Capítulo 14 - Volta às aulas
O teto do meu quarto nunca me pareceu tão interessante quanto hoje. Não há nada para fazer nessa quarta-feira, véspera de volta às aulas. Meu irmão foi para a casa de alguns amigos da nossa rua, meu pai ficou aqui, mas não sinto vontade de fazer qualquer coisa além de ouvir toda minha playlist bad no último volume.
Pego meu celular e mudo de música. Too Little Too Late, da JoJo começa a tocar e eu fico sussurrando a música baixinho. Entro no Twitter e tuito: "Só preciso de alguém para me tirar desse tédio".
Redes sociais não é algo que eu viva acessando ou conheça a fundo. Ainda que tenha poucas, com certeza não há uma mais liberal e sem julgamentos como o Twitter.
Quando eu entrei pela primeira vez, muito tempo atrás, o André veio com o lema: no Twitter você pode ser 1) ignorado quando fala alguma coisa, ou 2) encontrar pessoas que passam pelo mesmo que você e vão (re)compartilhar o que você postou, porém sem se meter de fato. Elas apenas sentem o mesmo e deixa você sentir. E ainda que não busquem saber como você está, você ainda se sente bem por alguém passar o mesmo que você! É uma loucura, eu sei! Juro que não entendi muito bem no início, mas agora a visão é outra.
A primeira coisa que fiz após reativar minha conta, foi pedir o nickname do pessoal do "Mais que Livros". Fui adicionando todos e curtindo algumas postagens, isso não é de todo ruim. Acho que todos me mandaram o nickname ou me seguiram por achar, exceto o Erik. Talvez ele não fosse adepto a esse tipo de rede social. Confesso que eu queria que tivesse, poderia conhecê-lo melhor.
Antes que eu desbloqueie o celular, ele vibra com uma nova mensagem, quebrando completamente meu momento de tédio.
[Erik]
Erik: Fiquei sabendo que sua tia está grávida. Vai ganhar um priminho, hein?!
Erik havia ficado online por toda manhã, mas não tinha me chamado em momento algum. Admito que eu esperei algo dele, e fingi não me importar quando não veio. Trocamos algumas palavras no "Mais que Livro", porém não foi nada demais. Não foi nada só nosso.
Sasá: Ou priminha, 'haha! Mas como você sabe disso?
Erik: Tenho minhas fontes 👀
Sasá: Agora você conta! Porque nem meu melhor deve saber ainda, ele está sem Facebook ou internet...
Sasá: Espera aí! Você me achou no Facebook?
Sasá: E não me adicionou?
Erik: kkkkkkkkkk', você está brigando mais por eu ter te encontrado no Facebook e não ter te adicionado, do que por eu ter te stalkeado?
Sasá: Sim, oras! Que falta de consideração com sua amiga!
Sasá: E não acho justo você poder me stalkear e eu não poder fazer o mesmo contigo! :v
Erik: Não há nada muito emocionante no meu Facebook para ser stalkeado. Não é como você, suas fotos e sua playlist, que diga-se de passagem mostra que tu tem bom gosto.
"Tu", eu acho uma graça quem fala "tu".
Não, você acha a graça quando o Erik diz "tu". Até porque não conhece ninguém que fala "tu".
Isso também, Consciência. Eu admito, ok?
Sasá: Meu Facebook também não tem nada de emocionante. Passa o link vai, Erik! Já tentei te achar de várias formas...
Por que raios você disse isso, Sabrina? Bati na minha própria testa. Nem precisou da minha Consciência me xingar dessa vez.
Oxê, quem disse que eu ia falar algo? E quem liga para isso? Sinceridade é tudo, linda.
Eu ligo! Quero me afundar no gesso do meu teto e ficar com o rosto cheio de glitter arroxeado que tem em volta das minhas borboletas fosforescentes. Que vergonha.
Deixa de bobeira, Sabrina! Algo tão simples como admitir que você gosta do...
Fica quieta, Consciência! Você mora no meu cérebro, não no meu coração.
Até porque o coração é lugar de outra pessoa, que também possuí coração. Não de alguém que é criação do seu subconsciente, não é?
Erik: Tentou é?
Meu Deus! Pare, Erik! Simplesmente pare de me deixar mais constrangida.
Erik: Não tem porquê não te passar. Mas vou fazer melhor que isso. 'Peraí!
Sento na cama com um pulo e espero. Meu pai me grita, chamando-me para o café da tarde. Porém eu não me movo. Fico olhando a tela, esperando algum sinal. Alguma coisa. Segundos depois, ela vem.
