Capítulo 15 - O Novato
Cianeto e Arthur seguem para a frente da sala. Meus olhos estão mais abertos que o normal e preciso fechar a boca porque meu queixo já está no chão.
Quando, em um milhão de anos, poderíamos imaginar que iríamos estudar na mesma sala do garoto de Sabará?
Nunca. É a única resposta que consigo dar para minha Consciência.
Notando que está sendo encarado, os olhos de Arthur caem sobre mim, mas diferente da minha reação, ele não parece surpreso. Apenas admirado. E eu estou louca para arrancar esse sorriso sacana dos lábios deles.
— Então... — Cianeto começa, jogando seus longos cabelos para trás, esperando que o garoto complete com seu nome.
— Arthur.
— Certo, Arthur. Apresente-se para a turma — pede, indo se sentar em sua mesa, com todos os trabalhos em mãos. — Diga de qual escola veio, porque se mudou, essas coisas.
Arthur diz que sua família se mudou há pouco tempo, e que ele veio para nossa escola, porque um dos motivos da mudança da família foi a precariedade da antiga escola dele. Ele não aprofunda o assunto, Cianeto gosta disso, ergue os olhos apenas uma vez.
— Sente-se ao lado da Sabrina — indica ele, apontando para mim.
Para nós!
Arregalo os olhos, desviando-os entre Arthur e Cianeto. Não posso acreditar nisso. Arthur caminha despojado e distraído até a carteira ao meu lado, a mochila apoiada em apenas um dos seus ombros faz que vai cair, porém ele a segura antes que chegue ao braço. Nem percebo que prendi a respiração até soltá-la quando a mesa e preenchida por uma mochila cinza, que pelo modo como ele a colocou esbarra na minha bolsinha de lápis, fazendo com que esta caia, aberta e carregada de objetos, diante dos meus pés. De novo, não!
Bufo enquanto arredo¹ a carteira para juntar tudo, dessa vez, diferente do dia das maçãs, meu novo colega de classe se abaixa comigo.
— Não vai ficar brava de novo, não é, Sabrina?! — Olha-me de soslaio, com seu sorriso sorrateiro e me ajuda a recolher meus matérias. A ênfase que ele deu em meu nome é notória, e isso só me faz revirar os olhos.
— Uma semana foi o bastante para lembrar a educação que sua mãe te deu, Arthur? — ironizo, também frisando, fechando a bolsinha e levantando. Volto a me sentar e ele faz o mesmo na cadeira do meu lado.
— Ah, qual é?! Aquele foi só um momento de surpresa — ele faz uma pausa quando Cianeto olha para nós sobre os ombros e bate no quadro duas vezes com o pincel de tinta preta que ele usa para passar a matéria revisional. Arthur assente e tira um caderno da mochila, eu volto a escrever, até que o garoto ao meu lado continua a falar: — Não esperava te encontrar em Sabará. O que fazia lá?
— Visitava minha tia — respondo vagamente dando de ombros e tentando focar minha atenção apenas no quadro. Contudo, minha curiosidade me faz questioná-lo. — E você?
— Meu avô, estava com ele para agilizar a mudança. — Dá de ombros também, indiferente. — Confesso que foi uma surpresa te encontrar por aqui.
— Digo o mesmo — imito-o e ficamos em silêncio, apenas copiando a matéria. Talvez seja melhor assim.
📷📱📌
O intervalo até que chega rápido e sem mais troca de farpas entre mim e Arthur. Quer dizer, isso até ele começar a me seguir desde que saí da sala a caminho das mesinhas do pátio para me encontrar em Luís.
— Por que está me seguindo? — questiono, cruzando os braços e parando no meio de um corredor com grande fluxo de alunos que desejam acesso à cantina e aos blocos de sala superiores.
— Não conheço nada nem ninguém, além de você, aqui. — Enfia as mãos no bolso da blusa de frio cinza e grande. — Vamos supor que eu fique perdido.
— Você não tem cara de quem fica perdido...
— Nós, mineiros, somos bem receptivos, você não tem cara de ser o contrário — rebate, chegando ao meu lado depois de praticamente nadar contra uma correnteza de alunos. — Não desonre seu estado! — Bufo, mas acabo sorrindo.
— Vamos logo, tenho que vir pegar meu lanche depois — digo para esconder o sorriso e volto a andar.
— Não me importo de pegarmos agora — comenta enquanto andamos.
— Vou encontrar meu melhor amigo primeiro, gênio — brinco e avisto Luís há alguns metros. — Olha ele ali.
— Aquele grilo?
Viro-me de olhos arregalados para Arthur.
Como ele ousa caçoar de Luís? Ele acha que é quem? Nós?
