Capítulo 15 - A Terceira Taça
*escrevi o capítulo escutando essa música, quiserem sentir talvez, a experiência, ai está ela, boa leitura*
Os olhos cansados de Norton eram notados por qualquer que olhasse para ele por alguns míseros segundos. Ele olhava todo o seu entorno. O restante da estrada que dava no centro da cidade de Clanton, as placas sinalizadoras de desvio de rota, redução de velocidade e aquela casa do outro lado da estrada, a de campo extenso em sua entrada.
Na casa amarelada, Norton Stephens parecia procurar visualmente por algo. As pessoas dali.
Percebendo que Norton se perguntava claramente sobre as pessoas dali, Sr. Vellian, cambaleante puxou o machado em cima de uma tora cerrada em um balcão rústico para cortes de madeira.
- Eles também foram com o governo.
- Como? - devaneando, Norton não processou o que Sr. Vellian tinha falado.
- Os moradores daquela casa, não é isto que está se perguntando? Eles foram resgatados.
- Ah sim – suspirou Norton, ainda contrariado – é que aquela casa, tem algo que me chamou atenção...
Sr. Vellian sorriu indiferente. Levou o machado e o jogou em cima das tralhas em frente a garagem. Podia ouvir os arquejos do velho ao subir suas costas novamente, aproveitando para pegar o pacote de fumo de dentro das calças.
- Oi! - acenou novamente Margareth, a mulher de Vellian Jhonson. Ela descia saía da coberta sombreada da porta e foi se direcionando para o grupo que se formava em Norton para trás – Fiquem à vontade.
O sorriso de Margareth, segurando um pano de prato e uma garrafa de café, era cativante.
- Agradeço – responde Norton, de bom grado.
- Ele é rabugento assim mesmo, não liguem – sorriu Margareth olhando brevemente para o marido – entrem! Passarei o café, tem ovos na geladeira.
Entreolharam.
Não recusaria a oferta de um café da manhã, pensou Norton. Sua barriga embrulhava, faminto, embora houvesse enlatados e pacotes de pães integrais.
Também não insistiria em dirigir para o centro de Clanton, com as informações que o sr. Vellian havia lhe dado sobre ela, ainda mais possivelmente guiando aquelas pessoas do trailer.
Ele não sabia nada do que estava acontecendo no mundo naquele momento, precisava ter cautela.
Seguiu Margareth, com Yallow segurando sua mão. Michelly prontificou-se a ir atrás, por fim, decidiram que entrariam todos.
A casa lembrava casas que o governo disponibilizava para os moradores iniciarem suas vidas próximo aos campos. Pequena, o corretor da entrada dava na cozinha visivelmente da porta. A sala ao lado esquerdo com duas poltronas, lareira centralizada, uma TV mais ao lado.
O grupo foi preenchendo os espaços aos poucos, a maioria se direcionou para cozinha, guiados pela Margareth e talvez pelo cheiro que o café preenchia o ambiente.
- Sentem-se, é sério, fiquem à vontade – insistia Margareth.
Com o café coado, a senhora levou até a garrafa e pousou-a no centro da mesa.
Elizabeth e suas filhas foram as primeiras a se sentarem. As crianças, percebendo as poucas cadeiras da mesa, Yallow juntou-se a Carol em uma só. Michelly sentou-se na ponta, o padre na outra e Norton Stephens se encaixou na mais próxima do fogão.
- O cheiro está bom mamãe – pronunciou-se Carol, recebendo sorrisos de Elizabeth e a sra. Jhonson's.
- E está mesmo! - diz Margareth.
- Ana Lusia, não vai comer? - direcionou-se as palavras para jovem, encostada, em pé, no balcão próximo a pia.
- Estou sem fome – respondeu a jovem, cruzando os braços.
Norton pegou a garrafa e após distribuírem as xícaras, colocou o café em todas.
Alguns minutos restauraram a felicidade momentânea de comerem ovos mexidos com bacon, café forte, gosto perfeito no paladar de Norton, negativo para as crianças que enjoaram nos primeiros goles. Pelo visto apenas o cheiro para elas era que estava agradável. Sorrisos foram dados após algumas trocas de palavras, chegando no quieto silêncio, ouvindo-se apenas o tintilar de talheres.
O rosto sem expressão retornou em Norton Stephens.
- Vocês chegaram a ver... Eles? - sucintamente Norton lançou a pergunta, cabisbaixo.
- Ah, é ... - inesperadamente, Margareth deu mais um gole do café antes de responder.
