11 - Filos
"Posso simpatizar com tudo, menos com o sofrimento [...] Com isso não posso simpatizar. É demasiado feio [...] Há algo de terrivelmente mórbido na simpatia moderna pela dor. Devemos simpatizar com a cor, com a beleza, com a alegria da vida. [...]
- O Retrato de Dorian Gray (Oscar Wilde)
Julho de 2000
Existe aquele momento da sua vida que você sabe que tudo esta prestes a dar muito errado.
Tudo pode parecer tranquilo no começo, mas tem aquela sensação pesada no ar, que faz um arrepio gélido descer pela coluna, a sua mente entra em alerta, o tempo parece preso entre um segundo e outro, tudo parece real demais, frágil demais. Foi no segundo que Catarina cruzou a soleira da porta que Luken soube que uma parte do mundo tranquilo dele estava prestes a ruir.
O clima até então era tranquilo na cozinha do Burned Souls enquanto os Granville esperavam Catarina voltar das compras, os irmãos riam enquanto conversavam sobre amenidades e paparicavam o bebê, era impressionante como tudo mudou em apenas alguns segundo.
Ela apenas entrou, não disse nada, não olhou para ninguém, não esboçou nenhuma reação quando todos os olhos recaíram sobre ela, nem se deu ao trabalho de reduzir o passo e então saiu da mesma forma que entrou.
O cômodo caiu em silêncio, todos olhavam para o lugar por onde Catarina havia sumido de vista, até mesmo Ash - que era jovem demais para entender a situação - observava as escadas onde a mãe estivera alguns instantes atrás.
Luken permaneceu covardemente no lugar por mais tempo do que era necessário, como se tudo fosse estilhaçar no primeiro passo que ele desse, ele gostaria de voltar alguns segundos no passado, onde tudo parecia perfeito. Por fim, ele acabou decidindo sair da própria zona de conforto e subir até o andar de cima atrás da esposa, agora ele estava parado na frente da porta do quarto encarando a maçaneta, podia ver o próprio reflexo distorcido na superfície prateada, ele respirou fundo e abriu a porta lentamente.
Catarina estava da mesma forma que ele imaginava que estaria: encarando a janela, ela estava de costas para ele, o cabelo castanho caindo como uma cascata de ondas de chocolate em contraste com o couro preto da jaqueta, os braços estavam para trás, a mão esquerda segurando o pulso direito como um soldado em posição de "descansar". Tudo parecia estar normal, é uma verdade universal que todas as pessoas no mundo choram, mas não Catarina, em todos esses anos em que a conhecia ele nunca a tinha visto chorar, as vezes ele a pegava olhando fixamente para um objeto que tivesse algum significado para ela ou simplesmente com o olhar perdido na janela, como ele imaginava que ela estava agora, apesar de não poder ver o rosto dela.
O coração de Luken disparou, mesmo que parecesse não ser nada, a sensação de que alguma coisa estava errada ainda estava presente.
E então ela se virou... E Luken sentiu que o mundo iria desabar sobre ele.
Catarina estava chorando.
— Não posso mais fazer isso, Luken.
●◎●◎●
Agora
James havia ficado apenas levemente surpreso quando Brooklyn conseguiu consertar as luzes dos corredores do porão, a surpresa era mais pelo fato de o garoto achar que a fiação estava velha demais para funcionar do que por achar que ela não conseguiria, mas ele não saberia dizer se o corredor iluminado era menos ou mais intimidador que antes, agora ele podia ver perfeitamente todas as celas ao longo da passagem.
Se encontrava mais uma vez do lado de fora da cela de Ash o observando dormir, ele imaginava que havia sido eleito o responsável pelo prisioneiro, considerando que todas as vezes que chegava a hora das refeições sempre sobrava para o garoto Campbell levar a comida, Brooklyn e Moereen sempre arrumavam uma desculpa quando chegava a vez delas e Yuri já havia desistido, obviamente ele tinha se cansado das provocações do Caçador, o restante da família desprezava a presença de Ash a ponto de nem chegarem perto da porta do porão, não que James os culpasse.
