33. Os sinos tocam, é Natal
Algumas semanas se passaram.
Robert concordou em continuar na cidade, porém ainda estava apreensivo... Me observava o tempo todo, para se certificar de que eu não pisaria em falso novamente. Tire que trocar o chip do celular e fingir que Jenny nunca existiu pra mim. Era o melhor a se fazer; por sorte não tinha dado tempo de me apegar a ela, mas estava sendo tão bom ter mais alguém pra conversar...
De uma maneira muito estranha, Robert e Kate estavam muito próximos nas últimas semanas. Ele garantia que era só amizade, mas sabíamos que havia algo a mais. Ela não sabia sobre a nossa verdade, mas como as coisas estavam andando, não demoraria muito em acabar sabendo.
Era véspera de natal e meu pai queria fazer a ceia em casa; Liz como sempre muito cuidadosa com os detalhes colocou uma guirlanda na porta de entrada, árvore de natal com uma estrela dourada no topo, luzes coloridas penduradas na varanda, papai Noel, trenó, renas e tudo o que tinha direito.
Com Roy namorando Veronika e Rob muito próximo de Kate, me levantava a suspeita de que Dakota viria; e eu me peguei sorrindo pensando nisto.
- Está sonhando acordado, James? - Ben interrompeu meu devaneio.
Olhei com surpresa, sem ter percebido ele ali.
- Oi?
- Está sorrindo torto, com um brilho diferente nos olhos.
- Eu estava pensando.
- Sei bem no que você estava pensando.
- Não sabe não.
- Ah, pode apostar que sei. - Ele sorriu.
- E a Liz? - tentei mudar de assunto.
Instantaneamente ele mudou de postura.
- Está colocando as renas nos jardim... Eu acho. - Deu de ombros.
- Não perguntei nesse sentido. - Sorri pra ele.
Ele olhou torto e riu.
- Entendi - disse e olhou pra baixo, ainda sorrindo, envergonhado.
- Pode falar; não vou zoar.
- Falar o que? - perguntou, se fazendo de mal entendido. - Não tenho nada a dizer.
- Está planejando algo pra hoje.
- Como sabe disso? - Olhou desconfiado.
- Eu ouvi... desculpe.
- Ouviu meus pensamentos??
- Foi sem querer!
- Cara, não pode fazer isso!
- Eu sei! Mas eu não quis, foi sem querer, eu juro!
- Como assim, sem querer? Que eu saiba você só escuta quando há muito nervosismo.
- Sim; eu achava isso. Mas não sei... está mudando, eu acho.
- Mudando? Como?
- Não sei explicar... Parece que agora pode ser a qualquer momento; quando menos espero, simplesmente escuto.
- Tem que existir uma explicação pra isso; não muda sem um motivo. E você não pode ficar simplesmente escutando tudo que as pessoas pensam.
- Não estou gostando também. Aliás, as vezes é bom, eu confesso, mas isso irrita.
- Desde quando está assim?
- Não sei... Percebi faz um mês, mas talvez possa ser antes.
- Me deixe adivinhar; Robert ainda não sabe sobre isso, né?
- Não quero ser de novo mais um motivo de preocupação... Acho que já bati a cota do ano; posso resolver isso sozinho.
- Tem certeza? Não acho que seja algo tão simples de se resolver.
Liz passou com uma caixa cheia de apetrechos de Natal, interrompendo nossa conversa. Seguimos-a com os olhos, até que ela saiu pela porta em direção ao jardim.
- Mas, e aí? Vai contar o que está planejando pra hoje? - perguntei.
- Não sei se devo...
- O que? Contar ou fazer?
- Fazer. Por que saber, você já sabe né.
- Não, não sei. Eu não escutei nada de mais.
Ele olhou desconfiado.
- Sabe como são as noites de natal para Liz... Ela fica toda empolgada durante a semana, e durante o dia, mas quando chega a noite algo a deixa emotiva... Eu nunca tive coragem, mas sempre quis consolá-la.
- E a consolando, a aproximação se torna mais fácil... E então...
- Então nada. Só quero fazer o que nunca tive coragem, e também quero me aproximar dela, só isso.
- Jura que é só isso? Eu duvido.
- Cara, foram poucas as vezes que consegui me aproximar de verdade da Liz depois que confessei a ela o que sinto. É claro que se eu tiver a chance e ela me permitir...
- Não acho que você teria coragem... Não me leve a mal.
