Capítulo 11 - Três Velas e Fósforos
Dizem que quando se vive uma tragédia, parece que aquela sensação de angustia vai ser interminável. Os momentos agonizantes, a escuridão lhe toma, o fôlego lhe acaba, o medo expressado em cada rosto ao seu redor lhe consome vivo. Os rostos familiares escorrem por seus olhos, as melhores lembranças com eles é o que restava pensar enquanto se continha sentado, encostado próximo a janela do casebre.
Lembrava das ruas que passou, via pessoas desesperadas, entrando em seus carros, juntando a família, trancando suas casas e partindo. Sobreviver daquilo com certeza. Todos estavam fazendo a mesma coisa.
Ele queria correr e encontrar seus pais ali, onde morava, lhe esperando ansiosos. Não pretendia fugir como a maioria, o prédio onde morava tinha subsolo, dava para família toda sobreviver ali, já bastava.
Mas desejar aquilo enquanto disparava sem fim por uma rua qualquer, com as lágrimas molhando todo seu rosto, seria impossível. Seus pais estavam no Brasil e era óbvio que eles não estariam de braços abertos lhe esperando, ainda mais sabendo que fazia dinheiro montado de Drag.
Jordan, após o silêncio ensurdecedor dentro do casebre, foi-se montando aos poucos em Michelly Michels. Deixou ser levada pelas emoções passadas e seus objetivos na qual fizeram ele ir para ali em uma cidade americana.
Com seus 23 anos, quando finalizou seu ensino médio, conseguiu uma bolsa de estudos para estudar engenharia civil. Era nerd, admitia, por isso o fluente envolvimento no inglês. Desde cedo almejava aquilo, talvez um país desenvolvido o aceitaria com mais rapidez sua orientação sexual. Mas seus pais não.
Fazia com que todos os estudos que teve, o bilíngue que ele era, a vida de adulto que levava anos ali sozinho em um outro país, fosse nada na frente de seus pais e isto acabava Jordan por dentro enquanto avançava para uma rua sendo devastada.
Deixando seus pensamentos aflorados, era inegável que ele buscava ajuda. Estava desnorteado, aquilo que viu no campo aberto perto de onde trabalha, parecia ter outros espalhados pela cidade e estes destruíam tudo que ela conhecia ali no centro da cidade. Não foi difícil de saber quando se vinham pessoas desesperadas de lá. Era só o que ouvia quando cortava as ruas.
Saindo de um gramado ralo, canteiro de uma lanchonete, Jordan correu entre o próximo beco apertado que viu e encontrou um homem escondido em um trailer. Apenas.
Inconsciente dos seus atos, suplicou por ajuda e uma porta rapidamente foi aberta para ela no passageiro. Estava lá dentro um homem sério, mas que naquele momento o temor esculpia sua face. Se chamava Eduard Martozzi.
Voltou a pisar no acelerador com toda força, manobrando o trailer novamente para sair dali.
A escuridão do casebre consumia. Aos poucos, após quase meia-hora confinados, alguns sussurros deYallow e soluços retrancados de Jordan, enquanto colocava sua peruca, os olhos de quem ali estavam, iam adaptando-se ao local. Iam enxergando as silhuetas dos objetos. As poltronas, a lareira próxima a entrada.
Um balcão dividindo a sala e a cozinha, e mais ao fundo uma estante de livros, uma mesa redonda com bancos. Ao seu lado uma escada para o próximo andar.
- Já era para ter aparecido alguém? - pergunta, retoricamente Eduard, o rapaz todo tatuado.
Aqueles minutos trancados ali só serviram para aumentar a tensão e sentir que o ar criava um aspecto frio.
Norton, com os braços entrelaçados na pequena Yallow a sua frente, estava também encostado no balcão, de frente para a porta trancada da entrada.
- Sim – sussurrou Norton – Acho que sim.
Desta vez ele mirou o último degrau das escadas.
- Não tem ninguém lá – diz Eduard.
Mas ninguém se moveu dos lugares. Estavam dispostos a ficarem ali, esperando o que tivesse por suas cabeças sobrevoando, estivesse longe o possível, mas passava pela cabeça de Norton principalmente se haveriam pessoas lá em cima. Se estas pessoas haviam ou não, vistos eles entrarem e estariam com medo de descerem.