Ash havia encontrado o saco de dormir afinal, estava dormindo pesadamente dentro do casulo de tecido azul, ele tinha as duas mãos embaixo da cabeça, a respiração saía de forma lenta e compassada, os cílios longos repousavam contra a pele clara abaixo dos olhos, a luz da janela iluminava o rosto dele, fazendo os fios dourados dos cílios e dos cabelos se iluminarem de forma angelical, James estava surpreso por ele não ter acordado com a claridade, ele não demonstrava estar tendo pesadelos como das outras vezes, seu rosto estava suave e tranquilo, se você nunca o tivesse visto acordado antes e estivesse olhando para ele naquele momento pela primeira vez, quase poderia ver um garoto inocente.
James abriu a grade tentando fazer o mínimo de barulho possível, depois pegou o prato de alumínio e o copo descartável que havia deixado no chão e os colocou dentro da cela, fechando-a rapidamente.
— Granville — chamou, Ash não se moveu — Granville, é hora do café da manhã.
Dessa vez Ash apertou as olhos e resmungou, levando uma das mãos a boca para cobrir um bocejo, tinha alguma coisa no despertar do loiro que fazia James se lembrar do velho gato que tia Moe tinha quando ele e Brooklyn eram pequenos, o felino havia vivido mais anos do que os Campbell haviam apostado, que descanse em paz o bichano.
Ash abriu o zíper do saco de dormir e sentou-se, esticando os braços para se espreguiçar enquanto abria um largo sorriso para James.
— Bom dia, Jemmy — disse.
— Só a minha família pode me chamar assim — James respondeu, tentando demonstrar indiferença — Eu volto pra buscar o prato depois.
— Você não vai me dar nem um "beijinho de bom dia"? — Ash perguntou, fingindo decepção.
— Vai se foder — James tentou não demonstrar irritação voz, mas falhou, o que fez Ash rir satisfeito do lado de dentro da cela.
O Campbell seguiu resmungando baixinho por todo o caminho de volta pelo corredor que agora era iluminado pela luz artificial e não banhado em escuridão como antes.
Ele jamais admitiria, nem mesmo sob tortura, que a presença de Ash o afetava mais do que ele demonstrava.
●◎●◎●
"Eu odeio essa música" Lobo declarou de forma rabugenta.
— Eu amo essa música! — Brooklyn gritou enquanto aumentava o volume, não era necessariamente verdade, era uma boa música, mas não era uma das favoritas dela, o que importava era que o seu álter ego não gostava e ela não perderia a oportunidade de provoca-lo.
A música ressoava tão auto pelos ouvidos dela que quando James abriu a porta do quarto de Brooklyn, ela teve que afastar um dos lados do headphone para poder ouvir que ele tinha dito.
— O que?
— Eu disse que nós precisamos conversar — James respondeu, percebendo que ela não tinha ouvido nada, ele carregava uma expressão séria e levemente cansada no rosto.
— Por que quando alguém diz "Precisamos conversar" nunca é alguma coisa do tipo: "Eu ganhei na loteria e gostaria de dividir o dinheiro com você"? — Brooklyn disse franzindo o nariz e pendurando os fones ao redor do pescoço.
— Se eu ganhasse na loteria eu não dividiria o prêmio com você — disse James com um sorriso.
Brooklyn estendeu a mão atrás da cabeça e jogou o travesseiro que estivera encostada no irmão, James ria enquanto o recuperava do chão.
— Você é um idiota egoísta — a garota disse indignada — Eu amaldiçoou a sua sorte.
James sentou-se ao lado dela, com as costas apoiadas na cabeceira da cama e as pernas esticadas sobre o colchão, ele devolveu o travesseiro e ela o colocou atrás das costas.
— Ok, agora é serio — disse ele.
