Capítulo 2 - Uma possível distração
— O trabalho deverá ser entregue no dia primeiro de agosto! — o professor de ciências diz, saindo da sala assim que o sinal bate.
Como podem dizer que a adolescência é a melhor fase para se viver?
Na verdade, dizem que é a infância e que só notaríamos isso quando chegássemos na puberdade.
E isso é uma triste verdade.
Não que a adolescência fosse totalmente péssima...
Claro que é!
Não! Dá para sobreviver.
Isso não é nada motivador, Sabrina!
Balanço a cabeça e sigo para o corredor da saída, conversar com minha Consciência nunca dá certo. E na verdade eu nem sei por que o faço. O problema de toda essa revolta com a adolescência se dá, principalmente, por causa do lugar onde eu estou agora. Minha escola.
Quando o Luís se mudou para Belo Horizonte eu passei a ter poucos amigos, até porque antes não tinha nenhum. Eu não costumo conversar com muitas pessoas e sou tímida demais para qualquer coisa. Aquelas típicas apresentações de início de ano me matavam, mas eu aprendi a superar com o tempo.
Eu não sei se no ensino médio isso muda muito, mas agora, no fundamental, parece que sempre tem alguém querendo te derrubar ou feliz com sua queda. E não era para ser essa disputa toda, não é? Quer dizer, não estamos disputando um mesmo prêmio, ao final, queremos apenas nos formar e não é como se alguém fosse roubar o diploma de alguém. Talvez a época escolar seja o motivo dos seres humanos serem tão individualistas, na verdade.
É uma coisa a se discutir, Consciência pondera.
— O que o Cianeto fez dessa vez? — Luís questiona surgindo do nada, ao meu lado.
Levo minhas mãos ao coração e suspiro longamente. Como a tia Juliana aguenta esse menino mesmo? Apesar do surto consigo sorri por causa do apelido que demos ao nosso professor de ciências. O que posso fazer se ao olha-lo só consigo pensar no considerado mais poderoso, e mais perigoso, e mais letal elemento químico?
Isso é beeeeem coisa de nerd.
Obrigada pela sinceridade, Consciência.
— Passou uns vinte exercícios sobre o Sistema Nervoso, para o primeiro dia de aula. — Mostro as folhas, levantando-as na altura dos nossos olhos.
Luís pega as folhas e fica encarando-as por alguns segundos, na mente dele aquilo pode ser a coisa mais simples do mundo, já que ele, além de viciado em tecnologia, também daria um ótimo cientista. Eu até sei fazer, mas minha revolta é maior por perder uma parte do meu – pequeno – recesso com coisas da escola.
— Só o professor de ciências para fazer uma coisa dessas com o nono ano, olha essa bateria de exercícios. Ele não entende que recesso é um descanso?
— Sabemos que ele é rancoroso — diz Luís, passando a mão no cabelo e descemos as escadas, chegando à portaria lotada de alunos. — Desconta às vezes nos outros, mas só está fazendo o papel dele como professor. E eu nem preciso te lembrar da sua queda por ele no último ano, não é?
— Senhor, não me lembre disso mesmo! — peço levantando minhas mãos em rendição. Luís ficou rindo e guardou as folhas dentro da minha bolsa.
Tudo bem, eu havia tido uma queda pelo professor de ciências no último ano. Mas quais meninas não tiveram? Ele chegou lançando aqueles sorrisos de lado. Não tínhamos outro professor bonito na escola, exceto alguns temporários, mas a maioria só dava aula até meio-dia, logo tínhamos Cianeto como o deus grego do turno da tarde.
As aulas até se tornavam mais interessantes com ele e toda sua beleza de frente para o quadro. Porém, eu acabei pegando recuperação de ciências no último trimestre dele e o Cianeto pegou pesado comigo, parecia querer me fazer repetir o oitavo ano. Como da água ao vinho. Meu amor platônico virou ódio.
Eu e Luís seguimos para fora do colégio, desviando de alguns alunos que insistem em ficar no portão, atrapalhando a saída. Escolas. É sempre a mesma coisa. Chegamos ao ponto rapidamente e como de costume, cheio de grupinhos. E claro, eu e o Luís. Conseguimos dois espaços no banco longo metálico, já que a maioria das pessoas prefere ficar em pé.
