Chamar sua atenção
Susan sempre se achou uma jovem responsável, pelo menos, até agora. A ideia de se infiltrar no baile de máscaras para destruir tudo parecia insana, mas era exatamente o que ela precisava para virar o jogo contra Adriel. Se ele queria um show, definitivamente Susan estava disposta a dá-lo.
Ela faltou uma grande parte das aulas durante o resto da semana, concentrando-se apenas nos seus planos de vingança, que consistiam em destruir a festa de seu inimigo e, então, ir atrás dele. À medida que repassava os feitiços, o nervosismo borbulhava em seu estômago. Era uma mistura de medo e determinação que a fazia questionar se estava pronta para enfrentar alguém como Adriel.
E quando o dia da festa chegou, ela repassou todos os feitiços que sabia fazer. Não eram muitos, mas teriam que servir. Ela conseguia fazer fogo, água e vento, e só iria fazer algumas gracinhas antes de ir atrás de Adriel.
Susan tinha absoluta certeza de que não poderia errar; qualquer falha poderia ser considerada fatal na situação onde estava se metendo, e não queria colocar mais ninguém em sua vingança. Por isso, não comentou o planejado.
Aliás, a jovem também gostaria de aproveitar um pouco a festa, e com a supervisão de alguém tinha certeza de que seria quase impossível. Se fosse para morrer naquela noite, deveria ao menos se divertir um pouco. Logo, pegou um vestido dourado que era de sua mãe. Não pôde comprar muitas roupas desde que fugiu para Dempshire, mas o vestido era lindo, com alguns detalhes em renda e um decote em "V" que ressaltava seu colo.
Susan havia optado por não usar a anágua e nem o corset, pois se precisasse fugir, teria que o fazer rapidamente. Nem mesmo um salto ela colocou.
Enquanto Susan tremia de medo por finalmente ter a oportunidade de se encontrar com Adriel, ele estava ansioso para finalmente se ver livre da maldição que o atormentava há exatos três séculos.
Adriel não se lembrava mais de como era viver sem o peso daquela maldição. Três séculos de tormento, de fome insaciável, de uma vida que não era mais dele. Susan era sua chance de libertação, mas algo na ideia de destruí-la o incomodava profundamente.
Quando a maldição o acertou, ele não imaginava que teria que viver tanto tempo para poder desfazer aquilo. Mesmo assim, ansiou todos os dias. E ao saber do nascimento da garota, sua salvação, Adriel comemorou por quase um mês, e depois disso, tentou avidamente matá-la. Gostaria de dizer que ele mesmo foi em busca da garota, mas algo dentro dele não o permitiria matar uma criança. Então, colocava sempre seus capangas para fazer seu trabalho sujo. Nunca tivera resultado.
Entretanto, Susan não era mais uma criança; era uma jovem adulta, e estava mais do que na hora de dar um ponto final naquilo. Só que alguma coisa gritava dentro dele dizendo que nada daquilo fazia nem sequer sentido. Mesmo assim, ele ignorou, lembrando-se do que a bruxa que lhe amaldiçoara dissera.
Susan saiu de casa com cuidado e se aproximou lentamente da praça central da cidade, onde algumas pessoas também estavam se locomovendo de maneira desorganizada. Muitas famílias estavam ali, indo para um baile de um completo estranho, pelo menos, para ela.
A praça central era um espetáculo de luz e cores. O cheiro doce de caramelo misturava-se ao som animado de uma banda tocando ao fundo, enquanto risadas ecoavam entre os convidados mascarados.
Era nesses momentos em que Susan se sentia solitária. Não havia ninguém para acompanhá-la em bailes, para ajudá-la a descer de carruagens... Nem para atrapalhá-la de fazer suas loucuras.
As luzes estavam todas lindas, várias tochas acessas nos postes... Um belo cenário para uma vingança fatal. Muitas vezes Susan duvidava de seu potencial, porém, quando isso ocorria, ela se lembrava de quem descendia, e que Magno era um grande exemplo para a comunidade dos bruxos, sendo um dos mais fortes.
A sombra de Magno pairava sobre ela como uma segunda pele, um lembrete constante de que ela deveria ser mais do que era. Mas, naquela noite, Susan não queria ser Magno. Queria ser apenas ela mesma, e provar a todos que isso bastava.
A jovem sempre fugia do Conselho dos Bruxos, pois, sempre que os via, eles queriam ver seu progresso, e perto de seu avô, Susan sabia que nunca os impressionaria. Eles esperavam muito dela. Todos ansiavam por uma nova bruxa tão forte quanto Magno. Porém, ela ainda não estava pronta o suficiente. Algo em seu coração lhe dizia que ser descendente de um homem tão poderoso quanto o avô era mais uma maldição do que uma bênção.
A garota colocou sua máscara dourada, que combinava com o vestido, e a firmou bem em seu rosto, na intenção de que não caísse facilmente.