— Maldição de irmã é uma coisa séria — Brooklyn levantou as sobrancelhas para ele.
O garoto deu uma leve risada, que logo morreu dando novamente lugar a uma expressão séria.
— Vamos voltar ao assunto agora — James a olhou para ter certeza de que ela estava prestando atenção, depois continuou — Lembra de quando você me pediu pra ficar de olho no papai?
Brooklyn suspirou pesadamente e apoiou a cabeça na cabeceira da cama, olhando para o teto de madeira do quarto. Ela sabia que mais cedo ou mais tarde ele viria com aquele assunto, foi mais tarde do que pensava.
— O que tem ele?
— "O que tem ele?!" — James ecoou — Você saberia se conversasse com ele.
— Eu tentei, Jemmy — ela se defendeu, se movendo de forma que pudesse ficar de frente para ele — É ele que não quer falar comigo.
— Por que vocês brigaram?
— Nós não "brigamos" exatamente — ela disse, comprimindo os lábios antes de continuar — Só temos opiniões divergentes.
James ergueu as sobrancelhas e esperou que ela continuasse, mas ela ficou em silêncio.
— Eu perguntei a mesma coisa a ele e só o que recebi de resposta foi "isso é entre mim e a sua irmã" — ele começou, tentando convence-la — Ele não vai falar nada para mim, tem que ser você. Converse com ele, Brooklyn.
— Por que eu faria isso? — ela provocou, cruzando os braços e erguendo as sobrancelhas, uma pose que dizia "Por que eu deveria me importar?", uma coisa que ela fazia desde que eles eram pequenos e que ela sabia que o irritava, no fundo ela já havia decidido que falaria com o pai, mas provocar James era quase tão divertido quanto provocar o Lobo.
— Porque eu acho que ele sabe alguma coisa sobre aquelas cartas — James disse.
Brooklyn ficou em silêncio, ela já tinha pensado nisso, mas tinha uma grande chance de ele não saber de nada e dizer a ele que sua esposa recém falecida guardava um segredo dele não era exatamente a melhor coisa a se dizer a uma pessoa de luto. Sem falar que todos estavam evitando falar sobre a antiga alfa, como se caso eles não dissessem nada sobre a morte de Peeira, poderia fingir que ela nunca aconteceu, Brooklyn sabia que isso não era saudável, mas até mesmo ela evitava pensar na mãe, ela sentia que se desmancharia em lágrimas caso o fizesse.
Como o silêncio havia se instalado no quarto, James havia tirado os fones do pescoço de Brooklyn e colocado sobre a própria cabeça, ele reiniciou a música para ver o que a gêmea estava ouvindo antes dele chegar.
— Eu não gosto dessa música — ele disse.
— Eu gosto dessa música — a garota disse, puxando o headphone da cabeça dele.
"Alguém concorda comigo. Você deveria ter mais bom gosto como eu." Brooklyn revirou olhos para a declaração do Lobo. Depois de algum tempo ela disse para James:
— Eu tenho um plano.
●◎●◎●
Brooklyn estava parada na frente da porta fechada do quarto do pai, ela estava tentando não pensar muito no fato de que aquele era o quarto do pai e não mais dos pais, a maioria das portas da casa eram entalhadas, aquela tinha desenho de lírios em baixo relevo na madeira, a garota ficou encarando as flores por um bom tempo antes de criar coragem para pegar o celular de dentro do bolso e ligar o gravador. Ela tinha um plano, poderia dar muito errado, mas ela estava disposta a arriscar.
Ela respirou fundo e apertou a caixa de metal que carregava embaixo do braço, bateu na porta e como não houve resposta ela abriu uma fresta e o chamou:
— Pai?
Bayron estivera esparramado na cama com um dos braços cobrindo os olhos, mas sentou-se direito quando ouviu a voz da filha.
— Brooklyn — ele disse, parecia exausto — Eu não quero discutir com você outra vez.
