Por que me odeia?
Ele retornou ao quarto com um sorriso maléfico, mas o sorriso se desfez no instante em que viu Susan sentada na cama, o olhar perdido fixo na janela. Seus ombros estavam caídos, como se carregassem o peso de algo impossível de suportar.
Adriel ficou parado à porta, os olhos analisando os traços delicados dela. Algo dentro dele revirou. Talvez ela não fosse a cura que procurava. Talvez, no fim, ele estivesse enfeitiçado. Não por magia, mas por algo muito mais perigoso.
Susan sentiu sua presença antes mesmo de virar o rosto. Quando o fez, o olhar dele encontrou o dela, e suas bochechas coraram involuntariamente. Ela desviou os olhos, confusa. Desde o momento em que acordara, nada parecia certo. A vida, que já era caótica, parecia agora um labirinto sem saída.
— Por que nada pode ser normal? — murmurou para si mesma, a voz fraca, quase inaudível.
Então, a onda de dor a atingiu, afogando qualquer tentativa de se manter forte. Lágrimas brotaram de seus olhos, e seu corpo começou a tremer. Ela desabou, abraçando os próprios joelhos, buscando conforto onde não havia.
Adriel franziu a testa, desconcertado. O que ele deveria fazer? Ele deu um passo à frente, mas Susan ergueu as mãos num gesto claro de afastamento.
— Fique longe! — pediu, a voz embargada, e, surpreendentemente, ele obedeceu.
— Por que ele estava atrás de mim? — ela perguntou entre soluços, erguendo os olhos vermelhos para encará-lo. — Por que todos vocês querem me matar? Só me deixem em paz!
Adriel engoliu em seco. Aquelas palavras, tão carregadas de desespero, apertaram algo dentro dele que ele acreditava estar morto há séculos. Pena? Empatia? Não sabia ao certo, mas a sensação era insuportável.
— Eu nunca fiz mal a ninguém. — Susan continuou escondendo o rosto entre as mãos. — Tudo o que fiz foi tentar sobreviver.
Adriel suspirou, exasperado, mas se aproximou. Ele se sentou ao lado dela na cama, cuidadosamente, como se sua presença pudesse quebrá-la ainda mais.
— Minha bruxinha... — chamou suavemente, mas o apelido apenas fez o rosto dela se contorcer em uma carranca. Ele não pôde deixar de sorrir.
— Primeiro, meu nome é Susan. — Ela disparou, cruzando os braços. — E segundo, eu não sou sua, e nunca serei!
Adriel inclinou a cabeça, mordendo os lábios enquanto observava a boca que o desafiava com tanta frequência. Mal sabia ela que ele detestava perder. Se ele dizia que ela era dele, então ela seria, de um jeito ou de outro.
Entretanto, algo que Adriel nunca entendia era o motivo de tanto ódio que a garota dispersava sobre ele. Claro que tinha passado anos a caçando como um predador, mas isso era motivo suficiente para tamanho ódio?
O que Adriel não sabia era que os pais de Susan tinham sido mortos por um de seus capangas, apenas tinha noção de que ela era órfã, mas não tinha informações suficientes do que tinha ocorrido com sua família.
— Bruxi... — Ele começou a falar, mas assim que encarou Susan, parou. Os olhos dela pareciam mortais e ele tentou conter a risada. — Por que me detesta tanto? Além dos motivos mais óbvios: eu te sequestrei, e eu mandei pessoas irem atrás de você...
Susan o fulminou com os olhos, mas então, sem nem perceber, ela iniciou uma risada descontrolada, totalmente sem sentido. Não tinha cabimento dele não lembrar de algo tão importante como matar seus pais.
Adriel a encarava sem entender nada, e assim que ela notou a curiosidade nos olhos dele, sua risada cessou.
— Você matou meus pais. Não me diga que não se lembra. — Sua voz era afiada, cortando os ouvidos e pensamentos de Adriel, que enrugou a testa.
Adriel piscou, surpreso. Ele sentiu o peso da acusação afundar em seu peito como uma pedra.
— Como? — Adriel repetiu, a incredulidade em sua voz mais evidente desta vez. Ele jurava não ter ouvido direito. Nunca pedira para matarem os pais dela. Na verdade, instruíra para que envolvessem o mínimo de pessoas possível. Ele só queria o coração dela, o fim de sua existência amaldiçoada, não uma chacina.
Susan estreitou os olhos, o corpo inteiro vibrando de raiva.
— Pode repetir a última frase? — ele insistiu, a voz mais suave, mas a expressão dela apenas endureceu.
— Para quê? — Susan rebateu, o tom carregado de sarcasmo e dor. — Para você se sentir mais poderoso? Para saborear a sensação de ter destruído a única família que eu tinha?
Ela deu um passo à frente, ficando tão perto dele que Adriel pôde sentir a respiração acelerada dela. Seus olhos brilhavam com uma fúria incontrolável, e então, como uma mola sendo solta, ela explodiu.
— Se queria me matar, por que não veio direto a mim? Não precisava acabar com toda a minha família! — As palavras saíam como lâminas afiadas, cortando o ar entre eles. — Seu cretino, descarado, cínico, sem vergonha!
Antes que Adriel pudesse responder, Susan começou a bater em seu peito, seus pequenos punhos atingindo o peitoral firme dele com força surpreendente. Apesar da força emocional que ela colocava em cada golpe, Adriel mal sentia dor. Ainda assim, ele permaneceu parado, permitindo que ela descontasse toda sua raiva.
