Capítulo 16 - Caminhos Cruzados
Apressada, Ágata descia os degraus da escadaria com passos quase descontrolados, o som de seus sapatos ecoando nos degraus interrompido apenas pela respiração ofegante de Maren e de seu segurança, que tentavam alcançá-la.
Ela precisava despistá-los, precisava de ar.
Quando finalmente chegou ao solo, ela parou abruptamente, tentando recuperar o fôlego enquanto seus olhos buscavam algo na movimentação da cidade.
Zarvela era um contraste vivo de cores e simplicidade. Os carros pequenos se moviam preguiçosamente pelas ruas estreitas, enquanto as fachadas das casas, em tons vibrantes e desgastados pelo tempo, formavam uma harmonia que parecia desenhar a alma do lugar.
Os moradores andavam tranquilamente, as mulheres trajando vestidos florais ou saias longas e sapatos baixos, protegidas do sol por guarda-chuvas coloridos que oscilavam ao abraçar do vento. Já os homens, em bermudas de tecidos leves, chinelas de couro e camisas regatas, pareciam não se preocupar em manter a boa aparência, muitos deles carregando o ar característico de quem vive do mar.
O cheiro de peixe fresco e grelhado misturava-se ao aroma das especiarias, tomando conta de cada esquina. Era a hora do almoço, e os pequenos restaurantes ao redor fervilhavam de vida, suas mesas abarrotadas de clientes animados. Vozes alegres e risos mesclavam-se ao tilintar de copos e pratos, criando uma sinfonia cotidiana de simplicidade e calor humano.
Ágata observava tudo isso como se quisesse gravar cada detalhe, mas, no fundo, estava lutando contra o turbilhão de emoções dentro de si.
A vida cotidiana de Zarvela parecia tão distante do peso que carregava em seus ombros. No fundo, Ágata sentia falta das cores vibrantes, do barulho constante do mundo, algo que na mansão de Octavian era inexistente.
— Ágata! Espere! - A voz firme de Maren a chamou de volta à realidade.
Ela fechou os olhos por um breve instante, respirando fundo para conter o desconforto, antes de se virar para encarar Maren e o segurança, que finalmente haviam conseguido alcançá-la.
— Por favor, aceite minha companhia. — Maren começou, sua voz carregada de uma calma calculada. — Eu sei que deveria ter te abordado lá na colina falando diretamente sobre Octavian, mas se fizesse isso, você não me ouviria. Arlo me pediu para ser cuidadosa com as palavras. — O olhar profundo de Maren parecia buscar a conexão que ainda não existia entre as duas.
— Não é você que me irrita... é aquele vampiro egocêntrico. — Ágata respondeu com um misto de frustração e exasperação. — Ele controla cada um dos meus passos, nem consigo respirar!
— Eu entendo sua reação. Eu fugiria também. — Maren ajeitou a bolsa no ombro, tentando demonstrar compreensão. — Mas, por favor, confie em mim. Acredito que sua vida é preciosa, e eu percebi, pelo que Arlo disse, que o homem que está atrás de você pode ser perigoso.
Ágata hesitou, os olhos fixos nos de Maren.
— Você parece uma boa pessoa, eu só... — ela começou, vacilante. — Não quero te envolver nisso!
A postura de Maren ficou visivelmente desajeitada diante da confissão de Ágata. No entanto, antes que ela pudesse fugir novamente, as palavras que Maren pronunciou a fizeram parar.
— Você gostou das frutas frescas? Do que comeu nos jantares? E o café da manhã de hoje... foi de seu agrado? — Maren perguntou com intensidade, cada frase carregada de emoção. — Arlo me telefonava, ele estava preocupado, sem saber como agradar seu paladar humano. Ele fazia isso por ordem do Octavian.
Maren fez uma pausa, olhando para Ágata como se quisesse medir sua reação.
— Sabe quanto tempo faz que eu não falo com Octavian? Anos! E nem estou exagerando...
As palavras atingiram Ágata com um peso inesperado. "Octavian se preocupa com meus gostos culinários?" A dúvida ecoou em sua mente, gerando um misto de confusão e incredulidade. Ela não queria admitir que ele, de fato, parecia se importar com ela de alguma forma.
