Capítulo - 12
Depois de dirigir sem destino por não sei quanto tempo, decido conversar com alguém que não irá me julgar ou me condenar por qualquer pensamento ou confusão que esteja na minha cabeça, por isso entro no prédio que em breve será o lar da minha irmã quando se casar com o meu amigo e, agradeço pelo porteiro ser um conhecido e me deixar subir sem ser anunciado.
Entro no elevador e respiro fundo, sentindo que estou ainda mais sufocado nessa caixa metálica que parece não sair do lugar, até que as portas se abrem me fazendo novamente respirar. Toco a campainha insistentemente e pelo horário sei que irei acordá-lo, mas hoje serei um pouco egoísta e pensarei em mim em primeiro lugar, mesmo que depois eu me desculpe com ele por chegar sem avisar.
– Christian! Aconteceu alguma coisa? – Andrew pergunta assim que abre a porta, me olhando com preocupação.
– Não aconteceu nada, Andrew, eu só precisava conversar com alguém.
– Entra! Eu vou apenas tomar um banho, enquanto isso, o que você acha de fazer um café para nós? Eu dei folga para a Ruth.
Assinto e entro no apartamento enquanto ele fecha a porta. Eu retiro o casaco e sigo para a cozinha, onde na cafeteira começo a preparar o café, sento-me à bancada e repasso a conversa que tive com a Ana no jardim e, fico pensando sobre as cartas que ela me enviou, se eu não as recebi, onde elas possam estar?
E por que saber que a Ana não está noiva me deixou tão aliviado? Mas se ela não está noiva daquele cara, por que ele veio de Milão com ela? Por que parece que eles são tão íntimos? Não é possível que esse incômodo que estou sentindo seja ciúmes, eu não posso ter esse tipo de sentimento por ela e nem por ninguém, afinal, eu estou apenas a três meses da minha Ordenação, então eu abri mão de qualquer sentimento entre um homem e uma mulher e o celibato é a minha escolha, mas por que pensar nisso me sufoca ainda mais e sinto um peso esmagador no meu coração?
– Droga! Eu vou ficar maluco desse jeito. – Murmuro comigo mesmo enquanto apoio minha cabeça em minhas mãos sobre a bancada.
– O que está acontecendo? Isso tudo é por causa da volta da Ana? – Assusto-me com a voz de Andrew e a sua mão em meu ombro, fazendo-me encará-lo.
– Você também sabia que a Ana iria voltar? – Ele me encara por um momento sem responder, e senta-se no banco a minha frente.
– Havia uma possibilidade, mas não tínhamos confirmação. – Assinto e baixo a cabeça, encarando as minhas mãos sobre a bancada. – Christian, qual é o problema afinal, eu pensei que depois de quase oito anos, você ficaria feliz em ver a sua melhor amiga, ou devo dizer, a sua "irmãzinha"? – Ouço o deboche em sua voz e o encaro, vendo que ele não está brincando, pois está bem sério.
– É claro que eu fiquei feliz em vê-la novamente, depois desse tempo todo que estivemos afastados, mas sinceramente eu não sei qual é o meu problema. – Levanto-me e começo a andar de um lado para o outro e o ouço soltar um suspiro audível e irritado.
– Christian, você sabe sim qual é o seu problema, mas é covarde demais para assumir isso. – Paro de andar e o encaro.
– Como assim? O que você quer dizer com isso? – Ele se levanta, indo até a cafeteira colocando café em duas xícaras, mas volta a me olhar respondendo a minha pergunta.
– O seu problema de hoje, Christian, é o mesmo de quando você tinha 17 anos e percebeu que estava apaixonado pela sua melhor amiga, que só tinha 14 na época e que você a via como uma Princesinha, esquecendo-se que ela cresceria e se tornaria uma linda mulher.
– Não diga absurdos, Andrew, eu sempre amei a Ana, mas como a minha irmã. – Ele fica apenas me olhando, não acreditando em minhas palavras, mas suspira e se aproxima com as xícaras colocando-as sobre o balcão.
– Não, Christian, você está errado e sabe muito bem disso. – Engulo em seco pela forma que ele me analisa e eu pego a xícara apenas para não continuar a encará-lo. – Quando vocês eram crianças e até no início da adolescência de fato esse sentimento poderia ser apenas fraternal, no entanto isso foi mudando e me desculpe meu amigo, nós dois sabemos que você inventou de entrar para o Seminário apenas para fugir do que sentia, achando que isso seria o suficiente para sufocar os seus sentimentos.