— Ei! Só eu posso zoar meu amigo — pontuo passando por zangada e noto que Luís já percebeu minha presença e do ser ao meu lado.
— Ai! Beleza, relaxa — Arthur recua quando ameaço beliscar sua costela.
— Ow! Quem é esse aí? — Luís indaga encarando Arthur ao meu lado. Depois seus olhos castanhos e pequenos desviam-se para mim. — Espera aí! Eu ganhei a aposta, na moral?
— O quê?! Não! — disparo com as sobrancelhas arqueadas em pânico. — Tu não ganhou nada e esse é só o Arthur, um novato.
— Que aposta? — Arthur pergunta, confuso. — Só o Arthur? Achei ofensivo.
— Sabrina...
Eu tenho noção do que Luís está pensando: eu andando com um novato, não por ele ser novato, mas sim por ser uma pessoa que eu não devia conhecer, é algo incomum. Sempre tive dificuldade em fazer amigos e agora apareço ao lado de um garoto que acabei de conhecer. Além disso, o tratando como amigo, afinal, eu não tentaria beliscar alguém que não tivesse um mínimo de contato, é verdade, sou tímida demais para isso.
Para Luís, a cena diante dos seus olhos é, no mínimo, estranha.
— Luís...
Contudo, ele também sabe que não estou mentindo, em parte, ainda existe uma dúvida diante da aposta feita, mas eu apenas estou dando um apoio a Arthur, mesmo que ele tenha me irritado no nosso último encontro.
— Vocês se comunicam por código morse? — Arthur indaga, cortando meu contato visual com meu amigo. Eu e Luís o encaramos, depois voltamos a nos encarar.
— Basicamente — respondo, enquanto Luís dá de ombros. — Agora vamos para a cantina, estou morrendo de fome.
Enquanto retornamos para o corredor da cantina, pego meu celular. São 15h e cinco. Erik já deve ter saído da sua aula de música — que passou para tarde durante as férias. Abro a conversa, sua foto de perfil sorri para mim, e antes que eu perceba estou sorrindo de volta. Tão logo, digito.
[Erik]
Sasá: Salvador também é um ovo?
Erik: O quê?
Sasá: É que chamam BH de ovo porque sempre acabamos nos esbarramos novamente com pessoas que vimos uma única vez na vida. Isso acontece aí também?
Erik: Não que eu saiba, mas por que diz isso? Esbarrou em alguém que não esperava?
Olho por cima do meu ombro, Luís parece estar mostrando, enquanto aponta com seus finos e longos dedos, a escola para Arthur. Parecendo notar meu olhar, nossos olhares se encontram, mas eu desvio o meu para meu celular.
Sasá: Podemos dizer que sim. Um garoto que conheci na casa do meu melhor amigo, mas só de vista, e depois nos encontramos nas férias, na cidade da minha tia. E qual foi minha surpresa em saber no primeiro horário de aula que ele estudaria na mesma sala que eu?! E do meu lado ainda por cima.
Erik: Ele está te perseguindo?
Sasá: Não, não é pra tanto, mas achei estranho. Muita coincidência.
Erik: Entendi.
Ele está estranho. Não costuma ser tão direto, responder com uma simples palavra. Não que eu o conheça o bastante para perceber e tentar interpretar o que ele está sente, mas eu sei que há algo de errado. Seria por algo que falei? Ou por algo que aconteceu a 1.466 quilômetros daqui?
Sasá: Quando quiser me falar o que vc tem, é só me chamar, ok?
— Com quem que você está teclando? — Luís surge ao meu lado e no mesmo instante eu guardo o celular no bolso de trás da calça.
— No grupo, com meus novos amigos, uai — minto. Não sei exatamente porque, talvez seja para evitar certas perguntas.
— Mas você não tinha dito que sairia do grupo por causa dos estudos?
Você é realmente uma gênia, Sabrina! Céus! Gênia da lerdeza!
Ei!
Eu tinha saído, ontem, por esse motivo mesmo. Disse que adorei as poucas semanas que passei conversando com eles e que quando, pelo menos, a semana de provas e recuperações passasse eu poderia voltar tranquilamente. E agora, estou diante do meu melhor amigo, dizendo exatamente o contrário do que acontecera.
— Ainda não sai — dou de ombros. — Alguns ainda estão de férias, por isso eu...
— Apenas o Erik está de férias, até mesmo o Felipe já voltou às aulas — interrompo-me, colocando as pontas dos dedos no queixo, enquanto cede espaço para que eu passe na porta primeiro.
— Então, eu... — Penso, buscando uma resposta.
— Quem é Erik? — Salva pelo gongo. Com a dúvida de Arthur eu posso muito bem fazer Luís esquecer, por um tempo, suas indagações. Melhor assim.