A cada tapa, ele tinha a impressão de que ela estava tentando aliviar o peso que carregava. E ele, por algum motivo, não queria impedi-la.
Quando finalmente suas forças se esgotaram, Susan desabou de joelhos no chão, o choro retornando com uma força devastadora. Adriel a observou, o olhar sombrio enquanto tentava buscar em sua mente algum fragmento do que realmente acontecera naquele dia.
Ele se lembrava de ter enviado Benjamin, Leonard e outros dois vampiros de confiança para capturá-la. Nada mais. Nunca ordenara uma matança. Um deles morrera, mas Adriel não dera muita atenção à perda; eram peões em seu jogo, afinal.
Mas vê-la ali, tão rendida, tão vulnerável, fez algo se agitar dentro dele. Um sentimento estranho, incômodo. Não era raiva. Era algo que ele mal reconhecia.
— Levante-se, Susan. — Sua voz saiu firme, quase severa. Ele mesmo se surpreendeu com o tom.
Susan ergueu o rosto, e seus olhos, cheios de lágrimas, encontraram os dele. A intensidade daquele olhar o desconcertou. A tristeza dela atravessou a barreira de gelo que ele construíra ao longo dos séculos.
Adriel era um vampiro, não sentir era um dos pontos fortes de sua espécie, então por que de repente parecia que algo estava errado?
O que tem de diferente agora que não existia antes? Por que vê-la chorando começou a quebrar algo dentro dele que ele nem sabia que ainda possuía?
Ela se levantou com esforço, e quando ele estendeu a mão para ajudá-la a se firmar, sentiu o calor da pele dela contra a sua. Era uma sensação estranha, quase reconfortante, como se ele fosse o único sendo tocado.
Adriel sabia que precisava acabar com aquilo. Era agora ou nunca.
— Eu preciso te contar uma coisa. Duas coisas, para ser exato. — Ele levantou a mão, segurando o queixo dela com delicadeza, forçando-a a encará-lo. Ele poderia hipnotizá-la, apagar aquela dor, mas não faria isso. Não com ela.
— Diga. — A voz de Susan saiu baixa, entrecortada, mas carregada de desafio.
Adriel respirou fundo.
— Primeiro, eu nunca mandei ninguém matar seus pais.
Os olhos de Susan se estreitaram, a confusão misturada com descrença. Por um momento, ela quase o acusou de mentir. Mas algo na expressão dele... a sinceridade crua... fez com que ela hesitasse.
Adriel não ganharia nada mentindo. E, afinal, ela sabia que ele não precisava de desculpas.
A ideia a abalou. Se ele não matara seus pais, quem o fez? O ódio que a guiara até aquele momento parecia desmoronar, deixando-a vazia.
— Isso não faz sentido. — Susan caminhou de um lado para o outro pelo quarto, suas mãos passando freneticamente sobre o rosto, tentando afastar a frustração que crescia dentro dela. Anos inteiros investidos em ódio, e tudo aquilo podia ter sido direcionado para alguém diferente. — Se não foi você, quem foi? Você mesmo disse que estava tentando me matar. — Ela parou diante dele, suas mãos na cintura, o olhar cheio de uma pequena esperança, uma faísca de dúvida que se recusava a se apagar.
— Sinceramente? — Adriel respondeu com a voz grave, hesitando. Quando ela assentiu, ele suspirou pesadamente. — Eu não sei. Naquele dia, mandei apenas quatro vampiros atrás de você. E um deles, bem... você já sabe o que aconteceu com ele.
— E quem foram os outros? — O tom de Susan estava misturado com frustração e uma ponta de ansiedade. Ela não podia continuar errando os alvos, mas também não sabia em quem confiar.
— Por que isso importa? — Adriel respondeu sem rodeios, o olhar fixo nela. — Tenho plena certeza de que todos os outros são de extrema confiança, jamais iriam contra uma ordem minha.
Adriel estava começando a repensar sobre isso assim que viu Kristoff há poucos minutos. Claramente tinha um traidor entre eles, entretanto, desde que raptara Susan, mal os viu. Eles tinham a própria vida, e Adriel sabia disso mais do que ninguém, mesmo assim, não iria contar nada para Susan, pois o medo de ela ir atrás do assassino de sua família o apavorava. A grande verdade é que eles precisavam urgentemente fugir, porque se tinha um impostor entre eles, logo alguém tentaria algo para roubar a bruxa.
Ele tinha um plano para saber quem estava armando contra ele, mas precisaria sair dali logo e encontrar um lugar mais tranquilo.
Susan o olhou, sentindo a tensão crescente no ar. Ela se aproximou dele, sua expressão mais séria agora, e insistiu:
— Me diga... Por favor.
Adriel suspirou, sentindo-se mais exausto do que em trezentos anos de existência, a inquietação dentro dele aumentando a cada palavra que proferia.
— Leonardo, Benjamin, e o outro... o nome me escapa. Mas, Susan, não tente nada contra eles... Pelo seu próprio bem.
Susan absorveu os nomes como se fossem uma lâmina cortando o ar, gravando-os em sua memória. A vingança ainda estava ali, fervendo em seu peito, mas algo começava a mudar. Talvez a verdade, finalmente, fosse o primeiro passo para o que quer que fosse a próxima fase de sua vida.
— E qual é a segunda coisa que você tem para me dizer? — Ela questionou, mais calma agora, mas ainda cética.
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