- Não – quem respondia era o Sr. Vellian, estático no corredor, de frente para a mesa. Os olhos de quem estava ao redor da mesa voltaram-se pra ele – apenas os alertas na TV... é, rádio e antes que pudéssemos evadir, os soldados vieram.
- Eu e Vellian demoramos para deixar nossa casa – continuava a contar, Margareth – a vizinhança conseguiu ir, chegamos lá... lá tinham partido com o grupo que se formou na cidade.
As crianças, assim como os adultos que os rodeavam tinham entendimento do que era aquela conversa, então sabiam que a atenção seria primordial.
- O que garante que eles voltarão? - pergunta Elizabeth, contornando seu braço ao redor da pequena Carol – O que mais está por aqui para eles resgatarem?
- Salvar a gente e resgatar pertences pessoais das pessoas desta cidade não basta? - rebateu Margareth, mantendo o sorriso receptivo que tivera quando recebeu o grupo em sua entrada da casa.
- Virão em bem menor número então? - se impôs Norton, catando cada troca de palavras.
- Suponho que sim... - respondeu Margareth, voltando a encarar Vellian, ainda no corredor - ... bom, sabemos nem o nome de vocês, todos não. Que jeito louco de se conhecermos.
Sorriu.
A apresentação dos que estavam presente na acomodada cozinha foi genuína. Exceto por Eduard. Ele ficou ainda do lado de fora, no alpendre.
Puxou o restante da carteira de cigarros do seu bolso, retirando um cigarro ridiculamente amassado. Não se importou em acendê-lo com o isqueiro achado em meio a bagunça daquele trailer. Sentado em um daqueles bancos do lado de fora, tragando-o até chegar na bituca, e as chamuscas, queimar seus dedos.
Eduard era acostumado com isso. Fumava desde a infância, após passar por uma das formas mais perversa que uma criança poderia sofrer, pensava ele. Daquele tempo pra cá, foi embora com seu pai, falecendo sete anos depois. O trailer era o que resumia Eduard Martozzi na sua vida atual e ele tinha plena consciência disso, enquanto ascendia mais um cigarro, tragando-o e soltando a fumaça em direção ao trailer.
Com o fim de tarde obsoleto, a noite criou-se vida mais uma vez. As lamparinas espalhadas pela casa dos Jhonson's. A sala encaixou-se perfeita para o alojamento improvisado que Norton e Elizabeth conseguiram fazer, com panos, travesseiros – vários deles espalhados pela sala. Margareth falava que adorava costurar panos para os travesseiros, por isso a grande quantidade deles –, afastando os móveis.
A ideia de Elizabeth em vendar as janelas, buscando diminuir a exposição das luzes que vinha das lamparinas – a fim de não atrair atenção daqueles fazia morada nos pensamentos mais profundos daqueles que se escondiam –, foi bem-aceita. Fizeram isto.
- Tomou o remédio que te pedi pra tomar, Yallow? - aproximava Norton de Yallow.
A pequena Stephens estava sentada no canto mais próximo da lareira, embora esta não estivesse estalando as madeiras que Sr. Vellian havia colocado na tarde daquele dia. Enrolada sobre um lençol, Yallow concordou.
- Está mentindo.
Novamente Yallow respondeu com gestos, negativamente.
- E esse remédio em baixo da língua? - retoricamente Norton perguntou, agachando-se para o contato visual com ela – sabe que precisa tomar esse remédio Yallow. Sabe disso.
- Mas pai... - choramingou.
- Beba um pouco mais da água e engula o remédio.
Por fim, Yallow, contra sua vontade fez o que seu pai pediu.
A luz fraca que havia deixava o ambiente mais indesejável para percorrê-lo. Mesmo no mesmo cômodo, enxergar quem transitava em meio ao alojamento, era uma tarefa complicada. As silhuetas denunciavam que se aproximava. Elizabeth. Norton enxergou a silhueta de Elizabeth, curvada, conversando com a Carol, que assim como Yallow, seria as primeiras a dormirem.
Aproveitou que ela estava de costas, levou a mão ao fundo das costas, em suas calças e retirou a arma. Repousou-a no criado-mudo mais próximo dele e de uma poltrona. Suas articulações pediam descanso. Sentia que a tensidade que seus braços e parte das costas travava seus movimentos. Indo para o lado, desabou no assento, desejando o alívio.
E ele veio. Momentaneamente fechou os olhos, agradecendo por aquela poltrona ser tão macia, que não notou a chegada mais próxima de Elizabeth.