Enquanto pegamos os lanches e seguimos para uma mesa ao fundo, eu conto sobre o "Mais que Livros" para Arthur, não entro muito no assunto Erik, apenas porque acho que não devo, agora, e porque eu poderia soltar qualquer coisa que me denunciasse para Luís. Era melhor evitar.
— Um amigo virtual?
— É, conheci por causa desse grupo — solvo o líquido do copo metálico e pego mais um biscoito do potinho, então aponto para meu melhor amigo, abrindo um sorriso malvado — E graças ao Luís, já que ele me deixou sozinha nas férias...
— E você foi procurar uma distração melhor que suas séries — ele completa, cortando-me, e também sorri dando de ombros para minha provocação.
— Falando em série, tia Rafaela me apresentou uma nova, The O.C, conhecem? — pergunto aos dois garotos à minha frente. Ambos negam. — É bem legal, na verdade. Assisti alguns episódios antes de te conhecer, Arthur.
— Aliás, como assim vocês já se conhecem antes mesmo dele vir para cá? — Luís questiona, parecendo lembrar-se do atrito velado entre mim e Arthur enquanto íamos de encontro a Luís. — Vocês pareciam bem... hum... chegados quando nos vimos.
Agora paro para pensar. Arthur devia ter se mudado com a família no início das férias, pois o vi pela primeira vez na casa da tia Juliana, mãe de Luís, quando este estava no Espírito Santo. Então, talvez, enquanto seus pais organizavam as coisas aqui na capital, Arthur passava as férias com o avô, em Sabará, onde nos encontramos pela segunda vez.
— Na primeira segunda-feira de recesso, eu fui à tarde para a casa da tia Ju... — explico resumidamente a Arthur que Juliana é mãe de Luís, eles ficam impressionados com as coincidências. — O Arthur a ajudou a levar para casa algumas coisas e eu o conheci quando abri a porta. Só isso.
— É, e depois ela ficou bravinha em Sabará porque derrubei as maçãs que ela ia comprar — eu o olho raivosa. Bravinha? De novo esse apelido nada a ver! — Na verdade a gente só tinha se esbarrado sem querer.
— Mas tu nem sequer se abaixou para me ajudar, uai! Lógico que eu ia ficar brava — cruzo os braços.
— Agora entendi as faíscas que saíam de Sabrina enquanto vocês andavam — Luís balança a cabeça com uma sobrancelha arqueada. — Nunca amasse maçãs dessa Branca de Neve aí.
— Pode deixar, mano — Arthur ri, levanta-se e diz que vai ao banheiro.
Abro a boca em espanto e dou um tapa em Luís.
— Não sou nada branca e tu sabe que de todas, para mim, a Branca é a princesa mais sem graça — reclamo, finalizado meu lanche, rodo meu celular na minha mão.
— Eu sei, eu sei. Ai! Foi brincadeira! — Esfrega o lugar que meu tapa acertou. — Ei, por que você 'tá falando "tu"? Não falava assim antes de sairmos de férias.
— Resultados dos meus dias com pessoas de diversos lugares do país. Sotaque, variabilidade linguística, essas coisas... — Sorrio. — É massa!
— Ainda não me acostumei a dizer "massa" como o Felipe, você pega sotaque fácil — observa dando de ombros e sorri também. — Sabe? Até que eu estava com saudades tuas.
Nos levantamos depois de Luís apontar para o relógio às minhas costas, numa das paredes da cantina. Poucos segundos para o fim do intervalo. Gargalho e passo um dos meus braços por seus ombros magros.
— Awwn, que fofo — brigo e mexo no cabelo de Luís, fazendo ele se afastar.
— Disso — aponta para minha mão —, eu não senti saudades.
— Você é um fresco, garoto! — Tento mexer no seus cabelos de novo, mas ele desvia. Alguns metros de nós, vejo o novato se aproximar.
— O intervalo ainda não acabou? — No instante em que ele acaba de perguntar, o sinal indicando o fim do intervalo toca.
— Agora acabou. — Sorrio e suspiro. Antes de seguirmos para nossas salas, eu olho meu celular. Não há nenhuma resposta de Erik.
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¹Vem do verbo (mineiro) arredar, que é o mesmo que arrastar, no contexto. Também pode ser usado com o mesmo significado de "dá licença" quando pede-se que uma pessoa saía da frente e dê lugar.
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Enfim postei! Não me matem pela demora, por favor, tô voltando aos poucos ao ritmo de escrita. Agora sabemos quem é que é o novo coleca de classe de Sabrina, não é? Mas acabamos com outra duvida, o que será que Erik esconde e quem será que ganhou a aposta?
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