10. Surpresas
Liz estava lendo pela terceira vez o livro Mil e uma noites, sentada num banco no meio do jardim, cercada por flores artificiais de todas as cores. Liz adorava flores, e não queria viver num lugar onde elas não existissem. Juneau era muito frio, e plantas frágeis não sobreviviam na neve. Então Liz fez seu
próprio jardim com flores artificiais. Ela estava linda como sempre, sentada de pernas cruzadas como um índio, com a cabeça baixa como se estivesse lendo, mas eu sabia que não estava, pois não saia da mesma página. Ela só queria que o tempo passasse logo. Fiquei observando por um tempo, mas logo pulei na sua frente imitando tudo que vi Roy fazendo. Dei piruetas e errei algumas coisas, mas logo improvisei. Ela olhava assustada para mim, esperando uma explicação. Ela não riu nenhuma vez e eu não sabia mais o que fazer.
Então falhei de novo, meu plano C foi por água a baixo. Sentei no chão, esmorecido. E fui pego de surpresa quando ela me abraçou. Eu não sabia se ela acabara de me perdoar, ou se só estava com pena de mim.
- Você é muito bobo James.
- Eu seria qualquer coisa pra você me perdoar.
- Que bonitinho.
Sorri. Ficamos abraçados em silencio por um tempo.
- Espera um pouco, Liz. Eu já volto.
Fui até o quarto do Roy e pedi a ele para fazer um favor para mim.
- Já está abusando - disse ele.
- É por uma boa causa, Roy.
- Está bem. Mas já está me devendo três.
- Quando for a hora, se concentre, fique nervoso e pense em mim.
- Por quê? O que é isso cara? Já estou desconfiando que o pai estava certo a seu respeito.
- Depois eu explico. Só fique nervoso e pense em mim, somente em mim.
- Acho que eu já entendi.
Sai para conversar com a Liz, pedir perdão e explicar tudo o que aconteceu. Já estava escurecendo e andávamos de braços dados sobre a floresta.
- Liz. Eu sinto muito mesmo. Eu fiquei muito mal vendo você daquele jeito. Eu não podia ficar sem fazer nada. Eu preciso ter você ao meu lado. Me perdoe, por favor.
- Eu já te perdoei James. Me desculpe por toda a minha emotividade.
- Eu juro que não fiz de propósito.
- Tudo bem James, eu acredito em você.
Eu não sabia se eu contava a ela sobre a menina dos olhos claros. Que eu a conheci, que eu consegui ficar perto dela como temia, que o meu auto-controle falho era apenas coisas da minha cabeça; queria muito contar tudo isso a ela. Mas talvez isso estragasse o momento. Liz não estava mais com aquele olhar amargurado, ela não estava mais triste. Ela voltara a ser aquela Liz feliz de sempre e eu queria conservar isso. Mas eu precisava dar uma satisfação por não ter chegado na hora exata como o combinado.
- Liz. Eu te devo uma satisfação, não é?
- Você não me deve nada.
- Não deu para eu chegar a tempo.
- Eu não te culpo. Mas você poderia ter me avisado que não iria mais.
- Eu ia, mas eu esqueci - eu poderia estragar tudo com essa frase.
- Esqueceu?
- Desculpa.
- Pare de pedir desculpas. Eu já te desculpei. Mas como você pôde ter esquecido?
- Uma longa história.
- Eu tenho todo o tempo do mundo. - E ela tinha mesmo. Mas comecei a escutar o Roy falando em minha mente. Já era a tempo, fui salvo por ele. Eu ainda não sabia se eu contava ou não a ela sobre a Veronika.
- Seu idiota, já faz uma hora que eu estou aqui plantado como uma árvore. E já faz tempo que eu estou tentando falar com você e você não me escuta. Até quando pretende que eu fique aqui? - Roy estava furioso.