O celular de Luís vibra e ele o pega, lendo o que tem no ecrã rapidamente. Tão logo, seus olhos se arregalam e seus lábios se abrem levemente.
— Pelo amor de Mário Bros! Adivinha o jogo que vai lançar no fim do mês?
Olho-o confusa, como eu poderia saber?
Você é melhor amiga de um (praticamente) gamer, deveria saber, oras! Minha Consciência diz e eu posso imaginá-la para pintando as unhas sentada em alguma parte do meu cérebro.
E você sabe?, questiono mentalmente. Ela se cala rapidamente.
— Não imagino qual seja. Qual é?
— Em agosto, deste ano revolucionário em que estamos, irá lançar The Last of Us. E eu só sei que necessito.
Um sorriso quase rasga seu rosto e ele está inquieto com as mãos. Sempre achei que Luís fosse hiperativo, mas não ao ponto de surtar por causa de um lançamento de um jogo.
— Será que se eu lavar o furgão da minha mãe por uns dois meses ela compra pra mim? — Pensa alto e eu ergo uma sobrancelha. Vejo as horas e noto que teríamos que esperar uns dez minutos pelo ônibus. — Sabrina, olha pra mim! Estamos falando de The Last of Us! Você está entendo a gravidade da situação?
— Acho incrível você falando de jogos, mas eu nunca entendo nada. Eu apenas jogo, lembra? — brinco. Adoro jogar – mesmo sempre tomando uma surra no jogo para ele –, porém sobre lançamento e essas coisas eu sou uma leiga. — Eu sou a garota dos livros, sabe?
— Só segue minha empolgação, uai! Estou esperando o lançamento desse jogo tem um tempo, ele é de ação, aventura e sobrevivência — comenta animado. Sorrio diante da felicidade dele, é algo contagiante, ainda que eu não entenda nada. — A história, nossa, cara, eu preciso ter esse jogo.
— Depois eu que sou louca por amar fotos — ironizo e ele revira os olhos.
Luís é simplesmente viciado em jogos ou tecnologia em geral, desde que o conheço. É difícil não vê-lo com algum aparelho eletrônico na mão. Por muitas vezes ele me critica por eu ter minha velha Polaroid verde-água e não trocar por uma "coisa mais atual". Mas meu amor por esse tipo de coisas, simbólicas assim, supera suas críticas.
— Eu ainda não entendo, mas se for pra jogar, me chama — sorrimos e ele se aquieta, voltando sua atenção para o celular.
Aperto meus olhos e me levanto ao ver o ônibus finalmente subindo o morro mais à frente. Embarcamos e dessa vez encontramos a condução lotada. Ficamos naquela parte de deficientes, eu encostada uma parte do assento da frente e Luís na minha frente. Ele retira o celular do bolso e começa a digitar enquanto o ônibus segue em direção aos bairros da região da norte.
— Ei. — Cutuco seu braço que segura na borracha da janela enquanto ele digita com a outra mão. Seus olhos castanhos cor de mel pairam mim. — O que tanto digita?
— É num grupo de jogadores virtuais, trocamos algumas experiências e às vezes jogamos juntos online — responde e logo volta sua atenção para o aparelho mais uma vez. — É tipo uma sala de bate papo no Whats. E, cara, eles também estão animados com o lançamento de The Last of Us.
— Deixa eu ver isso aí! — Puxo sua mão e vejo as conversas subirem rapidamente, parece ter umas vinte pessoas ali, conversamos apenas virtualmente. — E tem gente legal aí?
— Ow! Acabaram de avisar que Bioshock Infinite também vai lançar! — ele diz puxando o celular para si novamente. — Nós conversamos além dos jogos, mas ninguém se conhece pessoalmente. Claro que rola uns casaizinhos lá com as meninas mais velhas e uns caras da faculdade de Design de Games, mas eles são bem bacanas.
— Interessante — pondero. — Pode ser uma boa distração para uma garota que vai ser abandonada pelos melhores amigos dela durante o recesso de inverno.
— Achei que você iria se distrair com as atividades do Cianeto. — Luís ri ainda olhando para seu celular. Dou de ombros.