— Isso é bom — Brooklyn disse, o coração dela se apertou pelo que estava prestes a fazer, mas continuou com a voz firme, eles podiam ser pai e filha, mas agora ela era a alfa dele e ele devia respeito a ela - Por que eu tenho uma pergunta para fazer e gostaria que ela fosse respondida sem começar uma briga.
Bayron fechou a cara e o coração de Brooklyn se apertou ainda mais, eles sempre tiveram uma boa relação, mas os acontecimentos dos últimos dias haviam desgastado o emocional de ambos, Brooklyn não consegui deixar de ficar magoada, ela achava que finalmente havia chegado naquela fase do "Pai, você não me entende", tudo que ela queria era o apoio dele, ela não era ingênua a ponto de achar que ele iria concordar com todas as decisões que ela tomasse, mas ela não esperava que ele fosse se afastar.
— Que pergunta? — ele disse.
— O que você sabe sobre essas cartas? — Brooklyn jogou a caixa em cima da cama, foi como se ela tivesse jogado um objeto radioativo nele, Bayron se afastou instintivamente quando notou o que era.
— Onde você encontrou isso?
— No escritório da mamãe — ela respondeu.
Bayron não disse mais nada e quando o silencio se tornou incômodo Brooklyn foi a primeira a se manifestar:
— Pai, quem é Catarina Granville?
— Você não deveria mexer nas coisas do passado, Brooklyn.
— Que coisas do passado? — a garota insistiu — Pai, quem é ela?
Ele a olhou como se fosse gritar ou chorar, mas pareceu perceber que ela não desistiria até ter uma resposta, ele passou a mão pelo cabelo bagunçado e suspirou.
— Ela e a sua mãe eram amigas — Bayron respondeu, a voz dele tremeu levemente na última palavra.
— Catarina e a mamãe?
— Sim... — ele disse esfregando os olhos.
— A mamãe era amiga de uma Caçadora? — Brooklyn perguntou, ela não tinha certeza se ele sabia disso, mas pela reação dele ao falar sobre a mulher das cartas, ela imaginava que sim.
Ele suspirou, fechando os olhos por um momento, depois olhou para a filha novamente.
— Como você sabe disso? — ele não pareceu surpreso ao perguntar.
— Porque o Caçador que nós prendemos é filho dela — Brooklyn respondeu, somente agora tinha ocorrido a ela que a família nunca tinha perguntado o nome de Ash, todos apenas se referiam a ele como "O Caçador" ou "aquela coisa".
Bayron fez um som que entre uma risada sem humor e um suspiro.
— Você é igualzinha a sua mãe — ele murmurou.
— Por que? — Brooklyn perguntou, ela ficou levemente chateada pela frase dele ter soado como um insulto.
— Porque a sua mãe também acreditava que os Caçadores poderiam ser "boas pessoas" — Bayron pegou a caixa no colo e a abriu, pegando um dos envelopes - Elas tinham um lugar onde Catarina deixava cartas com as coordenadas de onde seria a próxima caçada para que Peeira mantivesse a alcateia longe, Catarina escrevia o próprio nome nos envelopes, se caso a Caçada os descobrisse, eles iriam apenas atrás dela e não da sua mãe.
Um nó se formou na garganta de Brooklyn, ele chegou a conclusão de que Catarina era uma pessoa extremamente corajosa, sentiu pena de Ash por quase não se lembrar da mãe, então ela se lembrou de algo que ele tinha dito: Como um filho que foi abandonado, eu prefiro acreditar que ela morreu.
— O que aconteceu com ela?
— Ela morreu — Bayron disse, colocando o envelope de volta na caixa e fechando-a — Isso é tudo que eu sei, imagino que a Caçada a tenha descoberto afinal.
Brooklyn respirou fundo, absorvendo tudo que ele tinha dito, ela sentia que tinha mais nessa história do que Bayron sabia, mas não podia fazer nada a respeito, ambas as mulheres haviam morrido e levado o que restara de seus segredos para os próprios túmulos.