– Você está errado, Andrew, eu entrei para o Seminário porque essa é a minha Vocação. – Falo sem muita convicção e ele nega com a cabeça.
– Você quer continuar tentando a enganar a si mesmo até quando? – Ele faz a pergunta de forma dura e eu desvio o olhar dele, mas sento-me novamente. – Não seja idiota, Christian, você sabe muito bem que essa, nunca foi a sua vocação. Uma coisa é você sempre ter gostado de participar das atividades da Igreja, outra coisa é você querer viver apenas para a Igreja. – Eu nego balançando a cabeça, mas ele continua. – Toda a sua família, bem, com exceção da sua avó é claro – Ele faz uma careta, mas continua –, sabe que você nunca mais foi o mesmo desde que decidiu ir para o Seminário em New York e, quando você retornou para Washington, você estava ainda mais retraído do que era e com o passar dos anos isso foi ficando pior, pois hoje é nítido que você não é feliz com a escolha que fez de forma impensada. Então acorda Christian! Acorda enquanto é tempo, pois você está correndo o risco de perder a oportunidade de ser feliz ao lado de uma pessoa maravilhosa como a Ana e que sempre te amou, da mesma forma que você a ama. – Deixo os meus ombros caírem em derrota, pois não adianta eu continuar negando, mas ele não entende os meus motivos.
– Andrew, eu e a Ana fomos criados como irmãos, o Ray sempre confiou à segurança dela a mim, quando éramos crianças e assim se estendeu até a minha adolescência. – Ele assente, mas não me interrompe. – Como você acha que eu me senti, quando eu percebi que estava tendo sentimentos impuros com a minha Princesinha, o meu Anjo de olhos azuis vivos e curiosos? Como você acha que eu me senti ao imaginar que eu seria julgado pelos meus pais e, pior ainda, pelos pais da Ana que confiaram à filha deles sob a proteção de seu melhor amigo, que deveria cuidar dela como um irmão mais velho? Como você acha que eu me senti ao ouvir a menininha que eu vi nascer e crescer, falar que me amava diferente de um irmão? Ou quando no meu aniversário de 17 anos eu dei o seu primeiro beijo, assim como também foi o meu, mas que na mesma hora o sentimento de culpa me assolou, não permitindo nem mesmo que eu apreciasse um momento que deveria ter sido especial para nós dois? – Falo num fôlego só ou perderia a coragem e afasto a xícara por nem mesmo o café conseguir descer por minha garganta e Andrew suspira.
– Sinceramente, Christian, eu não posso dizer que faço ideia do que você sentiu em relação a tudo isso, pois eu não faço. – Assinto sem encará-lo e ele continua. – Mas eu te garanto que toda essa culpa que você sentiu e sente até hoje não tem fundamento nenhum.
– Como não, Andrew! Você não ouviu o que eu acabei de falar?
– Ouvi sim e, é justamente por isso que estou te falando que você está completamente equivocado em pensar dessa forma. – Eu abro a boca para contestar, mas ele continua, ignorando a minha tentativa. – Eu tenho certeza que o Raymond e a Carla ficariam mais do que felizes em saber que a Princesinha deles sempre estaria protegida estando com você, pois eles conheciam a sua índole e, saberiam que você jamais faria mal a filha deles, não fisicamente é claro, porque emocionalmente você já fez isso.
– O quê? – O encaro assustado e ele nega balançando a cabeça.
– Você acreditou mesmo que agindo como um covarde, buscando uma fuga para sufocar os seus sentimentos, mudando de Cidade e entrando num Seminário, você não estava machucando a Ana? – Sinto o meu coração doer por pensar nisso e engulo em seco antes de falar.
– A Ana era só uma criança, Andrew, ela não sabia o que estava sentindo e, eu acredito que ela tenha confundido o que sentia por mim, achando me amar de forma diferente do que deveria ser. Eu sendo o mais velho fiz o que deveria ter feito, tomando a decisão certa não apenas por mim, mas principalmente por ela. – Ele dá uma risada sem humor e isso começa a me irritar.