Andou pela festa, se misturando entre os convidados, atenta a cada detalhe ao seu redor. Por mais que estivesse ali para executar seu plano, não podia negar que o ambiente tinha algo de hipnotizante. A decoração, as luzes, a música... Tudo parecia um chamado para esquecer, ao menos por um instante, o peso de sua missão.
Porém, seu estômago logo a trouxe de volta à realidade. Uma fome arrebatadora a tomou, e sentir o cheiro daquele caramelo a deixava ansiosa por se alimentar. Não havia comido direito naquele dia, nervosa demais para pensar em algo tão mundano como comida.
Ela se aproximou da barraca de onde vinha o aroma e aguardou ser atendida, enquanto diversas pessoas conversavam arduamente ao seu lado.
— Olá, senhorita. O que gostaria de comer esta noite? — O senhor de cabelos grisalhos a questionou. Ela olhou para dentro da barraca e viu algo que parecia ter um cheiro ainda mais especial. Apontou para uma maçã recheada de doce de leite.
— Quero aquela maçã, por favor.
— Claro! — respondeu o senhor, de forma ávida, enquanto ia buscar o pedido. — É o doce mais vendido por aqui. — Ele lhe ofereceu um sorriso carismático e entregou a maçã.
— Está envenenada. — Uma voz forte ao seu lado a fez dar um pequeno salto.
Ao olhar para o lado, Susan viu um homem parado ali, usando uma máscara azul extremamente simples. A única coisa que Susan podia de fato notar era que sua pele era morena e seus cabelos escuros; o resto estava todo coberto de tecidos.
O homem usava uma camisa longa branca e uma calça preta em conjunto com seu paletó, e mesmo sem querer, Susan se pegou pensando em como seria o rosto do dono daquela voz firme.
— Ora, é claro que não está. — Respondeu Susan, evitando contato visual com o homem. Porém, podia sentir muito bem os olhos dele cravados nela, o que a fez se remexer de forma desconfortável.
— Como pode ter tanta certeza? Nunca ouviu sobre "A Branca de Neve"? — Susan deu uma risada de escárnio com o assunto aparentemente sem sentido puxado pelo homem. — Por que ri?
— Ah, precisa ser muito inocente para acreditar nesse tipo de conto, onde uma bruxa má quer matar uma garota só por ser mais bela que ela. — Deu de ombros e pegou a maçã, agradecendo ao senhor e se afastando do rapaz, que continuou ali com um semblante intrigado.
Susan tentou se envolver no meio daquela grande quantidade de pessoas e sorriu ao ver uma fonte bem no centro. Aquilo sim seria um espetáculo.
— Aquam volare. — Recitou um feitiço em latim, fazendo água se espalhar por uma grande parte do ambiente.
Uma boa parte das jovens entrou em pânico por terem seus vestidos e cabelos molhados, e Susan detestava admitir, mas aquilo foi tão revigorante.
Tinha passado uma grande parte da vida sofrendo com chacotas das garotas de sua idade, e agora que podia se vingar, era bom demais. Ela não deveria usar seu poder para o mal, mas como poderia não aproveitar nem um pouco?
Uma comoção foi criada e ficou ainda maior quando Susan decidiu que era hora de deixar clara a sua presença. Apontou discretamente para duas tochas estrategicamente posicionadas perto da fonte, e ambas começaram a incendiar ainda mais.
— Flammam capere. — Uma explosão foi vista por todos e deixou-os boquiabertos.
Adriel estava realmente se divertindo com a jovem. Tão ingênua... Achava que precisava chamar a atenção dele? Susan nunca escapou de seus olhos. E naquela noite, particularmente, estava ainda mais linda do que jamais a viu.
O vestido dourado, brilhando tanto quanto sua própria pele, o decote em "V" que, embora modesto, era suficiente para revirar sua cabeça contra sua vontade. Ainda assim, aquela era sua vítima, sua presa, e iria raptá-la assim que possível.
Ele se aproximou novamente de Susan, tentando recompor-se, antes de puxar um novo assunto sobre contos de fada. Ele jamais acreditou em um, nem mesmo quando era humano.
— Você acredita que a Branca de Neve realmente acordou por causa de um beijo de amor verdadeiro? — questionou, fazendo a jovem sobressaltar devido ao susto. — Perdão.
— Claro que não. É impossível que ele tenha se apaixonado por ela em tão pouco tempo. — Susan não conseguiu evitar mostrar desinteresse pelo assunto. Não tinha ido para aquela festa na intenção de conversar sobre contos de fadas. Entretanto, algo naquele homem a intrigava. — E você, acredita em beijo de amor verdadeiro?
Susan já sabia a resposta, só pela forma como ele andava ela tinha certeza de que havia pouca coisa em que aquele rapaz acreditava.
— Não, definitivamente não.
O brilho nos olhos de Adriel foi apagado imediatamente, corroído por imagens da última vez em que se permitiu amar alguém e o que fez a essa pessoa.
— Então por que está falando sobre isso?
— Estava apenas tentando arrumar alguma forma de chamar sua atenção.
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