- Do que? De beijar ela?
- Sim.
- É claro que eu tenho coragem, só não quero forçar a barra.
- Forçar que barra, Ben? Até agora você não tentou nada.
- Não é falta de coragem, se eu quiser, hoje mesmo mudo isso.
- Eu duvido.
- Quer apostar?
- Demorou.
Eu sabia como Ben era competitivo, e ele só precisava de um incentivo pra fazer o que queria fazer. Um pequeno empurrãozinho.
Da janela do meu quarto eu olhava a noite escura; as nuvens cobriam a lua nova, e as luzinhas natalinas iluminavam a cidade.
Roy entrou no quarto.
- É bom estar em casa, não é? - comentou, também apreciando a vista.
Pela janela avistei um Peugeot 308 se aproximando; era o carro de Kate. Me aproximei da janela, tentando ver dentro do carro.
- Ela não veio - Roy já foi me adiantando.
- Como sabe? - Continuei a olhar, e no modo como o carro se aproximava, pude ver que só haviam duas pessoas no carro. Kate e Veronika.
- Quer mesmo saber?
- Por que não?
- Veronika me disse que ela passaria o Natal com Alex... Não só o Natal, como o resto do ano.
- Como assim?
- Ela não está na cidade, James.
- Ah... - disse surpreso; foi um soco no estômago. Eu não queria demonstrar o modo como essa notícia me atingiu, mas eu sentia.
Me virei novamente para janela, vi Kate e Veronika entrando em casa.
- Vou descer pra receber Veronika... - disse e saiu do quarto, me deixando a sós com meus pensamentos escuros.
Era incrível como eu me entregava fácil; foi só ver o carro que já fiquei esperançoso; eu não podia ser assim, eu não podia ceder tão rápido, não com ela. Nem deu tempo de eu resistir; sem pensar, sem lembrar de que o meu plano é esquecê-la, eu estava pronto para correr encontrá-la, e me decepcionei mais uma vez.
O pior de tudo, era como eu me sentia em relação a tudo isso, não havia mal ela viajar com Alex, afinal, ele era o namorado dela; mas eu me sentia mal. E eu não tinha a quem culpar, a não ser a mim mesmo que não conseguia fazer isso parar.
Eu podia não querer saber sobre ela, podia não ter perguntado a Roy, e não estaria sentindo essa opressão agora. Afinal, a meses eu não a via, porém sabia onde ela estava, e mesmo inconscientemente eu insistia em continuar no mesmo lugar que eu sabia que ela podia me encontrar quando quisesse... Se quisesse.
Desci as escadas e quando estava próximo a porta da sala Liz me chamou.
- Hey, James! Aonde está indo?
- Vou dar uma volta.
- Mas é Natal, não vai ficar com nós?
Olhei em volta, todos estavam ocupados felizes, eu não queria estragar o espírito natalino com meu mau-humor, e nada como um bom ar fresco pra melhorar isso.
- Volto antes que sintam minha falta. - Sai e fechei a porta.
Caminhei até o centro da cidade; haviam luzes piscantes, papais noéis e pinheiros por toda parte.
Algumas lojas ainda estavam abertas, a maioria eram bares, lanchonetes e restaurantes, provavelmente os donos desses lugares pensavam em pessoas solitárias como eu.
Sentei na cadeira de uma lanchonete, logo a garçonete veio me atender.
- O que quer pedir, Senhor?
Uma dose de sorte, caprichada, por favor; queria dizer.
- O que sugere?
- Temos um lanche novo, seria um ótimo pedido. Acompanha fritas, o hamburguer é artesanal...
- Ok, esse mesmo - interrompi-a.
Ela ergueu uma sobrancelha e se calou, marcando o pedido.
- Só quero ter um lugar pra sentar e pensar - expliquei.
Ela concordou com a cabeça e voltou para trás do balcão.
Senti um perfume conhecido, olhei para rua; Jenny caminhava despreocupada pelas calçadas da praça. Virei o rosto rapidamente, antes que meu olhar chamasse o dela.
Peguei minha carteira e coloquei uma nota em cima da mesa, precisava sair dali antes que ela me visse; ela estava muito perto.
Me levantei para sair, porém não dava mais tempo, então caminhei discretamente na direção dos toaletes, até que eu pudesse sair daquela lanchonete sem ser notado.
- James? - Jenny perguntou surpresa.
Fechei os olhos, devagar. Droga! Continuei andando, fingindo que não havia escutado.