"Erik Vieira Souza lhe enviou uma solicitação de amizade."
Meu coração dá um salto involuntário. E eu preciso respirar fundo antes de entrar de fato no seu perfil. Chegou minha vez de stalkear.
Na foto de perfil, Erik parecia estar numa praia, o sol está na sua frente, e o mar, atrás. Novamente estão ali aqueles olhos castanhos esverdeados expressivos e que ainda me impressionam com sua singularidade. Com a luz do sol refletindo, pareciam avelã, com uma tonalidade sem igual. O sorriso perfeitamente largo com as covinhas nas maçãs do rosto. O cabelo "negro como carvão" sendo empurrado pelo vento para o lado. Uma ruginha de preocupação no meio das sobrancelhas era a única marca de expressão vista. Ele é, de fato, muito lindo.
Na capa tem uma foto dele com um garoto, Felipe e sua inconfundível pele branca. Há também uma garotinha que não parece passar dos cinco anos, que deduzo ser a Clara, irmã de Felipe, ela é uma "coisinha fofa" como Erik me falou certo dia. Diferente de Felipe, que deve ficar aprisionado dentro de casa para ter uma pele tão branca em um estado como a Bahia, Clara e Erik são bem bronzeados, porém nada que chegue ao meu tom definitivo.
Erik não atualiza muito o status, mas, assim como eu, os que estão aqui têm frases de músicas, citações de livros, essas coisas... Tem poucas fotos, a maioria são de pessoas que o marcaram em publicações e não dele sozinho. Abro uma dele com uma mulher que parece ser a mãe dele, "Dona Ana" como ele mesmo denominou em uma de nossas conversas. Ela tem as mesmas covinhas e a ruginha do vão das sobrancelhas que ele, porém seus olhos não têm a mesma cor dos dele. Talvez ninguém mais no mundo tenha.
Só agora eu noto o quanto sei dele também. Achava que só o contrário acontecia. Não posso estar mais feliz por estar errada.
Aceito a solicitação e volto para o WhatsApp, pois há uma nova mensagem de Erik.
Erik: Caramba! Dez minutos stalkeando! Nem tem tantas fotos para ver assim.
Sasá: Mentira! Nem foi isso tudo...
Erik: Ah, não?! Então olha aí o horário da última mensagem.
16 horas e 39 minutos. Agora são 16 horas e 50 minutos. Ele está mais que certo, porém eu não vou admitir que estava olhando tudo o que podia sem nem mesmo me importar com o tempo. O tempo tinha parado enquanto eu conectava suas fotos com as coisas que ele havia contado.
Sasá: Não demorei porque 'tava olhando suas fotos! A internet está meio ruim e demorou a abrir, uai...
Erik: Mas, espera... Quem te falou que você estava olhando minhas fotos?! 'Kkkk, caiu na própria mentira, Leta!
Merda! Escrevi a coisa mais besta e ainda cai no meu próprio erro! Estou morrendo de vergonha mesmo que com uma mensagem do celular.
Erik: Adoraria ver você corada de vergonha agora, suas fotos são muito boas...
Sasá: Nem 'tô corada! E nem daria para notar, Deus me abençoou com muita melanina.
Sasá: ah, obrigada, ainda estou longe de ser uma profissional, mas tento. :)
Erik: Devia se profissionalizar...
É. E quero muito. Só que tenho medo de falar com meus pais e eles irem contra mim. Doeria-me muito mais do que as palavras saindo pela boca dos meus avós doeram. Por isso meu receio de falar sobre o curso antes de preparar o terreno. E eu tenho que ser rápida, pois as inscrições começam na segunda-feira, e as vagas, mesmo que para o curso pago, são limitadas.
Conto isso para Erik. Falo do curso, do meu medo, e do meu sonho, que ele já conhecia em parte.
Erik: Você não tem que ter medo. Seus sonhos devem ser maiores que seus medos.
Sasá: E você? Sua mãe apoia seu sonho de querer fazer música?
Erik: Muito. Tenho aulas de violão desde bem pequeno. Acho que meu amor pela música começou por causa do meu pai. Eu não lembro, mas ela conta que ele cantava pra nós, quando íamos à praia ou estávamos juntos em casa num final da tarde.
Sasá: Tem fotos dele?
Erik: Tem algumas que minha mãe guarda. A partir delas consigo montar alguns cenários, épocas e lugares, aí vou lembrando de algumas coisas que aconteceram antes dos meus seis anos.
Sasá: Posso ver uma?
Acho que nunca estive tão interessada na vida de alguém como estou na de Erik. Não sei. Não me compreendo. É como se eu, com cada informação que ele vai passando, aceitasse que ele real. Que não é só mais uma imaginação da minha cabeça. Que eu possa estar gostando de alguém de verdade, do outro lado da tela, não por uma ilusão da minha cabeça ou da internet.
Eu quero que você seja real, Erik...
Dessa vez não é minha Consciência falando, talvez ela esteja dormindo — depois de me irritar tanto, e eu pensando, sozinha. Não digo que é melhor assim, querendo ou não, as opiniões da Consciência merecem ser levadas em consideração, algumas.
Uma foto aparece em segundos no meu ecrã e carrega demoradamente — não menti sobre a internet ruim — até baixar por completo. Nela estão um homem e uma mulher de no máximo 25 anos, e um garotinho de mais ou menos cinco anos. O garoto é o Erik e os outros dois, sua mãe, Ana, e seu pai, que eu ainda não sei o nome.
Parecendo ler meus pensamentos a distância, uma nova mensagem de Erik chega com uma resposta.
Erik: O nome dele era Fabrício, se foi com 24 anos. Essa foto foi tirada um ano antes do acidente, estávamos no Ibirapuera em São Paulo.
Sasá: Vocês pareciam felizes...
Erik: Éramos. E somos ainda, mas meu pai foi substituído por uma saudade sem fim.
Sasá: Sua mãe seguiu em frente?
Erik: Se ela encontrou alguém para "seguir em frente", como muitos dizem? A resposta é não. Mas dá para notar que ela não é menos feliz por isso. Ainda assim, se ela encontrar alguém que a ame como ela merece, eu posso até ficar com ciúmes, porém também ficarei contente por ela.
Sasá: "O amor aparece nos lugares mais inesperados."
Erik: Mentira que você assiste Once upon a time!
Sasá: Assisto, bem pouco. Só acho que vou ter que parar por causa das voltas às aulas. Não é meu objetivo bombar no último ano do ensino fundamental.
Erik: Preparada para voltar na segunda?
Sasá: Na verdade não, estou preparada para amanhã, minhas aulas voltam mais cedo :P.
Erik: Oxe! Isso é maldade.
Sasá: Pois é, já querem começar também com provas na próxima semana. Vou ter que me desgrudar do celular, assim como das séries.
Erik: É ainda mais maldade! Com quem vou passar a manhã toda conversando por mensagens?
Sasá: Minha aula é à tarde, querido amigo. Você não vai se livrar de mim tão fácil.
Erik: O objetivo nunca foi me livrar de você, querida amiga. Pelo contrário...
O que ele quer dizer com isso? Sinto vontade de perguntar, mas meu pai me chama mais uma vez.
Pais parecem ter radar para nos chamar em momentos importantes da nova vida amorosa! Consciência reclama fazendo círculos sobre a mesa da Torre de Controle, ou seja, o centro do meu cérebro. Uai, ela acordou?
Mas espera aí! "Nossa vida amorosa"? O que você está falando?
Nada, Sabrina, você está ouvindo coisas do além!
Realmente, estou te ouvindo! Oh coisa do além!
Ignoro minha Consciência por um tempo, meu celular bloqueiou e meu irmão já está batendo na porta. Preciso conversar com o papai, o quanto antes. Talvez seja uma das minha chances de iniciar a conversa sobre o curso. Afinal, conversar com meu pai é mil vezes mais fácil do que com minha mãe.
Sasá: Ei, querido amigo, não sei se você viu no twitter de alguém ou se apenas esconde o seu de mim [(in)direta mesmo], mas obrigada por me tirar do tédio ❤
Sorrio, largando o fones e o celular sobre a cama. Levanto-me e saio do quarto.
📷📱📌
— Pai... — começo com certa insegurança quando ele me encara com a xícara de café perto da boca, na maior representação de Robert Downey Jr. em Sherlock Holmes. — O Luís ficou sabendo que haverá um curso de fotografia com duração de seis meses a partir de agosto e que as inscrições começam na segunda eu quero muito participar pai!
Solto tudo, engolindo todas as vírgulas, tamanho o nervosismo. Por fim bufo, expelindo toda a respiração presa.
— Desculpa!
