3 - O homem é lobo do homem
"O homem é lobo do homem, em guerra de todos contra todos"
- Thomas Hobbes
O sangue era ácido fervendo em suas veias, queimando e corroendo tudo dentro dele, todos os seus ossos doíam, Ash já havia quebrado mais ossos durante a vida do que poderia contar, mas isso era um novo tipo de dor, tão forte e intensa que ele mal conseguia respirar, toda a sua cabeça doía, como se o cérebro estivesse expandindo e se esmagando contra o crânio, forçando um caminho para o lado de fora, seus olhos ardiam tanto que Ash os sentiu como se brasa estivesse sendo esfregada contra eles, seus músculos tencionavam e rasgavam, ele podia senti-los se movendo em espasmos sobre a pele. Ele não conseguia pensar, gritava a plenos pulmões, mas isso não ajudava a aliviar a dor, ele tentou gritar por socorro, mas nada saia a não ser gritos de agonia extrema, ele tentou se agarrar a alguma coisa, mas não havia nada, depois de um tempo ele já não conseguia mais gritar, sua voz o abandonara, deixando apenas uma garganta dolorida que à aquele ponto, parecia uma carícia comparada a tudo que ele sentia, o pulmões queimavam e pareciam pedras impossíveis de se mover para bombear seus precioso oxigênio. E então ela veio, a abençoada inconsciência, se apoderando lentamente dele, e o embrulhando em escuridão.
●◎●◎●
Algumas horas depois.
James suspirou, cansado. Não sabia ao certo porque havia descido até o porão, era um lugar úmido, abafado e cheirava a mofo, a pequena escada de madeira dava em um estreito corredor, de cada lado dele haviam diversas celas de tamanho e “conforto” variados, o lugar trazia a tona muitas memórias ruins. Mas ele tinha que admitir que estava curioso, e ao mesmo tempo, tenso e preocupado. O garoto loiro agora estava deitado no chão de uma cela, as roupas tinham manchas marrons de sangue seco, mas o rosto estava limpo, alguém havia se dado ao trabalho de limpar, agora James podia ver melhor suas feições, o cabelo era loiro escuro e levemente ondulado, estava molhado e grudado nas têmporas por causa do suor, os cílios eram longos e estremeciam enquanto ele dormia, provavelmente por causa de um pesadelo, tinha um hematoma na maça do rosto e James percebeu que já o tinha visto antes, do lado de fora da cafeteria, poucas horas antes da “briga” no bar.
“Ele é uma gracinha, não acha?”, o Lobo sussurrou na cabeça dele.
— Ele é perigoso, não acha? — James rebateu, geralmente ele tentava ignorar o que o seu álter ego* dizia, mas não estava com muita paciência para ele ultimamente.
O Lobo se limitou a apenas soltar um risinho.
O Caçador se agitou um pouco na cela, James estremeceu só de lembrar os gritos de dor dele na noite anterior durante a Transição, ele já havia presenciado o veneno agindo uma ou duas vezes antes, e em todas elas, agradeceu por ter nascido assim e não ter sido mordido.
James soltou as grades frias da cela que estava segurando, se virou para subir novamente para o segundo andar, mas parou quando viu Brooklyn descendo lentamente os degraus, o barulho irritante de madeira rangendo fez James franzir o cenho.
— Como está o nosso convidado? — Ela perguntou, ao se aproximar dele, a careta de James aumentou. Usava um daqueles vestidos pretos que mais pareciam camisetas com as palavras Brooklyn 82 gravadas nele com letras brancas, ele imaginava que ela só havia comprado aquilo porque tinha o próprio nome nele.
— O que você está fazendo aqui?
— O mesmo que você — Brooklyn estendeu a mão e massageou a testa dele com o polegar como sempre fazia quando James fazia uma careta, ela dizia que quando ele ficasse velho ficaria cheio de rugas naquele lugar se não parasse de fazer aquela expressão — Eu estava curiosa.
Ele afastou a mão da irmã com um safanão, Brooklyn revidou com um tapa no braço dele, então deu as costas para o gêmeo e aproximou o rosto das grades para ver melhor o lado de dentro.
— Ele é bem bonito, não acha?
James revirou os olhos, ele já esperava por isso.
— Se o tipo homicida lhe agrada — ele disse.
Brooklyn se virou para observar a reação dele e então sorriu maliciosamente.
— Você deveria flertar com ele.
— Brooklyn, ele é um Caçador! — James cuspiu a palavra como se ela tivesse um gosto azedo, o sorriso de Brooklyn se apagou.
— Eu sei disso, otário! Eu só estava brincando!
Ela voltou a observar o Caçador, o garoto se mexeu mais uma vez, fazendo a corrente que estava presa ao tornozelo dele tilintar, os gêmeos ficaram tensos, pensando que ele iria acordar, os olhos do Caçador se mexeram inquietos, mas não se abriram, e os dois relaxaram mais uma vez.
— Eu não acredito que você me convenceu a trazê-lo para dentro da nossa casa! — James disse.
— Isso é um pouco culpa sua também! E o que você queria que eu fizesse, porra!? Que deixasse ele fugir, pra depois se transformar e machucar alguém? Matar alguém? — Brooklyn perguntou irritada, apertando as grades com força, não olhou para ele.