Maren continuou, com a voz um pouco mais baixa, quase como uma confissão:
— Conheci Octavian através de Phill, meu marido. Na época, ainda éramos namorados, e os dois tinham seus próprios assuntos pendentes.
Os olhares das duas se cruzaram, e Maren percebeu a curiosidade que brilhava nos olhos esverdeados de Ágata. Ainda assim, notou que havia uma resistência ali, como se ela relutasse em se aprofundar no passado de Octavian.
— Eu sei que Octavian tem essa mania de querer controlar tudo — continuou Maren, com um tom mais leve, porém firme. — Mas, sinceramente, acho que desta vez ele tem razão em monitorar seus passos.
As palavras de Maren ecoaram na mente de Ágata, misturando-se com as lembranças das coisas que ouvira. "Quando decidi mantê-la sob este teto para prote..." As palavras dele voltaram com uma força desconcertante. A intenção de Octavian parecia mais clara agora, e até mesmo as observações de Arlo ganharam um novo peso.
"Octavian queria que a senhorita ficasse aqui por um motivo", Arlo havia dito a ela.
Antes, Ágata tinha certeza de que era apenas para usá-la como isca viva contra Julian, mas agora... agora parecia mais difícil acreditar nisso. Seu coração acelerava enquanto a ideia de que ele realmente quisesse protegê-la ganhava força. Mas será que isso significava que ele sentia algo por ela?
Ela relaxou os ombros, como se decidisse ali mesmo que, talvez, confiar em Maren não fosse um erro.
— Está bem. Aceito. — Disse, dando de ombros, tentando parecer casual. — Mas antes iremos almoçar. Estou com fome. Depois, podemos ir às compras. Preciso mesmo de uma opinião feminina e você...
Os olhos de Ágata correram pelas roupas elegantes de Maren, analisando-a dos pés à cabeça.
— Você parece ter uma visão bem acertada sobre moda.
Maren sorriu de lado, um sorriso caloroso e amigável, inclinando a cabeça em um gesto de concordância.
— Vamos de carro. — Disse Maren.
O segurança ao lado dela, sem precisar de qualquer instrução adicional, sacou o celular do bolso de sua calça preta bem alinhada e fez uma ligação rápida. Ágata lançou um olhar para a esquina, notando um carro preto dando ré, saindo de um estacionamento próximo. O veículo parou em frente a elas com precisão, e o segurança abriu a porta com um gesto ágil, esperando que ambas entrassem.
Antes de colocar os pés dentro do carro, Ágata hesitou por um momento, seu olhar recaindo sobre Maren, que percebeu a desconfiança na expressão dela.
— Isto é apenas para termos mais conforto e agilidade, querida. Não precisa se preocupar. — Garantiu Maren, com um sorriso tranquilizador.
Ágata sabia que, se pensasse demais, acabaria desistindo. Sem permitir que a dúvida tomasse conta, ela entrou no carro e se acomodou no banco de trás, sentando-se ao lado de Maren. O interior era sofisticado, com assentos de couro preto que exalavam elegância. Havia um vidro ligeiramente escurecido que separava o banco traseiro do motorista, embora estivesse abaixado, permitindo a comunicação direta.
— Vamos para o restaurante de frutos do mar de Pietra Fontnelle. — Ordenou Maren, sua voz suave e firme ao mesmo tempo. Ela então voltou-se para Ágata com uma expressão amigável. — Está bem para você, não é, querida?
— Sim, gosto muito de camarão e peixe. — Respondeu Ágata, tentando se ajustar ao assento.
O motorista deu partida, e o carro deslizou suavemente pelas ruas de Zarvela.
O restaurante de Pietra Fontnelle não ficava longe, situado bem em frente ao píer, onde barcos descansavam alinhados enquanto os navegadores descarregavam tambores de lata repletos de peixes frescos.
Ágata, curiosa, desviou o olhar para o horizonte e foi tomada por uma sensação de encantamento. O azul profundo do oceano, beijado pelo horizonte do céu, parecia uma pintura viva. Ondas suaves tocavam a costa, enquanto o vento fresco do mar dançava ao redor, trazendo consigo o aroma salgado da água. Gaivotas cantavam sobre suas cabeças, suas silhuetas cruzando o céu claro.
