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Capítulo 1 - A Morte que Não Chegou

O leve estremecer do corpo trouxe Ágata de volta à consciência. Ao abrir os olhos, não foi o clarão do dia que a saudou, mas as cortinas pesadas e vermelhas que cobriam as janelas do quarto. 

O espaço era imponente e soturno; a cama macia em que descansava ostentava detalhes dourados entalhados na madeira maciça, enquanto uma mesa de madeira escura, empoeirada, sustentava uma vela branca acesa, cuja chama era a única fonte de luz. 

O ar carregava o odor doce e ligeiramente áspero da cera queimada.

— Onde estou? — murmurou, levando a mão à cabeça. — Minha cabeça...

A dor parecia pulsar, mas não tanto quanto as memórias da noite anterior. A imagem dos lobos e do misterioso homem surgiram em sua mente como um relâmpago. Ela se lembrou do cheiro marcante que ele emanava e da presença envolvente que a rodeou antes de tudo escurecer.

Cautelosa, deslizou os pés pelo chão frio de pedra e caminhou até as cortinas. Mal teve tempo de afastá-las quando ouviu batidas leves na porta, tão suaves que quase passaram despercebidas. 

Quem quer que estivesse ali parecia hesitar em incomodá-la.

— Entre — disse, ainda incerta.

A porta se abriu devagar, revelando um homem idoso vestido impecavelmente, como um mordomo saído de outra época. O terno preto tinha um lenço branco dobrado no bolso, e um pano repousava sobre seu antebraço. Os cabelos grisalhos, penteados para trás, destacavam uma pele enrugada, mas curiosamente bem cuidada.

— Senhorita... Perdoe-me, mas não sei o seu nome — disse ele, com um tom respeitoso. — Por favor, aceite minhas desculpas por não tê-la despertado mais cedo.

Ágata piscou, ainda tentando compreender onde estava. Seu olhar perdido vagava pelo quarto, enquanto sua mente tentava encaixar as peças daquele quebra-cabeça.

— Ágata. Pode me chamar de Ágata.

— Senhorita Ágata, como está se sentindo? Conseguiu repousar bem? — perguntou o mordomo, inclinado levemente.

— Estou bem... eu acho. Mas e o homem... — Ela hesitou, sentindo a garganta apertar. — O homem que me salvou. Ele está bem?

O mordomo endireitou a postura, como se o tema lhe causasse desconforto.

— O senhor Valachius prefere manter-se recluso durante o dia. Pediu-me que cuidasse de sua recuperação e providenciasse tudo o que precisar.

Ágata escutou a resposta enquanto seus olhos buscavam, ansiosos, por seus pertences no quarto mal iluminado. Quando percebeu que nada do que trouxera estava ali, sentiu a necessidade de prolongar a conversa.

— Perdoe-me se pareço insistente, mas poderia me dizer que horas são? E... meu celular, meu caderno, onde estão?

— O meu senhor preza muito pela privacidade — respondeu o mordomo, com cuidado. — Ele decidiu guardar os seus itens pessoais. Terá que esperar até que ele desperte ao anoitecer para recuperá-los.

— O quê? — murmurou, sentindo a confusão crescer.

Passou as mãos quentes no rosto, tentando formular um bom argumento. Embora entendesse a ideia de manter a privacidade de alguém em uma mansão tão peculiar, não conseguia entender por que seriam tão zelosos com algo tão simples quanto fotos ou desenhos. 

O que exatamente eles temiam que fosse revelado?

Contudo, enquanto analisava com mais atenção as palavras do mordomo, uma percepção a atingiu. 

O homem que a salvou, a mansão que povoava as manchetes dos jornais locais, sempre acompanhada de histórias de mudanças irreversíveis em quem ousava cruzar seus portões... Tudo parecia se encaixar. A mansão Valachius.

Ágata sentiu o coração acelerar, o corpo aquecer sob o efeito da adrenalina. Poderia ser verdade?

Estaria ela no repouso de Octavian Valachius, o suposto descendente de Drácula? Ou quem sabe... o próprio? 

As lendas faziam os habitantes locais tremerem de medo, mas ali, naquele momento, a ideia de estar no centro de um dos maiores mistérios da região era mais fascinante do que assustadora.