— Você não tinha como saber, ele poderia ter morrido durante a Transição.
“Ou você mesmo poderia mata-lo”, o Lobo sugeriu, a voz profunda e tentadora, ter uma segunda consciência era mais ou menos como ter um daqueles diabinhos que ficam empoleirados nos ombros dos personagens de desenhos animados, sussurrando ideias perversas em seus ouvidos, só que sem o anjo para se contrapor, e dez vezes mais tentador.
— Cale a boca! — James disse irritado, Brooklyn se virou prestes a começar uma discussão, mas percebeu que não era para ela e permaneceu em silêncio, James xingou o Lobo com um sussurro dessa vez. Os Caçadores já haviam matado milhares da espécie dele, o garoto na cela provavelmente não era diferente, mas isso não significava que James fosse revidar, os Campbell eram pacifistas, o que não os impedia de ser alvos de Caçada, mesmo assim, se ele matasse alguém (sendo um Caçador ou não) não seria melhor do que eles.
Brooklyn agora mantinha a testa apoiada nas grades, o olhar perdido, James percebeu o quanto ela parecia desgastada, ele provavelmente também estava, mas com certeza não tanto quanto ela, ela tinha mais responsabilidades agora, pessoas com quem se preocupar antes de si mesma, difíceis decisões a tomar, traidores com quem lidar... ou que tinha que lidar.
A garota suspirou.
— Ele vai morrer de qualquer jeito — disse.
James chegou a conclusão de que era verdade, os malditos tinham tanto nojo dos Lobos que preferiam tirar a própria vida do que se transformar em um deles, e mesmo que por alguma razão escolhessem a Transformação, ainda eram muito poucos os que sobreviviam, pois nenhum alfa iria querer um ex-Caçador em sua alcateia, e um ômega recém transformado era uma presa fácil para os Caçadores. Foi ai que a ideia ocorreu a James, talvez por intermédio do Lobo, ou talvez ele mesmo tivesse chegado nela sozinho, de qualquer forma, ele não pode conter as palavras antes que elas escapassem de sua boca:
— E se não deixarmos ele morrer?
Brooklyn olhou para ele com a testa franzida, mas sua expressão passou de confusa para incrédula quando se deu conta de que ele estava falando.
— Isso seria cruel — ela disse — Provavelmente deve ser considerado tortura.
Ouve um momento de silêncio e então James explodiu em uma gargalhada, Brooklyn o olhou de um jeito estranho, provavelmente tentando descobrir se ele estava tendo um surto e o que faria caso concluísse que ele realmente estava.
— Você está com peninha dele, Brooklyn? — James apontou para o prisioneiro, desprezo transbordando em seu tom de voz — Eles dizem que nós somos monstros, mas são eles que fazem monstruosidades.
Ouve um silêncio tenso enquanto os irmãos apenas se encararam, as mãos de James tremiam e havia um nó em sua garganta, ele se sentia prestes a desmoronar.
— Brook... pode ter sido ele quem matou a mamãe — fez uma pausa — Você já parou pra pensar nisso? E se for verdade? O que vai fazer a respeito?
O rosto de Brooklyn ficou cinza, ela apoiou as costas nas grades para não cair quando cambaleou levemente para trás, em choque, os olhos dela começaram a ficar marejados, mas ela fechou as pálpebras e respirou fundo, se recompondo rapidamente.
— Se isso for verdade... — ela disse quando abriu os olhos novamente, sua voz era firme e tinha uma expressão que fez um arrepio gelado descer pela espinha de James — Se isso for realmente verdade, eu vou tomar as medidas necessárias.
James não sabia o que ela queria dizer com aquilo, mas também não quis perguntar, Brooklyn nunca parecera tão perigosa quanto naquele momento, até mesmo o Lobo pareceu se reprimir.
Novamente o lugar caiu em silêncio, a expressão da garota se suavizou, ela se aproximou do irmão e o abraçou, Brooklyn não era o tipo de pessoa que abraça, esse tipo de demonstração de afeto vinda dela era uma coisa rara e especial, James a envolveu com os braços, ele sentia como se fosse desmontar em mil pedaços, e a irmã fosse a única coisa que o mantinha inteiro.
— Eu vou proteger você — ela disse — Vou proteger a todos. Sempre.
O momento fraterno foi quebrado pelo som da corrente tilintando, os irmãos olharam novamente para a cela, o prisioneiro havia despertado, ele sentou-se olhando em volta, um pouco atordoado, a não ser que os Campbell chegassem muito perto das grades era pouco provável que o Caçador os notasse, a luz que passava pela minúscula janela só iluminava até a metade da cela, deixando os irmãos sobre o abrigo das sombras. Brooklyn e James trocaram um olhar, fechando um acordo silencioso.
Brooklyn sorriu cruelmente e se aproximou novamente das grades.
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Notas:
*Álter ego é uma locução substantiva com origem no latim "álter" (outro) e "ego" (eu) cujo significado literal é "o outro eu". Na Psicologia, o álter ego é uma segunda personalidade de alguém, um outro eu inconsciente que se revela através de múltiplas identidades.
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