Frustração pessoal e tentação
Susan havia se perdido em pensamentos enquanto a carruagem sacolejava, seus olhos fixos no vazio, mas seus lábios se moviam de forma inconsciente, sendo mordidos repetidas vezes.
Adriel, sentado à sua frente, não desviava o olhar. A cada mordida, algo primitivo em seu interior se agitava, até que um pequeno filete de sangue surgia, impregnando o ar com um aroma doce e metálico. Foi como se tudo ao redor tivesse desaparecido, exceto ela.
Seus pensamentos evaporaram. O sangue de Susan consumia sua mente, um chamado irresistível, e ele se viu avançando, mesmo quando cada fibra de seu ser o alertava para parar.
— Pare com isso. — Sua voz era tão grave e autoritária, saiu mais como um rosnado do que como uma ordem.
Susan sobressaltou-se, batendo as costas contra a almofada da carruagem. O tom dele a assustou, mas o olhar que encontrou a deixou sem fôlego. Havia algo predatório ali, uma fome que ia além do que ela poderia compreender.
Antes que pudesse reagir, as mãos de Adriel, frias como gelo, envolveram seu rosto com uma delicadeza que parecia contradizer tudo o que ela sentia. Seus olhos, agora rubros, a fitavam com uma intensidade que a fez esquecer como respirar.
Ela passou a língua pelos lábios, buscando lidar com o gosto metálico que agora sentia.
— Desculpa... Não foi minha intenção... — Sua desculpa morreu no ar quando Adriel se inclinou, sua língua quente tocando seus lábios antes que pudesse processar o que estava acontecendo.
O movimento era lento, controlado, quase reverente, mas a tensão em seu corpo revelava o esforço que fazia para não ir além. Ele limpou o sangue com uma precisão que a deixou paralisada, o coração martelando descompassado no peito.
Ela tentou afastá-lo, mas era inútil. Ele era imutável como uma rocha, e cada tentativa só fazia suas mãos doerem. Quando finalmente ele se recuperou, algo no olhar de Adriel indicava que ele lamentava. Não pela invasão, mas por saber que queria mais.
— Bruxinha... — Ele lambeu os próprios lábios, saboreando o resquício do gosto. — Seu sangue é... perigoso.
Susan estava muda, presa em uma mistura de medo e algo que não conseguiu identificar. Não era exatamente fascinação, mas uma força que atraía mesmo contra sua vontade. Ela sabia que ele percebeu isso e odiava a vulnerabilidade que sentia diante dele.
Determinada a não dar a Adriel o gosto de suas fraquezas, ficou em silêncio, mesmo quando o ar entre eles parecia sufocante. A carruagem sacolejava por uma estrada irregular, e o desconforto físico refletia o tumulto em sua mente.
Exausta, Susan acabou cedendo ao cansaço, adormecendo contra ele. Seu corpo pendeu para o lado, e sua cabeça descansou involuntariamente no peito de Adriel. Ele pareceu imóvel, mas seus olhos analisaram cada detalhe dela.
Seu cabelo curto, os cílios espessos, o rosto delicado. Cada traço parecia conspirar para confundi-lo. Adriel sabia que deveria se afastar, mas, em vez disso, deslizou suavemente para acomodá-la. Com cuidado, posicionou sua cabeça em seu colo, protegendo-a do balanço da carruagem.
Enquanto a observava dormir, seus pensamentos eram um caos. Susan era a chave para o seu plano, para a maldição, para o fim que ele buscava há tanto tempo. Matá-la era um sacrifício que ele não esperava ser tão pesado.
E, ainda assim, ao vê-la assim, vulnerável e adormecida, a ideia de destruir aquele fragmento de vida o inquietava de um jeito que ele não sabia como explicar.
Adriel fechou os olhos por um momento, frustrado com o dilema que o consumia. Há dezoito anos ele a caçava, movido pela promessa de redenção. Agora, ela estava ali, ao alcance de suas mãos, e ele não sabia mais se a vitória valeria o preço.