– Sinceramente o seu caso é mais grave do que eu pensei. – Ele nega novamente com a cabeça. – Mesmo a Ana sendo mais nova que você, três anos, ela sempre esteve certa quanto aos seus sentimentos. Eu concordo que ela era sim muito nova naquela época, mas como eu disse, o tempo iria passar, ela iria crescer e ser capaz de decidir por ela mesma se o que sentia por você era real ou apenas a paixonite do primeiro amor.
– Mas isso não poderia acontecer. – Levanto-me novamente e o encaro frustrado. – Você não entende droga! – Ele se levanta também e para na minha frente.
– Não poderia por quê? – Ele faz a pergunta retoricamente, pois não espera que eu responda. – Christian vocês não são irmãos, não são nem mesmo primos, então não existe nenhum vínculo sanguíneo que os impedia de tentarem um relacionamento quando fosse à hora. E sabe o que eu vejo hoje? – Eu nada respondo, pois eu sei que ele irá falar assim mesmo. – Hoje eu vejo duas pessoas que não deixaram de se amar nem mesmo com a distância ou do tempo que ficaram afastados, pois quando eu estive em Milão...
– Você esteve em Milão? Quando? – Ele me olha espantado e pelo visto eu não deveria saber disso.
– Isso não vem ao caso agora, Christian, mas eu vi que a Ana não havia te esquecido mesmo você sendo um babaca e não tendo a cortesia de responder a nenhuma das cartas dela...
– Eu não recebi carta nenhuma, Andrew.
– Será que dá para você parar de me interromper e deixar que eu termine pelo menos uma frase completa? – Levanto as mãos em rendição e ele respira fundo para continuar. – Eu vi aquela menininha que era tão alegre, que sorria para tudo e todos, simplesmente se apagar a cada vez que eu estava em sua presença, desde o dia que você foi embora. – Eu apenas fico o encarando, pois eu não sei o que falar quanto a isso, sentindo um aperto sufocante no peito. – Quando ela foi embora, que aceitou a proposta do Agente para ser Modelo...
– Modelo? – Ele me fuzila com o olhar e eu me calo.
– Excelente melhor amigo você é não é mesmo, Christian? Tão bom que nem sabia a profissão que fez com que a sua melhor amiga fosse embora do País. – Encosto na parede e deixo o meu corpo deslizar por ela até estar sentado no chão, no qual fico o encarando. – Quando ela aceitou a proposta para ser Modelo, vimos o quanto ela ainda estava triste, mas aos poucos ela foi se reconstruindo e eu devo admitir que o Lucca tivesse sido o maior responsável para que isso acontecesse. – Levanto a cabeça e o encaro. – O quê? Você achou mesmo que ela não poderia fazer novas amizades e que este se tornasse tão importante para ela, como um dia você foi? – Ele faz a pergunta em tom debochado e eu suspiro, mas continuo calado. – Foram praticamente oito anos, Christian e, sinceramente, se a sua irmã não tivesse aceitado a minha aproximação quando nós entramos na Universidade, eu não sei se teria forças para suportar todo esse tempo, por mais que eu a amasse, se eu não fosse correspondido eu procuraria uma forma de superar, mesmo que sofresse por um tempo, mas superaria. – Ele se aproxima e se senta ao meu lado. – Diferente daquela menina, que hoje é uma linda mulher decidida e segura de si, mas que nunca deixou de te amar. – Continuo calado, mas tenho que admitir que a Ana realmente esteja bem diferente da menininha que eu me apaixonei. – Quando eu falo que você está perdendo a oportunidade de ser feliz ao lado da mulher que tem te amado, sozinha, por quase oito anos, você deveria me escutar e deixar de ser cabeça-dura.
– Sozinha? Você acha que esses anos foram fáceis para mim? – Respondo irritado e ele não fala nada. – Você acha que ficar remoendo a culpa de pensar nela da forma que eu não deveria, no nosso primeiro beijo, na nossa despedida, enquanto eu deveria estar me entregando 100% a minha preparação para o Sacerdócio não tenha me machucado também? – Solto uma risada amarga e ele suspira. – Não Andrew, não foi e não é fácil, ainda mais quando hoje, eu quase a beijei novamente e se não fosse a minha avó, eu teria feito isso, enquanto eu acreditava que ela estava noiva daquele cara.
– Noiva? Do Lucca?
