Capítulo 14 - Desespero Silencioso
Assim que desceu as escadas do salão principal, Ágata apertou a alça de sua bolsa mostarda contra o corpo, os pertences organizados dentro dela. A câmera pendia em seu ombro, balançando levemente a cada passo. Ela caminhava em direção à porta de entrada quando uma brisa gélida acariciou sua nuca, aquele frio peculiar que sempre anunciava a presença de Octavian ou Arlo. Não precisou se virar para sentir quem era.
— Pensei que fosse mais corajosa — soou a voz firme e carregada de julgamento de Octavian.
Ágata parou, cerrando os punhos por um instante antes de se virar parcialmente, o rosto carregando uma mistura de cansaço e frustração.
— O que quer de mim? Que eu continue trancada naquele quarto como se fosse sua... — Ela travou a palavra na ponta da língua, mas tomou coragem e a soltou, como um golpe rápido. — Prisioneira.
Octavian permaneceu imóvel atrás dela, ambos mantendo uma distância segura, como se qualquer aproximação pudesse incendiar os ressentimentos que carregavam. Seus ombros estavam tensos, mas seu olhar não vacilava, ainda que Ágata não pudesse vê-lo. Ele respirou fundo, uma tentativa de conter as palavras que estavam prestes a transbordar, mas, mesmo assim, sua voz cortou o espaço entre eles.
— Me evitar não vai tornar as coisas suportáveis — disse ele, o tom calmo, mas com uma firmeza que parecia irromper da própria essência dele. — Pode passar dias naquele quarto se protegendo do seu ex-noivo covarde e me ignorando completamente, mas isso não vai te dar uma nova perspectiva.
Ágata não queria, nem tinha forças, para começar outra discussão. Depois da ligação com Casey e a descoberta devastadora sobre Julian, tudo o que queria era um pouco de paz. Planejara sair para Zarvela, respirar outros ares e espairecer.
Ela virou-se devagar, encarando-o com uma mistura de irritação e curiosidade. Seus olhos encontraram os dele, e, por um momento, parecia que os dois travavam uma batalha silenciosa, cada um tentando decifrar as intenções do outro.
— E o que você sabe sobre novas perspectivas? — Ela disparou, estreitando os olhos. — Passa séculos trancado aqui, carregando sua própria arrogância como se fosse um escudo.
Octavian arqueou uma sobrancelha, mas não respondeu de imediato. Ele deu um passo à frente, a brisa fria de sua presença fazendo os pelos de Ágata se arrepiarem. Com um gesto contido, colocou uma das mãos no bolso da calça social, o tecido impecável alinhado por debaixo do terno escuro. Ele estava particularmente elegante naquela manhã, como se cada detalhe tivesse sido meticulosamente escolhido para transmitir autoridade e autoconfiança. Afinal, esperava o retorno do representante de C.E.S.
— Eu não estou tentando te impedir de sair, Ágata, — ele disse, a voz baixa e controlada, — mas se você pensa que o mundo lá fora vai te dar as respostas que procura, está se enganando.
Ágata o encarou com firmeza, apertando a alça da bolsa mostarda no ombro. Ela sabia que Octavian tinha o dom de desconstruir argumentos e virar qualquer situação a seu favor. Era algo que ele fazia sem esforço, como um instinto natural.
— Talvez o mundo lá fora não me dê respostas, mas pelo menos me dá escolhas — ela rebateu, mantendo a voz firme, mesmo que seu coração estivesse em descompasso. — Diferente daqui, onde tudo parece girar ao seu redor e eu não passo de uma... hóspede indesejada.
Ela hesitou, respirando fundo antes de encará-lo novamente.
— Não, pior. — Seus olhos verdes brilhavam com uma mistura de raiva e mágoa. — Uma isca viva para você usar a seu favor.
Octavian estreitou os olhos azul-acinzentados levemente, mas não se moveu. Seu semblante permanecia inabalável, como uma máscara impenetrável, embora algo na profundidade de seu olhar denunciasse uma pontada de dor.
— Uma isca viva? — Ele repetiu, sua voz adquirindo um tom mais grave. — Foi isso que realmente sentiu quando salvei sua vida? Quando afastei os lobos daqui por sua causa? Quando decidi mantê-la sob este teto para prote...
Ele parou abruptamente, como se a palavra que estava prestes a dizer tivesse um peso insuportável. Sua mandíbula estava tensa, os ombros rígidos, e o silêncio que se seguiu parecia sufocar ambos.
— Para proteger? — Ágata o pressionou, erguendo o queixo desafiadoramente. — É isso que você quer dizer? Proteger-me de quem, Octavian? De Julian ou de você?
Octavian desviou o olhar por um breve instante, a frieza habitual de sua expressão parecendo rachar por um segundo.
— De tudo o que você não entende — ele respondeu, a voz baixa e quase rouca. — Do mundo lá fora, que é tão cruel quanto o que você acredita ter encontrado aqui.
Ela deu um passo à frente, diminuindo a distância entre os dois, seus olhos fixos nos olhos dele.
