5 - O mando
"O mando há de ter como qualidades: sabedoria, sinceridade, benevolência, coragem e disciplina."
- A Arte da Guerra.
Brooklyn acordou resmungando, levantou a cabeça para olhar a hora no relógio em cima da mesa de cabeceira, chegou a conclusão de que poderia dormir por mais alguns minutos e enterrou a cabeça no travesseiro.
“Acorde, vadia, eu estou entediado”, o Lobo disse. Ela resmungou uma serie de palavrões para ele, tentando empurrar a consciência dele para o fundo da mente, acabou ficando mais alguns minutos deitada por teimosia, mas o Lobo começou a cantarolar Monster do Skillet na cabeça dela, dificultando para ela pegar no sono novamente. “It comes awake and i can't control it...”*
— Você é um pé no saco da porra, sabia? — Brooklyn xingou ao empurrar as cobertas para o lado com violência e se por em pé, o Lobo riu e começou a cantarolar uma música diferente.
A garota caminhou até o banheiro para tomar um banho frio, deixando que a água escorresse por seu corpo e despertasse os músculos sonolentos, depois de sair de baixo do chuveiro e se enrolar em uma toalha, se posicionou na frente da pia para escovar os dentes, mas se deteve ao olhar o próprio reflexo no espelho, estava com olheiras profundas embaixo dos olhos, não dormia direito já fazia algumas noites, e quando dormia o sono era inquieto, estava preocupada e — apesar de preferir morrer a admitir isso — estava com medo.
Brooklyn atravessou o corredor até as escadas correndo como sempre fazia, já prontamente vestida e higienizada, ela morava com a família em um casarão antigo, porém, bem conservado, as escadas e as portas eram feitas com madeira de castanheira elegantemente entalhadas — apesar de algumas delas terem sido rabiscadas pelas crianças com giz de cera e lápis de cor — elas eram sempre restauradas a cada dez anos, o papel de parede um dia fora importado, mas por ser a maior vitima da arte infantil, fora trocado por um mais acessível, havia quadros pendurados nas paredes, alguns grandes e antigos com pinturas famosas, outros menores e mais recentes com fotos de família, uma tapeçaria cobria o chão e lamparinas elétricas que foram feitas para se parecer com as antigas a gás iluminavam o lugar, o corredor acabava em uma balaustrada que se dividia em duas escadas espirais em cada ponta, os dedos de Brooklyn deslizaram sobre o corrimão, os passos rápidos trovejaram nos degraus, que terminavam em um enorme salão principal, havia um lustre — extravagante demais na opinião de Brooklyn — no teto entre as escadas, um tapete enorme cobria o chão do salão, que era salpicado de poltronas marrons confortáveis, depois de atravessar o recinto a passos largos, ela finalmente chegou na sala de jantar, podia ouvir o burburinho de vozes antes mesmo de passar pela porta, o lugar estava cheio, como sempre, os Campbell se moviam em torno da mesa comprida como abelhas ao redor da colmeia, Brooklyn procurou uma cadeira vazia e se jogou sobre ela, a cadeira se inclinou perigosamente para trás, fazendo o coração de Brooklyn acelerar com a sensação da queda, mas por sorte ela conseguiu manter o equilíbrio se segurando na quina da mesa.
— Ei, garota! Esse lugar é meu, eu cheguei primeiro! — esbravejou uma voz feminina por cima do barulho da sala, Brooklyn levantou os olhos para tia Moereen (ou tia Moe, como ela gostava de ser chamada), ela era inegavelmente uma Campbell, com seus cabelos negros cortados curtos e olhos azuis cobertos com maquiagem vintage, tinha a testa franzida com irritação.
— Agora é meu — Brooklyn sorriu adoravelmente para ela.
— Ah, quer saber? Pode ficar — ela se virou e acenou irritadamente para a sobrinha com as unhas pintadas de vermelho, como se espantasse uma mosca — Sei como você gosta de sentar.