– Sim, a Melissa o apresentou como sendo o noivo da Ana e você tem ideia do que isso me causou? Você tem noção do quanto ouvir isso me machucou, sabendo que ela estava seguindo com a sua vida, como de fato deveria ser, com alguém que poderia amá-la sem culpa e que a faria feliz? Você consegue imaginar o quanto isso deixa a minha cabeça ainda mais bagunçada, por saber que em três meses estarei sendo Ordenado a Diácono, enquanto o meu coração não consegue se alegrar com esse passo que irei dar, pois ele consegue apenas sentir o que não deveria pela Ana?
– Pelo amor de Deus, Christian, desista dessa ideia absurda. – Ele se levanta e me encara irritado.
– Eu não posso. – Baixo a cabeça resignado e suspiro cansado de tudo isso.
– Christian, o que você veio fazer aqui? – Levanto a cabeça e o encaro confuso. – Hoje, quando você chegou disse que precisava conversar, mas por que exatamente aqui, comigo e não com o seu Diretor Espiritual, ou até mesmo porque não foi se confessar?
– Eu precisava conversar com alguém que não iria me julgar, mas pelo visto eu me enganei quanto a minha escolha para ouvinte. – Levanto-me também e ele se aproxima colocando as mãos em meus ombros, fazendo com que eu o encare.
– Não, Christian! Você queria conversar com alguém que dissesse à verdade que você precisava ouvir e não com alguém que fosse seguir um roteiro de fé o incentivando a pagar a uma penitência por seus pensamentos tendenciosos, pois dessa forma você estaria livre dos seus "pecados" e poderia seguir com uma Vocação que você sabe que nunca foi sua. – Eu fico em silêncio e ele continua. – Você sabe o que tem que fazer, sabe que é isso que você deve fazer, mas ficar se escondendo atrás de sua covardia, enquanto continua com essa ideia absurda de Sacerdócio porque a sua Avó continua a te manipular para achar que é isso que você quer, é muito melhor do que você enfrentar os seus medos e uma culpa que não existe para se permitir viver tudo o que foi perdido por todo esse tempo.
– Eu escolhi esse caminho porque era o certo a se fazer, Andrew e a minha Avó não me manipulou, ela apenas me aconselhou quando eu precisei!
– Christian, eu sempre respeitei muito a sua avó, mas ela te manipula desde que mudou para a casa dos seus pais. – Eu nego com a cabeça, mas ele continua. – Você se escondia atrás da sua timidez e se acomodou tanto nisso que nunca conseguiu enxergar nada à sua frente, e ela, se aproveitou disso quando você era um adolescente cheio de hormônios e confuso, mas hoje você é um homem e é muito inteligente para perceber o que estou falando. – Eu continuo em silêncio e ele volta a falar. – Tudo bem, você não quer admitir que a sua decisão para entrar no Seminário partiu dela, mas para e pensa por um momento, pois se você nunca recebeu as cartas da Ana, que foram enviadas para a casa da sua Avó, quem você acha que as recebeu?
– Você está querendo dizer que... – Paro de falar por não querer acreditar que a minha Avó faria uma coisa como essa.
– Sim, Christian! A sua avó recebeu as suas cartas e nunca mencionou nada sobre elas para você, pois até eu que também era um adolescente, na época, eu via que você e a Ana tinham uma ligação extremamente forte. Eu sempre soube que você estava apaixonado pela sua melhor amiga, da mesma forma que eu percebi quando a Ana começou a se apaixonar por você também. – Ele me analisa por um momento, mas permaneço em silêncio. – E eu tenho certeza que não só os seus pais, mas também os da Ana sabiam que um relacionamento entre vocês dois, seria inevitável no decorrer do tempo e a sua avó se aproveitou da sua confusão e do seu medo para colocar ideias na sua cabeça.
Afasto-me de Andrew e penso em suas palavras e, de fato desde que a minha Avó se mudou para a nossa casa, ela ficou muito apegada a mim, como que tentasse compensar alguma coisa mantendo-me por perto, me incentivando a entrar no grupo de jovens da Igreja, no Coral e a ser Coroinha e, de fato, o incentivo para que eu entrasse no Seminário partiu dela, o que foi justamente depois de eu estar me sentindo culpado por ter beijado a minha Princesinha, numa situação que analisando bem, para um jovem de 17 anos, perdido e com remorso como eu me sentia, teria sim um grande peso para que eu pudesse tomar qualquer decisão na intenção de parar de sentir a culpa que me corroía por dentro, mas porque ela não me entregaria às cartas que foram enviadas para mim? Qual era a intenção da minha avó ao fazer isso?