— Se pensa que pode controlar a minha vida com suas justificativas nobres e palavras enigmáticas, está muito enganado. Eu não preciso de você, nem da sua proteção sufocante.
Octavian se sentia vulnerável, e ele odiava isso tanto quanto Ágata odiava se sentir exposta. Era como se ambos estivessem presos em uma dança interminável de ferir e recuar, com as palavras que precisavam ser ditas trancadas atrás de barreiras erguidas por anos de dor e arrependimento.
A lembrança da conversa com Arlo, antes de confrontar Ágata na porta, ainda reverberava na mente de Octavian. O desenho que ela fizera às escondidas — aquele retrato minucioso dele enquanto pronunciava a frase fria e sanguinária a Julian pelo celular — continuava a assombrá-lo. Era como se o papel tivesse capturado não apenas sua imagem, mas também uma parte de sua essência, uma parte que ele preferia manter em segredo. Ele não sabia ao certo se Ágata o temia ou se simplesmente o desprezava, mas, pela primeira vez em séculos, desejava que um humano não o visse como um monstro.
Porém, isso não era tudo. Os poderes de Octavian, aqueles dons que sempre dominara com tanta facilidade, pareciam estar em um limiar instável. Ele sentia um impulso incontrolável sempre que estava perto dela, como se a presença de Ágata amplificasse tudo o que ele era, tanto o humano quanto o vampiro.
E isso era o que realmente o apavorava. A escolha, cada vez mais inevitável, parecia se aproximar a cada dia: aprender a silenciar o que sentia e controlar a força crescente dentro de si, ou deixar Ágata ir e encarar o vazio que restaria sem ela.
Octavian permaneceu parado, sua silhueta elegante recortada pela luz suave das velas no salão principal, os olhos fixos enquanto Ágata abria a porta, sem olhar para trás.
O laranja dos cabelos dela brilhou com o clarão do dia, e Ágata saltou para o exterior, deixando Octavian ali, no limite da luz que se espalhava sobre o chão da mansão, seus sapatos de couro preto quase tocando o feixe dourado. Ele levantou o olhar, observando-a se afastar, cada passo mais distante da porta que os separava. A dúvida o consumia: voltaria ela? Estariam seus destinos realmente entrelaçados da maneira que sua alma, reacendida pela presença dela, acreditava?
"Ele ainda está me olhando?", pensou Ágata, seus passos firmes e resolutos seguindo para a floresta atrás dos portões.
Octavian soltou a respiração que nem percebera estar prendendo, e, naquele instante, Arlo surgiu no topo da escada, sua figura sempre impecável e pronta para servir. O mordomo, que esperava que Octavian de alguma forma impedisse a partida de Ágata, ficou surpreso com o pedido que seu senhor fez em seguida.
Octavian fechou a porta com um movimento suave, a sombra projetando-se na parede enquanto ele via pela última vez a silhueta de Ágata, já distante, quase alcançando os portões metálicos. Ele levantou o olhar para Arlo, os olhos intensos, mas distantes, como se ainda estivesse perdido na visão dela.
— Abra os portões, e depois... — A voz de Octavian foi baixa, os dedos passeando pelo maxilar até o queixo, como se tentasse ordenar os próprios pensamentos que se desvaneciam. — Ligue para a Senhora Griffin.
— E o que irá pedir a ela desta vez? — Arlo perguntou, a curiosidade implícita, mas cuidadosamente contida.
— Primeiro, quero que a agradeça por nos ajudar a saciar as necessidades humanas de Ágata.
— Não me esquecerei de agradecê-la. Ágata realmente ficou satisfeita com o jantar e o café da manhã, senhor.
— Isso já não importa... — Octavian murmurou, os olhos fixos na porta fechada. O cheiro da humana, antes tão pungente, começava a desaparecer, e os batimentos cardíacos que antes soavam como um eco distante já não se faziam mais presentes. — Diga à Senhora Griffin que ela deve acompanhar Ágata em Zarvela.
— Mas elas não se conhecem. Como isso vai funcionar? — Arlo questionou, o ceticismo leve em sua voz, como se tentasse entender a complexidade da situação.
— Descreva suas vestimentas, os itens que ela carrega, o colar que usa. Diga a Maren que Ágata estará no alto da colina. Sei que ela passará por ali a caminho do centro da cidade. Ela precisará contornar a colina e descer pelas escadas de madeira.
— O Senhor está se esforçando demais. O que há de errado em ela querer ficar sozinha por um tempo? — Arlo indagou, a preocupação velada em suas palavras.
Octavian cerrou os dentes, o rosto endurecendo.
— O celular dela... Julian, aquele verme... — Ele proferiu entre os dentes, a raiva espremendo cada palavra. — Ele está rastreando. Ágata deve ter se esquecido, mas eu não... e quando eu pegá-lo... farei exatamente o que disse a ele ao telefone.
Os cabelos, repartidos no meio, estavam desordenados, cobrindo parcialmente seus olhos, que agora ardiam com uma fúria crescente, como se o fogo de sua raiva queimasse por dentro, pronto para consumir tudo ao redor.
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