— Parece sua mãe falando tudo o que eu não faço em casa — comenta sorrindo, deixa xícara sobre a mesa e começa a passar manteiga uma torrada. — Não diga a ela, mas não consigo entender nada.
Eu rio jogo meu cabelo para trás. Realmente não dá para entender o que minha mãe diz na maioria das vezes em que está ordenando ou irritada com algo.
— O que você quer tanto me falar? — incentivou-me.
— Então, eu tinha que conversar com você e com a mamãe, mas eu prefiro falar com você antes. — Enrugo meu nariz por estar enrolando demais. — Um dos fotógrafos mais conhecidos de BH vai promover um curso de fotografia, que dura seis meses, e as inscrições vão começar segunda-feira. Você e a minha mãe sabem o quanto eu amo fotografar! E eu quero muito participar.
Meu pai demonstra interesse de início. Pergunta-me mais sobre o curso e o quanto poderia ser importante para mim na carreira que eu sonho em seguir. Contudo, enquanto eu lhe mostro tudo que posso aprender com o curso, vejo que ele está saindo pela tangente. Apenas ouvido tudo superficialmente. A verdade é que ele não passa por cima de uma decisão justa da minha mãe. E por isso, ele quer esperar que ela chegue para dar alguma opinião sobre. Isso fica mais que claro quando o mesmo diz:
— Vamos esperar sua mãe chegar, para conversamos melhor sobre isso, certo? — Ele junta todos os papéis sobre o curso que imprimi há algumas horas e estava guardado no meu quarto, havia buscado quando estávamos conversando. — Afinal, seria um custo a mais para nós e você teria também algo além da escola para se preocupar.
— Tudo bem, pai. E eu sei disso, mas eu prometo me empenhar. — Junto minhas mãos e o olho nos olhos. — Eu vou me esforçar tanto na escola quanto no curso.
— Não duvido disso, filha. Mas vamos esperar sua mãe chegar — insiste. Assinto com a cabeça guardando para um suspiro de descontentamento.
Por fim, minha mãe chegou, fez nosso jantar e foi para o quarto dizendo que estava cansada e morrendo de dor de cabeça. Não quis me ouvir, disse que poderíamos conversar amanhã, ao fim da minha aula.
Isso me desmotivou por completo. Eu sabia do peso no orçamento da casa e a preocupação com o final do meu ensino fundamental. Porém custava apenas me ouvir?
Eu já não estava tão confiante que sua resposta para minha proposta seria positiva.
📷📱📌
Gostaria de saber quem disse que a melhor época para as provas do segundo trimestre é apenas uma semana após a volta às aulas. Temos só uma semana de revisão de todas as matérias e logo somos metralhados com provas destas. Minha escola tem disso, e é horrível.
Depois de ir com Luís até sua sala enquanto ele me contava tudo que fez nas férias no Espírito Santo — além do que já me contou —, eu sigo para minha sala com um par de conchas na mão. Um dos meus presentes. Elas têm o formatinho certinho certinho, nenhuma quebrada. As cores formam um mistura de rosa, dourado, salmão e branco. Tem todas as linhas bem traçadinhas. Lindas.
O sinal da primeira aula toca. É o horário do Cianeto e eu tenho em mãos meu trabalho de Ciências para esfregar na cara dele — não que eu vá fazer isso, claro.
Entro na sala e sigo para minha mesa, a terceira da fileira da janela. Ninguém se senta na carteira do lado desde março, quando uma colega nossa saiu do país e consequentemente mudou de escola.
A janela e a visão de uma parte da cidade tomam minha atenção. Já perdi as contas de quantas vezes subi no último andar, onde fica o auditório da escola, e ao passar pelo corredor tirei uma foto daquela vista.
Após passar a matéria, que na verdade é uma revisão para a prova da semana que vem, Cianeto começa a recolher os trabalhos. Deixo na mesa ao lado e começo a copiar. Diferente das salas comuns, a minha possuí a porta nos fundos, de frente para o quadro. Por isso, quando alguém chamou o Cianeto, eu nem virei para ver quem poderia ser. Mas aquela voz soou muito, mais muito familiar.
— Posso entrar? — questiona a pessoa, às minhas costas.
Vira logo para saber quem é, Sabrina! Não tenho olhos nas suas costas!
— Turma — Cianeto chama e eu bufo, pronta para me virar. Porém torna-se desnecessário quando ele e a pessoa que vêm para frente da sala —, como podem notar, iniciaremos o semestre com um novo colega de classe.
O que ele está fazendo aqui?
📷📱📌
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