No entanto, sabendo que não terei essas respostas agora, eu sei também que praticamente oito anos se passaram e muita coisa mudou. A Ana mudou, mesmo que ainda tenha a delicadeza e doçura da menininha que sempre estava ao meu lado, hoje está diferente, está mais madura, apesar de ter apenas 22 anos, mais decidida e muito mais segura, o que de fato não tenha acontecido comigo, que ainda continuo inseguro quanto ao certo e o errado, sufocado por sentimentos que guardei por tanto tempo e ainda mais perdido com a chegada dela novamente em minha vida, mas e quanto aos meus... Não, quanto aos nossos sentimentos será que eles também não poderiam ter mudado?
Ciente que não irei chegar à conclusão nenhuma, eu respiro fundo e decido voltar para casa, afinal, mesmo que fugir seja uma das minhas especialidades, eu não poderei evitá-la por muito tempo, sabendo que quando eu voltar, ela ainda estará na minha casa.
– Andrew, obrigado por me ouvir, mas eu vou embora.
– E para aonde você vai? – Ele faz a pergunta me olhando com preocupação e eu dou um dos meus sorrisos ensaiados para tranquilizá-lo.
– Não se preocupe, eu irei para casa. – Caminho de volta para a sala sendo acompanhado por ele e pego o meu casaco vestindo-o, seguindo na direção da porta.
– Daqui a pouco estarei lá também e, Christian? – Olho para ele esperando que fale. – Pense bem no que você irá fazer, pois você também merece ser feliz e seguindo uma carreira que você optou por motivos errados, não é a solução.
Apenas assinto e abro a porta saindo em seguida, no entanto a confusão em minha cabeça que pensei que poderia ser aliviada, apenas se intensificou, mas eu respiro fundo tentando não perder a sanidade de vez enquanto começo a dirigir de volta para casa.
(...)
Chego a casa e fico ainda alguns minutos na garagem dentro do carro, mas ficar aqui não irá me impedir de enfrentar mais uma situação embaraçosa do que aquele quase beijo causou, mas diferente das outras vezes, dessa vez não me sinto culpado como deveria estar e sim frustrado por não tê-lo acontecido e talvez, por um momento eu esteja apenas pensando como um homem deveria pensar e não como um Seminarista que está a tanto tempo se preparando para a sua Ordenação, mesmo que eu saiba que isso é errado na minha posição de quase um Diácono Transitório, o que irá fazer que eu estivesse apenas a um passo do Sacerdócio.
Mas pensando nas palavras de Andrew, eu não me sinto tão seguro quanto a essa minha decisão e isso porque faz menos de 24 horas que a Ana voltou a fazer parte da minha vida e, novamente eu percebo o quanto o tempo nos afastou, pois eu nem mesmo sabia que ela havia seguido a carreira de Modelo, da mesma forma que eu não sei se ela abandonou seu sonho de desenhar lindos vestidos – palavras que ela usava quando criança e início da adolescência – e ser uma grande Estilista.
Mas quem sou eu para falar em abandonar sonhos, pois foi exatamente isso que eu fiz, quando desistir de cursar Administração ou até mesmo Direito, que era o que de fato eu queria fazer – assim como o meu amigo –, para entrar no Seminário. Resignado eu apenas fecho os meus olhos fazendo a única coisa que eu posso fazer no momento.
– Perdoe-me meu Deus, por eu estar questionando os seus ensinamentos e direcionamento para a minha vida, mas antes de ser um Seminarista, eu sou um homem que está sujeito a errar e a pecar, por isso clamo por sua misericórdia, alivia a minha mente, clarifica a minha alma e liberta o meu coração do peso que estou carregando há tanto tempo, mas que agora parece que a dor está ainda maior, sendo o suficiente para me sufocar, estrangulando o meu ser. – Inspiro e expiro algumas vezes enquanto mantenho minhas mãos apertando o volante com certa força. – Eu sei que não sou perfeito, eu sei que sou falho e que não estou comprometido como eu deveria com a minha Ordenação, por isso eu peço, meu Pai, mostre-me o caminho correto que eu devo seguir, dai-me sabedoria e não me deixe cair em tentação, pois a minha mente sabe que eu devo seguir com o meu Dever e obrigação, mas o meu corpo, o meu coração não quer entender isso, pois carrega esse Amor que eu pensei ter conseguido sufocar por acreditar ser errado por tanto tempo. – Me calo por me assustar com uma batida no vidro do meu carro e abro os olhos olhando para o lado encontrando o meu pai preocupado, mas trato de destravar o carro para abrir a minha porta e sair em seguida.