- Esta arma, onde a encontrou? - perguntou Elizabeth, trazendo Norton a arregalar os olhos.
Endireitou-se na poltrona, ainda desconsertado:
- No banheiro do casebre, na noite passada.
- Essa arma é do meu pai... - contou ela.
- Bom, eu encontrei ela lá... e teve aquela... - franziu o cenho enquanto lembrava - ... aberração que tive que atirar e ...
- Pode ficar com ela – cortou as palavras dele -, aquele velho não sabia muito como manuseava as armas.
Norton fixou suas atenções ao que Elizabeth lhe contava.
- E aonde eles estão? - perguntou Norton.
- Espero que estejam bem... - sussurrou Elizabeth, inaudível para que Norton escutasse.
Tinha algo a mais que ele, após descobrir os donos da tal arma que carregava consigo, contaria. O sangue ainda fresco no cano no momento que a encontrou. Suas conclusões que alguém havia acabado de usar aquela arma. Mas agora, descobrindo a origem do paradeiro dela, temeu contar como a encontrou jogada na pia. Deixou que Elizabeth deixasse a conversa, percebendo que agora ela conversava com a jovem.
Da poltrona, conseguiu ver também Margareth e Vellian, sentados nas cadeiras da cozinha, conversando com Eduard sabe lá qual assunto estavam. Afagou os cabelos da sua filha ao seu lado mais em baixo, repousando sua cabeça, admirando o teto.
A jovem resistiu, mas apenas escutar o estalar das chamas de uma das lamparinas em sua frente, ao lado da passagem do corredor. Em seu canto, encolhida com uma das cobertas, fechou os olhos. Os demais, exceto também as crianças, não. Pararam de perambularem pela casa, embora Norton achasse pequena, sempre que a analisava. Margareth distribuiu garrafas d'água, todas pequenas, 500ml.
Assim, cada um coberto em seus devidos lugares, assistiram ao sol nascer novamente. Estavam no terceiro dia sob ataque alienígena. Foi este o pensamento de Norton mais uma vez, após momentos frisando os olhos para janela.
Sr. Vellian passou enérgico sobre o meio da sala, caminho deixado para transitarem até a porta de entrada. Carregava consigo o seu machado.
- Está acordado? - do lado oposto da lareira, Elizabeth, dividindo o colchonete inflável com a pequena Carol, direcionou-se para Norton.
- Estou – respondeu Norton, endireitando-se na poltrona – não preguei os olhos pra falar a verdade.
- Acho que ninguém aqui conseguiu – disse ela, indicando para Eduard que equilibrava-se para não pisar nos lençóis espalhados pela sala.
Percebendo que os demais o observavam, apressou em dizer.
- Vou lá fora fumar um cigarro.
Ligeiramente contornou, passou pela porta, o sopro frio que o clima deu, invadindo a sala. Trancou a porta ao sair.
- Hoje amanheceu mais frio, não acha? - sugeriu ela, encobrindo-se mais.
- Sim.
Oposto de Elizabeth, Norton decidiu levantar. Deu mais uma breve olhada para Yallow, enrolada dos pés ao pescoço e passou entre os lençóis. Sua jaqueta aberta na cabeceira da poltrona, agora só com sua camisa cinza, direcionou-se para cozinha.
Nas trocas de nomes no café da manhã passada, descobriram o nome do padre. Se chamava Bernard. O mesmo homem, estava sentado em uma das cadeiras da cozinha. Havia descansado no corredor.
Olá – cumprimentou Norton, timidamente, ao entrar na cozinha.
Magareth ao pé do fogão, olhou por suas costas após o breve susto, sorriu para Norton, e continuou a coar o café que fazia.
- Ah – suspirou – Olá! Vejo que ninguém dormiu em? - perguntava, ela.
- Não – respondeu indiferente, aproximando-se da pia – somente as crianças... - girou a torneira.
- Está sem água – interfere o padre Bernard.
Margareth, do sorriso amarelo estampado no rosto, mudou seriamente, olhando para Norton milésimos de segundos. Norton girou ainda mais a torneira e a água não desceu.
- Como pode...? - confusa, Margareth abandonou o coador na panela ao lado e foi até ao lado de Norton, saber se de fato estava faltando água – Não pode ser!
- O terceiro ato – lança as palavras ao vento, o padre, os olhares fixados ao centro da mesa.
- O que?! - interrogou-se, Norton.