Contariam uma hora depois de encontrarem o casebre se alguém estivesse com algum relógio de pulso, visto que celulares estranhamente perderam suas multifuncionalidades. Eduard já pela parte de dentro da cozinha.
- Devemos subir – penetrou o silêncio, Eduard – Ou, pelo menos, saber se há alguém lá em cima.
Encarou Norton. Em seguida correu os olhos pro encolhido padre sentado em uma das poltronas. Este tinha em seu rosto, feições que lembrava Eduard, estar morto. Desceu a visão para Michelly desorganizadamente montada... mas nada.
Saiu da cozinha e direcionou-se para o começo da escada. Norton o acompanhou com os olhos.
- Alguém ai? - perguntou Eduard, altamente, esperando respostas.
Nada.
Havia apenas a escuridão lá em cima.
O tinir de água começou a tocar o teto daquele casebre. Naquele instante todos, que estavam ainda inertes, olharam para cima. O tinir aumentou, percebendo-se finalmente que se tratava de água. A chuva caía.
Eduard aproveitou a chuva para ser seu estopim e criar coragem para subir a escada visivelmente estreita.
- Ele subiu – sussurrou o padre.
Foram as primeiras palavras que o padre havia soltado desde que Norton o tirou da rodovia. O seguiu para aquele casebre e apenas sentou, com sua bíblia em suas pernas.
Norton assustou-se pela voz diferente que ouviu, mas logo olhou para o começo das escadas. De fato Eduard subiu.
Só o que se ouvia dali em diante, eram os estalos distintos e longe das madeiras da escada. O eco começava a despertar curiosidades de todos ali, como se esperassem por algo. Alguma resposta.
Novamente os estalos retornam. Não mais vindo das escadas, mas sim sob o teto de suas cabeças. O também piso de madeira. O barulho foi até a ponta e agora começava retornar.
Sem respostas, eles ali em baixo aguardavam quem agora parecia descer.
Das brechas deixadas pela cortina velha na janela da sala, Norton observava a neblina passar por entre o alpendre, enquanto a chuva só engrossava.
- Estou com frio papai – sussurra Yallow olhando para cima, procurando o rosto de seu pai. Seu queixo batia tamanha era o ar gelado que em minutos, surgia.
Norton Stephens a encarou e puxou-a para mais perto, cobrindo-a mais com as mangas de sua jaqueta.
Eduard retornou.
- Ninguém – diz Eduard, enquanto os demais o olhavam. Ergueu a mão – encontrei isto em cima de um criado-mudo no primeiro quarto.
Três velas e uma caixa de fósforo.
Intrigante. Por que haveria estas coisas uma do lado da outra? Seria como se soubessem que Eles haviam bizarramente parado a energia elétrica? Mas Norton desencanou. No final das contas eles estavam em um casebre dentro de uma floresta. Era normal haver velas espalhadas pelos cantos da casa.
Ainda segurando a mão de Yallow, Norton se moveu. Pegou uma das velas e decidiu ascender ali em cima do balcão. Ascendeu-a, deixou pingar algumas vezes e a colocou em cima. Estava fixa.
Eduard colocou a segunda no centro da sala, que agora com a claridade da primeira vela, conseguia visualizar uma mesa de centro.
- A terceira, colocaremos em um pires e a subimos – conclui Eduard, disposto.
Norton Stephens não subiria apenas por achar que teria camas ou conforto momentâneo seria melhor, mesmo que isto agradasse sua filha. Não. Ele subiria porque estava com medo. Constantemente olhava por de baixo da porta de entrada. O tinir a chuva entrando em estado torrencial, a neblina preencher possivelmente toda aquela área de floresta, e o fator principal que seria a falta de evidências que Eles estariam por ali, o amedrontava.
Subir uns degraus a mais não faria diferença alguma no final das contas, mas Norton não pensava nisto, apenas concordou com Eduard.
Ascenderam a última vela no pires retirado de um dos armários da cozinha e prontos para subir, conferiu a tranca da porta.
- Eu vou ficar aqui em baixo – interferiu o padre.
Michelly Michels que se erguia em pé e Norton que estava ao seu lado, o encarou.
- Por quê?
- Eu quero ficar – responde com uma veracidade de um ponto final de conversa. Enquanto respondia, acariciava a capa da bíblia que a segurava fielmente.
Norton olha de volta para Yallow, e abandonou a porta, seguindo Eduard que subia com o pires em mãos. Michelly veio logo atrás.