Brooklyn riu, e guardou a frase na sua caixinha mental de “PIADAS MALICIOSAS RUINS”. Ela olhou em volta, a família Campbell era composta por catorze membros no total, mais outros cinco membros da alcateia, todos morando sob o mesmo teto, o que provocava um grande tumulto na sala de jantar durante as refeições, todos brigando uns com os outros por lugares a mesa ou pela comida, Brooklyn conseguiu surrupiar algumas frutas e mini pãezinhos e colocar em seu prato antes que os recipientes fossem arrancados de suas mãos, mas não teve a mesma sorte com o café, quando virou a garrava térmica sobre a xícara percebeu que ela já estava vazia.
— Brook, querida. Você não vai alimentar o seu cãozinho?
Brooklyn estava prestes a levar o seu mini pãozinho a boca, mas parou no meio do processo quando ouviu a pergunta, no mesmo momento as conversas pararam e todas as cabeças se viraram para ela, os pais de Brooklyn nunca a deixaram ter um bichinho de estimação, e agora ela percebia o porque, como pode se esquecer do Caçador preso no porão? Ele era perigo, ela se sentiu como se tivesse armado um bomba relógio em baixo da casa e tivesse esquecido de desarmar, totalmente irresponsável.
— Espera um pouco — disse tio Yuri, ele era o segundo tio mais velho de Brooklyn, usava os cabelos pretos cortados bem rente a cabeça e tinha uma cicatriz abaixo do olho esquerdo — Aquela coisa ainda está aqui?
Ela suspirou em resposta. Ouve um momento de silêncio no qual ninguém disse nada, o que era um milagre naquela família tão barulhenta, dava para perceber que todos estavam muito conscientes de que Brooklyn havia trazido um Caçador para dentro de casa e não estavam nem um pouco satisfeitos com isso, a tensão era palpável.
— Eu levo a comida para o... cara lá em baixo — James se voluntariou, quebrando o silêncio.
— Do jeito que você fala até parece que você vai levar comida para o diabo — Brooklyn disse a ele.
— Pois é.. — foi tudo o que ele respondeu depois de encher um prato e sair silenciosamente da sala.
Foi a deixa para que todos os outros levantassem, o único som na sala era o dos pratos e talheres sendo recolhidos, eles saíram pelas portas em uma procissão silenciosa, alguns levando seus pratos sujos para a cozinha, outros simplesmente foram para outros cômodos da casa, para fazer seu desjejum em um lugar que não parecesse um campo de guerra antes da batalha, deixando apenas tia Moe, tio Jason, Brooklyn e o pai dela, ela olhou para ele agora, tinha as mãos enterradas no cabelo castanho claro que ela havia herdado dele, a única coisa em sua fisionomia que indica que ela era uma Campbell eram seus olhos azuis, Bayron Redfild era um homem bonito, mas sua beleza estava apagada agora, os cabelos pareciam sujos e os intensos olhos verdes não tinham mais o brilho de divertimento que sempre tiveram, ele parecia doente, como se a morte da esposa tivesse levado a vitalidade dele junto com ela.
Mãe.
A palavra ecoou na mente de Brooklyn e ela sentiu um forte puxão no peito, esmagando seu coração e expulsando o ar de seus pulmões, fazia quase uma semana que a mãe havia morrido, a ferida no coração da família ainda estava aberta e sangrando, Peeira tinha sido uma mulher incrível, ela era forte, inteligente e gentil, ainda parecia impossível que ela tivesse morrido, a garota ainda esperava que a mãe descesse do andar de cima, sentasse a mesa a lado dela, colocasse uma mexa do cabelo de Brooklyn atrás da orelha como ela sempre fazia e sorrisse, aquele lindo e perfeito sorriso que podia iluminar até a noite mais escura.
Mas isso nunca mais iria acontecer, aquela casa tão cheia nunca parecera tão vazia.
— Pai... — Brooklyn chamou com a voz suave como seda, testando o terreno.