Movida pela curiosidade, caminhou até a janela, determinada a ver além das cortinas. Queria gravar cada detalhe daquele cenário que agora dominava sua mente inquieta. Contudo, antes que pudesse arrastar o tecido para o lado, sentiu uma brisa gelada roçar sua pele, e então a pressão firme de uma mão coberta por uma luva branca segurando seu pulso.

— Como chegou até mim tão rápido? — perguntou, atônita.

"Tinha certeza de que o mordomo estava na porta segundos antes de sentir seu toque".

— Só existe uma regra nesta mansão, senhorita: nada de luz solar. Meu Senhor é extremamente rígido quanto a isso. Espero que compreenda e seja mais... cautelosa. — Sua voz era educada, mas havia um tom subjacente de severidade.

Ele soltou o pulso de Ágata, recuando um passo enquanto colocava as mãos para trás, retomando sua postura impecável.

— Perdoe-me por tocá-la sem sua permissão. Foi um desrespeito de minha parte. Por favor, aceite o jantar como um pedido de desculpas pela minha grosseria.

— Jantar?

Ágata sentiu-se como um boneco de ventríloquo, puxado por fios invisíveis que tentavam mantê-la no lugar. 

Uma força sutil, porém inescapável, parecia restringir sua vontade de explorar os mistérios daquela mansão. Apesar disso, ao refletir sobre a oportunidade que lhe aguardava, ela anuiu com a cabeça. Queria permanecer ali por mais tempo, o suficiente para finalmente conhecer Octavian Valachius. 

A simples ideia de vê-lo no jantar fazia seu estômago revirar em uma mistura de apreensão e entusiasmo. Poderia agradecê-lo pessoalmente por ter salvo sua vida.

— Providenciarei vestimentas apropriadas para o jantar — disse o mordomo, inclinando levemente a cabeça. — Imagino que não se sinta confortável com as roupas do dia anterior. Farei o meu melhor, Senhorita Ágata.

Ele virou-se e caminhou em direção à porta, seus passos calculados, quase coreografados. Mas antes que desaparecesse pelo corredor, Ágata deixou escapar uma última pergunta:

— Sinto como se fosse indesejada aqui. Como se Octavian estivesse me evitando. É verdade?

O mordomo parou e se virou parcialmente, seu olhar sério, mas carregado de algo que poderia ser descrito como uma leve admiração.

— Já vi homens fortes atravessarem esses portões armados com rezas, estacas e crucifixos, temendo meu senhor. Mas você... até agora, não demonstrou o menor sinal de medo. — Sua voz era firme, mas havia uma suavidade inesperada no tom. — Você, Ágata, possui algo singular. Uma magnificência que fez meu senhor abandonar o conforto de seu lar para salvá-la na noite passada.

Ele fez uma pausa, como se refletisse sobre o que acabara de dizer, antes de continuar:

— Se sente que ele a está evitando, pergunte-lhe. Mas permita-me dizer: eu o conheço bem. A senhorita foi a única alma que ele já se permitiu aproximar e poupar de uma morte certa. És a mudança em um cenário sombrio que permanece inalterado há anos.

As palavras do mordomo a atingiram com força, e as bochechas de Ágata coraram levemente com a revelação. No entanto, ela se manteve firme, desconfiada de que tudo aquilo não passava de uma mentira, uma peça encenada para reforçar os boatos sobre o senhor da casa.

O fato de terem confiscado seu celular e seu caderno de desenhos só aumentava sua desconfiança. Algo poderia vazar, e eles certamente sabiam o poder que as redes sociais tinham, como poderiam ameaçá-los.

Ela se afastou do quarto, finalmente vendo o corredor que se estendia à sua frente. 

O tapete vermelho que levava até sua porta parecia interminável. As arandelas nas paredes lançavam um brilho alaranjado sobre o ambiente, enquanto o lustre, com velas acesas, iluminava as sombras que dançavam ao redor. 

As cortinas fechadas envolviam o corredor, e os pilares de pedra davam a impressão de que ela estava em um cenário de um filme medieval de terror.

— Seus olhos, quando falo de Octavian Valachius, dizem que não acredita em minhas palavras. Mas o que vou lhe dizer pode fazer você refletir: Drácula tinha o poder de controlar os animais. Se sobreviveu aos lobos, deveria se perguntar como, minha cara. — O mordomo disse, dando de ombros, antes de seguir até o fim do corredor e desaparecer na curva.

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