- Primeiro quero te mostrar uma coisa Liz. - Soltei de sua mão, e peguei uma venda que estava no bolso da minha calça. Comecei colocar em seus olhos.
- Como você quer me mostrar uma coisa se você está me vendando?
- Não se preocupe. Não está aqui o que eu quero te mostrar. Quando chegarmos lá, eu vou tirar a venda. - Amarrei firme para que ela não se soltasse no meio do caminho.
- Suba em minhas costas - eu disse.
- Como assim?
- Eu vou te levar.
- Eu não consigo subir. Estou vendada, esqueceu?
- Tudo bem. Então eu te pego.
Peguei seus dois braços e com um movimento ligeiro a coloquei em minhas costas. Corri entre a floresta como um puma. Ela não soltava do meu pescoço e se eu não fosse praticamente morto ela teria me matado asfixiado. Mas eu ainda precisava respirar e o meu ar já estava acabando.
Quando se vira vampiro, algumas coisas podem ficar, no meu caso a doença asmática. Ser vampiro é como uma maldição; você pode permanecer "vivo", jovem e bonito, mas você está morto. Você pode ser "imortal", mas isso não significa que essa maldição te livra de suas maiores angústias; você sente que está morrendo, mas não morre. Ela pode te dar força, mas não o bastante; por sorte aprendi a controlar melhor a minha doença; as crises eram raras, mas todo cuidado ainda era pouco.
- Liz... - eu disse ofegante - Preciso respirar. Já está... quase... no... fim.
- Desculpa. - Ela soltou o meu pescoço e segurou em meus ombros. Então com sua insegurança, apertou as pernas na minha virilha. Isso incomodou bastante, e eu não via a hora de chegar.
- Já chega. Eu vou embora, não agüento mais esse suspense. - Roy estava mesmo furioso. Mas eu estava indo o mais rápido que eu podia, até por que eu estava louco pra tirar a Liz de minhas costas. Enfim estávamos quase chegando. Parei um pouco antes para a Liz não escutar os gritos do Roy.
- Já pode descer Liz. Mas não tire a venda.
- Chegamos? - disse ela enquanto descia. Foi um alívio e tanto.
- Quase. Você vai ficar um pouco aqui e eu já volto.
Corri até onde Roy estava. E ele estava andado de um lado para o outro como um leão preso numa jaula.
- Onde você estava? Já faz tempo que eu estou te esperando - disse Roy furioso.
- Não faz muito tempo que eu ouvi você falando.
- Mas já faz tempo que estou tentando me comunicar com você.
- Eu disse pra você ficar nervoso. Só quando você ficou realmente nervoso que comecei a te escutar.
- A espera não fazia parte do combinado.
- Nem a fúria - rebati.
- Esta bem. Mas você está me devendo quatro - disse ele com um sorriso travesso.
- Como quiser. Não preciso mais de você aqui. Já pode ir.
- Está me dispensando? Ta bom, já que é assim. Juízo hein. - Ele correu para casa. E eu corri até a Liz.
- Cheguei. Agora podemos ir - eu disse a Liz.
Peguei-a e coloquei novamente em minhas costas. E ela agarrou o meu pescoço de novo. Antes ficar sem ar do que passar por aquilo de novo, então fiquei quieto. Chegamos, e estava tudo do jeito que eu tinha dito para o Roy fazer.
- Pode descer. - Ela desceu e eu comecei a desamarrar a venda dela. - Está preparada? - perguntei.
- Sim. - Então soltei a venda, e deixei-a cair no chão. Ela estava fascinada, com os olhos brilhando, sem piscar. - Igual ao meu sonho - ela disse.
- E ai, gostou do nosso piquenique? - perguntei.
- Se gostei? - Ela ria, admirando tudo. Flores, frutas, velas cheirosas, tudo sobre uma toalha xadrez. A noite estava linda, e a lua refletia sobre o lago Peyto.
- Vamos sentar então. - Peguei em sua mão para puxá-la até onde tudo estava. Mas ela segurou com força a minha mão avaliando as marcas no meu braço.