– Está tudo bem, meu Filho?
– Está sim, Pai.
– Não é o que parece, você chegou a mais de 20 minutos e não descia, pensei que estivesse sentindo alguma coisa. – Estou sentindo sim, confusão, loucura, insanidade, pode escolher a palavra que achar melhor, penso, mas não falo nada.
– Não, eu estava apenas pensando antes de entrar em casa. – Ele apenas assente, mas não ficou muito convencido, mesmo não falando nada e caminhamos juntos, para entrar em casa, mas observo que está tudo muito silencioso. – Onde estão todos?
– Sua mãe e sua irmã foram ao Ateliê para as provas finais dos vestidos, além de agendarem o horário para Ana fazer a prova do dela, sendo que ela decidiu de última hora a aceitar o convite para madrinha do casamento. – Assinto e ele continua. – A sua Avó está no quarto e, quanto a Ana, saiu com o Lucca para que ele pudesse conhecer um pouco a nossa Cidade. – Estaco no lugar e encaro o meu pai.
– Eles foram sozinhos? – Ele me olha confuso, mas assente.
– Sim, Filho, apesar de fazer tempo que a Ana esteja morando em Milão, ela conhece muito bem Washington e não irá se perder, então não precisa se preocupar, pois se você não percebeu, aquela menininha que você protegia, hoje é uma mulher que sabe o que faz e para onde tem que ir. – Parece que todo mundo resolveu jogar esse fato na minha cara hoje.
– A questão não é essa, Pai. Eu só não queria que... – Interrompo o que iria dizer e balanço a cabeça para tirar esses pensamentos torturantes. – Mas enfim, o Senhor tem razão, a Ana sabe o que faz. – Ele assente, mas me olha de uma forma diferente que eu não sei identificar. – Bom, eu vou subir, pois quero conversar com a Vovó antes do almoço.
Ele assente, mas continua me encarando e eu saio da sala, subindo as escadas de dois em dois degraus, ansioso para saber o que aconteceu, pois por mais que eu ame e respeite a minha avó, ela terá que me dizer o que fez com as cartas da Ana e por que não me entregou quando eu retornava para casa nas férias. Decidido eu bato na porta e após ouvir a sua autorização, eu a abro entrando em seguida, encontrando-a sentada na poltrona que fica na sacada, olhando para o tempo, mas logo tenho a sua atenção em mim.
– Christian, onde você estava? Eu fiquei preocupada e, espero que você tenha vindo para se desculpar, porque você me deixou conversando sozinha naquele jardim e isso tudo por causa daquela... – A interrompo, pois não vou aceitar que ela ofenda a Ana.
– Vovó, eu vou ser direto e espero que a Senhora também seja. – Ela faz uma cara desgostosa pela forma que eu falei, mas assente. – Onde estão as cartas que a Ana me enviou enquanto estávamos em New York?
– Cartas? Do que você está falando? Eu não sei de carta nenhuma. – Ela fala convicta, mas desvia o olhar dos meus e eu sei que ela está mentindo e isso me deixa muito chateado.
– Não adianta negar, pois se eu não as recebi, então a única pessoa que pode tê-las recebido foi a Senhora.
– Mas o que é isso? Aquela menina chegou a menos de 24 horas e já está te colocando contra a sua família? Mas isso é um absurdo mesmo, eu não sei por que ela não permaneceu em Milão sendo a desavergonhada que é, pois ela voltou apenas para encher a sua cabeça de besteiras para fazer com que você saia dos caminhos de Deus. – Ela se levanta e volta para o quarto.
– Vó, por favor, eu não vou aceitar que a Senhora fale mal da Ana e muito menos que a ofenda como fez hoje de manhã, mas a questão aqui é outra. – Ela me encara de olhos arregalados, talvez porque eu nunca tivesse falado dessa forma com ela antes. – O que aconteceu com as cartas que a Ana me enviou? – Ela abre a boca para tentar negar, mas eu a interrompo. – A verdade, Vó, pois eu sei que elas foram enviadas e eu não as recebi.