— Quem sabe eu conheço algum amigo virtual para me ajudar na tarefa ridícula que o professor mandou? — Pisco-lhe o olho, falando apenas por falar. Porém ter amigos virtuais não parece uma má ideia. Pode ser uma nova forma de conhecer outras pessoas e eu posso procurar por grupos com pessoas com interesses parecidos com os meus.
— Sabe? Ainda estou naquela de imaginar eu voltando e você apaixonadinha... Afinal, para internet você não sair de casa. — Ele volta a sorri, sacana. Eu balanço a cabeça e rio com ele.
— Essa história de jogo está mexendo com seu sistema nervoso — brinco e enfim mexo em seu cabelo, realizando meu bobo desejo do dia.
Em alguns minutos estamos em nosso bairro. Luís anda e digita, super entretido naquele aparelho. Acabamos não falando sobre os dilemas da escola e como isso pode influenciar no nosso futuro, mas não me importo, teremos tempo para isso.
Você vai mesmo entrar em um grupo desses?, meu Eu interior questiona, um tempo depois.
Temos algo a perder, consciência?, retruco.
Eu espero que não.
📷📱📌
— Decidi entrar em um grupo como o seu, só que de livros — comento rodando na cadeira em frente à escrivaninha do Luís. Pego um dardo perto do notebook que repousa sobre a mesa e tento jogar no alvo atrás da porta, que está fechada, na parede oposta.
Sobre a cama de Luís havia uma mala, onde ele estava organizando suas roupas e suas coisas de homem. Já é domingo, nosso primeiro dia de recesso passou voando ou talvez tivesse aparentado passar rápido porque meus amigos iriam viajar no dia seguinte, porém ainda era um lindo dia de julho.
— Está decidida mesmo a arrumar uma distração? — ele questiona jogando uma camiseta do outro lado do quarto, acertando o cesto de roupa suja. Organização nota zero para meu melhor amigo.
— É, algo novo, sei lá, não estou criando expectativa — dou de ombros e jogo mais um dardo. Dessa vez bem pior que do que os outros, quase abri um mini buraco na porta de madeira. Luís olha para o local e depois para mim, sorrio contida e paro de rodar cadeira, apoiando meus braços nos do meu assento. — Não são perigosas essas coisas de bate papo? Quer dizer, a gente não conhece ninguém do outro lado da telinha, tem bastante gente agindo de má fé por aí.
— Bom, eu sigo as regras de "não mande seu endereço, não diga locais públicos para onde você está indo e nem poste localização aproximada" — respondeu colocando algumas bermudas na mala verde. — Funcionam há seis meses.
Depois jogou-se na cama, mudando a música de Roar da Katy Perry para Mirrors do Justin Timberlake. Música. Nós quase vivemos disso, não tem uma trilha sonora para nossos dias, porém estes são sempre acompanhados de alguma música.
— Cansei de arrumar esse trem! Você bem que poderia me ajudar!
— Você é um folgado! — digo e lanço o último dardo na porta. Porém, no mesmo instante alguém a abre e eu quase acerto o nariz da pessoa.
André surge no vão na porta com um sorriso. Usa uma camisa de manga comprida, porém fina e uma calça jeans. Ele abaixa-se e pega o dardo que caiu no chão.
— Que bela recepção — André entra ironizando e coloca a mão na cintura olhando para o irmão deitado com uma das mãos atrás da cabeça e outra mexendo no celular. — Você tá ligado que nós saímos daqui algumas três horas, não é?
— Você me lembra isso toda hora, mano — diz Luís, fechando os olhos por alguns segundos e murmurando a música fazendo careta, numa parte dramática da mesma. — Parece minha mãe com essas mãos na cintura.
André balança a cabeça e se vira para mim. O dardo brinca em seus dedos da mão direita e eu sorrio como se pedisse desculpas. André é aquele tipo de amigo que mais parece um irmão mais velho e que todos adoram. Quando a família dele, que obviamente se resumia a tia Juliana e ao Luís, mudou-se para cá, ele veio falar comigo quando eu estava fotografando na praça, depois que eu conheci o Luís no primeiro dia de aula.