— Me desculpe por ter feito você falar sobre isso — Brooklyn disse enquanto ia em direção da porta, ela parou quando estava preste a girar a maçaneta e se virou novamente para o pai — E obrigada.
●◎●◎●
Ash havia aberto o zíper do saco de dormir de forma que ele ficasse estendido no chão como um cobertor, o garoto deitou-se sobre ele com as mãos cruzadas sobre o estômago e olhou para o teto, imaginando que estava em um parque com grama verdejante, um céu azul com nuvens brancas e fofas deslizando suavemente com o vento, ele pensou que se ele estivesse em um parque, talvez tivesse levado uma cesta com comida, ele nunca tinha feito um piquenique antes, fechou os olhos e ficou pensando em que tipo de comida as pessoas levavam em um quando sentiu o estômago roncar, percebeu que provavelmente já era quase hora do jantar.
Não demorou muito para as luzes do corredor serem acessas, Ash sentou-se de pernas cruzadas abaixo do corpo enquanto ouvia os passos se aproximarem, o pensamento de que ele talvez parecesse um cachorrinho esperando o dono encher o pote de comida passou pelada cabeça dele, mas ele resolveu ignorar.
Brooklyn e James apareceram em frente as grades com uma expressão séria nos belos rostos, Ash ficou levemente surpreso com a presença dos dois, fazia alguns dias que ele não os via juntos.
— Olha só se não são Tico e Teco — ele disse.
— Tico e Teco? — Brooklyn perguntou, erguendo uma sobrancelha bem feita.
— O que foi? Só você pode dar apelidos? — Ash imitou o gesto dela e ergueu uma sobrancelha também.
— Isso não importa — James interrompeu — Temos uma coisa pra mostrar para você, mas antes eu preciso que você responda uma pergunta.
Ash levantou-se e caminhou para perto deles, segurando as barras de ferro, os gêmeos estavam muito próximos, se o prisioneiro estendesse o braço conseguiria toca-los, eles provavelmente percebiam isso, mas ainda assim não se afastaram. Quando eu deixei de ser uma ameaça para eles ficarem tão confiantes perto de mim?, Ash pensou.
— Qual é a pergunta?
James olhou para Brooklyn como se esperasse a autorização dela, Ash imaginou que ele deveria ter interpretado o olhar dela como um "sim", pois respirou fundo e disse:
— 29 de julho de 2017, por volta das dez da noite — James disse, ele ficou esperando a reação de Ash, este último estava prestes a dizer que aquilo não era uma pergunta quando o Campbell continuou — Onde você esteve nessa noite?
O ex-caçador franziu o cenho, ele tinha quase certeza de que tinha alguma coisa importante na data, ele se lembrava de James ter perguntado a mesma coisa quando se conheceram, mas não era por isso que soava familiar, era três dias antes do ataque no bar, Ash contou discretamente nos dedos, tinha sido em um sábado, foi então que ele se lembrou: fora o dia do aniversário de Dominic.
— Eu estava no Burned Souls, era aniversário do meu amigo — respondeu.
— Você tem certeza? — James perguntou, ele parecia estar aliviado, mas tentando não demonstrar.
— Tenho — Ash disse, apontou para o próprio rosto onde imaginava que o hematoma estivera e que agora já deveria ter sumido — Foi por isso que eu e meu tio brigamos, teve uma caçada naquela noite, mas eu não fui.
Os gêmeos se entreolharam novamente, Brooklyn deu um leve sorriso para James, ele desviou o olhar para o chão.
— Mas o que vocês tinham para me mostrar? — Ash chamou a atenção deles novamente.
A expressão séria voltou ao rosto dos irmãos, Brooklyn tirou um celular do bolso e procurou alguma coisa nele rapidamente, depois o estendeu entre eles.
"A mamãe era amiga de uma Caçadora?"
Ash reconheceu a voz de Brooklyn saindo do autofalante, ele olhou para ela com um olhar questionador, mas ela apenas o encarou como se dissesse silenciosamente para que ele escutasse.
