a estrada é boa. Délice Victorien é a primeira confeitaria da costa da cidade e a mais próxima do teatro "Fourmiliers".
Ela se acomodou no automóvel e passou a lhe dar instruções. William a achou muito quieta. Surpreendera os olhares que Richard lhe dirigia, especialmente quando presumia que ela não o estava olhando, e uma situação esboçou-se em sua mente.
Teria Florence contado ao marido sobre as investidas do cunhado?
Provavelmente, não. Começava a perceber que ela e Eduard não conversavam como deviam; além disso, captara estranhas vibrações em Margot. Ela não fizera o mínimo esforço para dissimular que não gostava de Florence e até parecia ter ciúmes. Mas ele ainda não conseguia fazer a conexão dos fatos.
William desistiu da especulação. Talvez, como Florence lhe dissera, tivesse sido melhor seguir filosofia em vez de egiptologia. Concentrou-se na beleza do dia e na estrada que margeava a costa, trazendo-lhe a brisa do Atlântico. O céu era de um azul muito claro, e nuvens brancas e solitárias apareciam aqui e acolá.
Deixando de lado o fantasma de Eduard Radcliffe, que emergira a partir da visita ao escritório, William voltou-se para seu objetivo primordial que era a mulher ao seu lado. Queria devolver-lhe o brilho aos olhos. Amava a luminosidade, o humor e a vida que seu olhar emanava. Estava determinado a banir a sombra que pairava sobre eles. Mentalmente praguejou contra a chave e o mistério que a envolvia.
2727 Palavras
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