Por algum motivo eu não me apaixonei de cara, nem tive aquele tipo de amor platônico que todo mundo tem pelo irmão mais velho do melhor amigo. Ele é um garoto lindo, uma das melhores pessoas que conheci desde que me entendo por gente, mas nossa relação sempre foi baseada em amizade, assim como era comigo e com o Luís. Minha vida era cheia de clichês — o meu (ex) querido professor, o irmão do meu melhor amigo —, mas contrariando a todos, meu coração optou por não seguir nenhum. E eu sou feliz por isso.
— E aí, Sasá, como você tá? — ele vem até mim e se apoia na escrivaninha do irmão.
— Bem, apenas sendo ignorada pelo meu melhor amigo porque ele não larga esse celular! — reclamo. Pego o travesseiro que está no meu colo e jogo na cara do Luís que digitava em seu celular, desatento às coisas à sua volta.
Luís me olha e depois volta para o celular. Bufo e André ri, porém se abaixa e fala só para eu ouvir:
— Vamos ali fora, quero ver o que minha mãe vai achar de aparecemos sem o Luís na sala.
Abro um meio sorriso e me levanto.
— Até daqui a pouco, Luís Henrique Azevedo Cavalcanti, espero que esse celular te engula — despeço-me e sigo André até a porta.
— Também te amo, Sabrina Almeida! — Luís grita depois que eu e Andy passamos pela porta. Vamos para a sala, onde está a sua mala e sentamos no sofá. Então ele ri, passa o braço pelo meu ombro e começa a dizer:
— Vamos ver se vai continuar amando depois de...
— Luís Henrique, eu espero que você tenha terminado de arrumar essa mala! — Tia Juliana berra, aparecendo e cruzando o corredor segurando a uma vasilha da batedeira e uma espátula grande.
Começo a gargalhar junto com André e logo depois tia Juliana volta, segurando agora um celular.
Vocês são muito maléficos. Gosto assim.
Toca aí, Consciência.
Não exagera na intimidade.
Tchau!
📷📱📌
André coloca a mala dele e do irmão na parte de trás do furgão da tia Juliana. Ela trocou um carro por aquela Kombi para poder fazer o transporte dos seus doces, que ela faz por encomenda e são maravilhosos. Além dos que leva para o Instituto Mário Penna, um hospital que trata de crianças com câncer, ela é a alegria das crianças de lá na primeira quarta-feira de todos os meses. É uma promessa que paga há três anos, por causa de alguns problemas médicos que Luís teve no segundo ano deles aqui em Belo Horizonte.
— Sasá! — André aparece, tirando-me do meu devaneio e me carrega em um abraço, eu sorrio.
Qualquer dia esses meninos nos mata de tantos sustos que levamos...
— Manda notícias, hein, maninha?!
— Pode deixar, Andy — Dou um beijo em sua bochecha, ele sorri e se afasta.
— A gente se vê em quinze dias, baixinha — Luís então vem e me abraço. Eu sorrio, mais uma vez, em meio ao abraço e já começo a sentir saudade da sua ironia. — Vê se não se apaixona por aí, não vou aguentar suas músicas melosas.
— Cala boca, Luís. — Carinhosa igual um cavalo dando coice. — Até lá, magrelo. — Passo meu braço por sua barriga coberta por uma camisa do Crash Bandicoot e o aperto. — Manda lembranças ao Rubens.
— Pode deixar. — Ele beija minha testa, todo carinhoso, e vai até a mãe, que ainda está com seu celular. Em seguida volta e me estende um papel com um número. — Felipe Fernandes, ele gosta de games e livros, tem um grupo com interesses em comum aos seus, ou algo do tipo. Manda uma mensagem pra ele e diz que você a amiga do Xbest02, beleza?
— Só chegar e falar assim, de boa? — Ele assente rindo. — De boa, lógico, claro, só chamar, né?! Obrigada, magrelo!
Eles entram no furgão que tem suas laterais decoradas e com a logo dos "Doces da Ju" e alguns desenhos de bolos, tortas e guloseimas em rosa, branco e azul claro. Como sempre, Juliana está no banco do motorista e meus amigos ocupam o lugar ao lado dela, e um reserva atrás. Ela os levaria para o aeroporto de Confins e de lá já iria fazer uma entrega em Venda Nova, próximo da região norte de BH.
— Boa viagem! — aceno e tia Ju arranca. Então meus amigos vão embora, deixando-me com um número com DDD da Bahia na mão.
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Twitter: eoreovlivro
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