"Como você sabe disso?"
Dessa vez era uma voz masculina que Ash não reconhecia, mas então Brooklyn respondeu na gravação:
"Porque o Caçador que nós prendemos é filho dela"
Houve um murmúrio que Ash não conseguiu compreender muito bem, mas que soava como "Você é igualzinha a sua mãe", a garota questionou na gravação e então o homem continuou:
"Porque a sua mãe também acreditava que os Caçadores poderiam ser boas pessoas. Elas tinham um lugar onde Catarina deixava cartas com as coordenadas de onde seria a próxima caçada para que Peeira mantivesse a alcateia longe, Catarina escrevia o próprio nome nos envelopes, se caso a Caçada os descobrisse, eles iriam apenas atrás dela e não da sua mãe."
O coração de Ash disparou, ele sentia que iria vomitar ou desmaiar ou ambos, aquele homem estava falando da mãe dele, ele conhecia várias pessoas que a tinham conhecido, mas ninguém falava sobre isso, ele havia sido proibido de falar sobre a mãe por tantos anos e agora tinha uma pessoa que podia dizer o nome dela sem que parecesse uma maldição.
— Quem é esse? — Ash perguntou, um pouco atordoado.
— É o meu pai — foi James que respondeu — Ele conhecia a sua mãe, ela era amiga da nossa.
Houve um momento de silêncio na gravação e então Brooklyn voltou a falar:
"O que aconteceu com ela?"
"Ela morreu" o homem respondeu e o coração de Ash falhou, ele instintivamente levou a mão até a bala de prata que repousava sobre o peito "Isso é tudo que eu sei, imagino que a Caçada a tenha descoberto afinal."
— Aqueles filhos da puta mataram a minha mãe — Ash fechou os olhos com força, tentou impedir as lágrimas, mas não conseguiu, ele se lembrou de Archie em cima dele, pressionado a ponta acessa do cigarro em suas costas, homens não choram, Ash pensou que nunca tinha ouvido nada mais idiota que aquilo.
Os três ficaram em silêncio por longos minutos, os gêmeos deram o tempo que Ash precisava para chorar com a testa apoiada nas grades, as lagrimas escorrendo em abundância pelo rosto, deixando marcas salgadas nas bochechas, mas ele não fez nenhum barulho, como se temesse quebrar aquele silêncio sagrado.
Depois de um tempo Ash ouviu o já familiar som da cela sendo aberta, ele levantou o olhar e encontrou os irmãos Campbell parados na abertura, eles abriram espaço para Ash passar, mas quando ele se moveu Brooklyn suspirou.
— Escuta, Ash — era a primeira vez que ela o chamava pelo nome, ela falou de forma suave, porém, sincera — Nossas mães eram amigas, nós podemos ser amigos também. Você pode entrar para a alcateia, eu já disse antes que nós somos pacifistas, você pode ficar longe de toda essa violência, vamos te ensinar a controlar o Lobo, vamos te dar um lar.
— E se eu não aceitar? — ele disse, a voz ainda embargada do choro.
— Você precisa passar pela transformação aqui, é mais seguro- dessa vez foi James quem falou — E depois que você aprender a se controlar, se decidir que não quer ficar, você está livre para partir.
Mais uma vez houve um momento de silêncio enquanto Ash considerava as palavras deles, ele já estava a muito tempo cansado dessa vida de ferro e sangue, mas ele sabia que a vida que James e Brooklyn estavam oferecendo estava longe de ser perfeita como eles faziam parecer.
Foi naquele momento que Ash tomou a decisão que mudaria tudo.
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Notas:
Filos: É um dos quatro tipos de amor citados na bíblia. Filos é o amor que existe entre amigos, o amor de afinidade. Esse tipo de amor vem da partilha entre pessoas com algo em comum. Em algumas traduções da Bíblia, o amor filos é traduzido como amor fraternal.
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