Ela não podia deixar passar aquele momento. Instintivamente, segurou a câmera pendurada pelo ombro, levantando-a até os olhos. Enquadrando a cena com precisão, apertou o obturador, capturando a harmonia entre céu e mar. "Uma foto perfeita para pendurar no quarto quando eu voltar para Bravele", pensou, satisfeita com o clique.
Maren, observando de perto, comentou com um sorriso admirado:
— Você tem um olhar sensível para a arte. Admiro sua percepção.
O segurança colocou seus óculos escuros para evitar o contato direto com o sol.
Ágata abaixou a câmera, surpresa com o elogio. Mas logo algo lhe ocorreu e, apontando a lente na direção de Maren, perguntou hesitante:
— Se importa?
A mulher, com naturalidade e graça, ergueu uma mão delicadamente até a bochecha e direcionou o olhar ao céu, como se estivesse perfeitamente à vontade diante da câmera. Seu chapéu de sol, elegante, inclinava-se sobre seus cabelos negros e ondulados com um corte acima dos ombros, enquanto a franja dava personalidade a sua figura, posta em um lado da testa, emoldurando um rosto de traços marcantes. Sua pele negra, iluminada pelos raios dourados do sol, brilhava lindamente.
Ágata capturou a pose com exatidão. "Ela sabe como se destacar", pensou, analisando a foto no visor da câmera, admirando como Maren parecia ter sido feita para aquele cenário.
Ao adentrarem o restaurante de Pietra, foram recebidas por uma onda de aromas irresistíveis de frutos do mar. Nas mesas, pratos variavam entre crus e assados, acompanhados por bebidas escolhidas a gosto. A decoração era simples, mas encantadora: mesas quadradas de madeira eram cercadas por cadeiras com encostos trabalhados no mesmo material. Tudo parecia exalar uma aura de aconchego e autenticidade.
As duas se acomodaram em uma mesa estratégica, com uma vista deslumbrante do píer, do horizonte e dos barcos balançando suavemente nas águas. Ágata se recostou na cadeira, absorvendo o ambiente com um suspiro satisfeito.
— Nossa, eu poderia morar aqui. Esse lugar é tão aconchegante.
— É por isso que o escolhi — respondeu Maren com um sorriso discreto, abaixando o cardápio. Seus olhos captaram o brilho no olhar de Ágata enquanto esta absorvia cada detalhe ao redor.
Ágata lançou-lhe um olhar curioso e provocador.
— Pensei que escolheria um lugar caro, mais à sua altura.
Maren soltou uma risada suave, quase musical.
— É verdade que tenho dinheiro para esbanjar, mas, acredite, não há restaurante melhor do que este. Pietra era uma senhora encantadora e cozinhava com a alma. É por isso que sempre venho aqui. Gosto de sentir que, de alguma forma, seu espírito ainda está presente neste lugar.
Ágata se recostou mais na cadeira, pensativa. "Elas se conheciam? É o que parece", refletiu. Ninguém sabia melhor do que ela como era sentir a presença de alguém que já se foi. Talvez, de alguma forma, as duas compartilhassem uma compreensão silenciosa sobre essa conexão invisível.
Maren parecia imersa em lembranças.
— Trabalhei aqui quando era mais jovem — revelou, sua voz suave. — Pietra cuidou de mim e me ensinou algo que nunca esqueci: qualquer coisa feita com amor atrai olhares curiosos e corações vazios.
Ela fez uma pausa, seus olhos estreitando-se enquanto os direcionava para Ágata.
— E o que você acha que mais atraiu Octavian em você?
Ágata sentiu um frio na barriga, seu coração acelerou, como se estivesse prestes a explodir. A maneira como seu corpo reagiu àquela pergunta a fez ficar imóvel. Não tinha a resposta, e ainda assim, algo dentro dela dizia que Maren estava esperando por uma explicação, como se estivesse tentando entender a razão pela qual Octavian a protegia de um jeito tão peculiar.
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