Bernard, levanta da cadeira, a arrasta para deixá-la no lugar, procura por suas roupas a bíblia que ainda carregava consigo. Naquele momento Norton pensava ter visto o padre fugir do casebre com mais nada, mas estava enganado. Bernard apontou para bíblia e recitou:
- João de Patmos, conhecem? - firmou o olhar, que passava de Norton para Margareth – ou Apocalipse de João... Quando a primeira taça foi derramada, chagas cruéis e malignas irromperam nos que tinham a marca da besta, condenando-os com a besta.
O olhar incrédulo de Norton, não entendia o que o padre queria com aquelas palavras. Bernard então continuou:
- Então a segunda taça foi derramada. Os mares e oceanos, transformados em sangue com os mortos da primeira taça, causando a morte de tudo que vive no mar.
O suor escorria do seu couro cabeludo, descendo por sua testa. Sua boca salivava, talvez pela precisão que soltava aquelas palavras para aqueles ouvintes da cozinha. Mesmo que o padre estivesse parado de falar naquele momento, Norton e Margareth não falariam nada a respeito, estavam fincados no chão. Por fim, o padre finalizou.
- E hoje... A terceira taça foi derramada. Os rios e as fontes de água potável se transformam em sangue. OS ANJOS COMEÇARÃO A LOUVAR O SAGRADO JULGAMENTO DE DEUS, que vingou o sangue derramado dos santos e profetas...et blasphemaverunt homines Deum.
O jorrar de sangue começou a descer da torneira já toda girada, desesperando Margareth. Apressou em girar de volta e impedir que mais do sangue escorresse daquela torneira.
Norton assistia atemorizado.
O padre Bernard, engoliu a seco e abandonou o local, direcionando-se para sala e em seguida para fora dela.
As mãos ensaguentadas, banhava toda a extensão dos braços da sra. Margareth. Custou, mas Norton se moveu, puxou a toalha de banho que a senhora havia preparado para o banho deles, enrolando os braços dela, limpando-a. A blusa branca que Norton estava vestido, umedecia com o sangue que consequentemente lhe sujava ao prestar ajuda.
Arregalando os olhos para as primeiras pessoas que lhes assistiam na cozinha, eles viram Elizabeth aparecer. Mais atrás vinha a jovem Ana Lusia. Intrigada com o que estava acontecendo, ao ver ambos enrolarem os braços e partes do corpo e a camisa de Norton suja de sangue, olhou fixamente para ele.
- O que houve? - perguntou ela – escutei o padre se exaltar, logo após passou tão depressa, que me fez vir aqui ver o que aconteceu...
Norton, inconformado, balançou a cabeça negativamente.
Ele não simplesmente contaria a Elizabeth que jorrou sangue da torneira no exato momento que o padre citava aquelas passagens bíblicas. Seu ceticismo lhe impedia de aceitar que aquilo que estava escrito nos livros do Cristianismo fazia sentido. Não fazia sentido algum. Alienígena chegaram a Terra, isto quebra a teoria principal... mas sua mente fritava, nada processava naquele momento.
Terminou de limpar parte dos braços que sujou ao ajudar Margareth, abandonou a cozinha e voltou a sentar na poltrona, na mudez inquietante para Elizabeth.
Ela buscava respostas, decidiu seguir ele.
- Norton, o que aconteceu? - perguntou novamente, passando pela sala outra vez.
O olhar fixado ao lençol qualquer espalhado pela sala, Norton se manteve sua reticência. Impaciente, Elizabeth aproxima da poltrona, agacha-se perto dele, sussurrando:
- Há sangue em sua blusa. Eu cheguei na cozinha, você e Margareth estavam limpando o sangue em vocês. Sei que não foi corte. Por favor me diz!
Negativou Norton mais uma vez.
- Eu tenho filhas, uma a mais do que você – dizia Elizabeth, forçando manter a visão que tinha dos olhos de Norton – preciso mantê-las seguras, assim como sei que você quer manter Yallow segura.
Pela primeira vez desde a cozinha, Norton voltou-se para Elizabeth, encarava-a. Buscava palavras. Seus olhos lacrimejavam, seu rosto avermelhado, mostrando o quão seu rosto demonstrava estar desconfortável.
- Sangue – disse Norton, pausadamente – desceu da torneira em vez de água...
Elizabeth se pôs de pé. Afastou-se alguns passos. Norton continuou:
- e o padre citou as passagens bíblicas do livro dezesseis do Cristianismo sobre as taças!
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