- O que é isto? - disse ela.
- Foi o sol.
- Saiu sem blusa - ela afirmou.
- Eu esqueci - eu disse. - Mas isso não importa agora. - A puxei e sentamos. Começamos a conversar sobre coisas bobas, como sempre fazíamos.
- Eu acabei de me lembrar de uma parte do meu sonho. Eu lembrei que você me trouxe até aqui em suas costas - ela disse.
- Então tudo o que aconteceu já era para acontecer? - perguntei.
- Acredito que sim. Mas eu não me lembrava dessa parte. Às vezes eu tenho uma espécie de amnésia depois que acordo; esqueço o sonho inteiro ou algumas partes... Devo ter pulado a parte triste e ido direto pra parte boa - ela sorriu pra mim.
- Independente do que aconteceu, o que importa é que estamos aqui do jeito que você queria, não é?
- Claro. E a noite está tão linda; tudo está perfeito. É como um djavu.
- Só mais uma última vez eu peço perdão. Eu não queria que nada do que aconteceram esses dias tivesse acontecido.
- Eu sei que você sente muito; eu também sinto. Não continue se sentindo culpado, o que aconteceu foi uma fatalidade; era pra acontecer.
- Obrigado por me entender.
Liz pegou uma pequena pedra que estava ao seu lado e atirou ao lago Peyto. Caiu sobre a água e desapareceu.
- É. isso pode ser divertido - disse ela enquanto pegava outra pedrinha e atirava novamente ao lago.
- Eu disse. Nem precisava de piquenique. - Peguei uma pedra também, e fiquei revirando-a nos dedos.
- Ei. Precisava sim! - ela disse sorrindo. Parecia estar muito feliz.
- Piqueniques são para meninas. Já chega o pai desconfiar que eu seja gay.
- Papai pensa que você é gay? - Ela ria da minha cara.
- E pensa que o Roy também é.
- Nossa. - Ela continuava rindo. - Vocês precisam arrumar uma namorada. Nunca vi o Roy beijando uma menina. E nem você.
- Você está dizendo que somos lentos?
- Não! Só que vocês não têm pressa.
- Grande diferença. Mas eu não vou falar que eu nunca vi você beijando um menino.
- E por que não?
- Por que gosto de você assim.
- Por quê? - Ela sorriu de canto; tinha interpretado mal.
- Por que você é minha irmã. E tenho certeza que Ben e Roy pensam do mesmo jeito. - Tentei escapar.
- Eu também acho. Eles são muito ciumentos.
- E eu também sou, viu mocinha.
- Ah, você não conta.
- E por que não? Por quê? Hein? - eu dizia enquanto eu fazia cócegas nela. E ela rolava de tanto rir.
- Pára, pára! - Ela falava entre risos.
- Parar por quê? - eu dizia e continuava a fazer cócegas nela. Mas fiquei com dó e parei. Ela ainda estava rindo, quando parou de rir ela lançou um olhar de quem estava com arte. Pulou por cima do meu corpo e em uma fração de segundos já estava fazendo cócegas em mim.
- Era por isso que eu dizia para você parar! - Ela ria junto comigo. Eu podia muito bem tirar ela de cima de mim, mas eu queria deixar ela se divertir um pouco.
De repente ela parou, e ficamos um bom tempo nos olhando em silêncio. Seu olhar era penetrante e eu mal conseguia pensar. O vento assoviava e fazia seus cabelos voar; aquele cheiro doce de sua pele me fazia querer estar ali pra sempre.
Ela sorriu de leve, talvez um último pedido para seguir adiante. Sorri automaticamente e ela me beijou. Tive que corresponder, era tão bom. Ela pegava em minha nuca, seus dedos subiam por meus cabelos, seu toque era tão suave que me causava arrepios. Sem dúvida, o melhor beijo de toda a minha vida.
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