— Eu não sei sobre as suas decisões, Brooklyn — Bayron disse, ele não olhou para ela em nenhum momento ao se levantar e recolher o prato da mesa — Você é a alfa* agora, suponho que saiba o que está fazendo.
Ela o chamou de volta, mas ele saiu pela porta como se não tivesse escutado, Brooklyn fechou os e respirou fundo, magoada.
— Você já deveria ter se livrado daquele cara — tio Jason se pronunciou, ela tinha quase se esquecido que ele e tia Moe ainda estavam ali, ele era o irmão mais velho de Peeira, Moereen era a filha do meio, apenas quatro anos mais nova que ele, Jason fincou o garfo em um morango e olhou para a sobrinha como se estivesse sugerindo que ela se livrasse de uma roupa velha ao invés de uma pessoa.
Brooklyn soltou um longo suspiro, ela já havia discutido isso mais vezes do que poderia contar desde que ela e James trouxeram um garoto amarrado e inconsciente na caçamba da picape.
— Você deveria deixar ele se matar — sugeriu tia Moe, brincando com a comida no prato, fazendo uma pilha com as torradas, e espetando duas uvas de cada vez com palitos de dente para que parecessem formigas — Nos pouparia muito trabalho.
— Você está brincando, não é?! — Brooklyn exclamou, Moereen e Jason olharam para ela surpreso — Você está falando de suicídio! Que é uma coisa triste e horrível!
— Brooklyn...— tia Moe começou.
— E o que você pretende fazer? — Jason a interrompeu.
— Vou mantê-lo aqui até a lua cheia, vou ensina-lo a controlar o Lobo e então ele pode ir embora se essa for a escolha dele — Broklyn se levantou e deu um tapa tão forte na mesa que os pratos e talhares que ainda estavam sobre ela tremeram e tilintaram, a raiva exalava por todos os seus poros, mas ela manteve a voz firme e desafiadora — Mas de forma alguma eu vou deixar que alguém tire a própria vida sob o meu teto! A mamãe morreu e deixou essa alcateia sob o meu comando! E se vocês não estiverem de acordo com os meus métodos, sintam-se livres para ir embora como aqueles babacas.
Os tios de Brooklyn olharam para ela chocados, ela percebeu que tinha gritado a última frase, sabia que estava tocando em um ponto frágil, assim que Peeira morreu e passou o poder de alfa para a filha, muitos betas* da alcateia* foram embora e invadiram o bar onde era o QG dos caçadores, é muito comum quando um novo alfa assume o poder que alguns membros deixem a alcateia, mas foi chocante para Brooklyn quando pelo menos oito pessoas que ela considerava seus amigos a abandonaram e foram atrás de vingança, eles estavam mortos agora.
— Quando a lua cheia chegar os Caçadores virão atrás de nós — ela continuou dessa vez um pouco mais calma, mas ainda dava para ouvir o desafio em sua voz — Eu suponho que vocês vão querer estar em uma alcateia quando eles chegarem.
Dito isso ela se retirou da sala, quando passou pela porta do salão vários olhares caíram sobre ela, Brooklyn não olhou nos olhos de ninguém, ela percebeu que os outros também tinham ouvido seu discurso, ela não se importava, era até melhor assim, isso colocaria fim a discussão sobre o garoto Caçador. Ela caminhou a passos rápidos até o andar de cima, mas sem correr dessa vez, estava totalmente ciente dos olhares a seguindo. Brooklyn fechou a porta atrás de si quando finalmente chegou ao quarto, piscando para afastar as lágrimas.
“Garotas duronas também tem sentimentos”, o Lobo disse a ela de forma suave e tranquilizadora, bem diferente da habitual.
Brooklyn caiu de joelhos e se desmanchou em lágrimas, chorando por tudo que tinha perdido.
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Notas:
* Trecho da música Monster da banda Skillet "Isso acorda e eu não consigo controla-lo"
*Alcateia: bando ou grupo de lobos.
Alfa: é o lobo líder da alcateia.
Beta: são lobos membros de uma alcateia.
Omega: lobo solitário.
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