Percebi seus passos rápidos atrás de mim. Por que pensei que seria fácil? Nunca foi tão fácil; ela não iria simplesmente embora por que "não a escutei".
- Hey! - Ela já estava perto o suficiente; me puxou pelo braço, me obrigando a olhar pra ela. - Está me evitando?
- Jenny.
- Por que não parece surpreso?
- Estou surpreso.
- Não. Não está. O que está acontecendo?
- Nada. - Olhei circunspectamente em volta.
- Moço, este dinheiro é seu? - perguntou a garçonete, me entregando a nota que eu havia deixado em cima da mesa.
- Não...
- Estava na sua mesa. Seu pedido ainda não está pronto.
- Não é meu... Pega pra você. - Empurrei a mão dela.
Ela sorriu e saiu.
- Me viu e estava indo embora?
- Que isso, Jen? Por que está tão desconfiada?
Ela revirou os olhos, sem paciência e se virou para ir embora.
- Hey, espera - peguei seu braço. - Desculpe.
Ela me olhou de ombros caídos.
Olhei novamente em nossa volta, me certificando de que ninguém estava nos observado.
- Moça - chamei a garçonete. - Tem um lugar mais reservado para sentarmos?
A garçonete nos levou para o segundo andar da lanchonete. Era pequeno e não havia ninguém.
Logo o lanche que eu havia pedido chegou. É claro que eu não iria comer.
- Come... Estou sem fome.
- Eu também - ela disse, séria.
- Eu não te vi, juro... - Menti.
- Por que não acredito em você?
Olhei pra ela sem respostas. Eu não estava sendo persuasivo o suficiente ou ela era esperta demais pra cair nas minhas mentiras, talvez os dois.
- Você sumiu...
- Desculpe...
- Jaz faz mais de um mês.
- Tive alguns problemas.
- Durante todo esse tempo?
- Você não acreditaria se eu contasse. - Dei uma risada, sem graça.
- Poderia ligar.
- Eu perdi meu celular.
Ela franziu o cenho. Eu odiava precisar mentir pra ela.
Diante daquilo, podia tirar ao menos uma coisa boa; ela ainda não sabia sobre a minha verdade.
- Eu preciso ir, Jen; minha família está me esperando.
Ela assentiu com a cabeça, resignada.
- Desculpe por ter que ir.
- Pare de se desculpar.
Assenti calado e me levantei.
- A gente se vê - eu disse.
"É o que todos dizem, quando na verdade não vão se ver" - Ouvi ela pensar.
- Posso... te ligar? - perguntou, relutante e tímida.
- Ahm... Eu ainda não comprei outro celular.
- Hum... Ok...
Ela não olhava mais para mim; trançava os dedos em cima da mesa, concentrada neles.
Virei e caminhei até a escada.
- James - Ela me chamou, antes que eu descesse. Olhei pra ela. - Por que está aqui?
Franzi o cenho.
- Apenas... queria esvaziar a cabeça... E você?
Subitamente vi imagens em minha mente. Imagens de Harold e alguns outros homens, inclusive aquele outro caçador. Eles estavam bebendo e rindo muito.
- Também - ela interrompeu meu devaneio. Pisquei duas vezes, um pouco assustado. Eu havia entrado na mente dela? Era isso mesmo?
Harold não fazia papel do pai bêbado e desnaturado. Ele se preocupava muito com Jenny, talvez até demais; mas era natal, ele devia ter exagerado no ponche; e Jenny, por não estar acostumada a esse tipo de situação, saiu de casa.
Eu podia chamá-la pra passar o natal comigo, mas seria errado, muito errado. Tirei logo essa ideia da cabeça e desci a escada sem nada a dizer.
- Desculpa por isso - murmurei baixinho, sem que ela ouvisse.
Fui pra casa, mas não entrei; fiquei por um tempo sentado numa pedra que tinha próximo de casa.
Um lugar ótimo por sinal, embora que me fizesse lembrar o mesmo lugar que eu vi Dakota pela primeira vez. De lá eu pude espairecer, acalmar a mente e podia escutar tudo; a alegria das pessoas na cidade e em casa também.
Ben conseguiu a proeza. Da pedra, também pude ver isso. Fiquei feliz por ele; embora parecesse que a noite estava dando certo pra todos, menos pra mim.