– E por que você iria querer alguma carta daquela menina? – Ela pergunta fazendo pouco caso e se senta no sofá pegando um livro, começando a folheá-lo, eu sei que ela está fazendo isso para não ter que me encarar e, eu fico decepcionado com a sua atitude.
– Talvez por que ela era a minha melhor amiga? Ou quem sabe, por que eu queria saber notícias de como ela estava? Ou simplesmente por que as cartas eram minhas? – Ela me olha agora, mas não fala nada. – Então eu vou perguntar de novo, o que a Senhora fez com as cartas que nunca chegaram até as minhas mãos?
– Eu as queimei. Joguei fora! Satisfeito? – Ela se altera e joga o livro sobre o sofá para me encarar.
– Com que direito, Vó? Com que direito a Senhora fez isso sem me consultar, as cartas eram minhas. – Não consigo evitar a mágoa sobre o que ela fez, mas parece que ela não se importa.
– Eu fiz com o direito que me foi dado para cuidar de você, como a sua responsável. Com o direito que eu sabia que você não precisava de distrações, principalmente por ser o seu primeiro ano no Seminário em que você ainda estava se adaptando, então não precisava aumentar a sua carga emocional para fazer com que você fugisse do seu propósito. – Ela fala sem um pingo de culpa e eu nego balançando a cabeça.
– Não, Vó, mesmo que eu ainda fosse menor de idade na época, a Senhora não poderia tomar decisões por mim, pois eu tinha o direito de saber o conteúdo das cartas.
– Christian, você não consegue perceber? – Ela se levanta e tenta pegar as minhas mãos, mas me afasto, por estar realmente magoado com sua atitude egoísta. – Isso é só mais uma provação para te fortalecer para a sua Ordenação. Essa menina ter voltado é apenas uma tentativa de te desviar do caminho reto que Deus tem planejado para a sua vida, então meu querido, mantenha firme ao seu propósito e, aquelas cartas não eram importantes, do mesmo jeito que não são hoje e não influenciará na sua jornada. – Eu nego balançando a cabeça e eu percebo que Andrew estava mesmo certo.
– Sinceramente, Vó, mesmo que as cartas não fossem importantes, como faz questão de ressaltar, o que isso significa que a Senhora sabe o conteúdo delas. – Ela desvia novamente o olhar e eu suspiro decepcionado. – Mesmo que fossem apenas bobagens, elas foram enviadas para mim e quanto a minha Ordenação, não sei se de fato ela irá acontecer. – Isso faz com que ela me encare novamente, espantada.
– O quê? Você não pode fazer isso. Você se preparou todo esse tempo para ser um Sacerdote. Você não pode simplesmente abandonar a sua Vocação.
– Abandonando ou não, Vó, essa é uma decisão que cabe somente a mim, pois essa é a minha vida e eu... – Balanço a cabeça porque talvez eu esteja falando besteiras, por estar magoado, mas continuo. – Eu sinceramente não sei o que fazer, mas enquanto isso, eu espero que a Senhora respeite a minha decisão e o meu tempo e, por favor, se a Senhora me ama como diz me amar, então não se aproxime da Ana para ofendê-la, pois ela não tem culpa de nada. – Passo por ela na tentativa de sair do quarto, mas ela segura o meu braço.
– Filho, você não deve fazer isso. Você nasceu para ser um homem de Deus, então... – A interrompo tirando o meu braço gentilmente do seu toque.
– Eu nasci para ser um homem feliz, Vovó, independente das minhas escolhas e ser um Sacerdote não sei se é a correta que me trará essa felicidade.
Saio do seu quarto e caminho na direção do meu, sentindo-me cansado e decepcionado, mas ainda mais confuso de quando eu voltei para casa, pois admitir para mim mesmo que talvez o Sacerdócio não seja de fato a minha Vocação é um grande passo para um período de tempo tão curto, pois ontem eu estava convicto que isso era o correto a se fazer e hoje... Sinceramente hoje eu não sei de mais nada.
Ui, parece que alguém está abrindo os olhos 🤭🤭🤭🤭?
É, Vovó Laura, eu acho que as cordas da marionete começaram a se romper... Ou não né 🤭🤭🤭🤭?
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