Assim que a carruagem parou, Adriel hesitou por um instante antes de agir. Ele a pegou no colo com cuidado, percebendo o quanto era leve, como se o peso de seu corpo refletisse os anos de fuga e sofrimento. Sentiu-se estranho por reparar nisso, mas logo afastou o pensamento.
A construção que chamava de lar era imponente e intimidante, com enormes pilastras que sustentavam uma entrada grandiosa. As paredes cinzentas pareciam absorver a luz do sol nascente, enquanto o vasto gramado ao redor permanecia em um sombrio contraste. Ao cruzar a grande porta, todos os olhares dos empregados recaíram sobre ele. Ninguém ousou questioná-lo; aquela era sua casa, seu domínio, e ele não devia satisfações a ninguém.
Adriel subiu as escadas em silêncio, segurando Susan com firmeza, mas com um cuidado que ele mesmo achava absurdo. Parecia um tolo, e sua mente fazia questão de lembrá-lo disso a cada degrau que subia. Chegando a um quarto espaçoso, ele empurrou a porta de madeira maciça, cuja coloração amarelada contrastava com o tom sombrio do restante da casa.
Colocou-a na cama de dossel, observando como ela parecia pequena e frágil entre os lençóis luxuosos.
Antes de se afastar, trancou as janelas com chave. Uma medida desnecessária, talvez, mas ele não queria correr o risco de Susan tentar escapar. Enquanto fazia isso, o cheiro do sangue dela voltou a invadir seus sentidos, tão doce e tentador que quase sentiu os caninos se alongarem involuntariamente. Seus dedos tocaram o peito dela por um instante, como se procurassem a batida calma do coração.
"É só arrancar... Ela nem vai sentir", murmurou sua consciência sombria, tentando persuadi-lo. Ele afastou a mão com brusquidão, sentindo o nojo de si mesmo crescer.
Recostou-se contra a parede oposta em uma fração de segundo, seu corpo movendo-se com a agilidade que mal percebia. Como ela podia dormir profundamente, mesmo sabendo que estava em sua companhia? Era insano. Susan era insana.
Deixando-a no quarto, foi para o corredor. Não conseguiria dormir; precisava vigiar. Os outros vampiros que circulavam pela casa eram impiedosos, e ele sabia que não pensariam duas vezes antes de atacá-la. Encostou-se à parede, perdido em memórias que sempre pareciam estar à espreita, prontas para puxá-lo de volta ao passado.
Adriel já tivera uma vida. Uma família amorosa, uma namorada carinhosa. Lembrava-se do dia em que tudo mudou. Ele a matou, a pessoa que dizia amar. Fez isso sem pensar, tomado pela fome e pelo caos de sua transformação. Seus pais, tão queridos, morreram de velhice, enquanto ele continuava existindo, cada vez mais vazio.
A maldição veio por sua própria covardia. Uma brincadeira cruel com Estela, a filha de uma bruxa, levou à morte da jovem. Adriel fugiu ao invés de salvá-la, apavorado com a ideia de ser culpado. A mãe de Estela encontrou-o dias depois. As palavras da maldição ainda ecoavam em sua mente: "Você viverá para sempre, sem paz, para lembrar que egoísmo não vale a pena."
O som de um murmúrio interrompeu seus pensamentos. Voltou ao quarto. Susan mexia-se inquieta na cama, murmurando palavras ininteligíveis. Seus braços moviam-se descontroladamente, e uma careta de dor contorcia seu rosto. Adriel sentou-se na beira da cama com cuidado, segurando os pulsos dela com delicadeza. Quando analisou o punho esquerdo, percebeu que estava quebrado.
Frustrado, levantou-se. Precisava chamar alguém para cuidar disso. O dilema o corroía: como podia, poucas horas atrás, querer matá-la, e agora estar preocupado com seu bem-estar? Susan o intrigava de um modo que ele odiava admitir.
Adriel saiu do quarto, mas antes de ir, lançou um último olhar para a figura adormecida. "Mexer com bruxas nunca é seguro", pensou consigo mesmo. Mesmo dormindo, Susan parecia ter o poder de desestabilizá-lo. Frustrado e confuso, ele voltou ao seu quarto, esperando alinhar seus pensamentos antes de revê-la.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro