Capítulo 19 - Sob Controle
O olhar de Julian se fixou em Octavian, a expressão de triunfo rapidamente dando lugar a uma mistura de surpresa e fúria. Ágata, ainda trêmula, agarrou-se ao sobretudo de Octavian, como se a presença dele fosse a única âncora capaz de mantê-la de pé.
Octavian a fitava com a expressão congelada, mas o azul de seus olhos parecia menos gélido, agora lembrando o tom suave do amanhecer — intrigado, surpreso com a proximidade dela. Segurava o guarda-chuva negro acima de suas cabeças, uma tentativa discreta de se proteger dos raios diretos do sol.
— Por favor... — ouviu Ágata murmurar, a voz abafada contra seu peito.
Ela tremia, e o aroma doce da sua humanidade estava mais intenso, quase inebriante.
Octavian queria afastá-la, manter a distância segura que havia imposto a si mesmo durante anos para não se deixar vulnerável. Mas, por mais que tentasse, não conseguia encontrar coragem para tirar as mãos das costas dela, muito menos recuar. A verdadeira batalha acontecia dentro dele, e, quando se tratava dela, ele sempre perdia.
— Octavian... me tire daqui... por favor. — A súplica dela veio suave, mas carregada de uma urgência que atravessou suas defesas com facilidade.
Octavian ergueu o olhar, tentando localizar a ameaça, porém sua visão estava turva devido a alta temperatura. O sol queimava sua pele debaixo das vestimentas com intensidade, drenando suas forças pouco a pouco. Era algo que ele já esperava, então não se deixou abalar, mas a sensação de estar exposto em um ambiente hostil pressionava seus instintos, mantendo-os em alerta.
— Precisamos ir. — Sua voz, firme e autoritária, fez Ágata recuar instintivamente.
— É o Julian, ele... — A voz dela vacilou enquanto dava um passo para trás, e ele a soltou.
Por um breve momento, após o distanciamento de quase um dia inteiro, seus olhares se encontraram outra vez. Havia algo nos olhos dela que ele não via há muito tempo — murchos, vermelhos, marejados. Ela havia chorado. A constatação atingiu Octavian como um golpe seco. "Eu estava certo. Aquele canalha esteve aqui... Eu vou destruí-lo de uma vez por todas!." O sangue ferveu em suas veias, agora mais visíveis sob a pele pálida, enquanto uma fagulha de ira acendia em seu olhar.
Ele se virou na direção para a qual Ágata olhava, e ali estava ele. O ex-noivo. O homem responsável por cada rachadura na alma dela, agora diante de seus olhos que lutavam pela estabilidade, em carne e osso, observando-os da sombra de uma esquina.
No instante em que seus olhares se cruzaram, o ar entre eles pareceu mais denso, carregado de algo silencioso e cortante. A raiva e o propósito se entrelaçaram dentro de Octavian, despertando uma força adormecida nas profundezas de seu sangue vampiresco, um poder que ele não sabia que poderia alcançar. Sentiu seus sentidos se expandirem, o coração morto pulsando em um ritmo que não era natural. Era Ágata. Sempre foi ela. A faísca que incendiava o que ele tentava manter apagado.
Ele soubera disso desde o dia em que a salvara, mas nunca havia se visto diante de uma ameaça tão clara, um motivo tão visceral para liberar o que seu corpo vinha estocando em silêncio. Sem hesitar, deu um passo à frente, os ombros rígidos, o olhar cravado em Julian com uma fúria predatória. Não havia espaço para diplomacia. Apenas o instinto puro de concluir seu objetivo: matá-lo.
— Não vá... — A voz de Ágata soou atrás dele, baixa e tensa, quase uma súplica.
Ele parou.
Imóvel, por um segundo que pareceu se estender além do tempo. O sangue fervia sob sua pele, as mãos cobertas pela luva de couro e cerradas em punhos. Era uma tempestade dentro dele, prestes a explodir, e Julian era o alvo perfeito. Mas a voz dela... a voz dela o segurava.
Os moradores de Zarvela, que transitavam pela calçada e atravessavam a rua, começaram a notar a presença peculiar de Octavian. Vestido com uma elegância sombria, ele destoava do comum. Seu ar misterioso e a postura imponente despertavam mais do que curiosidade: provocavam desconforto.
Um comentário, solto como uma pedra jogada em um lago, rompeu o silêncio:
— É ele... o conde Drácula! — sussurrou alguém, alto o suficiente para ecoar entre os presentes.
O sussurro virou corrente.
— Ele é tão pálido... parece um fantasma.
— Não olhe nos olhos dele. Li isso nos jornais.
— Meu pai disse que ele é o descendente de Drácula — murmurou um garoto para o amigo, com um brilho de medo e fascínio nos olhos.
— Que Deus nos proteja — sibilou uma senhora, fazendo o sinal da cruz com dedos trêmulos.
— O DEMÔNIO TEM NOME! FIQUEM LONGE DELE! — bradou um homem do outro lado da rua, sua voz ecoando com pânico irracional.
O incômodo se espalhou pela multidão como uma febre. Ágata, trêmula, mas corajosa, lançou olhares de reprovação para aqueles rostos distorcidos pelo medo e pelo preconceito. O burburinho virou um cerco invisível. A rua se fechou dos dois lados, pessoas amontoando-se para assistir o espetáculo grotesco da ignorância e do temor. Alguns rezavam baixinho, outros faziam o sinal da cruz repetidamente, enquanto turistas curiosos levantavam câmeras para capturar o momento.
Fotografavam o assunto do dia, mas não faziam ideia de que Octavian não aparecia em nenhuma foto. O resultado seria apenas um vazio pálido onde ele deveria estar, um efeito que tornava a cena ainda mais surreal.
No meio do caos, Julian desapareceu. Bastou um piscar de olhos e ele se fora, engolido pela multidão. A raiva de Octavian se misturou à frustração, uma faísca a mais para o incêndio que crescia dentro dele. Seus olhos percorreram os rostos ao redor, buscando algo, qualquer coisa. Mas bastava seu olhar cruzar com o de alguém para que a pessoa desviasse, cobrindo o rosto com as mãos, como se assim pudesse se proteger de um mal oculto.
Octavian, o homem que todos temiam sem realmente conhecer, ficou ali, não como um monstro, mas como alguém que carregava o peso de lendas e mentiras grotescas costuradas ao seu nome.
E Ágata o viu por quem ele realmente era.
Ela desviou o olhar para ele, e o que notou a atingiu como uma faca cravada no peito. Havia algo quebrado em Octavian, uma dor silenciosa escondida por trás da postura solidificada. A culpa a atazanou. Ele estava ali por causa dela. Havia se arriscado para encontrá-la, enfrentando um mundo que o odiava sem ao menos saber quem ele era.
— Eu te expulso em nome de Deus, demônio! — bradou uma mulher, com o rosto marcado pelo fanatismo. Ela abriu a bolsa e, com um gesto teatral, lançou um jato de água benta contido em um pequeno frasco de vidro.
A água respingou em Octavian. Nada aconteceu. Nenhuma reação, nenhum sinal de dor. Apenas um olhar álgido, inabalável.
— DEIXEM ELE EM PAZ! — A voz de Ágata explodiu, alta e firme, cortando o ar como um trovão.
Mas o tumulto cresceu.
O som das vozes, a confusão das palavras atravessadas pelo pânico irracional, o calor sufocante do dia... tudo se misturava em um caos ensurdecedor. Para Octavian, não era o medo das pessoas que o incomodava — era vê-la ali, lutando por ele. Defendendo-o como se ele fosse frágil e delicado como uma esfera de vidro. Isso o quebrou de um jeito que ele não estava preparado para sentir.
Ele chegou ao limite.
Foi quando decidiu liberar o poder que pulsava sob sua pele, crescente, indomável.
O primeiro sinal veio do céu.
As nuvens, antes brancas e dispersas, escureceram em um sussurro sombrio, espessas como fumaça carregada de raiva. O vento soprou de leve para violento, cortante, erguendo poeira e folhas secas em redemoinhos desordenados. Então vieram os raios — traços de luz elétrica rasgando o céu e refletindo no mar distante, como se a própria natureza respondesse ao chamado de Octavian.
O azul do dia foi devorado por tons cinzentos e roxos, e os primeiros pingos de uma chuva pesada começaram a cair.
O som abafado dos trovões se misturava aos gritos das pessoas que corriam em busca de abrigo, seus guarda-chuvas coloridos virando do avesso sob a fúria repentina da ventania.
No meio do caos, Ágata lutava contra o próprio cabelo, que chicoteava seu rosto, ofuscando sua visão. Entre uma tentativa e outra de afastá-lo, ela teve vislumbres de Octavian ao seu lado, parado, como uma estátua de mármore.
Ele segurava o guarda-chuva com uma elegância fria, seus ombros e pescoço tensionados, enquanto o mundo ao redor desabava. Os fios negros de seu cabelo dançavam suavemente com o vento, contrastando com o frenesi à sua volta. Como se nada pudesse tocá-lo. Como se ele fosse o próprio epicentro da tempestade.
E talvez fosse.
— Octavian. — Ágata o chamou, a voz firme, mas tingida de uma preocupação que cortava o ar denso.
Ele continuou a olhar para frente, os olhos fixos em um ponto qualquer, mas vazios de presença.
— Octavian! — Desta vez, mais alto, uma súplica escondida na força do tom.
Nada. Nenhuma reação. Apenas o som do vento furioso e da chuva golpeando o chão.
Determinada, Ágata atravessou a distância entre eles até se colocar bem à sua frente, interrompendo o caminho de seu olhar penetrante. Ela se tornou o novo alvo, mas não de sua raiva — de algo mais profundo, algo que ele tentava enterrar sob camadas de indiferença.
— Você precisa parar. — As palavras saíram lentas, cuidadosas, como se ela estivesse domando uma fera selvagem.
"Esses olhos..." O pensamento cortou a mente de Octavian como um estalo, uma fagulha em meio ao caos interno.
— Mas eles pediram por isso, Ágata. Todos eles. — A voz dele saiu baixa e rouca.
— Eu sei... — ela respondeu, o olhar gentil e a voz calorosa como um cobertor em meio ao frio da tempestade. — Mas você já os fez irem. Agora está tudo bem.
"Tudo bem? Não... eu não vou parar até implorarem por misericórdia. Eu estou no controle. Sou eu quem dita as regras, mas o que..."
O raciocínio dele se dissolveu quando seus olhos encontraram mais uma vez o verde profundo dos olhos de Ágata. Algo dentro dele se quebrou em silêncio — não com dor, mas com alívio. Uma calma inesperada deslizou por seu peito, envolvendo o coração cheio de mágoa e drenando, à força, o poder que ele havia liberado.
O mundo ao redor respondeu. O céu, antes engolido por nuvens negras, começou a clarear em nuances suaves de cinza. O trovão se calou. A chuva, antes pesada e agressiva, se transformou em uma garoa leve e persistente. O vento, agora um sussurro gelado, parecia natural, inofensivo. O sol desapareceu de vista, fazendo restar somente o céu nublado com um significado triste.
Octavian em frente a figura altruísta de Ágata piscou lentamente, sentindo o controle voltar — mas não por ele.
Por ela.
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