Ouvi estrondos vindos do céu; cores fortes e brilhantes chamavam a atenção. Já era meia-noite, então decidi entrar, pois seria esse o momento em que dariam conta de que eu não estava lá.
Voltei para casa sem nenhum entusiasmo; quando entrei pela porta, dei de cara com Veronika de costa; por um momento pensei que fosse Dakota, afinal, Veronika era a maneira mais fácil e rápida de me fazer lembrar de quem eu lutava para esquecer, embora eu fracassasse sozinho por várias vezes.
Ela se virou e me viu; abriu a boca pra me cumprimentar, porém eu abaixei a cabeça e passei reto, fingindo não ter visto ela ali; não estava no melhor momento pra conversar com ela. Senti que ela me seguiu com os olhos, me encarando. Como era possível? A voz era a mesma e eu nunca tinha reparado nisso. Eu fazia questão de não criar oportunidades para trombar com Veronika quando ela estava em casa; na maioria das vezes eu não saia do quarto, outras eu saia antes que ela chegasse e voltava só quando ela já tinha ido embora... Então eram raras as vezes em que nos víamos.
- Feliz natal, meu filho! - Robert disse, se aproximando com um sorriso largo no rosto, acompanhado de Kate.
- Feliz natal, pai. - Abracei-o. - Feliz natal, Kate - acrescentei, agora olhando para ela.
- Feliz natal, James. - Ela deu um pequeno beijo em meu rosto e me abraçou delicadamente.
Logo em seguida, Kate e Rob foram desejar feliz natal ao resto da família. Aproveitei a brecha pra subir para o meu quarto.
- Ei, ei! Cadê o seu espírito natalino? - disse uma voz doce e meiga.
Fiquei duro. - Fui pego desprevenido ao subir a escada com pressa.
Eu não conseguia me virar, estava imóvel só de pensar que Dakota estava atrás de mim. Mas fiz um esforço, para não deixá-la esperando por alguma reação minha.
- Veronika. - Minha voz era de decepção. Ela estava ao pé da escada. - Que susto você me deu.
- Por que se assustou?
- Pensamento longe...
- Você nem me cumprimentou quando chegou.
- Desculpe, eu não te vi - menti.
- Tudo bem, essa eu deixo passar. Venha aqui me dar um abraço de feliz natal!
Sorri, sem graça.
- Não seja tímido! - Ela riu.- É natal!!
Desci a escada e dei um abraço rápido.
- Feliz natal! - ela disse.
- Feliz natal, Veronika.
- Vê se aparece mais vezes, eu quase não te vejo! Agora somos praticamente uma família.
Eu ri, olhando para Robert e Kate, mas no fundo isso me preocupava.
- Você acha? - perguntei.
- Claro! Sei que estão com receio de assumir, mas olha pra eles! São tão fofos juntos!
- Será que eles pretendem morar juntos?
- Acredito que sim; desde que meu pai morreu ela tem muito medo de ficar sozinha em casa... E desde então, eu também nunca a vi tão feliz como está agora.
- Hum... meu pai também. E você acha que Dakota também viria?- perguntei, como quem não quer nada.
- Ela não desgruda da minha mãe por nada! É claro, que se ela não casar com o traste antes né...
- Casar? Mas ela é tão nova!
Ela riu.
- É só uma suposição.
- Ah... - Tomei outro susto.
- Por falar nela... Ela esteve falando de você esses dias.
- De mim? O que ela falou?- Tentei parecer desinteressado. Sem sucesso.
- Perguntou como você estava; mas eu não soube responder, já que é raro te encontrar por aqui.
- Espero que ela esteja bem...
- Bom... Ela sempre fica. - Ela deu um meio sorriso e fitou minha expressão fora do ar. - Sinto muito por não ter mais ela por perto.
- Eu tambem... - admiti.
- Ela é complicada, às vezes chata... mas é uma pessoa incrível. Só está desperdiçando a vida com um cara como o Alex.
- Ainda não entendo... - confessei.
- Eu também não entendia, mas agora eu entendo. Alex é um tirano; ele não quer saber se ela está feliz ou não, simplesmente não se importa. Nenhuma menina além dela o ama, ele está com ela por que quer conservar isso, afinal, a popularidade não dura pra sempre, e se algum dia ele ficar sozinho, ele tem ela como um estepe; por enquanto ele só quer aproveitar... Ela não enxerga por que não quer, mas lá no fundo ela já sabe, só tem esperança de que um dia seja diferente do que é hoje.
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