Saindo das escadas, com a escassa claridade da vela para todos, Norton conseguiu decifrar o segundo andar. Um corredor que começava logo ao sair da escada, dando de frente para uma janela ao fundo e ao seu lado mais um quarto.
Decidiu seguir Eduard, entrando no quarto.
O rapaz tatuado descansou o pires no criado-mudo e andou até a janela com também cortinas fechadas.
- Eu... - começou, Eduard enquanto brechava pela cortina a frente do casebre, exatamente de onde vieram. Ainda dava para ver nitidamente o seu trailer e mais a cima a camionete de Norton - ... só queria saber o porquê deste casebre estar vazio.
- Vai ver eles fugiram também – responde Norton com as mãos na cintura, em frente a porta.
Yallow viu aquela cama com o aspecto aconchegante e apressou-se para sentar-se.
- Pode ser – confuso, Eduard continuou – mas roupas – abriu o guarda-roupas. Intacto – retratos – apontou para o segundo criado-mudo, e lá estava três retratos dos possíveis rostos de quem moravam naquele casebre – e nem mesmo a comida. Quem fugiria sem levar nada disto? Acredito que nem eu nem você deixou alguma dessas coisas para trás.
Verdade. Lembrou das caixas de comida que conseguiu trazer com ele dentro da camionete e da foto que tanto relutou em trazer com ele, dentro da jaqueta.
Assim como Yallow, Michelly também fez. Com o rosto inchado por conta das sequências de choro, agora sentava ao lado da cabeceira da cama. Sua inexpressão perante a conversa afastava as perguntas que os demais homens queriam perguntar.
- Você olhou o outro quarto? - perguntou Norton, de repente.
- Bem rápido.
- Ok.
Soltando suspiros, Norton saiu do quarto e parou de frente a escada. Não desceria. Só queria parar em algum lugar que nem sua filha pudesse o observar e fazer a indigestão de tudo que processava. As vezes o sibilo subia e o vômito vinha e voltava.
Desta vez o vômito veio e Norton sabia que não seguraria.
Apressou-se para a janela que viu ao final do corredor, empurrou-a e despejou o vômito no gramado lá em baixo. Vomitou mais umas duas vezes até sentir o gosto azedo na boca.
Subia sua cabeça para dentro, quando percebia que atrás da casa, havia um outro casebre, idêntico ao que estavam.
Espantou-se ainda mais quando viu as luzes de um dos quartos de lá se apagarem.
Tinha algo lá.
Sentiu as suas costas, a escuridão tomar forma novamente. Por que?
Ainda conseguiu ver Eduard sair de dentro do quarto com as mãos na boca.
- Shiiii! - soltou ele – Eles estão aqui.
Como das outras vezes naquela manhã, o calafrio em sua espinha parecia trincá-lo. Yallow!
Passou por entre o Eduard e o corredor apertado e viu a pequena sair do quarto, amedrontada.
- Aqui filha, seu pai – Norton guia ela pela voz.
Agarra Yallow pelos braços e entra no segundo quarto próximo a janela de onde vomitou. Sem saber o que fazer, Eduard o segue, trancando aquele quarto, desta vez bem mais pequeno, contendo um banheiro minúsculo.
Ouviram então uma batida de porta.
Com certeza era do primeiro quarto. Esperou segundos para Michelly bater à porta daquele quarto, mas nada. Ela desceu ou trancou-se no quarto da frente.
Atordoados, Norton agacha-se com sua filha, no banheiro sem portas e Eduard se joga de baixo da cama.
Era angustiante esperar pelo pior.
Disparos, sinal ou qualquer outra bizarrice que indicasse que Eles entrariam na casa, nada aconteceu. A não ser por uma música que ecoou por todo o casebre. Coincidentemente Norton a conhecia bem, aquela música fez parte de sua infância. A canção da banda Rolling Stones invadia todo o local. Norton conhecia aquela música dos anos sessenta.
Combinado a incomodação por parte em saber de onde ela vinha e se Eduard a ouvia também, Norton encontrou, curiosamente e pertinentemente uma arma jogada na pia. Havia manchas notáveis de sangue nela.
Well, you've got your diamonds and you've got your pretty clothes
And the chauffeur drives your car
You let everybody know
But don't play with me, ''cause you're playing with fire...
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